Expansão do Setor de Microfinanças no Brasil

May 28, 2017 | Autor: Renata Lins | Categoria: Microfinance
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MICROFINANÇAS N O

B R A S I L

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EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

A Expansão das Microfinanças no Brasil Uma publicação do Núcleo de Economia Local Área de Desenvolvimento Econômico e Social – DES IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal Copyrigth 2003 Instituto Brasileiro de Administração Municipal Largo IBAM, nº 1 – 22271-070 – Rio de Janeiro – RJ Tel. (55-21) 2536-9797 – Fax (55-21) 2527-5146 E-mail: [email protected] – Web: www.ibam.org.br Depósito Legal: Biblioteca Nacional As informações constantes desta publicação podem ser reproduzidas desde que citada a fonte. O presente estudo foi realizado com o apoio financeiro da Fundação Ford. Os pontos de vista aqui expressados são de plena responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião oficial da Fundação Ford.

Supervisão Angela M. Mesquita Fontes Consultor Franklin Dias Coelho Coordenação de Pesquisa Renata Pimentel Lins Pesquisadores Pedro Nogueira Diogo Raphael Rodrigues da Rocha Estagiária Valéria Alves Angelini Edição Espalhafato Comunicação e Produção

Programação Visual – Márcia Azen e David Vignolli Revisão – Ângelo Ricardo de Castro e Miguel Conde Ficha Catalográfica Catalogação na fonte pela Biblioteca do IBAM Fontes, Ângela M. Mesquita A expansão das microfinanças no Brasil / Ângela M. Mesquita Fontes, Franklin Dias Coelho, com a colaboração de Renata Pimentel Lins, Pedro Nogueira Diogo, Raphael Rodrigues da Rocha. - Rio de Janeiro: IBAM/Fundação Ford, 2003. 204 p 21cm 1. Finanças Públicas. 2. Microfinanças. 3. Microcrédito. 4. Desenvolvimento local. I. Coelho, Franklin Dias. II. Lins, Renata Pimentel. III. Diogo, Pedro Nogueira. IV. Rocha, Raphael Rodrigues da. V. Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Núcleo de Economia Local. VI. Fundação Ford. 336 (CDD15.ed.)

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Sumário

Acesso ao Crédito: um direito do empreendedor ...................... 5 Das Microfinanças às Finanças Solidárias ................................ 7 Microfinanças e Desenvolvimento Institucional ....................... 27 Microfinanças e Gestão Estratégica ....................................... 43 Microfinanças e Gestão Operacional .................................... 63 Rótula S.A. ............................................................................. 85 Banco do Povo de Juiz de Fora ............................................ 115 Credencial .......................................................................... 137 Vivacred .............................................................................. 149 Cresol ................................................................................. 171 Considerações Finais .......................................................... 197 3

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

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Acesso ao Crédito: um direito do empreendedor

Os estudos do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM sobre o setor de microfinanças, iniciados em 1999 com a pesquisa Perspectivas de Expansão das Microfinanças no Brasil, financiada pela Fundação Ford, provocaram uma série de questionamentos que demandaram a realização de novas investigações. Com isso, a segunda fase da pesquisa, denominada O Processo de Expansão das Microfinanças no Brasil, empreendida a partir de agosto de 2001, mais uma vez com o apoio da Fundação Ford, consistiu em uma detalhada análise do crescimento do setor. Os trabalhos realizados nesses quatro anos demonstraram que o setor de microfinanças brasileiro ainda é relativamente pouco conhecido por seus próprios atores, o que dificulta uma atuação qualificada, bem como o desenvolvimento de instrumentos adequados à concretização de sua atividade-fim. O IBAM entende que esta publicação, resultado da pesquisa O Processo de Expansão das Microfinanças no Brasil, é uma contribuição que possibilitará aos atores um melhor conhecimento de si mesmos e de seu ambiente. O estudo quantitativo das Instituições Operadoras de Microcrédito – IOMs –, aqui apresentado, permitiu a construção do banco de indicadores Microfinanças no Brasil que está disponível para consulta na Internet no endereço www.ibam.org.br. Esse instrumento oferece diversos indi5

