Evacuação de Edifícios Recebendo Público

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José Firmino da Costa

Evacuação de edifícios recebendo público Uma metodologia para o cálculo do tempo de evacuação pedestre

Dissertação submetida para satisfação parcial dos requisitos necessários à obtenção do grau de Licenciado em Engenharia da Proteção Civil

Orientador Professor Especialista Paulo Gil Martins

Junho de 2014 I NSTITUTO S UPERIOR

DE E DUCAÇÃO E C IÊNCIAS ESCOLA DE ARTES, ENGENHARIA E AERONÁUTICA

José Firmino da Costa

Evacuação de edifícios recebendo público Uma metodologia para o cálculo do tempo de evacuação pedestre

Dissertação submetida para satisfação parcial dos requisitos necessários à obtenção do grau de Licenciado em Engenharia da Proteção Civil

Orientador Professor Especialista Paulo Gil Martins

Junho de 2014 I NSTITUTO S UPERIOR

DE E DUCAÇÃO E C IÊNCIAS ESCOLA DE ARTES, ENGENHARIA E AERONÁUTICA

Às florzinhas, pela inspiração

AGRADECIMENTOS Uma dissertação é, pela sua finalidade académica, um trabalho individual. No entanto há contributos que não podem e nem devem deixar de ser realçados. Por essa razão, desejo expressar os meus sinceros agradecimentos: A Ana Florinda Ramôa, António Leal e toda a equipa do projeto Sizing-Sudoe do CITEVE que me facultaram dados insubstituíveis. Ao Professor Paulo Gil Martins, meu orientador, pela disponibilidade e generosidade reveladas ao longo deste trabalho, assim como, pelas críticas e sugestões relevantes feitas durante a orientação. À Professora Isabel Abreu dos Santos, pela competência científica e pelo inestimável apoio na procura e recolha de fontes bibliográficas, pela disponibilidade sempre manifestada e pela amizade. À Emília, que sempre me estimula a crescer científica e pessoalmente, pelas inúmeras trocas de impressões, correções e comentários, sem os quais este trabalho estaria noutro patamar. Especialmente ao João, pela crítica rigorosa e pelos comentários esclarecidos cuja integração levou este trabalho à sua organização final. À Olívia, por haver.

i

RESUMO O cálculo do tempo de evacuação é uma ferramenta indispensável ao planeamento da segurança das pessoas nas edificações recebendo público, no entanto, o único método existente em Portugal, elaborado pela Companhia de Bombeiros Sapadores de Coimbra, é insuficiente. Este artigo propõe um método simplificado para o cálculo do tempo necessário para uma evacuação segura, que possa ser utilizado por técnicos dos serviços de segurança de organizações privadas ou dos serviços de segurança públicos. Foram estudados os principais métodos publicados para o cálculo do movimento pedestre, as condicionantes regulamentares à operação de evacuação e os dados disponíveis em estudos científicos. Com estas informações foi construído um processo que calcula o movimento pedestre na evacuação e aplicado ao estudo de casos concretos. A análise feita detetou insuficiências no quadro regulamentar da evacuação. Concluiu-se sobre a aplicabilidade do método proposto e são apresentadas recomendações sobre aspetos a desenvolver.

Palavras-chave: RSET, movimento pedestre, fluxo, velocidade, densidade, tempo de pré movimento.

iii

ABSTRACT Egress time calculation is a necessary tool for planning the safety of the people in the buildings, however, the only existing method in Portugal, prepared by “Companhia de Bombeiros Sapadores de Coimbra”, is insufficient. This paper proposes a simplified method for calculating the required safe egress time, which can be used by technicians of private organizations, security services or public safety services. Main published methods for the calculation of pedestrian movement, regulatory constraints on egress operation and data available in scientific databases were studied. A process that computes the egress pedestrian movement in the evacuation was built and applied to the study of concrete cases. The analysis on the regulatory framework of the egress operation detected insufficiencies. It was concluded on the applicability of the proposed method and recommendations on aspects to be developed are presented.

Keywords: RSET, pedestrian movement, flow, speed, density, pre-movement time.

iv

ÍNDICE Agradecimentos .......................................................................................... i Resumo ..................................................................................................... iii Abstract ..................................................................................................... iv Índice ......................................................................................................... v Índice de Figuras ...................................................................................... vii Índice de Tabelas....................................................................................... ix Siglas e Abreviaturas ................................................................................. xi Variáveis das equações de movimento pedestre ....................................... xii Introdução .................................................................................................. 1 Parte I.

Enquadramento Teórico .............................................................. 3

1. O tempo na evacuação ................................................................................ 5 2. O espaço na evacuação ............................................................................... 9 2.1. Vias de evacuação ................................................................................ 10 2.2. 2.3. 2.4. 2.5. 2.6. 2.7. 2.8.

Cálculo do efetivo ................................................................................ 12 Número e localização das saídas ........................................................... 12 Largura das saídas e dos caminhos de evacuação .................................. 13 Distâncias máximas a percorrer. ........................................................... 13 Instalações técnicas. ............................................................................. 14 Medidas de autoproteção. ..................................................................... 14 O quadro regulamentar anterior. ........................................................... 15

3. A relação tempo-espaço ........................................................................... 17 3.1. Cálculo do efetivo ................................................................................ 17 3.2. Largura mínima dos elementos das vias de evacuação .......................... 18 3.3. 3.4. 3.5. 3.6.

Distâncias a percorrer ........................................................................... 23 Número de saídas ................................................................................. 23 ASET - Tempo disponível para uma evacuação segura ......................... 24 RSET - Tempo necessário para uma evacuação segura ......................... 24

4. A dinâmica pedestre. ................................................................................ 25 4.1. O método determinístico cinemático..................................................... 26

v

4.2. 4.3. 4.4. 4.5. 4.6. 4.7.

Parte II.

