Evolução do altruísmo e da cooperação nos grupos humanos

July 3, 2017 | Autor: Cristina Quiteria | Categoria: Evolutionary Biology, Game Theory, Cooperation, Cooperação, Teoria dos Jogos
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 [Evolution of altruism and cooperation in human groups]. In In Cunha, P. et al (Orgs.). Construir a Paz: Visões Interdisciplinares e Internacionais sobre Conhecimentos e Práticas, 59 - 62. ISBN: 978-989-643107-5. Portugal: e-Book UFP. 

Evolução do altruísmo e da cooperação nos grupos humanos

Marina Prieto Afonso Lencastre   Professora Catedrática 50% da Universidade Fernando Pessoa

Resumo: A origem do altruísmo social e da cooperação é discutida no contexto da teoria dos  jogos e da biologia evolutiva. Os seus fundamentos emocionais e cognitivos são apresentados a  partir de precursores animais como a empatia social e a teoria da mente. Discutem-se as relações entre a intencionalidade partilhada, a linguagem e os grupos altruístas estabilizados. Num mundo globalizado, abordam-se as condições etológicas e psicológicas para a experiência do altruísmo, da cooperação e da paz em contextos expandidos.

Palavras-chave: Altruísmo, cooperação, teoria dos jogos, biologia evolutiva

Abstract: The origin of altruism and cooperation is discussed in the context of game theory and

evolutionary biology. Its emotional and cognitive aspects are related to social empathy and theory of mind. The relation of shared intentionality, language and stabilized altruistic groups is  presented. In a globalized world, the ethological and psychological conditions for the experience of altruism, cooperation and peace in expanded social contexts is approached. Key-words: Altruism, cooperation, game theory, evolutionary biology

1.  Evolução do altruísmo e da cooperação

A cooperação é um fenómeno corrente no mundo animal que só recentemente encontrou uma explicação biológica satisfatória. Contradizendo aparentemente a ideia darwiniana de competição egoísta por recursos alimentares e sexuais, a cooperação e o «altruísmo»1  biológico, genericamente definido como o sacrifício de um animal em favor de outros, coloca um sério dilema à biologia: como pode ser evolutivamente 1

 O altruísmo biológico aparecerá entre aspas, seguindo a recomendação de Ruse (1996) quanto à distinção entre a etologia do “altruísmo” nos animais socialmente menos complexos, e o verdadeiro altruísmo motivado por emoções, como nos primatas superiores, ou por obrigações, como no ser humano.

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adaptativo sacrificar-se em favor de outros e assim correr o risco de condenar o seu  próprio potencial reprodutivo? O trabalho moderno sobre cooperação e “altruísmo»

resolveu esta questão através da introdução em 1963 por W.D.Hamilton do conceito de vantagem inclusiva. Este autor, que está na origem não só da investigação contemporânea sobre cooperação e “altruísmo», como também da ecologia

comportamental e da sociobiologia, argumentava que os comportamentos cooperativos e altruístas tinham evoluído com mais probabilidade entre animais aparentados do que entre animais sem parentesco. Os parentes partilham mais genes semelhantes do que os não aparentados, o que significa que uma acção beneficiando um parente reverte a favor do altruísta, na medida em que as chances de reprodução dos genes comuns foram aumentadas pelo acto altruísta. Assim, o “altruísmo» biológico consiste num egoísmo genético. A teoria de Hamilton baseia-se numa modelo matemático complexo que prevê que a cooperação deverá ser mais frequente entre animais aparentados do que entre os não aparentados, e que o grau de “altruísmo» dependerá do grau de parentesco genético. A sua teoria, associada ao trabalho de E.O.Wilson sobre os insectos sociais, forneceram um contexto muito favorável para o desenvolvimento da sociobiologia e das suas hipóteses sobre a o rigem filogenética do “altruísmo». O poder explicativo do modelo de Hamilton para o “altruísmo» genético não conseguiu no entanto resolver o problema dos comportamentos “altruístas” entre

animais não aparentados. Como compreender, à luz do modelo da vantagem inclusiva, que um animal ajude ou se sacrifique por outro com o qual não tem nenhuma ligação genética? Foi Trivers quem, em 1971, ofereceu uma explicação para estes comportamentos: os genes para o comportamento “altruísta” poderão ser seleccionados se os indivíduos forem diferencialmente “altruístas” com aqueles que foram “altruístas”

consigo próprios. Os morcegos-vampiro, por exemplo, partilham o alimento recolhido durante a noite com os congéneres que não tiveram oportunidade de sugarem a sua ração de sangue. Regurgitam uma parte do sangue recolhido, de maneira a evitarem que o animal beneficiado morra de inanição. Como este comportamento é comum ao grupo, o indivíduo pode contar que, em situação análoga, será igualmente alimentado e poderá assim sobreviver. O receptor pode ser um parente, mas pode ser também um adulto não aparentado. Observou-se que os grupos de morcegos são estáveis, e que há um reconhecimento individualizado entre os seus membros, o que faz com que o receptor seja identificado e, mais tarde, solicitado por sua vez para uma dádiva de sangue. Este tipo de “altruísmo» foi chamado de “altruísmo» recíproco e   foi conceptualizado para os humanos em termos da teoria dos jogos; iremos apreciar

