ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO DIREITO PENAL: REALIDADE OU UTOPIA

May 27, 2017 | Autor: Diego Bayer | Categoria: Direito Penal, Ética, Meios De Comunicação
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Faculdade Cenecista da Ilha do Governador

TeRCi

Artigo Científico

ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO DIREITO PENAL: REALIDADE OU UTOPIA Diego Augusto Bayer Advogado Criminalista Especialista em Direito Penal Doutorando em Direito Penal pela UBA Docente do curso de Direito da FACASC e UNIASSELVI/FAMEG

RESUMO Este artigo teve como objetivo fazer um breve relato da relação entre a mídia e a ética, bem como, os limites invadidos através do jornalismo “espetáculo” criado pelos meios de comunicação. A pesquisa exploratória e bibliográfica possibilitou apresentar o conceito de imprensa, mídia, direito de informação, direitos de personalidade, dignidade da pessoa humana, entre outros. O trabalho se concentrou também em relatar, em breves linhas, o caso da Escola Base e do maníaco da bicicleta e as consequências causadas pelo mau uso do jornalismo e a falta de ética aplicada ao caso concreto. Palavras-chave: ética; mídia; presunção de inocência.

1. Introdução

Ao longo dos séculos a informação é elemento imprescindível para a promoção humana, desde a simples relação interpessoal dos sujeitos próximos até a formação da sociedade como um todo. Da informação nasce o fomento para formação do pensamento, das regras sociais, da manifestação de vontade, da organização do Estado, do desenvolvimento da economia. Questões simples ou complexas, corriqueiras ou fundamentais, na esfera de direitos individuais ou dos sujeitos da polis, a necessidade de informação é absoluta. Sem informação o homem é um ser isolado, à deriva dos acontecimentos e tolhido do papel de ator social, presa fácil dos detentores do poder.

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A necessidade de intercâmbio de informação é basilar em todas as sociedades e preponderantes para o desenvolvimento da vida social. Neste sentido, a observação antropológica de John B. Thompson (2002, p.19) traz que em todas as sociedades os seres humanos se ocupam da produção e do intercâmbio de informações e de conteúdo simbólico. Desde as mais antigas formas de comunicação gestual e do uso da linguagem até os mais recentes desenvolvimentos da tecnologia computacional, a produção, o armazenamento e a circulação de informação e conteúdo simbólico tem sido aspectos centrais da vida social.

Desde os primórdios dos tempos, as sociedades organizadas se valiam de sistemas de intercâmbio de informações, que se trata de redes criadas e controladas pela Igreja Católica, pelas autoridades bancárias, pelas casas comerciais, sociedades bancárias, até por mascates e trovadores, pois o povo das aldeias se reunia em mercados e tabernas da região para saber notícias de lugares mais distantes (THOMPSON, 2002, p. 63). Entretanto, desde o surgimento da imprensa de Guttemberg a partir da segunda metade do século XV, os padrões de comunicação foram aos poucos se transformando, deixando as formas rudimentares de transmissão de informação (linguagem, gestos, manuscritos) e assumindo a forma de publicações periódicas que noticiavam eventos e disseminavam informações de caráter político e comercial. Marcado assim o surgimento da imprensa e da era de comércio de notícias. Nesse contexto o termo “imprensa” não se limita ao aparato tipográfico desenvolvido por Guttemberg, mas ao conceito de comunicação de que (...) imprensa é o meio de comunicação que atinge a massa, formando conjunto de publicações periódicas que divulgam imagens, opiniões e informações sobre o que acontece em determinado local, de interesse para indivíduos e comunidades. (GARSCHGEN, 2000. p.35).

Assim, desde a criação da imprensa, a veiculação de informações era alvo de interesse de elites sociais de cada época, tais como a igreja, estado e nobreza, que mantinham e controlavam a transmissão de informação, notadamente, por se apresentar como incomensurável fonte de poder. A mídia exerce grande poder sobre a sociedade organizada, tanto que muitos autores a classificam como o quarto poder (Neste sentido: BRIGGS, 2006. p. 192-193). Este poder se manifesta de diversas formas, todas atreladas a interesses econômicos, políticos e ideológicos. Contudo, não se afasta do primordial projeto de se manter no poder, pelo poder.

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Trata-se tão somente de poder, é claro. No fim. O poder que a mídia tem de estabelecer uma agenda. O poder que ela tem de destruir alguém. O poder que tem de influenciar e mudar o processo político. O poder de capacitar, animar. O poder de enganar. O poder de mudar o equilíbrio de forças: entre estado e cidadão; entre país e país; entre produtor e consumidor. E o poder que lhe é negado: pelo Estado, pelo mercado e pela audiência, cidadão, consumidor opositores ou resistentes. Trata-se apenas de propriedade e controle: o quem, o quê e o como. (SILVERSTONE, 1995. p. 263)

Fator de sucesso - ou mesmo de sobrevivência no mercado midiático - é a manutenção de uma pauta repleta de espetáculos, de imagens e textos que garantam a audiência, fator preponderante para atrair/manter os anunciantes comerciais e a rentabilidade dos anúncios. Nesse contexto, impera a avidez pelo furo, a manchete impactante, a exclusividade. Notadamente para televisão em que (...) o índice de audiência exerce um efeito inteiramente particular: Ele se traduz na pressão da urgência. A concorrência entre jornais e a televisão, a concorrência entre as televisões toma forma de uma concorrência pelo furo, para ser o primeiro. (BOURDIEU, 1997. p. 38-39)