O método do nível de serviço. .............................................................. 29 O método hidráulico ............................................................................. 32 O método do fluxo pedestre. ................................................................. 34 O modelo de forças físicas e sociais...................................................... 37 O modelo heurístico ............................................................................. 40 Avaliação ............................................................................................. 42

Metodologia ........................................................................... 49

5. Uma metodologia para o cálculo de RSET ................................................ 51 5.1. 5.2. 5.3. 5.4. 5.5.

Δtdet – Tempo de deteção ...................................................................... 51 Δta – Tempo de alarme.......................................................................... 52 Δtpre – Tempo de pré movimento .......................................................... 52 Δttra – Tempo do movimento ................................................................. 53 Ficha de processo para o cálculo do tempo de evacuação RSET. .......... 56

6. Estudo de Caso ......................................................................................... 57 6.1. Caso 1 – Loja Alimentar (Loja de Rua) ................................................ 57 6.2. Caso 2 – Edifício Público com dois pisos ............................................. 60 6.3. Caso 3 – Espaço Comercial de grande dimensão .................................. 67

Parte III.

Resultados e discussão ........................................................... 71

7. Conclusões e recomendações ................................................................... 73 7.1. Sobre o método proposto ...................................................................... 73 7.2. Sobre o enquadramento regulamentar ................................................... 73 7.3. Sobre dados experimentais para estudos futuros. .................................. 75

Obras Citadas ........................................................................................... 77 Anexos ..................................................................................................... 81 Índice de Anexos ...................................................................................... 83

vi

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1

Diagrama temporal da Evacuação. Adaptado de CFPA-E ...................................... 5

Figura 2

Altura de homens e de mulheres dos 20 aos 49 anos. ........................................... 22

Figura 3

Área da projeção horizontal do corpo humano segundo P&M .............................. 27

Figura 4

Variação da velocidade e do fluxo com a densidade segundo P&M...................... 28

Figura 5

As “zonas de amortecimento corporal” encontradas nos ensaios clínicos de Horowitz (esquerda), são individualizadas por Fruin como círculos (direita). ...................... 29

Figura 6

Variação da velocidade e fluxo com a densidade. J. J. Fruin ................................ 31

Figura 7

Variação da velocidade e fluxo com a densidade. Nelson e MacLennan ............... 33

Figura 8

Variação da velocidade e fluxo com a densidade. Kholshevnikov e Samoshin...... 35

Figura 9

O comportamento de rebanho causado por pânico numa evacuação. .................... 38

Figura 10

Como se processa a decisão de trajeto segundo Moussaïd et al. ............................ 41

Figura 11

Elipse corporal pedestre e espaço necessário para o caminhar .............................. 42

Figura 12

Gráfico comparativo dos resultados de velocidade e fluxo pedestres dos estudos analisados............................................................................................................ 44

Figura 13

Velocidades e fluxo em percursos horizontais, a descer e a subir em função da densidade pedestre. Kholshevnikov e Samoshin................................................... 46

Figura 14

Planta da Loja Alimentar ..................................................................................... 57

Figura 15

Diagrama de evacuação da Loja alimentar ........................................................... 58

Figura 16

Planta do Piso 0 do edifício público. .................................................................... 60

Figura 17

Planta do piso 1 do edifício público ..................................................................... 61

Figura 18

Diagrama de evacuação do edifício público ......................................................... 62

Figura 19

Planta do piso térreo do Espaço Comercial. ......................................................... 67

Figura 20

Planta do piso térreo do Espaço Comercial, com mobiliário visível. ..................... 68

vii

ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1

Utilizações-tipo definidas no SCIE e sua inclusão no estudo ................................ 10

Tabela 2

Isolamento e proteção de vias de evacuação verticais enclausuradas servindo pisos acima do plano de referência. .............................................................................. 11

Tabela 3

Isolamento e proteção de vias de evacuação horizontais interiores protegidas servindo pisos acima do plano de referência. ....................................................... 12

Tabela 4

Número mínimo de saídas dos locais de risco em espaços cobertos ...................... 12

Tabela 5

Número mínimo de Unidades de Passagem em espaços cobertos ......................... 13

Tabela 6

Medidas de autoproteção exigíveis de acordo com a Utilização-Tipo e a categoria de risco .................................................................................................................... 14

Tabela 7

Densidades de ocupação de locais em regulamentos de segurança contra incêndio em diversos países ............................................................................................... 18

Tabela 8

Comparação de sistemas e larguras de elementos dos caminhos de evacuação ..... 19

Tabela 9

Velocidades de movimento em escadas. Extraído de Peacock et al. [49] .............. 20

Tabela 10

Larguras e capacidades para elementos de via de evacuação de 1 a 6 U.P............. 21

Tabela 11

Dados antropométricos médios de amostra da população portuguesa fornecidos pelo CITEVE. A média total e o valor de Ph são calculados pelo autor......................... 22

Tabela 12

Comparação de distâncias máximas a percorrer na evacuação horizontal. ............ 23

Tabela 13

Comparação de disposições sobre o número de saídas. ........................................ 24

Tabela 14

Valores de A, B e Ph segundo Predtechenskii e Milinskii .................................... 27

Tabela 15

Zonas de densidade do movimento do tráfego pedestre segundo P&M em pes/m2 28

Tabela 16

Características das zonas de amortecimento de JJ Fruin ....................................... 29

Tabela 17

Definição para Níveis de Serviço em percurso horizontal..................................... 30

Tabela 18

Valores relevantes das tabelas de Nelson e MacLennan ....................................... 32

Tabela 19

Valores de aj e D0 para cada tipo de via ................................................................ 35

Tabela 20

Categorias de movimento, níveis emocionais e velocidades em fluxo livre........... 35

Tabela 21

As variáveis de agente na simulação de Lakoba et al. .......................................... 39

Tabela 22

Comparação entre os Níveis de Serviço de Fruin e as zonas de densidade do movimento de Predtechenskii e Milinskii ............................................................ 43

ix

Tabela 23

Valores comparados de velocidade e densidade para P&M, N&M e K&S ............ 44

Tabela 24

Parâmetros do Movimento para grupos com mobilidade condicionada e crianças até aos 6 anos. Kholshevnikov e Samoshin................................................................ 47

Tabela 25

Tempos adotados para Δtdet .................................................................................. 51

Tabela 26

Tempos adotados para Δta.................................................................................... 52

Tabela 27

Tempos adotados para Δtpre.................................................................................. 53

Tabela 28

Entidades do diagrama de evacuação ................................................................... 55

x

SIGLAS E ABREVIATURAS ANPC

Autoridade Nacional de Proteção Civil

APED

Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição

ASET

Available Safe Egress Time (Tempo disponível para uma evacuação segura)

