Etofisiógrafo: Um Sistema Telemétrico para o Registro Sincronizado de Variáveis Fisiológicas e Comportamentais

June 2, 2017 | Autor: Alexandre Hoeller | Categoria: Animal Behavior, Digital Video, Infrared
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Etofisiógrafo: Um Sistema Telemétrico para o Registro Sincronizado de Variáveis Fisiológicas e Comportamentais P. Giassi-Junior1, J. A. N. Leite2, C. N. Pederiva3, M. A. Sovierzoski4, A. A. Hoeller5, F. C. Santos6 , L. Schwarz7 e J. Marino-Neto8 1,2,3,4,6,7,8 5,8

Instituto de Engenharia Biomédica (IEB), Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Laboratório de Neurofisiologia Comparada (LNfC), Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil 4 Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil

Resumo: A análise dos comportamentos animais e seus substratos neurais dependem de metodologias sistemáticas para sua classificação, registro e análise das diversas categorias comportamentais emitidas. O registro simultâneo de dados comportamentais e parâmetros fisiológicos permite correlacionar a expressão externa de fenômenos comportamentais com mudanças funcionais subjacentes. O presente trabalho descreve o desenvolvimento de um sistema telemétrico para registro de dados eletrofisiológicos em pequenos animais. Esse sistema é capaz de adquirir sinais eletrofisiológicos de animais alertas e em movimento, transmitindo-os por um protocolo de comunicação em infravermelho a uma unidade-base, onde esses dados serão verificados e transmitidos a um computador pela porta de comunicação USB. O sistema é alimentado com duas baterias de lítio e tem autonomia de aproximadamente três horas ininterruptas de funcionamento. A comunicação entre a unidade remota e a unidade base é realizada por transceptores infravermelho, permitindo a realização de experimentos sub-aquáticos. O sistema pode armazenar dados eletrofisiológicos e imagens (vídeos) de comportamento para realizar estudos simultâneos. Esse sistema torna possível o sincronismo no tempo entre fenômenos comportamentais e fisiológicos emitidos pelo animal. Palavras-chave: biotelemetria, comportamento, EEG, ECG, EMG, temperatura. Abstract: The study of the neural basis of animal behavior depends on systematic methods for classification, recording and analysis of several behavioral categories. The simultaneous recording of behavioral data and physiological parameters allow correlation between the external acts and the underlying functional changes. The present work describes the development of a telemetric system for electrophysiological data recordings in small animals. This system allows for acquisition of electrophysiological signals from alert animals, transmitting them through an infrared communication link to a base unit where these data are verified and re-transmitted to a computer through the USB port. The system is fed by two lithium batteries and has autonomy for three uninterrupted hours of operation. The communication between the remote unit and the base unit is performed by infrared transceivers, allowing the accomplishment of underwater experiments. Another feature is that the system can store electrophysiological data and behavioral image signals (digital video) to accomplishment the simultaneous studies. This system made it possible the temporal synchronism between the behavioral and physiological phenomena emitted by animal. Key-words: biotelemetry, behavior, EEG, ECG, EMG, temperature.

Introdução O estudo dos substratos neurais do comportamento animal depende de métodos sistemáticos para classificação, registro e análise das diversas categorias comportamentais emitidas [1]. Embora eficazes, os sistemas de análise comportamentais disponíveis no mercado são onerosos para o investigador e/ou atendem apenas a um pequeno conjunto particular de necessidades.

O Etógrafo [2], desenvolvido no Laboratório de Neurofisiologia Comparada (LNfC), do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realiza registros e análises de dados comportamentais a partir de vídeo digital. No entanto, observa-se que os registros comportamentais realizados na maioria dos equipamentos não se preocupam em analisar dados fisiológicos, tais como os sinais de ECG, EEG, EMG e temperatura corporal.

