Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do Direito (Parte 8)

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Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do
Direito (Parte 8)

Atahualpa Fernandez(
Marly Fernandez(


"El altruismo es la doctrina que exige que
el hombre viva para los demás y coloque a los
otros sobre sí mismo." Ayn Rand



Tipos de Altruísmo
Desde a teoria evolucionista, é possível classificar o altruísmo de ao
menos quatro maneiras diferentes e perfeitamente compatíveis entre si[1].
Em todas elas o altruísmo é entendido como uma forma de egoísmo inclusivo
do bem-estar alheio. Mais recentemente passou-se a admitir uma nova (e
discutível) explicação menos reducionista: a seleção de grupo.
Muito resumidamente, os tipos de altruísmo podem ser agrupados da
seguinte forma.
Em primeiro lugar, os animais realizam sem pestanejar ações em
benefício de seus próprios parentes porque eles são (em maior ou menor
medida segundo o grau de parentesco) portadores de seus genes, que com sua
sobrevivência e reprodução podem ser replicados e estendidos ao longo de
sucessivas gerações. A preocupação humana ante o sofrimento não é
proporcional à intensidade ou quantidade do mesmo, senão ao grau de
parentesco de quem o padece. Ainda que creiamos que não deveria ser assim,
o certo é que nos importa mais o dano sofrido por nosso filho no pátio do
colégio que a morte de 20.000 pessoas desconhecidas em um terremoto
ocorrido em algum lugar muito remoto do mundo[2]. Quantos mais genes
compartidos, mais altruísmo; quantos menos, mais indiferença. Esta teoria,
proposta a finais dos anos sessenta por William Hamilton, se conhece como
seleção familiar ou de parentesco.
Em segundo lugar, quando os comportamentos altruístas aparecem entre
indivíduos não emparentados é devido a que se estabelece entre eles uma
expectativa de reciprocidade. Toda ação altruísta está condicionada pela
exigência ou a esperança de que quem dá aos demais acaba recebendo, cedo ou
tarde, alguma compensação, ainda que seja em forma de prestígio moral. A
contrapartida da ação altruísta não tem porque ser a mesma. Não se trata
necessariamente, pois, de um «eu me sacrifico por teu bem-estar se tu fazes
o mesmo por mim», senão mais bem de um «eu me sacrifico por teu bem-estar
se obtenho alguma compensação por isso». A esta modalidade de altruísmo
Robert Trivers (1972), seu máximo defensor, denominou de altruísmo
recíproco.
Em terceiro lugar, quando um animal exibe uma conduta que resulta
claramente perigosa para sua sobrevivência, como a que mostra o macho alfa
de um grupo de primatas ao defender aos mais débeis de seu grupo, pode
estar simplesmente mostrando ante os machos rivais sua superioridade e, em
especial frente às fêmeas, suas magníficas qualidades naturais. Ocorre
então algo parecido como quando um pavão real exibe uma majestosa cauda: se
põe em evidência ante seus depredadores. E isso também lhe serve para ir
mais além da promoção do bom estado de saúde que evidencia sua plumagem:
faz gala de seu valor na exposição frente ao perigo. O comportamento
altruísta pode ser fruto do mesmo mecanismo, denominado por Amotz Zahavi de
princípio de handicap (que, apesar de não parecer, é completamente
adaptativo). É adaptativo fomentar o prestígio frente a congêneres com os
que podemos chegar a parear-nos mediante atos de desprendimento altruísta;
se arrisca a vida, mas se sobrevive, se ganha em eficácia reprodutiva.
Em quarto lugar, se tem sugerido que o altruísmo, especialmente o que
se realiza espontaneamente com desconhecidos quando se encontram em
situação de perigo, pode ser entendido como um intercâmbio de favores em
que o indivíduo que arrisca sua vida por outro é recompensado mediante a
intervenção de terceiros: se alguém salva a uma criança de morrer afogada
em uma piscina, pondo em perigo sua vida, todo o grupo tomará conhecimento
em pouco tempo (os humanos estão sempre muito pendentes dos acontecimentos
sociais e da opinião dos demais), e a imagem dessa pessoa como valente e
desprendida ficará firmemente fixada na comunidade, a qual lhe servirá de
ajuda em suas relações, em seus negócios, em sua ascensão na hierarquia
social, etc...etc. O que os demais pensam de nossas ações tem uma grande
importância para nossas atitudes morais. Este mecanismo se denomina
reciprocidade indireta, e foi formulado por Richard Alexander em seu livro
The Biology of Moral Systems. Se parece ao defendido por Amotz Zahavi, mas
situa-se fundamentalmente no benefício recebido por parte da comunidade
inteira e não exclusivamente por parte de um congênere do sexo oposto.
Desde o paradigma darwiniano, estas quatro formas de altruísmo nas
ações animais podem ver-se como uma ou outra forma de egoísmo, ainda que
seja um egoísmo inclusivo do bem-estar alheio. Agora: Pode toda a conduta
altruísta humana explicar-se unicamente mediante estes quatro mecanismos da
interação familiar e social presentes no comportamento de muitas espécies
animais? São as normas morais meras formulações destas frias tendências
«egoístas» inscritas no mais profundo de nossa natureza? Tudo leva a pensar
que não, e para dizer que não, que as normas morais são algo mais que isso,
não é necessário romper com a sociobiologia e derrubar o edifício
darwiniano, como é costume entre filósofos empenhados na busca de um
fundamento da moral mais nobre que nossa mera condição de primatas sociais