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cadores sobre as microfinanças, possibilitando recortes de natureza regional e institucional, sendo, portanto, uma ferramenta de trabalho de grande interesse e utilidade para as IOMs, as entidades de apoio ao setor microfinanceiro, pesquisadores e microempreendedores, entre outros. Os dados sistematizados foram analisados em quatro recortes temáticos, cada um deles privilegiando um aspecto do setor. São eles: Desenvolvimento Institucional, Gestão Estratégica, Gestão Operacional e Metodologia Creditícia. Na análise qualitativa esse mesmo sistema de recortes temáticos foi utilizado em uma comparação de três formatos institucionais com características distintas, sendo um com fins lucrativos (Sociedade de Crédito ao Microempreendedor), outro sem fins lucrativos (Organizações Não Governamentais) e, como contraponto, uma cooperativa de crédito, modalidade institucional ainda pouco contemplada nos debates sobre microfinanças. Foram ainda avaliadas as diferenças de atuação destas instituições no que tange às estratégias territoriais e operacionais e definição de seu público-alvo, bem como a adequação do marco legal do setor às diferentes formas institucionais existentes. Foram cadastradas aproximadamente 130 IOMs que emprestaram, em 2001, cerca de 320 milhões de reais para uma heterogênea clientela de microempreendedores. Os limitados recursos para a composição do fundo de crédito, as dificuldades metodológicas para se operar microcrédito em um país de dimensões continentais e o próprio embate das diferentes concepções existentes acerca das microfinanças tornam incerta a capacidade de expansão deste setor. Por outro lado, a capacidade criativa e a articulação das IOMs, além da entrada de novos atores no setor, cria possibilidade de aceleração da expansão. O futuro das microfinanças encontra-se em um momento decisivo, no qual todas as fontes de informação e possibilidades de debate devem ser aproveitadas para a construção de um setor que seja inclusivo e capaz de garantir o acesso de milhões de brasileiros aos serviços financeiros vitais para o desenvolvimento. Mara D. Biasi Ferrari Pinto Superintendente Geral do IBAM 6

Das Microfinanças às Finanças Solidárias

O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados alcançados pela pesquisa O Processo de Expansão das Microfinanças no Brasil, que dá continuidade ao primeiro estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM em 1999 - Perspectivas de Expansão das Microfinanças no Brasil: marco legal, capitalização e tecnologia, realizada pelo Núcleo de Economia Local – NEL, da área de Desenvolvimento Econômico e Social – DES, do IBAM, com o apoio da Fundação Ford. Ao longo destes quatro anos a equipe de pesquisadores do NEL realizou um mergulho profundo no mundo das microfinanças, do qual emergiu gratificada pela aquisição de um conhecimento altamente qualificado sobre as características e formas de atuação das principais operadoras de microcrédito do País. Ao mesmo tempo, o papel desempenhado pelo setor de microfinanças na proposta nacional para o desenvolvimento local foi pesquisado à luz das experiências existentes no panorama latino americano. O primeiro estudo encontra-se disponível na página do IBAM na Internet, www.ibam.org.br. Realizadas no período de constituição do marco legal do microcrédito no Brasil, as discussões tiveram por pano de fundo o cenário de liberação dos processos econômicos e de expansão dos fluxos financeiros que caracteriza a globalização. O primeiro estudo teve por base os temas orientadores da agenda temática sobre microcrédito para a América Latina considerados importantes pela Fundação Ford: 7

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políticas públicas de microfinanças; natureza do marco regulatório adequado ao país; relação com o sistema financeiro nacional; políticas de fomento metodológico e tecnológico que contribuiriam para o desenvolvimento das instituições de microfinanças; 5. características socioeconômicas dos clientes das Instituições Operadoras de Microcrédito – IOMs, alternativas de crédito e poupança dos clientes das IOMs; 6. o papel das instituições de microfinanças no contexto atual. É importante ressaltar que a proposta de pesquisa foi desenhada visando a inserção do conhecimento daqueles que vivenciam a prática do microcrédito. Neste sentido, vale destacar a contribuição das Instituições Operadoras do Microcrédito, que participaram dos eventos ocorridos no IBAM durante o período de realização da primeira pesquisa. Esta participação foi de extrema relevância para o enriquecimento do debate que vinha sendo travado no nível nacional, assim como para o envolvimento de um maior número de participantes. A pesquisa O Processo de Expansão das Microfinanças no Brasil procurou dar continuidade a este debate, acompanhando o período de consolidação do marco regulatório no Brasil, com o objetivo de compreender o comportamento das instituições operadoras de microfinanças frente ao cenário que indicava, além da necessidade de adequação às normas legais, uma tendência de aumento de competição no setor. Deste modo, trabalhando com o objetivo de dar continuidade ao banco de dados sobre microfinanças e acompanhar o processo de expansão do setor, os produtos da pesquisa são: a) levantamento cadastral do universo de IOMs no Brasil e sua consolidação no banco de dados cadastrais disponível na página do IBAM; b) pesquisa quantitativa com perguntas relacionadas com questões específicas sobre: Desenvolvimento Institucional (estatutos, regimentos, legislação e normas de fiscalização); Gestão estratégica (estratégias de atuação, público atingido, modalidades de aplicação); Gestão operacional (fontes de fundos, desempenho operacional e seus indicadores, rotinas operacionais, tecnologias de operação, pessoal empregado) e Metodologia Creditícia (papel do agente de crédito, relação com o pessoal administrativo, tipo de garantia); 8

c) com base neste banco de dados foram construídos indicadores sobre Desenvolvimento Institucional, Gestão estratégica, Gestão Operacional e Metodologia Creditícia que estão disponibilizados no banco de indicadores “Microfinanças no Brasil”, na página do IBAM; d) realização de quatro estudos de caso sobre IOMs, utilizando critérios de seleção por tipo de instituição, perfil geopolítico da localização e grau de concorrência do mercado. e) como contraponto, realizamos um estudo de caso de uma cooperativa de crédito, até então excluída do marco legal de microcrédito. Número de Sedes de IOMs segundo Unidades da Federação. Brasil. 2002