Tocante à notícia, espera-se a divulgação transparente de fatos reais, com dados objetivamente apurados e despidos de opinião (o dever ser). Contudo, de modo geral a imprensa não se satisfaz com a pura e simples informação dos fatos, lançando mão da manipulação dos fatos por meio do texto que melhor atenda aos seus interesses econômicos, políticos e ideológicos. Perseu Ábramo, jornalista que se dedicou ao estudo destes fenômenos, ensina que no processo de propagação da informação O texto passa a ser mais importante que o fato que ele reproduz; a palavra, a frase, no lugar da informação; o tempo e o espaço de cada matéria predominando sobre a clareza da explicação; o visual harmônico sobre a veracidade ou fidelidade. O ficcional espetaculoso sobre a realidade. (ABRAMO, 2003. p. 20)

No mesmo norte, em substrato de artigo científico publicado pela Revista Síntese, tratou-se do enfoque da falta de objetividade dos textos veiculados nos noticiários, discorrendo que a notícia deve sempre ser objetiva, sendo seu texto livre de manifestação de opinião. Ocorre que, no processo de seleção, a notícia já perde parte da objetividade, além de, na maioria das vezes, já receber opiniões de quem as escreve. (BAYER, 2013. p. 39)

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No mesmo sentido, há a lição de Marilena Chauí em observância ao mecanismo da informação eivada de opinião. Na velocidade que o mercado da informação demanda, ocorre que (...) a notícia é apresentada de forma mínima, rápida e, frequentemente, inexata e, de outro lado, deu-se a passagem gradual do jornal como órgão de noticias a órgão de opinião, ou seja, os jornalistas comentam e interpretam as noticias, opinando sobre elas. Gradualmente desaparece a figura essencial do jornalismo: o jornalismo investigativo, que cede lugar ao jornalismo assertivo ou opinativo. (CHAUÌ, 2006 p. 12-13)

Anitua (2003, p. 141) expõe que La propaganda comercial, vendiendo subliminalmente a través de la ficción o directamente con la divulgación de noticias, no era un elemento de mención a fines del siglo XVIII ni en el XIX. Este sí es un fenómeno característico del capitalismo avanzado. Lo curioso del caso es que este proceso se da paralelamente con la mayor injerencia de los medios de comunicación de masas como formadores de las opiniones de las personas individuales reunidas en público y con la mayor dependencia de los medios para adquirir información.

Se o fato não for interessante o suficiente para prender a atenção e interesse, a imprensa se vale de mecanismos para produzir uma notícia sensacional a partir de um fato mínimo, muitas vezes, inverídico.

2. A ética na mídia

A mídia contribui para a formação de opiniões, escolhendo quais assuntos são mais relevantes, criando sua “verdade absoluta”. Ocorre que a mídia não exerce com responsabilidade esta liberdade que possui, muitas vezes agindo sem ética na exposição dos fatos. Conforme Christofoletti (2008, p.80), as recomendações éticas geralmente são criadas em ambientes em que há relações laborais, encontrando-se reunidos em códigos de conduta, códigos de ética profissional e códigos deontológicos. Traz Christofoletti (2008, p.16) o conceito de ética, que pode ser entendido como “o pensamento sobre as regras e nossas relações com o mundo: se vamos ou não acatar as normas, e por que fazemos uma coisa e não outra”. Segundo Meireles (1999, p. 133), a ética (do grego ethika, costumes) também chamada moral (da palavra latina mores, costumes), etimologicamente define-se como a TerCi, v.02, n.02,jul./dez.2013

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ciência dos costumes. Não é uma ciência positiva que busca descrever apenas os costumes; vai além disso: pretende regular a forma como os homens devem viver, ou seja, é a ciência dos costumes tais quais devem ser. É uma ciência normativa na medida em que se ocupa “do que deve ser”, de um ideal e dos meios de realizar; as suas leis são juízos de valor que se aplicam às ações para as regular; é uma ciência prática na medida em que as regras prescritas por ela não são teóricas, mas referem-se à atividade do homem livre; é uma ciência universal porque seus preceitos valem para todos os homens onde quer que estes se encontrem; é categórica porque se impõe por si mesma de forma incondicional. A preocupação com a ética na mídia nunca esteve tão em pauta. As grandes evoluções nos meios de comunicação, em que as informações chegam quase que de forma instantânea, aliadas ao grande número de escândalos promovidos pela mídia, faz com que surja a necessidade de discutir e reavaliar os padrões éticos dos responsáveis pelas redações e publicações em todo o mundo. Utilizam os famigerados jornalistas de fatos nem sempre apurados ou verdadeiros, para poder gerar audiência, esquecendo-se da ética profissional ao publicar tais informações. A ética no jornalismo é tida como uma necessidade básica e essencial. No Brasil, não são poucos os códigos que tentam estabelecer a ética no jornalismo. Dentre os mais conhecidos podemos listar: a) o Código de Ética e Auto-Regulamentação da Associação Nacional de Jornais (ANJ); b) Princípios Éticos da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner); c) Código de Ética da Radiodifusão Brasileira, da Associação de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e o d) Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o qual foi assinado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Os códigos da Associação Nacional de Jornais e da Associação Nacional dos Editores de Revistas não são um código de ética propriamente dito, mas sim uma carta de princípios, uma vez que não trazem sanções a quem os descumprir. Todavia, pode-se destacar o Código de Ética e Auto-Regulamentação da Associação Nacional de Jornais, do qual se ressaltam três das dez regras. Primeiro, os jornais comprometer-se-iam a "apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses", além de assegurar "acesso de seus leitores às diferentes versões dos fatos e às diversas tendências de opinião da sociedade" e também "respeitar o direito de cada indivíduo à sua privacidade, salvo quando esse direito constituir obstáculo à informação de interesse público".