O registro simultâneo de dados comportamentais e de parâmetros fisiológicos, permite a correlação entre a expressão externa do fenômeno comportamental (posturas, movimentos, estados, vocalizações, mudanças de cor, entre outros) com mudanças funcionais subjacentes (atividade cardiovascular, temperatura corporal e atividade elétrica cortical), possibilitando uma melhor caracterização dos mecanismos neurais afetados por uma manipulação (lesão, estimulação elétrica/química e mudanças ambientais). Surge então a necessidade de desenvolver uma ferramenta para adquirir os sinais fisiológicos dos animais experimentados e transmití-los ao computador, onde um software aplicativo receba, verifique, armazene, trate esses dados, e sincronize-os com um registro comportamental (em vídeo digital), disponibilizando ferramentas ao pesquisador para análise de ambos os tipos de dados. Para a implementação de um sistema de aquisição de dados eletrofisiológicos, a utilização de recursos telemétricos tem sido repetidamente recomendada. A necessidade de conciliar um registro adequado das variáveis fisiológicas (usualmente realizadas por meio de fios e cateteres acoplados ao animal de experimentação) e a preservação da consciência e mobilidade normal do animal em um ambiente a um tempo controlado e de baixa carga estressora é um fator cada vez mais presente no ambiente de pesquisa. O uso da transmissão de dados por radiotelemetria pode reduzir substancialmente o uso de animais e os custos de pesquisa associados aumentando o número de parâmetros que podem ser coletados de um grupo de animais e então eliminando a necessidade de um grupo satélite ou estudos separados para coletar os mesmos dados, permitindo o uso de desenhos amostrais em blocos, e aumentando a precisão dos dados em estudos tanto individuais como em grupos [3]. A telemetria por infravermelho é o método de comunicação mais adequado para esses experimentos por serem menos susceptíveis a impulsos elétricos ruidosos [4], por ocupar um espaço muito reduzido pelo transmissor [5], e por permitir seu uso em condições subaquáticas [6], situação essa de interesse em vários experimentos neurofisiológicos. Assim, foi desenvolvida uma ferramenta para a aquisição de dados fisiológicos sincronizado com registros comportamentais, direcionada a apoiar estudos comportamentais e eletrofisiológicos (incluindo alterações na freqüência cardíaca, tônus muscular, variações no EEG e na temperatura corporal) em pequenos animais de laboratório despertos e com movimentação livre, buscando minimizar as condições de stress e eliminando artefatos experimentais.

Metodologia O hardware desenvolvido consiste em dois módulos. O primeiro módulo, denominado unidade remota, é responsável pela aquisição dos sinais eletrofisiológicos do animal. Possui quatro canais de aquisição de sinais, sendo um canal fixo para a temperatura e outros três canais configuráveis para a aquisição de qualquer sinal eletrofisiológico (numa determinada faixa de amplitude e freqüência), de acordo com o interesse do pesquisador. Isto se deve ao fato do sistema possuir filtros analógicos que permitem a passagem de sinais na faixa de freqüência de 0,8 a 200 Hz, e amplificadores, com ganho ajustável (500 a 50.000) podendo adaptar cada canal às características do sinal de interesse para o experimento. Após esta etapa inicial de condicionamento de sinais, estes são digitalizados e então transmitidos por telemetria infra-vermelha. A Figura 1 ilustra um diagrama de blocos da unidade remota.

Figura 1 – Diagrama de blocos da unidade remota, responsável pelo acondicionamento, aquisição dos sinais fisiológicos e transmissão por infravermelho. Para a recepção dos dados enviados pela unidade remota, um segundo módulo foi desenvolvido. Denominado de unidade base, é responsável pela recepção dos dados transmitidos pela unidade remota, verificação e transmissão dos dados para o computador por meio da interface de comunicação USB. A Figura 2 apresenta um diagrama de blocos da unidade base.

Figura 2 – Diagrama de blocos da unidade base, responsável pela recepção dos dados em infravermelho e comunicação com o computador pela interface USB.

O diagrama do sistema completo, com as unidades remota e base, pode ser observado na Figura 3.

Figura 3 – Diagrama do sistema de aquisição dos dados. Cada canal analógico de aquisição dos sinais é composto por um amplificador de instrumentação com ganho variável na entrada (controlado por um potenciômetro digital), seguido por um filtro passaaltas com freqüência de corte de 0,8 Hz, um amplificador operacional com ganho fixo, e um filtro passa-baixas com freqüência de corte de 200 Hz (Figura 4).