Fonte: pesquisa “O processo de expansão das microfinanças no Brasil” – IBAM, 2002

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EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

Vale ressaltar que foi identificado um total de 133 IOMs, que estão devidamente cadastradas no banco “Microfinanças no Brasil”. No mapa apresentado na página anterior é possível observar a distribuição espacial das instituições identificadas, sendo que, destas, cerca de 50% responderam aos questionários enviados. É importante ressaltar que foi possível obter nos questionários respondidos um percentual equivalente aos questionários enviados, mantendo a integridade da amostra selecionada. Vale chamar atenção para a concentração de IOMs nas regiões Sul e Sudeste.

Fonte: pesquisa “O processo de expansão das microfinanças no Brasil” - IBAM, 2002

Quanto às instituições selecionadas para a pesquisa qualitativa, adotou-se como critério os modelos institucionais e as realidades territoriais das IOMs. Sendo assim, foram selecionadas cinco instituições: duas Sociedades de Crédito ao Microempreendedor - SCMs, duas Organizações Não Governamentais - ONGs e uma cooperativa de crédito. Buscou-se, no entanto, instituições que atuassem no mesmo contexto territorial, o que levou à seguinte distribuição: Credencial e Vivacred, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro; Rótula e Banco do Povo de Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira; e, por fim, o sistema de cooperativas Cresol, cuja central encontra-se no Sudoeste do Paraná. 10

Cobriu-se, assim, três contextos territoriais distintos: uma região metropolitana, uma rede de pequenas e médias cidades em Minas Gerais e uma área rural do sul do país. Os mapas a seguir ilustram as áreas de atuação das IOMs pesquisadas: Área de atuação do Vivacred e da Credencial

Rede de Agências e Postos da Rótula e do Banco do Povo de Juiz de Fora

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Área de atuação da Cresol

Fonte: Cresol

Com base nos indicadores criados e nas informações dos estudos de caso realizados podemos apresentar, inicialmente, o debate que a pesquisa sugere.

O Debate Conceitual: das microfinanças às finanças solidárias1 As microfinanças, assim como qualquer sistema de financiamento, se constituem num instrumento de intermediação. Na economia capitalista, este sistema financeiro se transforma num poderoso instrumento de concentração e centralização do capital. A pergunta que

1 Este debate conceitual tem como referência o texto: COELHO, Franklin. Finanças solidárias. In: CATTANI, Antônio David (Org). A outra economia. Porto Alegre: Zeraz Ed., 2003

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fazemos ao procurar conceituar as microfinanças é se podemos ter instrumentos financeiros que permitam uma democratização das relações econômicas, criem condições para um desenvolvimento humano, fortaleçam o trabalho social acumulado em cada território, respondam às necessidades básicas de cada comunidade, priorizem os excluídos do sistema bancário tradicional, e tenham suas ações pautadas pela ética e solidariedade. Entendemos que estas idéias norteadoras podem ampliar a noção de finanças. Segundo o Dicionário Aurélio, ‘finanças’ é a ciência e a profissão do manejo do dinheiro, particularmente do dinheiro do Estado2 . Esta definição do Aurélio reduz finanças a uma dimensão monetária, mas principalmente ligada à movimentação de dinheiro público. Numa visão econômica, finanças se constituem no sistema que inclui a circulação de moeda; a concessão e garantia do crédito, a realização de investimentos e a provisão de serviços bancários. Esta visão tradicional de finanças se concentra em torno do setor bancário e sugere as finanças como a ciência que trata da utilização do dinheiro, seu custo, seu rendimento, proteção e controle, captação e reciclagem de seus distintos produtos. Esta visão funcional de finanças exclui os atores, a intermediação e os seus objetivos. A quebra desta visão funcional ocorre com o surgimento da microfinança. A microfinança, em particular o microcrédito, surge como alternativa para a população que não tem acesso ao sistema bancário e financeiro tradicional. A microfinança é o desenvolvimento das finanças a serviço de uma população excluída deste sistema, criando condições de garantia deste acesso e se constituindo numa engenharia financeira orientada para produtos que respondam à necessidade da população excluída da indústria financeira tradicional. Deste modo, a microfinança tem sua origem na idéia de democratização do recurso financeiro.