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O código redigido pela Federação Nacional dos Jornalistas (2007) prevê, no seu terceiro capítulo, as suas responsabilidades profissionais. Dentre os artigos, destacam-se o artigo 9º e o artigo 11º, que expõem Art. 9º A presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística. Art. 11. O jornalista não pode divulgar informações: I - visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica; II - de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes; III - obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração.

No entanto, não é o que ocorre quando se assiste à televisão ou se lê uma página de jornal. O que tem se visto é um protecionismo aos órgãos de imprensa, em virtude de censuras que sofreram durante o período da ditadura, não havendo, portanto, coragem por parte de alguns órgãos do Poder Judiciário em reprimir reportagens sem ética veiculadas na imprensa. Em quase todos os casos, não se respeita a presunção de inocência, dando um caráter sensacionalista à matéria. O fato é que a mídia se preocupa tão somente com sua audiência, não tendo qualquer preocupação com a ética ou os direitos do acusado. Nesse sentido, Carnelutti (2010, p. 06) já salientava Um pouco em todos os tempos, mas no tempo moderno sempre mais, o processo penal interessa à opinião pública. Os jornais ocupam boa parte das suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos. Quem as lê, alias, tem a impressão de que tenha muito mais delitos que não boas ações neste mundo. A ele é os delitos assemelham-se às papoulas que, quando se tem uma em um campo, todos desta se a percebem; e as boas ações se escondem, como as violetas entre as ervas daninhas. Se dos delitos e dos processos penais os jornais se ocupam com tanta assiduidade, é que as pessoas por estes se interessam muito; sobre os processos penais assim ditos célebres a curiosidade do público se projeta avidamente. E é também esta uma forma de diversão: foge-se da própria vida ocupando-se da dos outros; e a ocupação não é nunca tão intensa como quando a vida dos outros assume o aspecto do drama. O problema é que assistem ao processo do mesmo modo com que deliciam o espetáculo cinematográfico, que, de resto, simula com muita frequência, assim, o delito como o relativo ao processo. Assim como a atitude do público voltado as protagonistas do drama penal é a mesma que tinha, uma vez, a multidão para com os gladiadores que combatiam no circo, e tem ainda, em alguns países do mundo, para a corrida de touros, o processo penal não é, infelizmente, mais que uma escola de incivilização.

Conforme Mello (1998), ao noticiarem o fato, os meios de comunicação não se limitam a informar. Estes tomam partido, julgam e condenam, ampliando os estigmas, sem dar voz à parte contrária. Aí está o diferencial do poder exercido pelos meios de comunicação, TerCi, v.02, n.02,jul./dez.2013

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pois apesar de legítimo e simbólico, produz efeitos reais causando essa dominação dos grupos. Vera Malaguti Batista (2003, p. 33) que “os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, são hoje fundamentais para o exercício do poder de todo o sistema penal, seja através dos novos seriados, seja através da fabricação da realidade para a produção de indignação moral, seja pela fabricação de estereótipo do criminoso”.

3. O jornalismo e a busca pela audiência

A mídia, como já exposto anteriormente, em razão da grande influência que exerce sobre as pessoas, é considerada por doutrinadores e pesquisadores, como o quarto poder, devido à capacidade de manipular a opinião pública. Para muitos telespectadores, o que a mídia apresenta é uma verdade absoluta, em razão da grande dificuldade de filtragem da informação pela maioria da população. Diversos são os fatos que acontecem em todo o mundo, mas poucos são os relatados, eis que há uma seleção dos fatos que serão amplamente divulgados. Isto se denomina o princípio da seletividade. Certo é que esta seleção deveria seguir padrões éticos e profissionais, no entanto, a mídia tem se interessado apenas nos altos índices de audiência, utilizando-se do uso do sensacionalismo através do sangue, sexo e crime, fatos estes que fascinam. A mídia, ao selecionar os fatos, seleciona também quais informações e pessoas serão importantes em relação ao fato, explicando e interpretando a “realidade”. Bertrand (1999, p.53) traz que “inegavelmente, a mídia determina a ordem do dia da sociedade: ela não pode ditar às pessoas o que pensar, mas decide no que elas vão pensar”. O jornalismo tem sido adaptado ao espetáculo e, através dessa seleção de conteúdo, a mídia tem o “poder de construção da realidade”, criando pessoas incapazes de contestar, garantindo assim sua “verdade absoluta”. Essa ampla divulgação e o superdimensionamento de fatos episódicos e excepcionais sobre os crimes escolhidos pela mídia, conforme Carvalho (2010, p.14) acabam por aumentar a vontade de punir que caracteriza o punitivismo contemporâneo. Além dessa criação do espetáculo e da construção de uma realidade própria, o veículo de informação, na busca insana pela audiência, esbarra também na necessidade de ser o primeiro a divulgar o fato, fazendo com que se crie uma realidade parcial ou até mesmo

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inexistente, sem sequer escutar o outro lado da história, ou seja, a versão do acusado, publicando apenas uma verdade parcial, ignorando por completo os direitos de personalidade (leia-se: vida privada, intimidade, honra, imagem dos envolvidos), como também o princípio da presunção da inocência. Em razão disso, Silva (apud Carvalho, 2010, p.23) expôs que Tudo deve ter um limite. O direito de um termina quando se inicia o de outrem. Quando é desrespeitado esse princípio, o mais forte começa a impor ao mais fraco seu pensamento e sua forma de agir. Pois bem, quem é mais forte nesse país: a classe política, a Igreja, as Forças Armadas ou a imprensa? Discutível dizer qual delas. Entretanto, é indiscutível que a imprensa televisiva exerce poderosa influência. Em um país pobre e analfabeto como o Brasil, a televisão vem exercendo papel preponderante nas mudanças de costume e de padrões de vida da população.