CFAST

Consolidated Model of Fire and Smoke Transport

CFPA-E

Confederation of Fire Protection Associations Europe (CFPA-Europe)

CITEVE

Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal

DART

Deep-Ocean Assessment and Reporting of Tsunamis

DCS

Distributed Control System

FDS+EVAC

Fire Dynamics Simulator with Evacuation

JJF

J. J. Fruin

JOUE

Jornal Oficial da União Europeia

K&S

Kholshevnikov e Samoshin

LNE

Laboratoire national de métrologie et d’essais

LNEC

Laboratório Nacional de Engenharia Civil

LOS

Level of Service (Nível de Serviço)

NASA

National Aeronautics and Space Administration

NFPA

National Fire Protection Association

NIST

National Institute of Standards and Technology

P&M

Predtechenskii e Milinskii

PID

Piping and Instrument Diagram

RGEU

Regulamento Geral das Edificações Urbanas (Decreto-Lei 38:382 de 7 de Agosto de 1951) Required safe egress time (Tempo necessário para uma evacuação segura)

RSET RTSCIE SADI SCIE

Regulamento Técnico de Segurança contra Incêndio em Edifícios (Portaria n.º 1532/2008 de 29 de Dezembro Sistema automático de deteção de incêndio

SFPE

Regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios. (Decreto-Lei n.º 220/2008 de 12 de Novembro Society of Fire Protection Engineers

SGE

Serviço de Gestão da Emergência

SI

Sistema Internacional de Unidades

TS

Equação Tempo Espaço

UE

União Europeia

UP

Unidade de Passagem

VTT

VTT Technical Research Centre of Finland

xi

VARIÁVEIS DAS EQUAÇÕES DE MOVIMENTO PEDESTRE Símbolos

Dimensão

Unidade

Designação

pes

Pessoa - Pedestre

P

Quantidade

A

Comprimento

m

Largura corporal máxima

B

Comprimento

m

Profundidade corporal máxima

Ph

Área

m2/pes

Projeção horizontal do corpo humano

AL

Área

m2

Área do local em análise

D

“Densidade”

pes/m2

Densidade pedestre

m2/m2

Ph x pes/m2

Notas

Efetivo – Número de pedestres

Utilizado por Predtechenskii e Milinskii

Densidade no limiar do fluxo livre Densidade no limite do fluxo pedestre

D0

“Densidade”

pes/m2

DL

“Densidade”

pes/m2

DC

“Densidade crítica”

pes/m2

Densidade no fluxo máximo

ă

Área específica

m2/pes

Área disponível para cada pessoa (1/D)

v

Velocidade

m/s

Velocidade do fluxo pedestre

v0

Velocidade

m/s

Velocidade em fluxo livre

q

Fluxo pedestre

pes/s.m

Pedestres por segundo por metro de largura de via.

qM

Fluxo máximo

pes/s.m

Q

Escoamento pedestre

pes/s

w

Comprimento

m

Largura da via de evacuação

l

Comprimento

m

Comprimento da via de evacuação

j

-

-

Fator relativo ao tipo de via

Pedestres por segundo

xii

Utilizado por J. J. Fruin

INTRODUÇÃO Evacuação. Movimento de ocupantes de um edifício para uma zona de segurança, em caso de incêndio ou de outros acidentes, que deve ser disciplinado, atempado e seguro. [1] Operação que consiste em fazer sair ou retirar uma ou mais pessoas de um local, geralmente por razões de segurança. [2]

A operação de evacuação ocorre no tempo. A ameaça que origina esta operação também ocorre no tempo. Como expresso por Belyæv, a evacuação segura de edifícios é um processo dependente do tempo “safe building evacuation is time dependent” apud [3]. Não podemos agir sobre o tempo em que decorre a ameaça, mas podemos agir sobre o tempo em que se desenvolve a evacuação. Nesta, o tempo, depende de dois fatores, o espaço e o movimento. O espaço, o edificado, é condicionado pelos regulamentos, e o movimento resulta das caraterísticas psicofisiológicas dos ocupantes. Neste trabalho iremos abordar estas três vertentes da operação de evacuação. O fator tempo, em que é apreciado o método globalmente aceite de subdivisão e caraterização do tempo na evacuação. O enquadramento regulamentar que regula os parâmetros que condicionam as edificações em que a evacuação pedestre tem lugar. E o estudo do movimento pedestre, em que são abordadas várias das principais investigações sobre o tema. Esses estudos e abordagens, em geral, procuram caraterizar a multiplicidade de movimentos pedestres que ocorrem na partilha de um espaço, movimentos no mesmo sentido, em sentido oposto, noutras direções, com cruzamento e em ambientes mais ou menos densos, num determinado tempo. São também estudadas situações em que o movimento pedestre se faz exclusivamente no mesmo sentido e com início quase simultâneo, como no final de um espetáculo, na saída de veículo de transporte coletivo ou numa evacuação.

1

No caso de uma evacuação, a população abrangida desenvolve um movimento com um mesmo objetivo, ao longo de percursos comuns, no mesmo espaço temporal, com níveis similares de tensão emocional e com urgência idêntica em atingir o destino. É um caso particular do movimento pedestre, com caraterísticas cinemáticas, espaciais e temporais específicas. No presente estudo a operação de evacuação ocorre em edificações, perante a eclosão de um incêndio. Isto porque a operação de evacuação só é considerada na regulamentação nacional de segurança contra incêndio em edifícios. Só são consideradas as situações em edificações que recebem público, porque o público ignora as vias e estratégias de evacuação e portanto a operação de evacuação é mais crítica. Não são consideradas as situações nas quais os utilizadores são em percentagem significativa portadores de deficiência, doentes acamados ou crianças de idade inferior a seis anos, porque estes cidadãos exigem métodos, sistemas e dispositivos muito específicos que extravasam os objetivos deste trabalho. Este trabalho começa por estabelecer o enquadramento teórico e regulamentar da operação de evacuação nas suas vertentes temporal, espacial e cinemática, apresentando o estado do conhecimento. Na continuação é feita a análise dos componentes examinados e são elaborados juízos sobre a sua adequação aos objetivos propostos. Seguidamente é proposto um método para o cálculo do tempo de evacuação. Este método é criado com o objetivo de facultar aos técnicos de proteção civil e aos técnicos de segurança nas empresas, uma ferramenta simples, utilizando métodos avançados para o cálculo do tempo de evacuação. Esse método é posteriormente aplicado e ensaiado no estudo de três casos e dos resultados são extraídas lições e conclusões e caraterizadas as insuficiências. Este trabalho é realizado no âmbito de uma unidade curricular no 6º semestre de uma licenciatura. É portanto um trabalho com fortes limitações de tempo e orçamento. Neste âmbito a investigação experimental é impossível pelo que as conclusões só podem resultar de dados já processados pelas fontes utilizadas. Apesar desta temática já ter alguma expressão na investigação científica nacional, não se encontrou qualquer referência a investigação fundamental sobre o movimento pedestre efetuada sobre populações portuguesas. Cruzou-se a informação de suporte utilizada no trabalho com dados nacionais obtidos noutros âmbitos, quando disponíveis, com as limitações daí resultantes.