aplicativo do computador) e religada pela aproximação de um campo magnético (ímã), buscando reduzir o consumo de energia nos períodos de desinteresse, preservando a carga das baterias. Uma característica especial do sistema é o fato dos circuitos analógicos de aquisição possuírem um ganho que pode ser alterado em tempo real. O uso do potenciômetro digital, conectado ao amplificador de instrumentação, permite ao usuário, quando desejar, alterar o ganho do sistema ajustando para a necessidade, dependendo da amplitude do sinal a ser adquirido. Isso proporciona uma maior funcionalidade e aplicação do sistema, permitindo a aquisição de quase todos os sinais eletrofisiológicos. A transmissão de dados entre a unidade remota e a unidade base é com modulação digital e de forma bi-direcional, sendo realizada por meio de transceptores em infravermelho. A velocidade de transmissão é de 125 kbits/s e a transmissão de um pacote completo de dados – dados de controle, dados digitalizados dos canais eletrofisiológicos e dado de temperatura corporal – ocorre a cada 2 ms (500 amostras por segundo). Para a realização de experimentos, uma arena de registro foi construída, e os transceptores infravermelho da unidade base posicionados nos quatro cantos superiores da arena de forma a abranger todo a área de registro (Figura 5).

Figura 4 – Esquema elétrico do circuito de um canal de entrada analógico. Após adquirido e tratado analogicamente, o sinal é digitalizado pelo conversor AD, presente como circuito periférico no microcontrolador. Esse, por sua vez, realiza a aquisição da temperatura de um sensor de temperatura digital., e obtém as leituras por meio do protocolo de comunicação Synchronous Peripheral Interface (SPI), Tendo adquirido os sinais de todos os canais, o microcontrolador pode então encapsulá-los em um pacote de dados e transmití-los à unidade base, onde posteriormente serão enviados ao computador. Na unidade remota, a taxa de amostragem dos sinais é de 500 amostras por segundo e a alimentação do circuito é de 3 volts, fornecidos por duas baterias de lítio modelo CR-2032. A unidade remota possui a opção de ser desligada (por meio de comando por software enviado pelo programa

Figura 5 – Arena de registro e disposição dos transceptores. Para o computador, um software constituído de dois módulos foi desenvolvido. O primeiro, denominado módulo de aquisição dos sinais bioelétricos, está relacionado à visualização, à calibração e ao armazenamento dos sinais adquiridos. O segundo módulo está relacionado à análise desses sinais que estão em sincronismo com o sinal de vídeo digital (adquiridos por uma webcam) para a determinação da análise comportamental (Etográfica), conforme apresentado pela Figura 6.

Figura 6 - Diagrama geral dos módulos que compõem o sistema Etofisiógrafo. Uma das dificuldades na sincronização entre os sinais bioelétricos adquiridos e a imagem de vídeo adquirida é estabelecer um protocolo entre os relógios dos sistemas (computador, webcam, microcontroladores do hardware que realiza aquisição dos sinais, etc.), para que o tempo seja utilizado como elemento de sincronismo. Assim, foi desenvolvido e implementado um protocolo que utiliza as próprias informações dos sinais bioelétricos e os sinais de imagem, para estabelecer o sincronismo temporal entre os eventos. Com o registro visual inicializado, iniciase a aquisição bioelétrica. No momento em que se deseja iniciar o registro e armazenamento bioelétrico, um comando é enviado via software, pelo computador, para a unidade base, por meio da porta de comunicação USB, acionando um LED. O LED está posicionado dentro da arena de registro, no campo visual da webcam, indicando o início do armazenamento dos sinais bioelétricos. O software então reconhece, pela imagem adquirida pela webcam, o acendimento do LED e sincroniza o registro da imagem com os registros das variáveis fisiológicas. Para o tratamento dos sinais bioelétricos adquiridos, no software estão disponíveis ao usuário filtros de sinais, como o filtro Notch, filtro de linha de base, filtro FIR (Finite Impulse Response) e filtro IIR (Infinite Impulse Response). O filtro notch é utilizado para remover a interferência de 60 Hz proveniente da rede elétrica. O filtro de linha de base é utilizado para eliminar as oscilações do sinal decorrentes dos artefatos de movimento. Utilizou-se um filtro digital IIR, com aproximação Butterworth de 2ª ordem e freqüência de corte de 2 Hz. O filtro FIR foi implementado nas suas formas passa-altas e passa-baixas. Disponibilizou-se a opção entre três funções de janelamento: Janela de Hamming, Janela de Hanning e Janela Retangular. Por fim o filtro IIR implementado nas suas formas: passaaltas e passa-baixas. Também estão disponíveis ferramentas de apoio ao usuário como um índice da freqüência cardíaca instantânea, a densidade espectral de potência (PSD) e o valor eficaz (RMS). A Figura 7 apresenta uma visão do software implementado.