2 Novo Dicionário Aurélio, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1ª edição, 1975, pp.630.

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A microfinança, caracterizada como toda e qualquer operação financeira destinada a pessoas e empresas normalmente excluídas do sistema tradicional ou à população de baixa renda como sugere o BID3, tem no microcrédito sua principal atividade. A compreensão é de que o microcrédito se define como um pequeno crédito concedido em larga escala por entidade financeira a pessoas físicas ou jurídicas cuja principal fonte de renda sejam as vendas provenientes da realização de atividades empresariais de produção de bens e serviços.4 O limite do conceito de microfinança é que esta se transformou apenas em um sistema de pequenos créditos, em sua minitaturização que trabalha com produtos compatíveis com as possibilidades e limites da renda da população excluída do sistema tradicional. O conceito de Finanças Solidárias amplia a noção de microfinanças, tirando-a do pequeno gueto em que está colocada a economia popular quando trabalhamos com pequenos créditos principalmente voltados para capital de giro. Deste modo, o debate do microcrédito no interior da economia solidária tem ampliado a noção de microfinanças no sentido de uma visão mais socio-territorial de finanças solidárias, que se constituem em formas de democratização do sistema financeiro ao procurar adequar produtos financeiros às necessidades básicas da população e ao fortalecimento do trabalho social acumulado em cada território, priorizando os excluídos do sistema bancário tradicional, constituindo-se, assim, num elo de integração e sustentação de uma relação mais duradoura entre economia e sociedade, construída sob a égide da ética e da solidariedade, criando condições para um desenvolvimento humano que necessariamente será integrado e sustentável.

3 Esta definição está presente em texto recente do BNDES no qual aparecem as distintas visões do BNDES, BANCO MUNDIAL e BID que não diferem quanto à visão de que se trata de operações financeiras de pequeno valor. MARTINS, Paulo Haus; WINOGRAD, Andrei & SALLES, Renata de Carvalho Regulamentação das Microfinanças, BNDES, Rio de Janeiro, 2002. 4 Definição do Banco Mundial, op cit, p.59.

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A História: das microfinanças e das finanças solidárias A análise das formas alternativas de financiamento, entendidas como um instrumento de democratização do sistema financeiro, se insere no campo da economia solidária como um dos instrumentos de democratização das relações econômicas e do mercado. A democratização do mercado, para além de uma relação equilibrada de oferta e demanda, significa novas relações de poder no complexo sistema de inter-relações e relações de força que se estabelece entre todos sujeitos, individuais e coletivos, públicos ou privados, formais ou informais, que ocupam diferentes lugares na estrutura econômica, cumprem distintas funções e atividades, e participam com distintos fins e interesses em um determinado circuito integrado, ou seja, que fazem parte de determinada formação econômica e política na qual os processos de produção e distribuição buscam a satisfação de suas próprias necessidades e interesses.5 O conceito de finanças solidárias insere-se, deste modo, na produção social de economia solidária, e deve ser vista como um processo no qual se acumula socialmente; mudam as relações de poder entre produtores, intermediários e consumidores; configurando novas regras e novos marcos legais. Insere-se como elemento central destas relações de força o poder da moeda. Em particular, no caso das finanças solidárias, ele assume uma dimensão de meio de pagamento, funciona como forma de operacionalizar um sistema de garantia e de crédito, ou ainda como reserva de valor no caso da poupança ou do seguro. A historia destas experiências não é recente: as primeiras experiências datam do século XVIII e XIX, com a Lending Charity (Concessão de Empréstimos de Caridade para empreendedores no século XVIII, em Londres); o Sistema de Fundo de Empréstimo no século XIX na Irlanda

5 A visão de democratização de mercado é discutida em RAZETO, Luiz - Economia Popular de Solidariedad: identidad y proyecto em uma visión integradora, Edicíon Área Pastoral Social de la Conferencia Episcopal de Chile, Santiago, Chile, 1990,p. 127-128

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e os movimentos de cooperativas de crédito que começaram no fim do século XIX na Alemanha, Irlanda e Itália.6 Uma das experiências mais significativa foi o Irish Loan Funds, instituição de microcrédito criada há mais de 200 anos na Irlanda. O Irish Loan Funds concedia pequenos créditos para os pobres e no seu auge estava emprestando a 20% das famílias irlandesas. Aproximadamente um quarto dos tomadores de crédito no século XIX era mulheres, proporção extremamente alta para aquele período.7 O professor Jonathan Swift, preocupado com a situação dos comerciantes empobrecidos e com a dificuldade de obter crédito para continuar seus negócios em Dublin, criou do seu próprio bolso um fundo de empréstimo rotativo de 500 libras exigindo que os prestatários apresentassem uma garantia de dois vizinhos. Esta primeira experiência serviu como referência para o crescimento de fundos de crédito independentes. Em 1836 foi criada a Central Board, em Dublin, para regulamentar esses fundos independentes. Em 1843 existiam cerca de 300 fundos em operação na Irlanda, que movimentavam algo próximo a 500.000 libras por ano em empréstimos. O valor médio do empréstimo era de 10 libras, crédito médio de 3,3 libras com prazo de pagamento de 20 semanas. Esta experiência permaneceu mesmo com o fortalecimento dos bancos comerciais declinando na primeira metade do século XX. O último fundo foi fechado por volta dos anos 1950. Uma outra experiência que marca a história das microfinanças do século XIX é o surgimento em 1840 das cooperativas de crédito alemãs Raiffeisen. Em 1885 existiam 245 cooperativas. Em 1904, elas somavam 14.500 cooperativas rurais, com 1,4 milhão de membros. Cada empréstimo podia ser vetado pelo comitê da cooperativa, a garantia se dava com

6 HOLLIS, Aidan & SWEETMAN, Arthur - Microcredit: What can we learn from the past?,in: World Development, Elsevier Science Ltd,.vol.26, n.º 10, p.1875-1891, 1998. 7 HOLLIS,Aidan -Women and Microcredit in History:Gender in the Irish Loan Funds, University of Calgary, Canadá, September, 1999.

