Existe gueto gay em São Paulo?

July 21, 2017 | Autor: Vinicius Almeida | Categoria: Geography, Urban Geography, Sexuality, Geographies of Sexualities
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EXISTE GUETO GAY EM SÃO PAULO? Vinicius Santos Almeida Universidade de São Paulo / Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas [email protected]

Resumo O presente resumo faz parte de uma pesquisa em desenvolvimento, que procura entender o significado das expressões das identidades LGBT (gay, lésbica, bissexual, travesti e transexual) na cidade de São Paulo a partir da dimensão espacial. Parte-se da premissa que quanto menos isoladas ou separadas, excluindo-se assim qualquer ideia de comunidade ou gueto, maiores são os avanços contra os estigmas e os preconceitos sexuais e de gênero. A cidade heterogênea e densa de identidades, sexualidades, etnias, opiniões, ideias, indivíduos, objetos, etc., exerceria por completo sua urbanidade. Dois pontos são fundamentais nesta pesquisa: 1. As grandes cidades atuam na construção e na expressão das sexualidades. 2. As sexualidades, por sua vez, ao serem performadas nos espaços públicos, semipúblicos e privados constroem a cidade. Tais expressões têm função nas mudanças culturais, políticas, econômicas e espaciais da sociedade. A cidade não é o palco dessas identidades, mas ela existe em razão destas e de outros aspectos. Ao mesmo tempo, as sexualidades e os gêneros só podem se expressar porque tal espaço existe. São apresentadas aqui as primeiras reflexões acerca do tema. O foco é a existência ou não de uma configuração de segregação espacial e seu significado para a cidade.

Abstract This resume is part of a research that seeks to understand the meaning of the LGBT identities expressions in São Paulo, from the spatial dimension. It starts with the premise that the less isolate or separate, thus excluding any idea of community or ghetto, the bigger are the progress against the sexual and gender prejudice. The heterogeneous city dense of identities, sexualities, ethnicities, opinions, ideas, individuals, objects, etc., would exercise in full its urbanity. Two points are fundamentals to this research: 1. Big cities work in sexualities' construction and expression, principally the non-normative sexualities. 2. Sexualities, in turn, when performed in public, semipublic and private spaces make the city. These expressions have a role in the cultural, political, economic and spatial changes of the society. The city is not the stage for these identities, but it exists because of them and others elements. At the same time, sexualities and genders only can be expressed because that space is there. Here are presented the first reflections about the theme. The focus is existing or not a segregated spatial configuration and its meaning for the city. Key words: Geography of Sexualities, Urban Geography, Urban Spatial Segregation.

Palavras-chave: Geografias das Sexualidades, Geografia Urbana, Segregação Espacial Urbana.

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Introdução Dois parâmetros significativos na tentativa de mensuração da urbanidade são a densidade e a diversidade. Esta concepção, formulada por Jacques Lévy (1999), apresenta a urbanidade como uma substância da cidade. Este é o espaço onde ocorre o contato, a anulação das distâncias entre as pessoas. Duas outras ideias importantes nesta pesquisa são o gueto e a comunidade. Para a Escola de Chicago, um gueto é uma parte do espaço ocupada por um grupo autoidentificado, onde existe constituição institucional, área de cultura, isolamento social e concentração residencial específicos para seus “membros” (PERLONGHER, 1987, p. 52-59). Néstor Osvaldo Perlongher apresenta sua análise sobre São Paulo, resultando na identificação de um “gueto gay”. Nem todos os princípios do gueto por ele descrito são encontrados em suas observações. Para Edward MacRae, o gueto gay paulistano seria caracterizado pelos locais de encontro: casas noturnas, bares, saunas, praças, etc. no centro de São Paulo. Ele ainda defende a existência do gueto gay, pois enxerga nele um espaço de autoafirmação homossexual em potencial. Tal autoafirmação criaria, em algum momento, um empoderamento que seria capaz de quebrar as barreiras do isolamento (MACRAE, 1983, p. 56-57). A definição de gueto da Escola de Chicago apresentada é muito parecida com a definição de comunidade de Jacques Lévy (2003, p. 177). Para ele uma comunidade é um grupo que tenta ter/tem o mínimo de relações possível com o resto da sociedade, seja impedindo que exista diversidade “no seu espaço”, seja sendo impedido de frequentar outros espaços. No entanto, a concepção de comunidade de Lévy entra em contradição com a de MacRae, já que o primeiro não vê a sexualidade como um princípio constituidor de comunidade, muito menos algo positivo para as relações sociais. A comunidade da qual Lévy fala é a que se expressa no território. Sabe-se que o uso do termo “comunidade” por parte de diversos grupos, pode ter um significado de pertencimento a uma configuração social, não necessariamente espacial. Desta forma, tratamos aqui do segundo tipo. E ainda comunidade como sinônimo de gueto, já que ambos os termos têm como princípio a segregação espacial.