 particularmente o dilema do prisioneiroe o jogo docrime ultimato O dilema dopela prisioneiro apresenta o seguinte cenário: dois suspeitos de um são .interrogados polícia em salas separadas. Podem cooperar ou desertar. Desertar significa dizer às autoridades que o outro é culpado e cooperar significa não acusar o outro. A polícia tem provas suficientes para prender os dois durante um ano, mesmo sem confissão. Se os dois acusarem o outro, vão presos 3 anos; se só um acusar e o outro se calar, o acusador sai livre e o acusado irá preso durante 5 anos. O dilema está em que, apesar do comportamento egoísta oferecer a possibilidade de ir livre, a ignorância sobre o comportamento do outro faz com que os dois prisioneiros tenham mais interesse em cooperar do que em desertar. O dilema do prisioneiro foi desenvolvido por Hamilton e Axelrod nos anos 1980 e aplicado à previsão dos comportamentos de cooperação em  populações de indivíduos: quando a probabilidade de um dado indivíduo encontrar outro num futuro próximo ultrapassa um limiar crítico, então é grande a probabilidade de que apresente um comportamento cooperativo. Segundo Axelrod, esta estratégia

 

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cooperativa condicional chamada de Olho por Olho (Tit for Tat) deve o seu sucesso evolutivo a três características: ser simpático  –   nunca ser o primeiro a desertar -, ser rápido a retaliar e saber perdoar, se o parceiro só tiver desertado uma vez. Recentemente, a modelização da cooperação nos humanos evoluiu no sentido de integrar factores sociais mais complexos como a reputação social, os comportamentos  pró-sociais, a influência das crenças e da religião, a promoção social da conformidade, etc. Estes foram alguns dos factores indicados para tentar explicar os comportamentos aparentemente irracionais dos jogadores do jogo do ultimato (Gale et al, 1995). Este  jogo consiste interacção jogadores a um dospelos quais foiedada uma soma de dinheiro. Essena jogador líder entre propõedois a divisão do dinheiro dois o jogador receptor  pode aceitar ou rejeitar a soma que lhe foi atribuída. No caso de aceitar a soma de dinheiro, os dois jogadores ficam com a soma total de acordo com essa divisão; mas no caso em que o receptor rejeita a soma, os dois perdem todo o dinheiro dado no início do  jogo. A escolha racional seria a de o jogador líder dar o mínimo possível e, mesmo assim, o jogador receptor aceitar esse mínimo, uma vez que é melhor ficar com alguma coisa do que partir sem nada. Mas o que se passa na realidade é que as ofertas excedem sempre o mínimo aceitável e são generosas na maior parte das vezes. Resultados idênticos são encontrados em diversas culturas (Henrich et al, 2004), mesmo nos casos em que o líder sabe que propostas injustas seriam igualmente aceites. Uma hipótese para explicar este comportamento consiste na ideia de que os humanos desenvolveram selectivamente uma «aversão à injustiça» ou uma «preferência pela equidade», que encontramos já esboçadas nos chimpanzés (de Waal, 2006), e que estariam igualmente na base da punição dos desertores egoístas. Zak, Stanton & Ahmadi (2007) mostraram que a generosidade no jogo do ultimato depende de dois factores importantes: a empatia emocional e a empatia cognitiva, que sustenta a tomada de perspectiva do outro. Variaram os níveis de empatia emocional através da administração de oxitocina intranasal e de um placebo, tendo a oxitocina aumentado em 80% as ofertas generosas, comparadas com o placebo. Estes resultados mostram que a generosidade é motivada por emoções positivas de ligação ao outro. Por outro lado, estudos em neuroimagem mostraram que a antecipação de uma oferta mesquinha, por parte do jogador líder, activa o seu córtex insular, uma região associada com a aversão visceral, o que pode ter como efeito aumentar a sua generosidade (Stanfey et al, 2002). O nível de serotonina também parece influenciar a resposta à oferta, com o níveis mais baixos tendendo a estar associados com uma rejeição mais frequente das ofertas injustas (Crockett et al, 2008). Os trabalhos sobre o que se apelidou de altruísmo forte mostraram que os humanos tendem a cooperar com os outros, mesmo quando os custos da cooperação não são sempre recuperados. Este modelo funciona sobretudo quando os contextos de troca são sólidos e previsivelmente estáveis. A confiança na estabilidade contratual dos contextos alargados promove a cooperação, como é o caso dos estudos sobre altruísmo e cooperação de mercado (Gintis et al, 2007). Os humanos comportam-se altruistamente, mesmo quando parecem não retirar benefícios imediatos disso. O altruísmo forte depende dos contratos assumidos pelos humanos, e estes assentam na capacidade para criar responsabilidades e obrigações recíprocas. A perspectiva coevolutiva sobre o altruísmo (Boyd, 2003) propõe que a capacidade dos humanos para cooperarem em grupos de grandes dimensões deriva da evolução conjunta dos genes altruístas e de uma cultura institucional da cooperação que tende a punir os comportamentos egoístas. Deste modo, os egoístas não terão oportunidade para

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