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dois cossignatários, o tamanho dos empréstimos era de 10 libras como no Irish Loan Funds, e o prazo médio dos empréstimos era de aproximadamente 6 anos. As cooperativas Raiffeisen tiveram muito sucesso, evitando grandes perdas. O principal fator deste sucesso foi a dimensão de territorialidade presente na formação das cooperativas. Cada cooperativa deveria operar numa pequena região para conhecer pessoalmente os tomadores de empréstimos e seus propósitos. Desta forma asseguravam que todos os empréstimos fossem pagos. As cooperativas Raiffeisen ao longo do tempo se desenvolveram e se transformaram em bancos comerciais sem diferenças em relação aos demais bancos que já existiam. As Cooperativas de Crédito Irlandesas foram moldadas segundo o parâmetro de responsabilidade ilimitada (unlimited liability), como nas cooperativas Raiffeisen, e começaram a operar em 1895. Não tiveram o êxito das alemãs por que a Irlanda já possuía um sistema bancário bem desenvolvido quando da criação de cooperativas e o Government-run Deposit-taking Post Office Savings Bank que era extremamente conveniente e seguro. A Casse Rurali italiana também foi moldada segundo os parâmetros das cooperativas Raiffeisen de crédito alemães e alcançaram grande sucesso no Norte da Itália. A primeira cooperativa italiana foi estabelecida em 1883, tendo o seu crescimento encorajado pela igreja católica romana depois de 1891. Em 1916 existiam 2.100 Casse Rurali, com 115.000 membros operando na Itália, localizadas principalmente em pequenos vilarejos e cidades. O estudo dessas experiências históricas pode contribuir para elucidar alguns problemas enfrentados pelas modernas instituições de finanças solidárias, como a questão do subsídio e ajuste da taxa de juros, ter ou não ter um papel de poupança, a escala da operação, a remuneração dos trabalhadores, limites restritos na concessão de empréstimos para garantir que os fundos sejam focados somente para os pobres, conhecimento do tomador, respeito a diferenças culturais, escala de atuação e a dimensão de territorialidade e comunidade presente nestas primeiras instituições de microfinanças. 17

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

Estas experiências constituem o início de um caminho percorrido na construção de um sistema financeiro alternativo capaz de criar instrumentos de democratização do acesso a produtos financeiros. Um novo paradigma pode ser identificado, internacionalmente, a partir da iniciativa do Grameen Bank, instituição privada criada em Bangladesh em 1976, e de outros exemplos similares surgidos desde então. A atuação do Grameen Bank constitui-se na experiência internacional mais conhecida de crédito popular. A experiência do Grameen Bank inspirou o surgimento de instituições e programas similares na Ásia, América Latina e África. Entre as experiências, podemos mencionar:8 SIGLA

Nome e localização

Início

Programa de microfinanças

BRI

BankRakyatIndonesia,UnitDesa SystemIndonésia

1897

OBRIéumbancoestatalorientadoparaáreasruraiseestá operandodesde1897.OsistemaUnitDesaéumaextensa rededepequenasunidadesbancáriasquefuncionamcomo centrosdenegócioseprovêemempréstimosindividuaise serviçosdepoupança.

BKDs

BadanKreditDesa Indonésia

1940

OBKDéumsistemadepequenosbancosemcidadesao longodaIndonésiaqueemergiuduranteoperíodocolonial holandês,começandoaoperarem1940.Osbancosestão sobasupervisãodoBRIeoferecemempréstimosindividuais eserviçosdepoupança.

Grameen

GrameenBank Bangladesh

1976

OGrameenBankéumadasinstituiçõesdemicrofinanças maisconhecidasnomundo,tendocomeçadocomoum projetoexperimentalem1976queganhouumaescritura bancáriaespecialem1983.Trabalhaprincipalmentecom mulhereseoperaemtodaaárearuraldeBangladesh.

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Tabela baseada nas informações do MICROBANKING BULLETIN, http://stripe.colorado.edu/~econinst/mft98/mbbtop.htm e complementada com informações da pesquisa: “Perspectivas de Expansão das Microfinanças no Brasil: Marco Legal, Capitalização e Tecnologia”, IBAM, Fundação FORD, Relatório Final, Rio de Janeiro, abril de 2001, http://www.ibam.org.br/microcre/relfinal.pdf

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ASA

AssociationforSocialAdvancement Bangladesh

1978

AASAéumaONGqueofereceserviçosdecréditoàpopulação ruralpobreemBangladesh,atendendoaclientes,majoritariamente,demulheressem-terra.Foifundadoem1978e passou,noiniciodosanos90,deumaestratégiadedesenvolvimentointegradoaoenfoqueatualemserviçosfinanceiros. Usaumametodologiadecréditocomgruposcomunitários.