ou, melhor dito, de animais.
Não obstante, ao aparente paradoxo do altruísmo parece ir em bom
caminho a interpretação tradicional das ciências sociais e a filosofia,
segundo a qual a ética é a característica essencial do humano, a pedra de
toque que nos separa do mundo animal. Para ver como encaixa esta
interpretação não temos mais que voltar a recriar o paradoxo: imagine-se
que em uma população humana há uns indivíduos que escapam às noções de
altruísmo que acabamos de enumerar; não tiram absolutamente nenhuma
vantagem de seu sacrifício por seus semelhantes. Ao longo do tempo, os que
não padecem esta sorte de altruísmo puro terão mais êxito na sobrevivência
e procriarão mais que eles e, portanto, os genes dos altruístas puros
desaparecerão rapidamente.
Se quisermos seguir defendendo a existência de pessoas que realmente
se sacrificam pelos outros sem obter a contrapartida de um benefício
teremos que supor então que essa conduta é puramente cultural e não tem
nada que ver com os genes. Inclusive nos veremos tentados a supor que toda
a moralidade humana é um assunto cultural, donde o instinto não tem
cabimento. Por esta via, muito transitada por filósofos morais de todos os
tempos, desembocamos inevitavelmente na falsa descontinuidade entre o
humano e o natural.[3]
Mas, ainda sendo este o caso, parece haver uma saída; e é a que já
anunciamos: a seleção de grupo. A lógica da seleção entre grupos é muito
simples. Quando se estuda um comportamento não somente devem examinar-se
suas consequências com respeito ao indivíduo que o leva a cabo, senão
também as correspondentes aos demais indivíduos de seu entorno. Se o
comportamento é benéfico para todos, a seleção natural o favorecerá sem
nenhuma dúvida, enquanto que se é geralmente prejudicial desaparecerá. No
entanto, se tem um impacto negativo no indivíduo, mas é positivo para o
grupo, a resposta dependerá da relação entre custos e benefícios.
Vejamos em que consiste a chamada «seleção de grupo».
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( Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public
Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/
Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research)
Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu
Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-
civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral
research)/Center for Evolutionary Psychology da University of
California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/
Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-
Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia
Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista
Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate
Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y
Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent
Researcher.
( Doutora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes
Balears- UIB/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Filogènesi de la
moral y Evolució ontogènica/ Laboratório de Sistemática Humana-
UIB/España; Mestre (M. Sc.) Cognición y Evolución Humana/ Universitat de
les Illes Balears- UIB/España; Mestre (LL.M.) Teoría del Derecho/
Universidad de Barcelona- UB/ España; Investigadora da Universitat de les
Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.
[1] Parece importante recordar, ainda que de forma abreviada, que tipo de
comportamentos pode ser chamado altruistas. Um comportamento é altruísta se
cumpre dois requisitos: 1. ter efeitos positivos na aptidão de
sobrevivência de um indivíduo não-descendente do indivíduo que se comporta
como altruísta, e 2. efeitos negativos na aptidão de sobrevivência do
individuo que se comporta como altruísta e por conseguinte de sua
descendência. Em geral, ambos os requisitos se dão automaticamente juntos,
pois quando um indivíduo favorece a outro que não é seu descendente incorre
em um custo, por mínimo que seja, em sua aptidão para sobreviver e na de
seus descendentes. Por isso utilizam os sociobiólogos e etólogos o termo
"altruísmo" para estes traços, pois também em nossa compreensão cotidiana
dizemos que alguém é altruísta quando incorre em um sacrifício pessoal em
favor de outra pessoa. A diferença entre o conceito cotidiano e o conceito
sociobiológico é que neste não se presta atenção aos motivos do
comportamento, senão somente aos efeitos observáveis do mesmo. Por outro
lado, segundo o conceito biológico, a ajuda prestada aos descendentes por
via do cuidado paternal não é altruísmo, porque se dirige diretamente à
própria prole e incide positivamente sobre o próprio êxito reprodutivo.
[2]
https://www.researchgate.net/publication/295605764_Quilometro_sentimental
[3] Não sobra dizer que Darwin mostrou com sumo detalhe que há continuidade
entre os seres humanos e os animais, não somente no relativo à anatomia e a
fisiologia, senão também na vida mental. Hoje, somente os que habitam no
"epicentro de la necedad que roe a la sociedad moderna"(Flaubert) são
incapazes de admitir o paradigma darwiniano da animalidade. Dito de modo
rápido para que ninguém incorra em enganos: somos antes de tudo animais, e
tudo o que seja fazer uma enganosa abstração ou deliberada ocultação da
dimensão natural do ser humano, sua natureza neurobiológica e sua origem
evolutiva, é falso.
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