espacial. Consideramos que a existência de uma comunidade implica em uma configuração segregadora. Podemos dizer que existem espaços que são “espaços de convivência”, cujas características principais estão alicerçadas na existência de locais de encontro, tais como bares, boates, saunas, praças, entre outros, os quais, em determinado momento do dia ou da noite, são ocupados por jovens procurando diversão. Alguns destes lugares são direcionados a gays, lésbicas e bissexuais, como as boates. Outros locais também são ocupados por LGBTs, e assim ganham outros significados. Utiliza-se o conceito de espaço geográfico enquanto dimensão da sociedade, como apontado por Milton Santos (2012). A partir do olhar para esses espaços de convivência LGBT, está sendo realizada uma pesquisa que enfoca exatamente como tais espaços são resultantes e contribuintes da urbanidade na cidade de São Paulo. O recorte espacial sobre as reflexões neste resumo é do município.

Materiais e Métodos Utilizamos aqui um banco de dados com a tipificação dos estabelecimentos direcionados ou majoritariamente frequentados por gays, lésbicas e bissexuais (infelizmente não foi possível encontrar dados confiáveis sobre os locais equivalentes para travestis e transexuais). A construção desse banco de dados foi iniciada em junho de 2014 pelo próprio autor. Os resultados expostos neste resumo foram obtidos a partir da coleta desde o início da criação do banco até dezembro de 2014.

Objetivos

As fontes consultadas foram: o Guia Diversidade 2011 e o São Paulo Guia LGBT, ambos organizados pela Prefeitura de São Paulo em conjunto com a São Paulo Turismo, a Central de Informação Turística GLS, a ABRAT (Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes) e a CADS (Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual da Prefeitura de São Paulo); o site Guia Gay São Paulo, da editora Guiya, que publica guias de turismo gay para diversas cidades; e um número da Revista Júnior, única revista de conteúdos diversos direcionada a homens gays em São Paulo.

Procuramos entender se São Paulo apresenta alguma configuração que poderia ser chamada de gueto ou comunidade gay, enquanto fenômeno

O relatório Assassinato de Homossexuais (LGBT) no Brasil 2013-2014, do Grupo Gay da Bahia, foi uma fonte para o mapeamento dos

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assassinatos de LGBTs. Por fim, houve o acompanhamento do blog Quem a Homofobia Matou Hoje, organizado pelo mesmo grupo, onde são reproduzidas quase que diariamente notícias de casos de violência e assassinato de LGBTs em todo o Brasil. Os dados deste site foram considerados secundários, pois não é possível validar todas as informações apresentadas por ele, em razão da grande diversidade de fontes jornalísticas.