TSPI

TSPIDevelopmentCorporation Filipinas

1981

OTSPIoperaemáreasurbanasesemi-urbanasdasFilipinas eoferececréditoagruposdemicroempresas.Foifundadoem 1981esefiliouàOpportunityNetwork,àMicroFinance NetworkeCASHPOR,entreoutros.

ADOPEM

AsociaciónDominicanaparael DesarrollodelaMujer–Rep. Dominicana

1982

AADOPEMestáfiliadaaoWWB(Women’sWorldBanking) eéumaONGdedicadaaoserviçodecréditoparamulheres microempreendedoras.Estáemoperaçãodesde1982.

FWWB/Cali

FundaciónWomen’sWorldBanking 1982 Cali-Cali,Colômbia

ACP

AcciónComunitariadelPerú-Lima, Peru

1984

AACPéumaONGqueoferececréditoemLima,noPeru,e estáfiliadaàACCIÓNInternational.Seuprogramadecrédito começouem1984.

FINCA/CR

FINCACostaRica CostaRica

1984

AFINCACostaRica,fundadaem1984,éumdosprogramas quemaiscedodesenvolveuumametodologiabancáriapara pequenascomunidades.Atendehomensemulheres, direcionandoseusempréstimosparaapopulaçãorural.

LPD

LembagaPerdkreditanDesa Bali,Indonésia

1984

ALPDoperaemBalieéumarededeinstituiçõesdascomunidadessupervisionadapelogovernoregional.Instituiçõesde LPDsãoadministradasatravésdosconselhostradicionaisdas aldeiasemBali.Osistemafoifundadoem1984.

CMM/Med

CorporaciónMundialdelaMujer Medellín-Medellín,Colombia

1985

ACMMMedellínéfiliadaàredeWWBeoperaexclusivamenteemMedellíneáreascircunvizinhas.Foifundadaem 1985eemprestaahomensemulheres.

Compartamos

Compartamos México

1985

CompartamoséoprojetodecréditodeGenteNueva,uma ONGmexicanafundadaem1985.Oprogramausauma metodologiabancáriaparapequenascomunidades,comfoco nasmulheres,emáreasruraisesemi-urbanasdoMéxico. Começouaemprestarem1990.

FMM/Pop

FundaciónMundoMujerPopayánColombia

1985

AFMMPopayánéfiliadoaoWWBquetrabalhanoestado deCauca,naColômbia.Começouaemprestara microempresasem1985.

OFWWBCali,tambémumafiliadodoWWB,começoua emprestarem1982.Fazempréstimosindividuaisa microempresasurbanasemCali.

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EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

FUPACODES

FundaciónParaguayade CooperaciónyDesarrollo Assunção,Paraguai

1985

AFUPACODESestáfiliadoàACCIÓNeemprestaa microempresasemAssunçãoeáreascircunvizinhas.Foi fundadoem1985efornecetantoempréstimosindividuais comoemgrupos.

Liberación

CooperativaLiberación Chile

1986

ACooperativaLiberaciónéumauniãodecréditodedicadaà microempresa.Ofereceempréstimosindividuaiseserviços depoupançaaseussócios,principalmenteemSantiago, Chile.Foifundadaem1986.

PRODEM

FundaciónparalaPromocióny DesarrollodelaMicroempresa Bolívia

1986

APRODEMcomeçouem1986comoumaONGqueoferece créditosagruposdemicroempresasurbanas,foiaprecursora doBancoSol.Quandosuacarteiradecréditourbanafoi passadaaoBancoSol,em1992,começouadesenvolver umaclientelanovaemáreasruraiseurbanasnaBolívia.

ACEP

AgencedeCréditpourl’Enterprise Privée-Senegal

1987

AACEPcomeçoucomoumaONG,atuandoemumaprovíncia,em1987,eseexpandiuparaoperaremoutrasáreas urbanasnoSenegal.

ABA

AlexandriaBusinessAssociation Alexandria,Egito

1988

AABAprovêcréditoparapequenasemicroempresas,usando umametodologiadecréditosindividuais.AONGfoifundada em1988eatuaprincipalmenteemáreasurbanas.O programadecréditocomeçouem1990.

Corposol

Corposol Bogotá,Colômbia

1988

ACorposoléumaONGquesetransformouemumafinanceira(FinanSol)em1997.Seupredecessor,ActuarBogotá,foi fundadoem1988.

FIE

CentrodeFomentoaIniciativas Econômicas Bolívia

1988

OCentroFIEéumaONGqueofereceempréstimosindividuaisamicroempresasemáreasurbanasdaBolívia.Começou aemprestarem1988.