Anitua (2003, p. 161) ressalta ainda que Es curioso que justamente en quienes se advierte una actitud de sospecha sobre la “realidad” que se exhibe en, por ejemplo, los medios, podamos reconocer un esencialismo indudable. Al sospechar de una realidad determinada demuestran que creen que existe otra realidad “verdadera” que se encuentra oculta tras la otra, construida precisamente para ello: para ocultar “la realidad real”.

Desta forma, os meios de comunicação vieram “degrau a degrau” criando um discurso “midiático” ao gosto de seu telespectador, transformando-se, como exposto, em jornalismoespetáculo. Melossi (1992, p. 248) refere-se aos meios de comunicação como “fábrica de mitos” e assinala que “um discurso nunca é simplesmente a expressão de uma opinião, mas uma proposta para organizar o mundo de determinada maneira”. Em vista disto, Schecaira (1996, p. 16) entende que a mídia é uma fábrica ideológica condicionadora, pois não hesita em alterar a realidade dos fatos criando um processo permanente de indução criminalizante. Traz ainda que Zaffaroni e Cervini (...) destacam que os meios de comunicação de massas, ao agirem dessa forma, atuam impedindo os processos de descriminalização de condutas de bagatela (por exemplo), incentivando a majoração de penas, constituindo-se, pois, num dos principais obstáculos à criação de uma sociedade democrática fundada nos valores de respeito aos direitos dos cidadãos e da dignidade humana.

Estes meios de comunicação, em decorrência da nova política neoliberal, utilizam-se deste fenômeno midiático criminal (também chamado de populismo midiático) como produto a ser ofertado ao público (BOURDIEU, 1997, p. 65). Assim, encontra na população uma receptividade, criando um ciclo a partir do medo e da insegurança coletiva, fomenta medidas

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políticas, que acabam por violar garantias constitucionais, vulnerabilizando os direitos humanos e aumentando cada vez mais o Estado punitivo. Nilo Batista (1990, p. 138), expõe que "a imprensa tem o formidável poder de apagar da Constituição o princípio da presunção de inocência, ou, o que é pior, de invertê-lo". Não raras vezes, os acusados são tratados como condenados e sofrem a estigmatização do linchamento público sem que, ao menos, tenham qualquer possibilidade concreta de defesa. Em relação a esse poder de manipulação e influência, Marques (2010) expõe com indignação que no Brasil se aprende a conviver com as misérias em nossa porta, mas não dentro de nossas casas. A divulgação de grande parte dos crimes hediondos é feita por jornais de periferia, nos quais são normais as notícias de decapitação e corpos encontrados nos esgotos, notícias estas não expostas em grandes veículos, já que ocorrem na maioria das vezes com classes desfavorecidas. Saliente-se que “seria muito mais proveitoso se a mídia utilizasse de sua força que nos emociona para promover uma mudança de valores em nossa sociedade”. Então, para legitimar estas ações, os meios de comunicação criam ideias de que “todo bandido deve morrer”, de que “temos que aumentar as penas dos crimes”, “criar leis mais rígidas”, “instituir a pena de morte”, ou quem sabe, “jogar uma bomba nas favelas”. Este discurso dos meios de comunicação legitimam um punitivismo excessivo e a exclusão social, como se essas atitudes fossem a única forma de acabar com a criminalidade. Em seus discursos, os meios de comunicação impõem suas opiniões, manipulando e controlando a informação, tirando proveito de sua credibilidade para tentar impor para seu público que sua exposição é a verdade absoluta. Conforme Vieira (2003) a opinião pública (ou seja, as ideias da população) não são construídas livremente, mas sim, são criadas após a opinião dos meios de comunicação, depois destes meios são terem selecionado seus assuntos, feito a matéria e divulgado as próprias reações do público que ela mesma provocou. Fábio Martins de Andrade (2007, p. 47) expõe que os meios de comunicação “deixaram de informar para formar opinião”, ou seja, deixou de informar para definir o que quer que seja repassado adiante. É indiscutível que os meios de comunicação divulgam os fatos conforme percepções próprias, selecionando apenas o que lhe convém que o público fique sabendo. Steinberger (2005, p. 92) traz que nos discursos jornalísticos, há uma especificidade no modo de recortar os fatos. O fato não se confunde com a notícia. É preciso lidar com a substância específica de 'atual idade' e com o recorte do acontecimento como fato jornalístico ou noticioso. Isso pressupõe condições de noticiabilidade, como por exemplo que o fato seja de interesse público, que sua divulgação preste algum tipo de serviço à comunidade

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receptora, que ele tenha um potencial de sedução apelativa, ou seja, capacidade de despertar a curiosidade e a atenção dos potenciais receptores etc.

Através dessa curiosidade do público, os meios de comunicação se aproveitam para bombardear os noticiários com espetáculos circense-criminais tão apenas para alcançar maiores índices de audiência. Boldt (2013, p. 67) explica que A intervenção do jornalista na reconstrução da realidade ocorre já na definição da "pauta" do que deverá ser noticiado, momento em que se descartam informações cuja importância foi reduzida. O trágico desta seleção está exatamente na modificação dos critérios pertinentes à relevância dos fatos, substituída pelo mero interesse do público. Neste ponto, merece destaque a corrida pela audiência em que se lançam os meios de comunicação. A concorrência e a busca incessante por pontos na audiência só tem piorado a qualidade das notícias que, quase sempre, se pautam apenas na busca pelo "furo".

