Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do Direito (Parte 13)

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Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do
Direito (Parte 13)


Atahualpa Fernandez(
Marly Fernandez(




"Qué tiempos serán los que vivimos, que hay que
defender lo obvio." Bertolt Brecht




Naturalismo moral, Evolução e Teoria do Direito. Equivocados até que
ponto?
A ideia de uma lei moral transcendente que se nos impõe e converte
nossas vidas e agrupações em realização de um fim predeterminado é uma
ideia curiosamente procedente da religião. A ciência deu volta ao argumento
e, desde Darwin, põe o acento no fato de que a moralidade procede da
natureza humana.
A seleção natural (selecionando entre os genes indutores de circuitos
neuronais) modelou nosso cérebro com o resultado de que nos importam mais
umas coisas e menos outras. Nossa arquitetura cognitiva impõe constrições
cognitivas fortes para a percepção, armazenamento e transmissão
discriminatória de representações socioculturais. Devido a esse indireto
condicionamento, que é não tanto de nossas atitudes, senão de nosso
aprendizado moral, todos tendemos a valorar certas coisas e depreciar
outras. Nossos valores descrevem nossas aptidões morais naturais: valoramos
aquilo que admite a margem de nossa limitada capacidade para aprender a
valorá-lo.
Dito de outro modo, se todos os humanos sem exceção significativa
tendemos a valorar as mesmas coisas, não é porque nos tenhamos posto
todos de acordo sobre elas, senão porque tais valores compartidos se
assentam na psicologia natural da espécie humana. Todos os humanos parecem
valorar, por exemplo, a cooperação intragrupal, mas desconfiam ao mesmo
tempo da cooperação intergrupal quando é proposta desde fora. Valoramos a
coesão de grupo, as relações de parentesco, a submissão ou obediência a um
líder, a capacidade de ascender na hierarquia social, a conduta altruísta,
a proteção à infância e o aprendizado dos pequenos, as alianças
estratégicas, a amizade, o sexo, o alvoroço moderado, as relações de
intercâmbio e o risco controlado. Valoramos a sinceridade, mas também a
reciprocidade e a segurança, e abominamos o engano e a injustiça – ao menos
quando nos afeta pessoalmente. Por que é assim cabe ser explicado somente
de uma forma: porque a evolução por seleção natural produziu uma mente
humana com os parâmetros necessários para comportar-se desse modo típico de
nossa espécie.
Reconhecemos que um novo paradigma assumido a partir dos argumentos
aqui articulados, nomeadamente no âmbito do jurídico, pode parecer odioso e
detestável aos mais empedernidos juristas que permanecem atados às
fronteiras do mercado das modas intelectuais (segundo o qual o
incompreensível é profundo) e às limitações próprias de uma "cultura da
pureza", as quais, de uma maneira ou outra, os cegam ante a evidência de
que o direito não poderá seguir suportando, por muito mais tempo, seus
modelos teóricos elaborados sobre construções abstratas da natureza humana.