2

PARTE I.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.

O tempo na evacuação

No âmbito de evacuação a variável tempo pode ser estruturada segundo a metodologia definida pelo Guia Europeu [4] CFPA-E N.º 9:2009 “Fire safety engineering concerning evacuation from buildings”. Apesar desta metodologia ter sido desenvolvida unicamente para incêndios em edifícios pode aplicar-se a outras situações.

Figura 1

Diagrama temporal da Evacuação. Adaptado de CFPA-E

Existem 6 momentos (t0 a t5) que definem 5 intervalos ∆t (Figura 1).  t0

 t1    

t2 t3 t4 t5

 ∆tdet

Evento iniciador, pode ser um abalo sísmico, uma precipitação anormal, a colocação de um engenho explosivo, a rotura de uma tubuladura, uma ignição. Momento em que se dá a deteção, pode ser um SADI, um sismógrafo, uma boia DART, um DCS, etc. Momento em que o alarme geral é difundido no espaço aos ocupantes. Momento em que o primeiro ocupante do espaço começa a mover-se. Momento em que o último ocupante do espaço alcança um lugar seguro. Quando o processo iniciado em t0 atinge os ocupantes e se dá o sinistro. Intervalo de tempo entre o evento iniciador e a deteção. ∆𝑡𝑑𝑒𝑡 = 𝑡1 − 𝑡0

(1)

∆tdet é variável, dependendo do sistema de deteção, do tipo de evento e da configuração da edificação. Métodos de cálculo para sistemas de deteção de

5

incêndio recomendados pela NFPA 72 podem ser encontrados no estudo de Li Qiang, “Estimation of Fire Detection Time” [5].  ∆ta

Intervalo de tempo entre a deteção e a difusão do alarme geral. ∆𝑡𝑎 = 𝑡2 − 𝑡1

A1 A2

A3

 ∆tpre

Podem considerar-se 3 situações; A difusão do alarme é automática, desencadeada por qualquer deteção. ∆ta é virtualmente zero. A difusão do alarme é semiautomática, desencadeada por uma deteção redundante, um temporizador de atraso ou por confirmação de um elemento da segurança. ∆ta poderá variar entre 2 e 5 minutos. A difusão de alarme é uma operação manual efetuada por um operador do sistema num dispositivo perto do local em sinistro. ∆ta é variável, dependendo da edificação e do interveniente humano. Não pode ser feita qualquer estimativa. Intervalo de tempo entre a difusão do alarme geral e o início do movimento pelos ocupantes. ∆𝑡𝑝𝑟𝑒 = 𝑡3 − 𝑡2

P1

P2

 ∆ttra

(3)

∆tpre é variável e depende tanto da edificação como dos seus ocupantes. São fatores da edificação, a sua dimensão, o arranjo arquitetónico, a localização das saídas e a complexidade dos percursos de evacuação, a iluminação, a sinalética e o sistema de difusão de alarme. Para os ocupantes podem considerar-se entre outros fatores a sua localização inicial, o género, a idade, a condição física e mental, as relações familiares ou de grupo, a sua atividade na altura da difusão do alarme, a função do ocupante e o seu treino. Divide-se em 2 períodos; Período da perceção. De facto é composto por 2 processos distintos deteção do estímulo e identificação do seu conteúdo. A sua duração ou mesmo a sua existência é função da atenção. Período da atuação, o período em que a pessoa desenvolve ações preparatórias para o movimento, vestir-se, pegar em bens essenciais, etc. As tabelas do anexo 2 indicam exemplos de valores de pré movimento registados em eventos reais e em simulacros. Intervalo de tempo em que se dá o movimento dos ocupantes. ∆𝑡𝑡𝑟𝑎 = 𝑡4 − 𝑡3

F1

(2)

(4)

Divide-se em 2 períodos; Deslocação individual. Tempo utilizado pelos ocupantes do local para individualmente se deslocarem até uma saída. Pode expressar-se como uma distribuição de movimentos individuais, como uma média ou como o tempo necessário para que o último ocupante alcance a saída. Varia com as dimensões

6

F2  ∆tseg

do espaço, distribuição dos ocupantes e a sua condição física e psicofisiológica. Movimento de grupo (fluxo). Tempo que o conjunto dos ocupantes demora a percorrer as vias de evacuação e alcançar a saída. Tempo disponível não utilizado na evacuação. Margem de segurança. ∆𝑡𝑠𝑒𝑔 = 𝑡5 − 𝑡4

(5)

 RSET Tempo necessário para uma Evacuação Segura. (Required Safe Egress Time) 𝑅𝑆𝐸𝑇 = ∆𝑡𝑑𝑒𝑡 + ∆𝑡𝑎 + ∆𝑡𝑝𝑟𝑒 + ∆𝑡𝑡𝑟𝑎

(6)

 ASET Tempo disponível para uma Evacuação Segura. (Available Safe Egress Time) 𝐴𝑆𝐸𝑇 = ∆𝑡𝑑𝑒𝑡 + ∆𝑡𝑎 + ∆𝑡𝑝𝑟𝑒 + ∆𝑡𝑡𝑟𝑎 + ∆𝑡𝑠𝑒𝑔 = 𝑡5 − 𝑡0

(7)

Para o guia europeu [4], seguindo o especificado no documento BSI PD 7974-6:2004. Os intervalos ∆tdet + ∆ta + ∆tpre estão definidos numa matriz de acordo com o tipo de deteção (A1-A3), o tipo de utilização/edificação (B1-B3), o sistema de gestão da segurança (C1-C3) e a condição do efetivo (familiar, não familiar, acordado, a dormir). Para ∆ttra o guia apresenta uma metodologia de cálculo que é igual à de Nelson & MacLennan apresentada mais à frente no capítulo 4.3.