Não se divulga o que não vende, mas sim o que vende e dá audiência, o que está sempre estritamente ligado com a politica do governo. Logo, "os políticos atuam e decidem em função dos meios de comunicação massiva. [...] O Estado se torna um espetáculo diante do escasso exercício do poder efetivo de seus operadores: não importa o que se faz, mas sim a impressão do que se faz" (ZAFFARONI, 1997, p. 34). Assistimos todos os dias a jornalismos espetáculos que noticiam “ao vivo” sobre sequestros, homicídios, rebeliões, fatos que, apesar de serem considerados normais e naturais, quando uma amplitude “midiática”, reiterando-se várias vezes apenas para utilizar do sensacionalismo para alcançar grandes audiências. Não só bastasse distorcer os fatos através de seu discurso espetáculo, os meios de comunicação fazem seu público acreditar em que a violência e criminalidade crescem sem precedentes. Escolhem determinados tipos penais e os noticiam com dramaticidade, fazendo os cidadãos mudarem seus comportamentos em razão da tal “violência crescente”. Canavilhas (2007, p. 05), afirma que "[...] a espectacularização da notícia é consequência do domínio da observação sobre a explicação. A televisão procura prender o espectador, dando prioridade ao insólito, ao excepcional e ao chocante". Guy Debord (1997, p. 14), por sua vez, assinala O espetáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade, como uma parte da sociedade e como instrumento de unificação. Como parte da sociedade, ele é expressamente o setor que concentra todo olhar e toda consciência. Pelo fato desse setor estar separado, ele é o lugar do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza é tão somente a linguagem oficial da separação generalizada.

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Não são poucos os casos que os meios de comunicação transformam em “meros espetáculos”, senão vejamos alguns casos recentes como o julgamento do ex-astro de futebol americano O.J. Simpson, a morte da princesa Diana, o julgamento do ex-oficial da marinha argentina Alfredo Astiz, o caso de María Soledad Morales, os casos brasileiros de Suzane Von Richthofen, da criança Isabela Nardoni, do jogador de futebol Bruno, para citar apenas alguns exemplos, no qual a única coisa que os meios de comunicação fizeram foi um espetáculo em torno do caso para “vender notícias” e aumentar a audiência. Para se entender a dimensão de poder que os meios de comunicação possuem, analisemos, por exemplo, o caso norte americano O.J. Simpson, que fora transmitido pelos meios de comunicação tendo mais de 2.000 horas ao vivo somente em 3 canais de televisão, atingindo 20 milhões de pessoas, interrompendo inclusive um discurso do presidente Bill Clinton quando foi dado o veredicto (ANITUA, 2003, p. 193-194). Este caso ilustra a dimensão que os meios de comunicação podem proporcionar a um processo, podendo inclusive influenciar a sociedade para que pense do modo que os grandes detentores destes meios queiram. Este jornalismo espetáculo investiga de acordo com sua conveniência, capta falas de suspeitos e as manipulam, trazem imagens irreais, criando sua própria verdade em relação ao crime ocorrido, fazendo com que seu público acredite nesta “verdade absoluta”, rompendo com a relação entre o real e o imaginário. Canavilhas (2007, p. 05) relata que a utilização pelos meios de comunicação de quatro elementos na espetacularização da notícia: 1. Selecção de dramas humanos - Procura-se explorar os sentimentos mais básicos da pessoa, pondo em destaque casos de insatisfação das necessidades básicas identificadas por Maslow, nomeadamente as necessidades fisiológicas e a segurança. 2. Reportagem/directo - Recurso ao enquadramento local, se possível na hora do acontecimento, tirando partido da emoção oferecida pelo repórter no papel de testemunha ocular do acontecimento. 3. Dramatização - Uso dos gestos, do rosto e da expressão verbal (volume, tom e ritmo de voz) para emocionar ou sublinhar as imagens que desfilam no pequeno ecrã. Usualmente, são cinco os procedimentos clássicos da dramatização: o exagero, a oposição, a simplificação a deformação e a amplificação emocional. 4. Efeitos visuais - Todo o esforço de montagem e pós-produção, que permite manipular o acontecimento através da selecção das imagens mais elucidativas.

Segundo Naves (2003), a espetacularização da notícia, essencial na busca pelo entretenimento, propicia a confusão entre "interesse público" e "interesse do público", desculpa frequentemente invocada pela mídia para exigir informações e justificar invasões de TerCi, v.02, n.02,jul./dez.2013

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privacidade. Transformou-se a informação em mercadoria de entretenimento, com apelos estéticos, emocionais e sensacionalistas, “onde o espetáculo em cartaz é a vida” (PENA, 2008, p. 87). Portanto, verifica-se que a construção da realidade televisiva vem exigindo que se dê uma atenção especial ao conteúdo dramático e emocional, sendo necessário cumprir duas regras fundamentais: a) Garantir a compreensão do discurso, através de um fio condutor perceptível a todos. Enquanto que a realidade tem tendência para apelar a todos os sentidos, a realidade televisiva deverá procurar que a mínima fixação do sentido seja o suficiente para que o telespectador entenda a mensagem. Esta forma dos media garantirem a compreensão da notícia colhida da realidade está sintetizada em três processos: 1. Simplificação - Procura-se construir uma intriga reduzindo o número de personagens e situações e eliminando os elementos de difícil compreensão. Desta forma, procura-se que a informação seja acessível à generalidade dos cidadãos. 2. Maniqueização - A informação procura sempre dividir a acção em dois pólos de intriga: o bem e o mal. 3. Actualização e Modernização - Os anacronismos intencionais são outra forma de facilitar a compreensão. O transporte de uma personagem ou de uma situação do passado para um comportamento do presente permite uma percepção mais rápida da mensagem. Estes processos exigem do telespectador um raciocínio simples, gênero, causa-efeito. b) Procurar uma linguagem, não só simples, como próxima da linguagem de rua. Este facto permite que o telespectador se transporte para o local do acontecimento. (CANAVILHAS, 2007, p. 06)

