Europa, União Europeia e Cultura

June 3, 2017 | Autor: A. Monteiro | Categoria: Europa, Cultura, União Europeia
Share Embed


Descrição do Produto

Europa, União Europeia e Cultura António Jorge Monteiro *

2.1 Europa, União Europeia e Cultura Quando se fala em Europa, na actualidade, importa ter presente as suas várias asserções: o Continente Europeu (50 países), a UE - União Europeia (28 países) e a UEM - União Económica e Monetária europeia (18 países).

Figura 1 - União Europeia (ec.europa.eu, 2013)

Na segunda metade do séc. XX, após os confrontos politico-militares das duas grandes guerras mundiais, a Europa deu início à sua reconstrução, como refere Fernando Amorim em “Áreas e fronteiras culturais da Europa”, citando Robert Picht, “começando pelo que parecia mais fácil, (…) uma Comunidade Económica Europeia de que resultou uma União Europeia de construção política (a 25 Estados) que repousa, como no passado, numa forte base continental olhada com cepticismo ou suspeita por Estados-Nação de tradição talassocrática (dos Gregos aos Ingleses, passando por (1) Portugueses e Holandeses)” .

1

Destas potências marítimas o Reino Unido acabou se constituindo, até ao final do século XX, como um importante império do Mundo Ocidental, com uma ímpar e fortíssima identidade cultural, facilitada pela sua simplicidade linguística, no sentido a que Martin Heidegger chamou de “língua técnica” (2) e que tem vindo a conseguir manter e fortalecer até aos nossos dias. As sondagens do Eurobarómetro da Comissão Europeia, “Como os Europeus se Vêm a Si Próprios”, com Trabalho de Campo até Dezembro de 1998, revelavam que o Reino Unido era o país da União Europeia onde só 37% das pessoas, a ela se sentem ligadas e, concomitantemente, onde 67% das (3) pessoas mais se identificam com a sua própria nacionalidade . Apesar de, formalmente, a União Europeia não assumir a existência de uma Política Cultural Europeia ela acaba por existir, de facto, através de opções da sua “acção cultural” que intervém em vários domínios como os Direitos de autor, a Fixação do preço dos livros, o Financiamento do Cinema, a Liberalização do mercado das telecomunicações e das suas opções relativamente ao tipo de Programas de Apoio que tem vindo a criar. Ao contrário do que se possa pensar, a construção europeia, nomeadamente até ao Tratado de Lisboa, tem sido um processo não muito democrático e transparente e, por vezes, em linha com os famigerados comportamentos - de pouco rigor e transparência - tão criticados aos designados “países do Sul”. Uma assumida e transparente Política Cultural Europeia poderia melhor contribuir como factor de Coesão, Identidade e Democratização da Europa Comum que, o seu discurso formal, se propõe construir. A característica distintiva da Cultura Europeia, no Mundo contemporâneo, é ser uma cultura de liberdade independente, directamente, dos poderes políticos, aberta, de vocação universal e de matriz greco-romana, que se afirma pela diversidade de culturas que a compõem e, qualquer possível Política Cultural Europeia terá que assentar nesta realidade, de unidade na diversidade e na cooperação transnacional entre os actores culturais: intelectuais, artistas, instituições governamentais e não-governamentais, governantes e todos os outros cidadãos. O processo de construção-integração da Europa (União Europeia), acabou introduzindo a dimensão Cultural, pela admissão generalizada da sua importância para duas questões: a auto-representação que os europeus tendem a ter sobre si próprios e a necessidade de procurar consolidar uma especificidade europeia no processo da mundialização.

Tratado de Lisboa e Cultura A questão Cultural, tendo começado pela ideia de uma “Cultura Europeia”, passou a uma “Europa das Culturas”, baseada na já existente cooperação cultural, tendo vindo a ter a sua consagração no artigo 128.º do Tratado de Mastricht, de 1992-93, renumerado para 151.º no Tratado de Amesterdão, de 1997-99, e para 167.º no Tratado de Lisboa, de 2007-09 (Parte III - As Políticas e Acções Internas da União; Título XIII - A Cultura) (4), que passou a instituir um quadro de referência regulamentar, nomeadamente, para as questões económicas e políticas da Cultura, nos seus aspectos imateriais e materiais. Logo no primeiro ponto do Preâmbulo, o Tratado de Lisboa, refere: “Inspirando-se no património cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de direito,”