Figura 7 – Visão da tela do software implementado realizando o registro comportamental e bioelétrico sincronizados. Resultados Entende-se que o sistema atendeu a todas as expectativas. Os testes referentes à parte analógica dos circuitos, como a aquisição de sinais, fazendo uso de um gerador de funções e um simulador de sinais de ECG, apresentaram um bom desempenho, sendo que não ocorreram distorções nem atenuações do sinal observadas dentro da banda de freqüência especificada. Testes referentes à telemetria como: alcance, região de abrangência entre os transceptores e transmissão sub-aquática se mostraram muito satisfatórios, considerando-se que não houve perda de pacotes de dados transmitidos durante o período testado. A autonomia do sistema também foi testada. Fazendo uso de duas baterias de lítio (220 mAh), observou-se que o sistema permaneceu em total funcionamento pelo período de 2 horas e 40 minutos. Após esse período, o sistema começou a apresentar falhas na transmissão do sinal entre a unidade remota e a unidade base, o que indica um consumo elevado de energia do transceptor infravermelho, reduzindo o alcance da comunicação. Reduzir a distância entre os transceptores permitiria uma autonomia maior do sistema. Para a avaliação do sistema, um teste foi realizado com um rato Wistar de aproximadamente 350 gramas, o qual teve adquirido os seus sinais fisiológicos de ECG, EEG, EMG e temperatura. Cabe ressaltar que a utilização de ratos Wistar e o procedimento cirúrgico para este estudo tiveram aprovação da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da UFSC. Os sinais adquiridos e visualizados pelo software podem ser observados na Figura 8.

Referências HUTT, H. (1974), Observação Direta e Medida do Comportamento. Tradução de Carolina Martuscelli Bori. São Paulo, EPU, Ed. da Universidade de São Paulo. PEDERIVA, C.N. (2005), Etógrafo: Um Sistema de Auxílio ao Registro e à Análise Comportamental, Dissertação de Mestrado em Engenharia Elétrica – Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. KRAMER, K.; KINTER, L. B. (2003), “Evaluation and applications of radiotelemetry in small laboratory animals”. Physiol. Genomics 13:197-205. RIEMANN, A. I.; EVANS, N. E. (1999), “The incidence of radio-frequency impulsive noise within hospital buildings: Initial measurements in the 450 MHz band”. Med. Eng. Phys. 21:569–574. Figura 8 – Sinais adquiridos pelo Etofisiógrafo. Discussão e conclusões Neste projeto, foi desenvolvido um sistema telemétrico para o registro sincronizado de variáveis fisiológicas e comportamentais. Com o sistema desenvolvido, pôde-se realizar uma análise conjunta do comportamento animal e diversos sinais fisiológicos. Durante o tempo de aquisição, puderam-se avaliar os comportamentos do animal, tais como: comer, beber água e levantar membros anteriores. A partir destes dados foi avaliado o sincronismo dos sinais, confrontando a análise comportamental (Etográfica) com a análise dos sinais bioelétricos (Fisiográfica). Na unidade remota desenvolvida utilizou-se componentes eletrônicos com tecnologia de menor consumo de energia e encapsulamentos com dimensões reduzidas, com o intuito de se desenvolver um projeto de um circuito implantável de aquisição e transmissão de dados por telemetria. Este encontra-se em fase final de desenvolvimento. Estima-se que o circuito telemétrico implantável final venha a apresentar dimensões máximas de 3 cm x 3 cm x 0,5 cm e massa aproximada de 25 gramas, permitindo um registro adequado e com o conforto de animais de laboratório (ratos, cobaias e pombos) com peso corporal superior a 300 gramas [3].

SANTIC, A. (1991), “Theory and application of diffuse infrared biotelemetry”. Crit.l Rev. Biomed. Eng. 18(4):289–309. TSUCHIDA, Y.; HAMA, N.; TAKAHATA, M. (2004), “An optical telemetry system for underwater recording of electromyogram and neuronal activity from non-tethered crayfish”. Journal of Neuroscience Methods 137 103–109.

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