Evolução, selecção natural e motivação humana: uma pequena introdução

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Evolução, selecção natural e motivação humana: uma pequena introdução

Paulo Finuras, Ph.D. Independent Researcher

Resumo Neste artigo procuro esclarecer alguns conceitos fundamentais acerca do que é a teoria da evolução e a psicologia evolucionista, como surgiu e quais as questões que esta procura compreender e responder. Abstract In this article I'm looking for clarify some fundamental concepts about what is the theory of evolution and evolutionary psychology, how and what are the issues which this seeks to understand and respond.

Palavras-Chave Adaptação, evolução, explicação absoluta, psicologia cognitiva, biologia evolutiva

Keywords Adaptation, evolution, absolute explanation, cognitive psychology, evolutionary biology

2 Evolução, seleção natural e psicologia evolucionista: um apequena introdução

«Qualquer traço, característica ou comportamento de qualquer coisa viva é sempre o resultado de fatores biológicos, interagindo com fatores ambientais». J. Cartwright, 2000

«Nada na biologia faz sentido exceto à luz da Evolução»! Theodosius Dobzhansky

Por diversas vezes, em conversas casuais que envolviam a teoria da evolução, verifiquei que muitos indivíduos quando se referem a Darwin e ao seu trabalho o fazem sem realmente saberem do que trata a Teoria da Evolução. Têm algumas noções (muito vagas) e normalmente referem que captaram a ideia da «lei do mais forte». Este desconhecimento e juízo apressado lembram-me um filme de Woody Allen em que um dos protagonistas refere alegremente ter feito um curso de leitura rápida de Russo e consequentemente ter lido o Guerra e Paz de Tolstói. Quando lhe perguntam do que tratava, respondeu: «mete a Rússia»! Gostaria aqui de contribuir modestamente para esclarecer algumas questões não só relativas à teoria evolutiva como à psicologia evolucionista, campo em que trabalho e investigo com o intuito de divulgar as mesmas. Comecemos pela seguinte pergunta: o que é a psicologia Evolucionista (PE)? A Psicologia Evolucionista ou Evolutiva (doravante designada apenas por PE) é uma ciência relativamente nova que resulta da interseção entre a biologia evolutiva e a psicologia cognitiva e procura explicar o comportamento humano tendo por referência a nossa história evolutiva. O seu objeto principal é a natureza humana definida como o conjunto completo de adaptações psicológicas que evoluíram na nossa espécie, ou seja, considera-se que a espécie humana possui atributos psicológicos derivados da seleção natural. Quando se pretende analisar e explorar o repertório comportamental de qualquer espécie, do ponto de vista evolucionista, a primeira pergunta que se deve fazer é "qual é o significado adaptativo desse comportamento específico?" Por exemplo, se quisermos investigar a violência e a guerra o que primeiro devemos procurar saber é como é que estes Paper on Academia website – Paulo Finuras, Ph.D.

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comportamentos foram «adaptativos nos ambientes evolutivos ancestrais»? Qual a sua função? E que circunstâncias ambientais provavelmente os mesmos evocam? Devo destacar que a PE complementa também a perspetiva genética, porém, há pelo menos duas diferenças importantes entre as duas disciplinas. Enquanto a genética olha para aquilo que torna as pessoas «diferentes», a PE focaliza-se naquilo que as torna «iguais». Além disso a PE procura as causas absolutas e/ou fundacionais dos fenómenos comportamentais, ou seja, os motivos que estão por trás do comportamento e que explicam qual o «problema adaptativo» que fez com que determinado mecanismo tenha evoluído para o resolver (um «problema adaptativo» é por definição qualquer problema ou pressão associada à nossa sobrevivência ou reprodução). Já a abordagem genética analisa e procura as «causas próximas», o «como» os comportamentos acontecem. Esta disciplina pretende saber em que medida é que determinado mecanismo comportamental é (ou foi) influenciado pelos genes numa dada população e num dado momento, e quais os genes que estão envolvidos. Isto não significa que a PE pelo facto de procurar explicações absolutas não tenha em consideração o contexto e a cultura. Pelo contrário. O que acontece é que, relembrando Barkow (1992), a PE apenas nos lembra que «a psicologia é a estrutura subjacente à cultura e à sociedade tal como a biologia evolutiva é a estrutura subjacente à psicologia». A ideia de que a vida evolui naturalmente não é propriamente nova. Na verdade já existe, pelo menos, desde Platão, mas foi com Charles Darwin que estas ideias foram pela primeira vez organizadas enquanto evidências numa teoria científica que tem sabido resistir ao teste do tempo (como a teoria da relatividade de Einstein) e que exigiu apenas algumas pequenas modificações, até porque no tempo de Darwin ainda não havia a genética. O ponto básico das ideias de Darwin era que as populações de plantas e animais crescem até alcançarem a capacidade máxima para determinado ambiente conseguir servir de suporte a todos os seus membros. Deste modo, e a partir daí, a produção de descendência em excesso resulta numa luta pela existência na qual apenas sobrevivem os «mais aptos». Darwin observou também que os organismos individuais dentro das populações apresentam um considerável grau de variação em relação a certos traços e características (como a cor, tamanho, agilidade, velocidade, agressividade, astúcia, capacidade de cooperação, Paper on Academia website – Paulo Finuras, Ph.D.