Na gesta por entender o fenômeno jurídico, a divisão entre natureza e
cultura é uma mera declaração de castas. E a ruptura dessa relação gerada
pelas barreiras artificiais do conhecimento não é própria da natureza,
senão de nossa maneira canonicamente obtusa para entender que toda cultura,
todo pensamento e comportamento humano, tem uma fundamentação biológica. A
má notícia é que, cedo ou tarde, teremos que abandonar as misteriosas
construções de castelos normativos "no ar" acerca da boa ontologia, da boa
metodologia, da boa sociedade ou do direito justo, para abraçar a busca
honrada do saber jurídico autêntico sobre o mundo real, com a ajuda de
meios tanto teóricos como empíricos (em concreto, o método científico).
Para o bem ou para o mal, estamos condenados a reconhecer a
necessidade de voltar a definir o que é o ser humano, de recuperar e
redefinir em que consiste a natureza humana ou simplesmente de aceitar que
o homem não pode ser contemplado somente como um ser cultural carente de
instintos naturais; quer dizer, de situar ao homem em um contexto e uma
perspectiva mais real e mais verdadeiramente humana, desmistificando e
liberando-nos dos equívocos, dos vícios e das falsas crenças acerca da
moral e o direito. E ainda que muitas perguntas sigam sem respostas, a
consideração adequada da natureza humana pode ajudar a iluminar com novas
interpretações os velhos problemas que até agora permanecem no limbo da
filosofia e da ciência do direito.
O que não devemos (o que pressupõe que não podemos) olvidar é que a
moral e o direito estão entre os fenômenos culturais mais poderosos já
criados pela humanidade e que precisamos entendê-los melhor se quisermos
tomar decisões políticas, sociais, jurídicas e/ou éticas bem informadas.
Somos antes de tudo animais, e tudo o que seja fazer uma abstração da
dimensão natural do ser humano, sua natureza biológica e sua origem
evolutiva, é falso.
Enquanto a filosofia e a ciência do direito continuem abstraindo-se da
natureza humana, obcecadas na análise profundamente formalizada e puramente
cultural, seguirão não somente perdendo a credibilidade do todo, senão que
também acabarão marginadas do resto das ciências em melhores condições de
abordar as consequências jurídicas, sociais e morais da "umana spezie". As
boas teorias baseadas exclusivamente na mera contemplação especulativa
indicam de maneira muito clara os riscos que se corre quando se utilizam
critérios de abstração e/ou universalização que não procedam de uma
consideração contrastada da natureza biológica humana: a perversa
incapacidade de indignar-se ante o absurdo e/ou a insensata incapacidade de
sermos fiéis a nossos defeitos.
A falta de respeito pela evidência empírica de uma natureza humana se
traduz psicologicamente e socialmente em uma cultura da mentira, não em uma
cultura que valore a verdade, a bondade e a justiça. Já é hora de
reconhecer, com a necessária humildade e decência intelectual, que qualquer
câmbio em nossa maneira de entender o ser humano afeta por força nossa
concepção do direito, da moral e da justiça. É de fundamental importância
assumir que a partir do momento em que a filosofia e a ciência jurídica
não são capazes de advertir (e superar) os signos de suas próprias crises,
porque suas ideologias e discursos parecem ser um mito continuo de justiça
e ordem, o direito se corrompe em uma ilusão, custodiada pela moldura
conceitual de explicações mágicas sobre a realidade.
A visão que do mundo deve ter todo jurista cientificamente cultivado –
e não obnubilada por qualquer espécie de "desatenção cega" – exige uma
drástica ruptura com as obsoletas e esquizofrênicas concepções do fenômeno
jurídico, que insistem em meter em quarentena às ciências da natureza
humana e excluí-las do esforço por compreender a importância das
explicações e implicações (realistas, factíveis e aceitáveis) da condição
humana no contexto do direito. Recordemos que a evolução trata das causas
últimas, não somente das causas próximas dos fenômenos. Sem um enfoque
evolucionista/naturalista nunca poderemos entender por completo a mente e a
conduta humana. Se queremos entender por que existe a moral, o direito, a
cooperação, a competição, o egoísmo e o altruísmo temos que recorrer à
evolução. A evolução deve ser necessariamente o marco conceitual em que
encaixem o resto de hipóteses e teorias.
Dito em termos mais familiares: a moral e o direito adquirirão um grau
maior de rigor enquanto se reconheçam e se explorem suas relações naturais
com um panorama científico mais amplo (um novo panorama intelectual que
antes parecia distante, estranho e pouco pertinente). Conhecer-nos a nós
mesmos não somente é o maior logro de nossa espécie, senão que "la tarea
más bella que pueda hacer un cerebro es constatar, reflexionar
científicamente sobre su propia esencia y origen" (A. Hernando). E
compreender-nos a nós mesmos – de que estamos feitos, que motivos nos
impulsionam e com que objetivos – implica, em primeiro lugar, compreender
nossa própria natureza, plasmada em um cérebro biológico, dinâmico,
plástico e complexo que coordena e controla todo e qualquer pensamento e
conduta.
Somente a partir desta base seremos capazes de criar e/ou realizar as
eleições adequadas que conduzam a um ideal jurídico que seja possível e com
sentido, ou se perceba como possível e com sentido, para seres como os
sapiens. Somente desde o ponto de vista do ser humano e de sua natureza
será possível ao jurista captar o sentido e a função do direito como
unidade de um contexto vital, ético e cultural, potencialmente unificada
com a aceitação lúcida e serena de nosso lugar no mundo como símios muito
inteligentes e com consciência moral.
( Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public
Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/
Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research)
Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu
Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-
civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral
research)/Center for Evolutionary Psychology da University of
California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/
Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-
Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia
Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista
Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate
Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y
Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent
Researcher.
( Doutora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes
Balears- UIB/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Filogènesi de la
moral y Evolució ontogènica/ Laboratório de Sistemática Humana-
UIB/España; Mestre (M. Sc.) Cognición y Evolución Humana/ Universitat de
les Illes Balears- UIB/España; Mestre (LL.M.) Teoría del Derecho/
Universidad de Barcelona- UB/ España; Investigadora da Universitat de les
Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.
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