7

2.

O espaço na evacuação

O espaço na evacuação é o espaço edificado, que obedece a regulamentos. A operação de evacuação é unicamente tratada na regulamentação nacional relativa a segurança contra incêndios em edifícios. Não existindo qualquer definição regulamentar para outras situações perigosas, a definição para situação de incêndio irá prevalecer. A regulamentação atual de segurança contra incêndios, em Portugal, é constituída por três diplomas legais; O Decreto-Lei n.º 220/2008 de 12 de Novembro, que estabelece o regime jurídico de segurança contra incêndios em edifícios (SCIE), A Portaria n.º 1532/2008 de 29 de Dezembro, que aprova o regulamento técnico de segurança contra incêndio em edifícios (RTSCIE), O Despacho 2074/2009 do Presidente da ANPC, que estabelece os critérios técnicos para determinação da densidade de carga de incêndio modificada. Consiste ainda no regulamento (UE) n.º 305/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março de 2011, e das Normas Harmonizadas cujas referências tenham sido ou venham a ser publicadas no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE). O regulamento (UE) n.º 305/20111 é uma lei de nível superior à regulamentação nacional de SCIE, pelo que prevalecerá em caso de conflito de definição ou especificação. A atual regulamentação nacional é essencialmente uma regulamentação prescritiva. As abordagens prescritivas, resultantes quer do saber empírico quer do desenvolvimento técnico e científico, consistem numa coletânea de boas práticas que melhoram o desempenho das edificações. A regulamentação nacional classifica as edificações ou suas frações autónomas em 12 tipos de acordo com a sua utilização (Tabela 1). Classifica os espaços interiores dessas utilizações em 6 (7) classes (Local de Risco A a F) de acordo com critérios quantitativos, qualitativos e funcionais (efetivo total ou público, qualidade dos materiais ou processos, funcionalidade D, E ou F). E classifica as utilizações tipo em 4 categorias de risco (1ª a 4ª Categoria de Risco) de acordo com vários fatores quantitativos, funcionais ou mistos

O R(EU) 305/2011 refere apenas que em situação de incêndio “os ocupantes possam abandonar a obra de construção ou ser salvos por outros meios”. 1

9

(altura, número de pisos enterrados, área, efetivo, densidade de carga de incêndio modificada, efetivo em espaços D ou E, saída direta ao exterior). Tabela 1

Utilizações-tipo definidas no SCIE e sua inclusão no estudo

Utilização Tipo

Designação

É considerado no trabalho

Notas

UT I

Habitação

Não

Não recebe público

UT II

Estacionamentos

Não

Não tem efetivo

UT III

Administrativos

Sim

Estudo de Caso 2

UT IV

Escolares

Não

-

UT V

Hospitalares e Lares

Não

Operação de evacuação muito específica

UT VI

Espetáculos

Não

-

UT VII

Hoteleiros e Restauração

Não

-

UT VIII

Comerciais

Sim

Estudos de caso 1 e 3. Não se consideram gares de transporte.

UT IX

Desportivos e Lazer

Não

-

UT X

Museus e Galerias

Não

-

UT XI

Bibliotecas e Arquivos

Não

-

UT XII

Industriais e Armazéns

Não

-

Adaptado de: RTSCIE

Relativamente ao processo de evacuação esta regulamentação prescreve o isolamento e proteção das vias de evacuação RTSCIE (Artigos 25º e 26º), calcula o número de ocupantes (efetivo) RTSCIE (Artigo 51º), especifica o número de saídas e a sua localização, a largura das saídas e dos caminhos de evacuação e as distâncias máximas a percorrer RTSCIE (Artigos 54º, 55º, 56º e 57º). Não considera princípios que podem ser expressos em termos de tempo e movimento e associados ao comportamento humano nem define objetivos temporais e qualitativos ou métodos e sistemas para alcançar esses objetivos.

2.1. Vias de evacuação Segundo o RTSCIE um caminho de evacuação é o percurso entre qualquer ponto suscetível de ocupação num edifício e uma zona de segurança exterior.

10

O caminho de evacuação é composto por um trajeto no local de risco e outro em vias de evacuação. Uma via de evacuação RTSCIE (Anexo I Artigo 4.º) é uma comunicação horizontal ou vertical de um edifício que apresenta condições de segurança para a evacuação dos seus ocupantes. As vias de evacuação designam-se por protegidas RTSCIE (Artigos 25º e 26º) quando são dotadas de meios que conferem aos seus utentes proteção contra os gases, o fumo e o fogo, durante o período necessário à evacuação. Exige-se proteção para todas as vias verticais de evacuação 2 com resistência3 ao fogo da envolvente de acordo com os valores definidos (Tabela4 2). Tabela 2

Isolamento e proteção de vias de evacuação verticais enclausuradas servindo pisos acima do plano de referência. Categoria de Risco









R/REI3 30

R/REI 60

R/REI 90

R/REI 120

≤9m

≤ 28 m

≤ 50 m

> 50 m

Direta ao exterior

-

-

-

-

Átrio sem ligação a locais de risco

-

-

E 30 C

E 30 C

Átrio com ligação a locais de risco

E 30 C

E 30 C

EI 60 C

EI 60 C

E 30 C

E 30 C

CCF

CCF

Envolvente da via Altura da Utilização-Tipo

Portas no piso de saída

Portas noutros pisos Fonte: RTSCIE

Exige-se proteção para todas as vias horizontais de evacuação em edificações da 3ª e 4ª categorias de risco, e em vias horizontais de evacuação de qualquer categoria de risco quando o seu comprimento exceda 30 m, ou exceda 10m em pisos a uma altura superior a 28m, ou se em impasse com um comprimento superior a 10m5 com resistência ao fogo mínima da envolvente de acordo com o Quadro XV do RTSCIE (Tabela 3).