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resistência a doenças, etc.). Certas variantes de traços conferiram aos seus possuidores uma vantagem específica na luta pela sobrevivência nas condições ambientais prevalecentes de tal modo que os mesmos teriam mais probabilidades de sobrevivência do que aqueles que não os possuíssem para que conseguissem sobreviver e reproduzir-se, replicando essas vantagens nas gerações futuras. A variante de um traço selecionada é-o porque de alguma forma melhor «encaixava» nos seus possuidores nas condições ambientais existentes num dado momento. Porém, outras vezes, o mesmo traço podia não conferir uma vantagem. Charles Darwin designou este processo de seleção do «mais apto» como «seleção natural», precisamente porque é a natureza (o ambiente) quem «seleciona» as variantes favoráveis e as preserva nas gerações posteriores (através da seleção sexual). Outro conceito importante para perceber a PE é o chamado diferencial do sucesso reprodutivo dos genótipos que é no fundo aquilo que é fundamental para a seleção natural e que funciona como o mecanismo e «agente» organizador da evolução, porque ajusta continuamente as populações aos seus ambientes. Os biólogos chamam ajustamentos a essas adaptações. Estas podem ser de natureza anatómica, fisiológica, mental ou comportamental. No fundo, uma adaptação é qualquer característica de uma espécie que surgiu e promoveu a sua própria frequência através de um longo período de seleção. Assim, a natureza humana, na sua forma mais fundamental, é a soma ou o resultado da totalidade das adaptações que surgiram e se fixaram na nossa espécie (embora a cultura, por vezes, «contorne»» esta natureza humana universal de muitas e variadas maneiras). Mas atenção; devemos evitar cair na armadilha de pensar que os traços são selecionados para tornar os organismos mais adaptados aos seus ambientes, porque tal pensamento implica uma ideia de «finalidade» ou de «propósito». Por muito estranho que pareça, a evolução não tem qualquer propósito! Ela não consegue adivinhar ou antecipar o «futuro» ou qualquer plano «divino» para assim encetar a melhor adaptação dos organismos. A seleção natural trabalha apenas com e a partir do que já existe. É um processo que opera por tentativa e erro. São as condições ambientais que definem a evolução numa determinada trajetória adaptativa, mas se mudarem de ambiente, antigas