Canavilhas (2007, p. 09) ainda ensina que as informações espetáculos proporcionadas pelos meios de comunicação possuem quatro vícios que podem torná-las pouco consistentes, falaciosas e especulativas 1. Sensacionalismo - Misturando três ingredientes - sangue, sexo e dinheiro - a informação-espectáculo obtém a fórmula que faz subir audiências. A estes ingredientes, juntam-se ainda o aparentemente inesperado, o falso exclusivo e o surpreendente. Mas com os mesmos ingredientes podem fazerse produtos diferentes [...] 2. A ilusão do directo - A maximização da emoção é transmitida via informação em tempo real. Se ao directo se associar o imprevisto, então a informação- espectáculo atinge o seu ponto mais alto [...] 3. Uniformização - O directo não permite pontos de vista. As imagens são colhidas em bruto, restando apenas liberdade de comentários. A falta de background conduz à uniformização do comentário e à redundância, já que o acontecimento é apenas e tão só o momento. Não há referências históricas, não há recurso à técnica, nem hipóteses de simulação.

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4. Os efeitos perversos - O julgamento "à priori" é, talvez, o efeito mais perverso da informação-espectáculo. O querer mostrar mais, leva aos directos e às simulações sem bases que o suportem. Sendo a informação mais rápida que a Justiça, o telespectador é induzido a efectuar o ser próprio juízo, fazendo com que o próprio julgamento fique desde logo condicionado.

Esquecem os meios de comunicação que a violência sempre existiu e sempre existirá, independente de seu apelo midiático. Contudo, o que os meios de comunicação vêm fazendo é propagar o medo, maximizando a intervenção penal do Estado e criando estereótipos criminosos que fazem com que aumentem as desigualdades, gerando, em decorrência dessas desigualdades, mais violência e criminalidade. Del Moral García (apud ANITUA, 2003, p. 283-284) expõe que es sabido que una misma noticia admite muy diversos enfoques, pero, por desgracia, no es extraño el intento de ‘rentabilizar’ la información, difundiéndola como si se tratase de un espectáculo donde el delincuente encarna virtudes heroicas o donde la violencia se percibe con total naturalidad, es decir, sin que merezca el menor reproche moral y jurídico.

Assim, com a combinação ideal entre alcance e profundidade, os meios de comunicação não apenas constroem socialmente a criminalidade, mas realizam uma das suas mais notáveis funções, a fabricação do estereótipo do criminoso, fundamental para reforçar o problema estrutural da seletividade do sistema penal, cuja seleção varia, entre outras coisas, conforme a descrição produzida pelo discurso midiático. Um dos exemplos mais conhecidos dentro da imprensa brasileira de erros cometidos pela mídia é o caso Escola Base, tendo em vista que violou, de maneira irreparável, a vida privada de pessoas inocentes. Baseada em informações incertas, sem a mínima apuração dos fatos, a mídia estigmatizou e etiquetou como se condenadas fossem pessoas inocentes. Na Obra Caso Escola Base: Os abusos da imprensa (RIBEIRO, 1995) o autor apresenta estudo sobre este caso de repercussão nacional em que a imprensa (Jornal Nacional – Rede Globo) apresenta seis pessoas como agentes de violência sexual contra crianças de uma escola particular. De forma aqui resumida, extrai-se que na cidade de São Paulo, estado de São Paulo, na semana santa de 1994, cidadãos comuns foram acusados de abuso sexual de crianças. Jornais e emissoras de TV não só veicularam versão não investigada, como apresentaram ao grande público com verdade absoluta. O povo se revoltou e a audiência era constantemente alimentada com o espetáculo de notícias falsas sobre a “escolinha do sexo”. Aquelas pessoas tiveram o patrimônio saqueado; ruína nas finanças; intimidade, honra e imagem violados; bem como a vida privada destruída. Ao perceber o erro a imprensa pediu desculpas. Tarde

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demais. Nem as provas de inocência e absolvição da justiça amenizaram o drama vivido pelos seis acusados. Pessoas inocentes que tiveram suas vidas devassadas pela imprensa e que até hoje carregam essa marca. Fenômeno semelhante aconteceu na cidade de Joinville, no estado Santa Catarina. A imprensa local se engajou na pauta conhecida como “o estuprador da bicicleta”. A população estava aflita e o assunto garantia a audiência e o sucesso nas bancas de jornal. Neste caso, estava acontecendo uma série de estupros praticados por um sujeito de bicicleta, fato resumidamente apresentado no prefácio da obra Na teia da mídia (SCHETTERT e NETO, 2011) assim relatado pelos autores: Em 2000, Joinville ganhou destaque na mídia nacional depois que um maníaco sexual começou a atacar suas vítimas usando bicicleta. Desta vez, a confiança cega da imprensa nas ditas fontes oficiais de informação quase custou a ruína de uma tradicional família da cidade. A desastrosa dependência de jornalistas a fontes oficiais de informação levou a condenação pública e linchamento moral do trabalhador braçal Aluísio Plocharski. Meses depois o verdadeiro criminoso seria preso. (op. cit., p.5)