2

Existem 3 exceções a esta regra que no entanto não se aplicam aos casos em estudo. Art.RTSCIE artigo 26º. 3 R- capacidade de suporte de carga. E- estanquidade a chamas e gases quentes. I- isolamento térmico. Unidade-minutos. 4 Omitem-se os valores relativos a proteção dos acessos (portas) para vias ao ar livre e pisos abaixo do plano de referência. 5 Existem outras situações no RTSCIE que não são importantes para este trabalho.

11

Também se exige proteção a vias horizontais incluídas em caminhos de evacuação de locais de risco B que não disponham de saídas alternativas. Tabela 3

Isolamento e proteção de vias de evacuação horizontais interiores protegidas servindo pisos acima do plano de referência.

Altura da Utilização-Tipo

Envolvente da via Portas

≤9m

≤ 28 m

≤ 50 m

> 50 m

EI/REI 30

EI/REI 60

EI/REI 60

EI/REI 90

E 15 C

E 30 C

E 30 C

E 45 C

Fonte: RTSCIE

2.2. Cálculo do efetivo Na regulamentação, o efetivo RTSCIE (Artigo 51º), é definido como o número máximo estimado de pessoas que pode ocupar em simultâneo um edifício. O efetivo parcial é calculado para cada local ou espaço de um edifício suscetível de ocupação e do seu somatório resulta o efetivo total. O cálculo é efetuado utilizando as instruções do RTSCIE (Artigo 51º).

2.3. Número e localização das saídas A regulamentação nacional só define o número mínimo de saídas para locais de risco RTSCIE (Artigos 54º e 55º). A definição de número de saídas da edificação resulta diretamente das distâncias máximas a percorrer e da configuração arquitetónica dos pisos, mas para edifícios de grande altura (mais de 28m) é definida a obrigatoriedade de existirem pelo menos duas vias verticais de evacuação. Para os locais de risco o número mínimo de saídas resulta diretamente do efetivo calculado (Tabela 4). Tabela 4 Efetivo

1≤Ef≤50 51≤Ef≤1500 1501≤Ef≤3000 3001≤Ef

Número mínimo de saídas dos locais de risco em espaços cobertos Número mínimo de saídas

Uma

1

Uma por cada 500 pessoas ou fração, mais uma

2a4

Uma por cada 500 pessoas ou fração

4a6

Condicionado pelas distâncias a percorrer, mínimo 6

≥6

Fonte: RTSCIE

12

A localização das saídas é dependente da geometria e dimensão do local devendo a sua posição minimizar a possibilidade de impasses ou o seu bloqueio simultâneo.

2.4. Largura das saídas e dos caminhos de evacuação A largura das saídas e dos caminhos de evacuação RTSCIE (Artigo 56º) é diretamente dependente do efetivo (Tabela 5). A unidade de medida para esta largura é a unidade de passagem (UP). A unidade de passagem é uma “unidade teórica” utilizada para dimensionar as vias de evacuação e as portas de saída perante riscos de incêndio ou pânico, correspondendo ao número de pessoas que poderão passar simultaneamente de frente. Corresponde a uma sequência de valores definida em centímetros pelos valores iniciais UP (1) = 90, UP (2) = 140 e a relação UP (n> 2) = n x 60. Tabela 5

Número mínimo de Unidades de Passagem em espaços cobertos

Efetivo

Número mínimo de UP

1≤Ef≤50 51≤Ef≤500 501≤Ef

Uma Uma por cada 100 pessoas ou fração, mais uma Uma por cada 100 pessoas ou fração

Fonte: RTSCIE

2.5. Distâncias máximas a percorrer. As distâncias máximas a percorrer RTSCIE (Artigos 56º e 61º) em caminhos de evacuação só são definidas para os percursos horizontais. As vias verticais protegidas são consideradas equivalentes a uma zona de segurança e nestas a regulamentação não considera a necessidade de definir distâncias máximas a percorrer. O percurso horizontal divide-se em duas partes, o percurso no local de risco e o percurso na via horizontal de evacuação. As distâncias máximas a percorrer em qualquer destas partes são de 15 m em impasse e de 30 m quando existam saídas alternativas. Quando os locais de risco sejam espaços amplos cobertos, os valores indicados podem aumentar em 50%.

13

O regulamento não diferencia a este respeito vias horizontais de evacuação de vias horizontais protegidas de evacuação.

2.6. Instalações técnicas. As edificações devem ser equipadas com sinalética de emergência com recurso a sinalização fotoluminescente, iluminação de emergência e sistema automático de deteção de incêndio RTSCIE (Artigos 108º a 125º). Estas instalações são importantes para a definição do tempo necessário para uma evacuação segura “RSET” pelo que interferem diretamente no processo de evacuação.

2.7. Medidas de autoproteção. As medidas de autoproteção (Tabela 6) são um conjunto de documentos e procedimentos que os responsáveis pelas edificações devem elaborar com o objetivo de melhorar e garantir a segurança contra incêndio. Devem existir tanto para edificações novas como para já existentes. Para a 2ª, 3ª e 4ª categorias de risco incluem a existência de procedimentos ou planos de evacuação. Tabela 6

Medidas de autoproteção exigíveis de acordo com a Utilização-Tipo e a categoria de risco

Fonte: RTSCIE

14

2.8. O quadro regulamentar anterior. O quadro regulamentar anterior ao SCIE pode dividir-se em dois períodos. O DecretoLei nº 38:382 de 7 de Agosto de 1951 que publica o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), e um conjunto de nove Decretos publicados entre 1990 e 1999, cobrindo a quase totalidade das Utilizações-tipo atualmente definidas. O RGEU foi um instrumento legal marcante quanto à edificação, legislando a obrigação da existência de saídas para o exterior em número adequado à rápida evacuação em segurança dos ocupantes, escadas construídas em materiais resistentes ao fogo encerradas em caixas de paredes igualmente resistentes ao fogo providas de dispositivos de ventilação na parte superior, separação resistente ao fogo entre utilizações diferentes no mesmo edifício, entre outras. Os regulamentos da década de 90 introduzem de uma forma dispersa e por vezes contraditória os princípios sistematizados na regulamentação vigente, como as classes temporais de resistência ao fogo, as distâncias máximas a percorrer, as portas resistentes ao fogo, as instalações técnicas de segurança e outros.