Genesis

GenesisEmpresarial Guatemala

1988

AGÊNESISéumaONGcomtrabalhoemáreasurbanasda Guatemalaefornececréditoamicroempresa.Estáfiliadaà ACCIÓNInternationaleconcedeempréstimosdesde1988.

Sartawi

ServicioFinancieroRural,Fundación 1990 Sartawi-Bolivia

AFundaciónSartawioferececréditoagruposdeprodutorese microempresasemáreasruraisdaBolívia.Oprogramade créditooperadesde1990.

FAMA

FundacióndeApoyoala Microempresa-Nicaragua

1991

AFAMAoperaprincipalmenteemáreasurbanasdaNicaráguaeprovêcréditoamicroempresas.Foifundadaem1991 eestáfiliadaàACCIÓN.

20

BancoSol

BancoSolidário Bolívia

1992

OBancoSoléumbancocomercialautorizadoededicadoa microfinanças,oferecendocréditoecadernetadepoupançaa microempresas.Seuprogramadecréditoestáfocadoem grupossolidárioseoperaemáreasurbanasdaBolívia.Cresceu apartirdotrabalhodaONGPRODEMesetransformouem umbancoem1992.ÉumfiliadoàACCIÓNInternational.

Emprender

Emprender BuenosAires,Argentina

1992

Emprender,fundadoem1992,éfiliadoàACCIÓN,oferece créditoamicroempresasemáreasurbanasdaArgentina.A maioriadeseusempréstimosdestina-seagrupossolidários.

LosAndes

CajadeAhorrosyCréditosLosAndes 1992 Bolívia

ACajaLosAndessurgeapartirdoProCrédito,umaONG relativamentejovemquecomeçouaconcedercréditoem 1992.Foitransformadaemumacompanhiadefinanças especialem1995.LosAndesoperaemáreasurbanase algumasáreasruraisnaBolívia,fornecendoempréstimos individuaiseserviçosdepoupança.

Calpiá

FinancieraCalpiá,S.A. ElSalvador

1995

AFinancieraCalpiácomeçoucomoumacooperativade crédito(AMPES),etransformou-seemumafinanceira,em 1995.Ofereceempréstimosindividuaisamicroempresase pequenosnegócios,captapoupançaseoperaprincipalmenteemáreasurbanas.

PROPESA

CorporacióndePromociónparala PequeñaEmpresa,Chile

1996

APROPESAéumaONGfiladaàACCIÓNeoferecemicrocrédito desde1988.OperaprincipalmenteemSantiago,noChile.

Como princípios metodológicos podem ser destacados: cobrança de juros reais, busca de manutenção de uma relação personalizada com o cliente; garantias baseadas na formação de “grupos solidários”; captação de poupança dos usuários e oferta de créditos renovados e escalonáveis, com prazos curtos de amortização. O sucesso crescente dessas instituições, demonstrando que é possível garantir o acesso de crédito a empreendimentos que historicamente estiveram à margem do sistema financeiro formal, estimulou os próprios donantes a identificar princípios básicos de apoio a projetos na área de microcrédito, estimulando o debate sobre a regulamentação do setor de microfinanças. Entretanto, o desenvolvimento de um setor de microfinanças crescerá na década de 90 ao lado de uma renovação e uma intensificação na busca de formas econômicas alternativas orientadas para introduzir rela21

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

ções de cooperação e solidariedade no cenário de intensa fragmentação social e territorial. A economia solidária expressa-se pelo surgimento de uma imensa quantidade e variedade de atividades e de organizações econômicas, através das quais numerosos setores populares têm desenvolvido iniciativas pessoais, familiares, associativas e comunitárias com que têm gerado uma economia popular incrivelmente variada. Ainda que não seja um processo recente e que possamos identificar historicamente a formação de formas de cooperação econômica entre os trabalhadores, o crescimento de organizações econômicas de base na década de 90 assume uma dimensão de acúmulo social e estratégica que constitui uma ruptura com os padrões do pensamento político dos movimentos sociais. O que marca esta ruptura é a possibilidade de pensar a democratização não só em termos de gestão pública mas também no campo econômico e no mercado. As novas organizações de base econômica popular9 – redes econômicas, associações de produtores, cooperativas – emergem com maior força na economia urbana e conformam uma ação de sujeitos sociais no sentido de construção de uma economia alternativa. As experiências de microfinanças irão aprofundar o debate sobre a construção de uma economia alternativa. No Brasil, estas experiências são muito recentes e só se expandiram a partir de meados dos anos 90, tendo como referências principais as experiências de microcrédito da Federação Nacional de Apoio aos Pequenos Empreendimentos (FENAPE), da instituição de crédito PORTOSOL sediada em Porto Alegre, do VIVACRED no Rio de Janeiro, do BRB em Brasília e de ações municipais de geração de trabalho e renda.10

9 Luiz Razeto, em 1986, identificava o que se denominava organizações econômicas populares, como um fenômeno social e organizativo que constituía uma identidade. RAZETO, Luis – Economia Popular de Solidaridad: identidad y proyecto em uma visión integradora – Area Pastoral Social da Conferência Episcopal de Chile, Santiago, 1996. 10 A esse respeito ver: COELHO, Franklin - Desenvolvimento Econômico Local no Brasil: As experiências Recentes num contexto de Descentralização. Proyecto CEPAL/GTZ “Descentralização Econômico Local y Descentralización em América Latina”, CEPAL, Santiago, Chile, 2000.