Resultados Observamos que os lugares onde estão concentrados os estabelecimentos direcionados às pessoas LGBTs em São Paulo, apresentam diversidade e densidade de objetos, atores, funções e ações. Os bairros com mais ofertas desses estabelecimentos são Barra Funda, Santa Cecília, Consolação, República, Bela Vista, Jardim Paulista e Pinheiros. Tais lugares se encontram no centro histórico e em algumas partes do centro estendido, onde há as maiores ofertas de transporte, diversidade de estabelecimentos, praças e parques. Além de serem áreas de intenso fluxo de pessoas, a maior parte delas apresenta residências de classe média. O que se chama no senso comum de “gueto gay paulistano”, abriga outras expressões identitárias, por vezes conflitantes, e outros tipos de negócios, não apenas boates, bares, saunas. Esforços para mapear os crimes contra LGBTs apontam 5 (cinco) casos de assassinato de LGBTs no município de São Paulo em 2013/2014, porém foram contados 29 (vinte e nove) casos no Estado, colocando-o como o segundo com mais assassinatos de LGBTs em números absolutos. No total, foram 312 registros em todo o país. Entre os grupos militantes LGBTs, discute-se que muitos dos crimes causados por discriminação sexual e de gênero não são noticiados, e a maioria não é registrada pela polícia como crimes homofóbicos ou transfóbicos (preconceito contra travestis e transexuais), uma vez que não há uma lei que criminalize explicitamente tais ações.

Conclusões O que se pode concluir é que o gueto gay paulistano de MacRae não existe. O que parece existir, principalmente no senso comum, é um sentimento de pertencer a uma comunidade, cujas relações não se dão necessariamente no espaço, mas em subjetivamente, como a identificação como parte de um grupo com algumas características em comum, mas que está

disperso no espaço. Pertencer a um gueto ou a uma comunidade, como já exposto, é sinônimo de estar segregado espacialmente do restante da sociedade. Felizmente, não é isso o que observamos no município de São Paulo. Entendemos os crimes contra LGBTs como práticas segregadoras. Isso não significa que os locais de encontro constituam uma parte segregadora do espaço. Sugerimos utilizar ao invés do termo gueto gay, a expressão locais de encontro de LGBTs. Além de romper com o problema de resumir todas as pessoas da sigla na palavra gay, invisibilizando-as, a expressão não tem significados teóricos restritos. A partir dos resultados acima expostos, levantamos algumas questões a serem problematizadas. É preciso pensar no peso da segregação social no espaço das pessoas LGBTs. Da mesma forma, faz-se necessário considerar que a sexualidade e o gênero não são as únicas características das pessoas LGBTs, sendo importante considerar as questões de classe, raça e escolaridade. Sabemos também que grande parte da população paulistana vive em periferias e que muitos jovens LGBTs migram para o centro, para os locais onde podem expressar suas identidades com menos medo da repressão. Portanto, o que ocorre nas periferias que faz com que esses jovens não se sintam seguros de suas identidades fora locais de encontro? Seria uma forma de segregação, uma vez que não há tantos locais de encontro nas periferias?

Referências Bibliográficas GRUPO GAY DA BAHIA. Assassinato de homossexuais (LGBT) no Brasil: relatório 20132014. Disponível em: . Acesso em 08 Março 2015. LÉVY, Jacques. Communauté. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT, Michel (org.). Dictionnaire de la Géographie et de l'espace des sociétés. Paris: Belin, 2003. p. 177-178. LÉVY, Jacques. “Le contact et l'écart”. In: LÉVY, Jacques. Le tournant géographique: penser l'espace pour lire le monde. Paris: Belin, 1999, p. 13-24. Tradução de trabalho de Jaime Tadeu Oliva. MACRAE, Edward. Em defesa do gueto. In: Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, v. 2, n. 1, p. 53-60, Abril. 1983. Disponível em:

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. Acesso em 08 Março 2015. PERLONGHER, Nestór Osvaldo. O negócio do michê. Prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1987. REVISTA JÚNIOR. São Paulo: Mix Brasil, 2014 – Mensal. SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2012. 4.ed.

Guias consultados: PREFEITURA DE SÃO PAULO. Guia Diversidade. 2011. Disponível em: . Acesso em 08 Março 2015. SÃO PAULO TURISMO. Guia LGBT. Disponível em: . Acesso em 08 Março 2015. GUIYA. Guia Gay São Paulo. Disponível em: . Acesso em 08 Março 2015.

Site: QUEM A HOMOFOBIA MATOU HOJE? Disponível em: . Acesso em 08 Março 2015.

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