15

3.

A relação tempo-espaço

Um processo de evacuação é uma relação tempo-espaço. O espaço resulta de determinações regulamentares. As leis são um instrumento social útil e necessário, mas as leis de índole técnico além de respeitadas têm de ser tecnicamente suportadas. Infelizmente, por vezes, o legislador não esclarece a origem das suas determinações e omite os saberes e experiências a elas subjacentes. Tentaremos clarificar este tema quanto às definições regulamentares com impacto no processo de evacuação, estas são fundamentalmente o cálculo do efetivo, o cálculo das larguras de saída e a definição das distâncias máximas a percorrer. Adicionalmente também o número de saídas e o isolamento e proteção das vias de evacuação.

3.1. Cálculo do efetivo O cálculo do efetivo é feito com base numa tabela de densidades de ocupação. A construção de tabelas de densidade de ocupação ou taxa de ocupação ou índice de ocupação pressupõe uma investigação cuidada e o tratamento estatístico dos dados apurados, uma vez que a realidade edificada nunca está exatamente de acordo com as classes de classificação definidas. Não se conseguiu encontrar estes dados pelo que se optou por estabelecer uma comparação com tabelas similares utilizadas nos regulamentos de outros países (Tabela 7). Escolheram-se regulamentos disponíveis a público em língua acessível e a escolha feita incluiu para Portugal o Quadro XXVII da Portaria 1532/2008, para Espanha o “Documento Básico de Seguridad en caso de Incendio (DB-SI)” de Fevereiro de 2010, para França o “Arrêté du 25 juin 1980” e suas atualizações, para o Reino Unido os “The Building Regulations 2000 – Volume 2”, para a Irlanda os “Building Regulations 2006, Fire Safety Technical Guidance Document B”, para os Estados Unidos as normas “NFPA 1:2000 –Fire safety code” e “International Building Code 2009”, e para a Austrália a “National Construction Code 2012 – Volume 1”. Destes códigos extraiu-se a tabela seguinte. Note-se que nem todos os códigos contemplam o mesmo grau de detalhe na classificação dos espaços e no caso francês, o código consultado diz apenas respeito aos espaços dos edifícios a que o público tem acesso. Vai notar-se que a ordem de grandeza dos vários códigos é similar com duas exceções, a densidade nas várias ocupações de edifícios administrativos é muito alta no Reino Unido

17

e muito baixa em França. Em França isto deve resultar de só estar considerada a área acessível ao público, se imaginarmos uma conservatória ou um serviço de finanças será o espaço desde a porta até ao balcão ou mesas de atendimento. Para o Reino Unido não se encontrou explicação para a diferença. Tabela 7

Densidades de ocupação de locais em regulamentos de segurança contra incêndio em diversos países P Espaços

USA

Prt 1532

NFPA 1:2000

USA

UK

IRL

AUS

F

E

IBC 2009

Ap Doc B V2

BR 2006

NCC2012

RSI ERP

DBSI

0.33

0.20

0.20

0.33

Espaços comuns de estabelecimentos comerciais

0.20

1.43

Locais de venda de baixa ocupação

0.20

0.14

800m2 (m)

45

-

-

-

60

-

50

Em impasse (m)

15

30

18

18

20

30

25

Com saídas distintas (m)

30

91

45

45

40

50

50

Com saídas diretas ao exterior e área> 800m2 (m)

45

-

-

-

60

-

50

Em impasse (m)

15

23

18

18

20

30

25

Com saídas distintas (m)

30

30

45

45

40

50

50

Com saídas diretas ao exterior e área> 800m2 (m)

45

-

-

60

-

50

Em impasse (m)

15

30

18

18

20

30

25

Com saídas distintas (m)

30

120

45

45

40

50

50

Com saídas diretas ao exterior e área > 800m2 (m)

45

-

-

60

-

50

Verifica-se que o regulamento português é o mais conservador.

3.4. Número de saídas No regulamento português o número de saídas é condicionado em primeiro lugar pelo efetivo e em segundo lugar pela distância a percorrer, como indicado na tabela 13. Nos

23

restantes regulamentos a abordagem é totalmente diferente, podemos considerar que a regra geral é “de acordo com as distâncias a percorrer”. Tabela 13 Comparação de disposições sobre o número de saídas. Número de saídas

Uma saída possível até x ocupantes Uma saída possível com outro critério Número mínimo de saídas/critério Número necessário de saídas/critério

P

USA

UK

IRL

AUS

F

E

Prt 1532

NFPA 101B 2002

Ap Doc B V2

BR 2006

NCC2012

RSI ERP

DBSI

50

-

-

-

Não

19

100

-

Nota10

-

Sim

-

Nota12

2/500

1

-

2/>100

2

𝐸𝑓 +1 500

2/>100

Não 𝐸𝑓 + 113 500

-

-

3/>500

50

11

-

3.5. ASET - Tempo disponível para uma evacuação segura Não está no âmbito deste trabalho estudar métodos para o cálculo de ASET, no entanto é necessário defini-lo para poder concluir se o processo de evacuação irá ser bem-sucedido. Essa definição poderá ser feita com recurso a um modelo informático, por exemplo CFAST ou FDS, poderá ser utilizado um dos fogos-tipo da base de dados do “Laboratoire national de métrologie et d'essais” (LNE) [15], poderá ser estimada utilizando a correlação proposta por Karlsson e Quintiere [16] [17], ou poderá ser especificada a partir da experiência do utilizador.

3.6. RSET - Tempo necessário para uma evacuação segura Uma metodologia simplificada para o cálculo de RSET é proposta no capítulo 5 deste trabalho.

11

Uma saída padrão mais uma acessória. A saída acessória não respeita as larguras em U.P. Uma única saída só é possível até 19 ocupantes. 12 De acordo com o necessário. 13 Até 1500 pessoas, de 1501 a 3000 desaparece o +1, a partir de 3001 mínimo de 6.

24

4.

A dinâmica pedestre.