Apurados os fatos e declarada a inocência, o jovem Aluísio Plocharski não teve o mesmo tratamento (espaço) na mídia para tornar público um erro da imprensa e das autoridades. A possibilidade de reconstruir a vida que levava antes de virar notícia é remota. Em poucos dias a imprensa destruiu uma reputação construída ao longo da vida. Estes dois exemplos demonstram os mecanismos empregados pela imprensa na persecução de alguns de seus objetivos, notadamente da audiência e lucro a qualquer preço, mesmo que fatos não investigados sobreponham-se a presunção de inocência e/ou inviolabilidade da vida privada do indivíduo. Dentre os mecanismos da imprensa em seu projeto de poder, estes se apresentam como porta-vozes da opinião pública, um sofisma em muito desassociado da verdade. Pois não há de confundir a liberdade de expressão sobre assuntos públicos com a opinião pública. Neste sentido: Há, portanto, uma perigosa confusão entre as esferas privada e pública. A liberdade de imprensa garante que empresas privadas de mídia expressem seus pontos vistas obre os assuntos públicos, mas eles serão sempre o que apenas são: opinião privada tornada pública e não opinião pública. (LIMA, 2006. p. 27).

Questão relevante para a política jurídica é a preocupação do Estado, operadores jurídicos e a sociedade como um todo em criar meios de conferir inviolabilidade bens jurídicos personalíssimos, dos direitos e garantias fundamentais conferidos pela carta constitucional do Estado. TerCi, v.02, n.02,jul./dez.2013

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Ninguém está salvaguardado de ser indevidamente colocado no epicentro de uma notícia sensacionalista e irresponsável, pois verossímil que o modelo mercadológico da imprensa está à espreita do próximo furo, do próximo espetáculo. A Constituição Federal de 1988 recepcionou os direitos humanos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil é signatário, conferindo-lhes status de norma constitucional e de aplicabilidade imediata. Não só os direitos humanos, mas, especificamente, a dignidade da pessoa humana, que está elencada no rol de fundamentos do Estado democrático de direito por meio do art. 1º, III, da Carta Magna: Art. 1º A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados e Municípios e do Distrito Federal, constituí-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana.

No capítulo II, dedicado a elencar os direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos, a Constituição Federal de 1988 assegura em seu art. 5º a liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV) e a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (inciso X). A liberdade de informação é um direito pessoal, individual, mas que apresenta seus efeitos na coletividade, na sociedade organizada. Direito este tutelado pelo Estado e “compreende a procura, o acesso, o recebimento ou a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer.” (FLOSI, 2012. p. 249). O indivíduo tem direito a informação e assim obter subsídios na formação do pensamento, fazer uma leitura de mundo, identificar, entender e resolver suas questões, compreender sua essência, se relacionar, produzir, viver consigo mesmo e na sociedade. O exercício da cidadania passa pelo direito da informação, bem como a imprensa assumiu um relevante papel social e contribui para a cidadania. A exemplo disso, o histórico movimento social pelo pela democracia e a construção do Estado democrático de direito. O povo manifestou seu pensamento sobre o Estado que queriam ser/ter. Na forma e nas oportunidades que o regime militar permitia, coube à mídia, paulatinamente, apoiar o ativismo democrático, mostrar a mobilização popular e dar voz ao brado de “diretas já”, movimento político-social que fez ruir os pilares ditatoriais.

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Bem verdade que a imprensa deve atuar de forma livre, sem censura ou intervenção do Estado, mas sem atentar contra os direitos individuais, nem se distanciar de sua função social, da ética, da moral. Não raras as vezes que os objetivos da atividade de imprensa extrapolam o intuito de informar, assumindo condutas que conflitam com a proteção dos interesses individuais, em que a veiculação da notícia – por sua forma e conteúdo – ferem direitos e garantias fundamentais, tolhendo do indivíduo bens jurídicos que lhe são caros, essenciais à dignidade, tais como a privacidade, intimidade, honra ou imagem. Pelas normas e princípios constitucionais, o sistema normativo infraconstitucional brasileiro não possui o condão de positivar formas de equacionar eventual colidência entre os direitos de livre manifestação do pensamento e o interesse de individual de tutela da personalidade. Sobre a supremacia dos princípios constitucionais, tem-se que a maioria dos operadores jurídicos ao serem apresentados à teoria constitucional, ainda nos bancos da graduação, analisam a gênese da constituição normativa do Estado e interpretação de seus códigos positivos a partir da lição de José Joaquim Gomes Canotilho, que discorreu sobre o tema com propriedade: O programa normativo constitucional não pode se reduzir, de forma positivística, ao texto da constituição. Há que densificar, em profundidade, as normas e princípios da Constituição, alargando o ‘bloco de constitucionalidade’ a princípios não escritos, mas ainda reconduzíveis ao programa normativo-constitucional, como forma de densificação ou revelação específicas de princípios ou regras constitucionais positivamente plasmadas. (CANOTILHO, 1996. p. 982)

No mesmo sentido, contemplando o efeito prático dos operadores jurídicos, a visão de Paulo Bonavides (2000, p. 260), em que leciona: As regras Vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere se exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores fundamentais, governam a Constituição, o regime, a ordem jurídica. Não são apenas leis, mas o direito em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude e abrangência. A esta altura, os princípios se medem normativamente, ou seja, têm alcance de norma e se traduzem por uma dimensão valorativa, maior ou menor, que a doutrina reconhece e a experiência consagra. Consagração observada de perto na positividade dos textos constitucionais, donde passam á esfera decisória dos arestos, até constituírem com estes aquela jurisprudência principal (...).