2

No seu ponto 1, refere: “A Comunidade contribuirá para o desenvolvimento das culturas dos Estadosmembros, respeitando a sua diversidade nacional e regional, e pondo simultaneamente em evidência o património cultural comum.” Nesta matéria, a Comunidade não tem portanto nenhumas competências consignadas, e só “contribuirá para o desenvolvimento das culturas dos Estados-membros”, pelo que as competências em matéria Cultural são da exclusiva responsabilidade dos Estados-membros, ao abrigo do consagrado “princípio da subsidiariedade”. (5)

Acontece que a Comunidade, nomeadamente desde o Tratado de Amesterdão, em 1997-99 , vem abordando com frequência várias questões do domínio Cultural mas, principalmente as relacionadas com a Indústrias Culturais, por vezes as relacionadas com o Património Cultural e raramente são feitas referências às Actividades Artísticas (Artes do Espectáculo, Artes Visuais, Artes Electrónicas e Humanidades). No seu ponto 2, refere: “A acção da União tem por objectivo incentivar a cooperação entre Estadosmembros e, se necessário, apoiar e completar a sua acção nos seguintes domínios: - Melhoria do conhecimento e da divulgação da cultura e da história dos povos europeus; - Conservação e salvaguarda do património cultural de importância europeia; - Intercâmbios culturais não comerciais; - Criação artística e literária, incluindo o audiovisual.” Poderemos constatar, igualmente, por leitura dos múltiplos documentos da Comissão Europeia, do Conselho e do Parlamento Europeu, que as abordagens da União Europeia às questões do domínio Cultural são feitas numa perspectiva Social e Económica, não numa perspectiva Cultural. Quando as referências são numa perspectiva Cultural poderemos constatar também, na maior parte das vezes, que está a referir-se principalmente às Indústrias Culturais devido à sua importância política, económica e social, não pela sua importância Cultural. No seu ponto 3, refere: “A União e os Estados-membros incentivarão a cooperação com os países terceiros e as organizações internacionais competentes no domínio da cultura, em especial com o Conselho da Europa.” (instituição não Comunitária, por vezes confundida com o Conselho Europeu, instituição Comunitária). No início do ponto 4, quando refere “Na sua acção ao abrigo de outras disposições dos Tratados, a União terá em conta os aspectos culturais, afim de, nomeadamente, respeitar e promover a diversidade das suas culturas” permite-nos, também interpretar que, se por um lado, se está a reforçar a consagração dos “aspectos culturais”, por outro, se está a consagrar, também, o seu papel complementar, suplectivo e por isso subalterno. Os assuntos políticos, económicos e sociais, consagrados nos Tratados que culminaram no da União Europeia, pela sua natureza, sempre tiveram primazia sobre os assuntos culturais e, como sempre, os interesses económicos logo se procuraram fazer sentir, naturalmente, no sentido de conseguirem uma possível exploração do conceito de Cultura para introduzir e capturar os aspectos que se possam revelar, financeiramente, lucrativos.

_________________________________________________________________________________ * António Jorge Monteiro Professor convidado, Orientador e Investigador na área de Gestão de Projectos Culturais. Coordenador de múltiplos Projectos e Programas de Pós-graduação e Mestrado em Gestão Cultural, em diversas Escolas Superiores e Universidades, nacionais e internacionais. Escreve em Português-padrão consuetudinário.

3

_________________________________________________________________________________

Referências bibliográficas [a] [b]

documento disponível em Gestão Cultural Profissional / gestaoculturalpt.blogspot.com / Documentação sítio disponível em Gestão Cultural Profissional / gestaoculturalpt.blogspot.c om / Informações

(1) [a] [b]

Amorim, Fernando - “Áreas e fronteiras culturais da Europa”, Janus 2005 - Anuário de Relações Exteriores, Público e Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, Dezembro 2004. (2)

Heidegger, Martin - “Língua de tradição e língua técnica”, tradução Mário Botas, Veja, Lisboa, 1995. (3) [a]

Comissão Europeia (Eurobarómetro) - “Como os Europeus se Vêm a Si Próprios, Sondagens de opinião - Um espelho da realidade”, Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, Luxemburgo, 2001. (4) [a]

União Europeia - “Tratado de Lisboa”, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2010. (5) [a]

União Europeia - “Tratado de Amesterdão”, Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, Luxemburgo, 1997. _________________________________________________________________________________ Gestão Cultural Profissional / gestaoculturalpt.blogspot.c om | Maio 2015 | v1.1

4

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.