O movimento pedestre é um assunto alvo de intensa investigação ao longo do século XX e continuado pela atualidade. Arquitetos, engenheiros e sociólogos estudaram o tema para finalidades que vão da organização de casamentos reais, a desfiles de escolas de samba, à movimentação de pessoas em terminais de transportes ou a circulação em edifícios. Este trabalho não tem capacidade nem âmbito para abordar o imenso número de estudos desenvolvidos sobre esta temática. Além disso, já Leça Coelho na sua dissertação de Doutoramento [18] (1997) abordou os trabalhos mais importantes elaborados até essa data. Desses importa realçar três pelo impacto que tiveram no meio científico, a obra de V.M. Predtechenskii e A.I. Milinskii (1969) [19], os estudos de J.J. Fruin (1971) [20] e o artigo de H.E.Nelson e H.A. MacLennam (1988) [21]. Irão ser tratados neste trabalho, bem como os estudos e desenvolvimentos posteriores de Kholshevnikov [22] e as formulações de Dirk Helbing [23] [24] . Os trabalhos abordados têm várias origens geográficas e temporais e falam portanto de pessoas distintas. Embora de forma diferente, todos eles tomam como unidade pedestre uma dimensão corporal resultante das diferentes análises estatísticas. Essa unidade não é uniforme, o que é expectável, pelo que a confrontação de resultados deverá ser feita com os necessários cuidados. Em Portugal o único método disponível para o cálculo do movimento pedestre na evacuação é o divulgado pela Companhia de Bombeiros Sapadores de Coimbra e que pode ser encontrado no site desta corporação. Baseia-se em 3 valores, velocidade de circulação horizontal de 0,6 m/s, velocidade a descer escada de 0,3 m/s e coeficiente de evacuação de 1,8 pessoas/m/s. No LNEC esteve ativo um grupo de trabalho dirigido pelo investigador Leça Coelho que desenvolveu um estudo sobre esta temática mas não resultou desse trabalho qualquer metodologia que esteja disponível. Leça Coelho refere em [25] o desenvolvimento efetuado.

25

4.1. O método determinístico cinemático. V.M. Predtechenskii e A.I. Milinskii publicaram em 1978 uma obra [19] relevante que partindo da relação anteriormente definida pela pesquisa soviética, 𝑣 = 𝑓(𝐷)

(10)

e com a análise de 30 anos de registo de dados reais e experimentais, propõe o polinómio (11) que estabelece uma relação entre a velocidade pedestre v (m/min)e a densidade do fluxo pedestre D expressa em m2/m2 (equação 12) em que, 𝑣 = (112𝐷4 − 380𝐷3 + 434𝐷2 − 217𝐷 + 57) × 𝑗

(11)

j é um fator relativo ao tipo de via. Numa via horizontal tem o valor 1. D é a densidade do fluxo pedestre. É um valor adimensional dado pela equação, ∑𝑛𝑖=1 𝑃ℎ 𝐷= 𝑚2 /𝑚2 𝐴𝐿

(12)

AL é a área do local expressa em m2, Ph corresponde à projeção horizontal do corpo humano e é calculada como uma elipse cujos eixos são as dimensões antropométricas “largura corporal máxima” e “profundidade corporal máxima” (Figura 3). Esta regressão será válida para valores de D entre 0,025 e 0,92 m2/m2. O resultado é definido como representando a marcha pedestre “Normal”. Para marcha em emergência é afetado de um coeficiente μe.= (1.49-0.36D). A equação da velocidade em emergência será, 𝑣 = (112𝐷4 − 380𝐷3 + 434𝐷2 − 217𝐷 + 57) ∙ (1.49 − 0.36𝐷) ∙ 𝑗

(13)

De posse dos valores para D e v os autores calculam o fluxo q e a capacidade de escoamento Q. 𝑞 = 𝐷𝑣 𝑚/𝑚𝑖𝑛

(14)

𝑄 = 𝐷𝑣𝑤 𝑚2 /𝑚𝑖𝑛

(15)

26

Tabela 14 Valores de A, B e Ph segundo Predtechenskii e Milinskii Grupo etário e vestuário

A (m)

B (m)

Ph (m2)

Adulto com roupa de verão

0,46

0,28

0,100

Adulto com roupa primavera

0,48

0,30

0,113

Adulto com roupa de inverno

0,50

0,32

0,125

Jovem

0,38-0,43

0,22-0,27

0,07-0,09

Criança

0,30-0,34

0,17-0,21 0,04-0,056

em que w corresponde à largura da via em metros. Resolvendo as equações para vários valores de D podemos constatar que a velocidade em fluxo livre v0, é de 1,3 m/s em marcha de emergência correspondendo à densidade no limiar do fluxo livre D0 de 0,2 pes/m2 ou 0,025 m2/m2, que o fluxo máximo qM de 1,65 pes/s·m se dá à densidade crítica DC de aproximadamente 6 pes/m2 ou 0,75 m2/m2 e que o movimento vir-

Figura 3 Área da projeção horizontal do corpo humano segundo P&M

tualmente desaparece na densidade limite DL igual a 7,36 pes/m2ou 0,92 m2/m2. Este trabalho também calcula as velocidades para travessia de portas e movimentos de descida e de subida de escadas, a partir dos fatores j abaixo, segundo a equação geral (11), 𝑣𝑖 = 𝑣𝑗𝑖

(16)

𝑗𝑖𝑃 = 1,17 + 0,13𝑠𝑒𝑛(6,03𝐷 − 0,12)

(17)

𝑗𝑖↓ = 0,775 + 0,44𝑒 −0,35𝐷 𝑠𝑒𝑛(5,61𝐷 − 0,224)

(18)

Subir escada D < 0,6

𝑗𝑖↑ = 0,785 + 0,09𝑒 3,45𝐷 𝑠𝑒𝑛15,7𝐷

(19)

Subir escada D > 0,6

𝑗𝑖↑ = 0,785 − 0,10𝑠𝑒𝑛(7,85𝐷 + 1,57)

(20)

Travessia de portas Descer escada

Nestas equações o valor do seno está em radianos. Predtechenskii e Milinskii definem três grandes classes para o fluxo pedestre de acordo com a densidade, que se subdividem num total de sete zonas.

27

Tabela 15 Zonas de densidade do movimento do tráfego pedestre segundo P&M em pes/m2 Circulação Livre

Circulação movimentada

Totalmente liLivre em filas vre D < 0,4

0,4
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