Quando nos contornos do caso concreto há colisão de interesses protegidos pela Constituição, cabe ao Poder Judiciário analisar e valorar o bem jurídico mais importante, a fim de que este seja tutelado pelo Estado. TerCi, v.02, n.02,jul./dez.2013

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Neste norte, analisando-se a jurisprudência recente, já decidiu a 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, contemplando, com primazia, a doutrina constitucional e regras ordinárias de experiência advindas da sociedade e seus agentes individuais ou que intitulam agentes de interesse da coletividade: Com efeito, em casos complexos de proximidade entre dois direitos constitucionais, é necessário lembrar que a Constituição Federal protege tanto o direito de informar, com base na liberdade de imprensa, quanto o direito de o cidadão ter preservadas de ofensas a sua honra e a sua dignidade. A livre manifestação da imprensa, assim, encontra limite apenas na ofensa à honra e à dignidade daqueles que se vêem objeto de notícia ou de reportagem. Os doutrinadores já se debruçaram sobre o tormentoso tema, lançando obras riquíssimas acerca de assunto e todos, sem exceção, sempre reconheceram a dificuldade de conciliar e equilibrar conceitos de tamanha grandeza. A liberdade de informação e a livre manifestação da imprensa precisam ser compatibilizadas com o direito inalienável que possui cada cidadão de não ver sua honra enxovalhada e denegrida sob o pretexto de que é livre o direito de informar. A partir daí, o que precisa se analisar, em cada caso positivo, se ele atingiu a honra daquele que protagonizou o fato veiculado a pretexto do direito de informação (...) (TJSP. Apelação Cível nº 570.209-4/0-00 Des. Rel. Maia da Cunha).

A tarefa não se mostra fácil. Na visão de J. J. Gomes Canotilho (1996, p. 647) “não existe um padrão ou critério de solução de direitos humanos fundamentais”, sugerindo a necessidade de ponderação na proteção dos interesses em conflito, a fim de harmonizar e se alcançar a justiça. Contrapondo-se a esta teoria doutrinária, extrai-se do corpo do Acórdão proferido na Apelação nº 9132300-89.2008.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, transcrição de decisão relatada pela eminente Ministra Nancy Andrighi, que, ao que se observa, apresenta tentativa de se estabelecer um parâmetro para verificação de abuso. Na decisão, entendeu a Ministra Relatora ser dispensável a “certeza absoluta da veracidade da informação” para divulgação do fato pela imprensa: A propósito, e de certo modo estabelecendo um parâmetro para a verificação do abuso, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, recentemente, no julgamento do Recurso Especial nº 984.803- ES, relatado pela eminente Ministra Nancy Andrighi, assentou que o abuso do direito de informar e criticar não se condiciona à certeza absoluta da veracidade da informação ou da crítica, afirmando que “Impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la e condená-la a morte”, uma vez que “O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial”. Concluiu Sua Excelência que “O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará. Pode se dizer que o jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar” (3ª Turma, julgamento de 26.05.2009, DJe 19/08/2009). TerCi, v.02, n.02,jul./dez.2013

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Em que pese o notável saber jurídico da Exma. Ministra relatora, entende-se que a decisão não se apresenta como melhor forma de proteger a dignidade da pessoa humana e os demais direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. O texto constitucional traz à primeira ordem a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Uma vez violados estes direitos, ainda que vier a ser fixada alguma indenização para a vítima de “esquartejamento público”, não há como assegurar a recomposição da esfera de direitos do indivíduo, tampouco haverá garantia de uma que compensação pecuniária seja suficiente para atenuar os danos experimentados.

4. Considerações finais

Verifica-se que a mídia se utiliza de mecanismos para sempre tentar ser a primeira a dar a notícia, bem como para manipular a grande massa para que pensem do modo que a notícia é relatada, muitas vezes criando uma “verdade absoluta”, impedindo a pessoa de efetuar uma reflexão sobre o que esta vendo ou lendo. A velocidade com que tem que ser efetuada a confecção das notícias faz com que os próprios jornalistas não reflitam sobre o que irão noticiar, gerando uma realidade distorcida. A falta de tempo para investigação cria uma realidade virtual, dando o status de “verdade”. Observou-se ainda que, apesar de estar regulamentado em códigos éticos e de conduta dos jornalistas, a imprensa (de um modo geral) utiliza de forma desvirtuada de suas prerrogativas de liberdade de informação, transformando o jornalismo em um “espetáculo circense”, não respeitando os limites éticos e invadindo os direitos de personalidade e afrontando o princípio da presunção de inocência, por demasiadas oportunidades condenando os apenas suspeitos. A avidez pela audiência e veiculação de notícias com os critérios eleitos pela imprensa colocam em os direitos de personalidade em potencial risco de se tornarem vítimas da mídia, que sob o pretexto de liberdade de imprensa invade interesses individuais igualmente tutelados pela Constituição Federal. A resolução da colidência destes interesses pode ter seu caminho pavimentado pela observância da política jurídica. Retomando os exemplos de efeitos desastrosos causados pela mídia nos casos “Escola Base” e do “maníaco da bicicleta”, não há dúvidas que a reparação civil estipulada pelo

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Estado e arcada pelos órgãos de imprensa lesantes não permitiram a reparação da destruição da vida daquelas pessoas inocentes. Naqueles casos, a intervenção do Estado não foi suficiente para proteger, quiçá, recompor a dignidade da pessoa humana por meio da tutela constitucional dos direitos e garantias fundamentais. Para as vítimas da voracidade da imprensa, que sob o manto da “liberdade de imprensa” visaram apenas os interesses econômicos, ideológicos e de projeto de poder, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem não tiveram a menor chance. O Estado falhou. Quanto à imprensa, não é demais aventar a possibilidade de repensar os métodos e voltar à premissa da nobre função social da informação.

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