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adaptações podem tornar-se desajustadas ou desfasadas e conduzir mesmo qualquer espécie à extinção. Um outro equívoco muito comum acerca da lógica evolutiva é que o comportamento humano é direta e conscientemente motivado por preocupações de sucesso reprodutivo. Não, não é! Por exemplo, o comportamento sexual é, obviamente, uma adaptação, mas isso dificilmente significa que o motivo para se envolver nele é o sucesso reprodutivo, ainda que seja através do sucesso reprodutivo que o comportamento sexual se qualifique como uma adaptação. O comportamento humano não pode ser considerado como resultado de motivações conscientes para aumentar a aptidão biológica; veja-se as tentativas intencionais para iniciar uma família, por exemplo. Muito dificilmente as pessoas racionalizam o querer constituir família explicitando que o fazem por preocupações conscientes em legar os seus genes nas gerações futuras. Os seres humanos estão apenas e simplesmente adaptadas para procurar os meios imediatos para alcançarem objetivos específicos, não os fins absolutos (Barkow, 1992). Esses atuam ao nível inconsciente (Kanazawa, 2006 e 2009). Os indivíduos apenas têm consciência dos seus desejos, preferências, interesses e emoções. Tal como alguns investigadores sugeriram, as consequências das aptidões inclusivas não são invocadas como objetivos em si mesmo, mas sim para explicar porque é que certos objetivos acabaram por controlar os comportamentos humanos e por que motivo estão esses comportamentos calibrados de uma forma particular em vez de outra (Daly e Wilson, 1988). Os seres humanos estão concebidos para procurar satisfazer os seus objetivos imediatos que no caso concreto do sexo significam uma forma agradável através do qual a reprodução pode ser alcançada. Aconteceu que nos tempos anteriores aos métodos contracetivos deu-se uma correspondência estrita entre os meios que procuravam a satisfação dos objetivos imediatos e os meios que procuravam a satisfação dos objetivos finais evolutivos. É por isso que alguns cientistas sugerem que é preferível distinguir e utilizar as designações de executores de adaptação (que atuam de uma forma que poderia ter maximizado a aptidão em ambientes ancestrais, mas

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não necessariamente hoje) ao invés de maximizadores de aptidão para referir comportamentos evolutivos dos seres humanos modernos (isto pode ajudar a compreender melhor o fenómeno (residual) da recusa em ter filhos, por exemplo, já que, como é óbvio, não pode ser um traço hereditário...). Em muitos aspetos a psicologia evolutiva é contraintuitiva e pode ser incómoda por que os indivíduos preferem muitas vezes o pensamento ilusório e o autoengano confundindo aquilo que a realidade é com aquilo que gostariam que fosse. Mas o próprio autoengano não deixa de ser um fenómeno...natural. Mais uma vez sublinho: a evolução não tem qualquer propósito. Simplesmente aconteceu e acontece (?). A PE assume implicitamente que as leis e princípios que regem a evolução dos sistemas naturais regem igual e inevitavelmente o desenvolvimento das sociedades humanas. Isto parece-me ser razoável e perfeitamente aceitável. Não pretendo com isto dizer que essas mesmas leis e princípios fixam (no sentido em que determinam) o curso específico do desenvolvimento da evolução biológica e social. Pareceme que essas leis definem apenas os «limites e as possibilidades» que os seres humanos exploram nas diferentes variações socioculturais. Não devemos esquecer que quaisquer que sejam as regras mais vastas e profundas da própria evolução biológica, onde nos inserimos, estão já inscritas e enquadradas previamente, na evolução cósmica. Temos boas razões para acreditar que algumas regras físicas atravessam todos os sistemas vivos e não escapam aos princípios inerentes ao nosso universo. Seria bizarro se nós fossemos uma exceção. Por exemplo, é hoje aceite pela comunidade científica a ideia física geral segundo a qual, existe no tempo do nosso universo, uma tendência para a degradação e para a dispersão (designa-se entropia), e no que concerne às coisas e aos seres organizados, para a desorganização. Por isso a nossa luta diária é sempre contra a entropia. Se queremos compreender a sociedade e a cultura é aconselhável perceber as suas raízes pois são estas que nos ajudam a perceber por que somos como somos e fazemos o que fazemos. Como dizia Winston Churchill, «só conseguiremos compreender o presente se olharmos para o passado». As bases da sociedade humana e da cultura estão, naturalmente, na psicologia (evolutiva), não se reduzindo a ela, e as bases desta estão, necessariamente, na biologia, não se reduzindo a Paper on Academia website – Paulo Finuras, Ph.D.

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ela, tal como as origens da biologia estão na química (não se reduzindo a ela), e as desta estão na física (já sabe o resto!)… É esta no fundo a matemática da vida! Gostemos ou não!

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