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A constituição do marco legal de algum modo institucionaliza dois campos distintos. De um lado uma visão setorial financeira com sua regulação, regulamentação e normatização realizada pelo Banco Central, de outro, as OSCIPS, com uma visão mais social de microcrédito, controladas pelo ministério da Justiça. Este dilema, não resolvido pelo marco legal, coloca algumas estratégias e tendências que analisamos nos capítulos do livro. Podemos dizer que o dilema de instituições não governamentais versus instituições especializadas em crédito está superado na medida que o conjunto das instituições de microcrédito procuram hoje, em maior ou menor grau, uma eficiência no campo de gestão operacional. Contudo, as diferentes concepções de missão da instituição e de gestão estratégica indicam que, sem excluir visões complementares entre OSCIPS e SCMS, estamos lidando com dois paradigmas distintos.

Território e os novos produtos financeiros O território se constitui no espaço econômico diferenciado na medida em que apresenta diferentes tipos de ambiência produtiva, especificidades das cadeias produtivas, formas diferenciadas de integração horizontal e vertical, distintas correlações de forças locais. Neste sentido, a economia e as finanças devem ser entendidas como processos sócio-espaciais. Não temos o hábito de pensar o território. Pensamos os setores, as políticas macro e quando muito a cidade. Pensar o território significa identificar as formas distintas de organização econômica, de relações próprias entre sistemas urbanos e agrários, as imposições em termos de mobilidade de trabalho, a história do lugar, sua cultura. Ou seja, significa pensar a sua construção social. A constituição de instrumentos regulatórios sugere caminhos de mercado ou aqueles mais integrados a dinâmicas territoriais, nos quais as instituições de microfinanças se integram a projetos de desenvolvimento local. Por outro lado, os microempreendimentos têm se integrado a redes locais que, por relações de vizinhança, pela história comum do lugar, pela proximidade, constroem identidades territoriais e criam relações de pertencimento. A consolidação e sustentabilidade destes grupos 23

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produtivos locais necessitam tanto criar elos com redes solidárias mais amplas como, também, constituir uma ambiência produtiva capaz de contribuir para sustentabilidade destes grupos. O desenho de novos produtos financeiros alternativos tem acompanhado o desenho de políticas locais de apoio à economia solidária como : • Microcrédito: experiência mais conhecida na qual se concede créditos individuais ou coletivos de pequeno valor, utilizando uma tecnologia creditícia alternativa baseada no histórico do empreendedor e na capacidade da análise dos agentes de crédito. • Sistemas de Garantia de Comércio Justo: baseados em cartas de crédito que garantem a produção de uma demanda de longo prazo, permitindo uma relação mais horizontal e relações de poder mais equilibradas no interior da cadeia produtiva e uma negociação transparente entre intermediários e grupos produtivos. • Garantia na Formação de Grupos de Compra Solidários: constituem sistemas de garantia que permitem a realização de compras a prazo, permitindo um acesso ao mercado a preços mais baratos e agilidade na entrega de produtos. • Financeiras Populares de Capital de Risco: significam investimentos de longo prazo em empreendimentos populares, em geral no que se refere a equipamentos e infra-estrutura, no qual se participa da gestão e da sociedade até um ponto em que se alcance o retorno do investimento. • Seguro e Poupança Popular: voltados para as necessidades básicas da população, como saúde, educação, habitação ou necessidades imediatas não previstas como é o caso de auxílio a funeral de parentes nos quais as famílias são obrigadas a situações constrangedoras de coleta de recursos. • Sociedades de Garantias: formação de consórcios de instituições de fomento, bancos de desenvolvimento, instituições de microcrédito para alavancar recursos para as instituições de crédito popular. • Cartões de Crédito Solidários: utilizados para viabilização de compras e serviços em determinadas redes ou para circulação de moeda no interior do próprio território. 24

• Cheques de Serviços de Vizinhança: cheques que contam com parcerias de empresas e governos a partir dos quais se subsidia a utilização de serviços de vizinhanças pelos trabalhadores empregados integrando oferta e demanda em determinados territórios. Estes novos produtos financeiros têm surgido como experiências inovadoras de algumas ONGs11 seja no campo da economia solidária, seja integradas a projetos de desenvolvimento local. Estas experiências ainda surgem de forma fragmentada e isolada. Uma política pública de microfinanças deve dialogar com estas experiências, integrando os instrumentos regulatórios e normativos a uma dinâmica de desenvolvimento local e às novas redes produtivas que se formam no interior da economia solidária.

11 No caso do VIVACRED, este se integra a experiências do VIVA RIO de Comércio Solidário, Grupos de Compra, Seguros e Estações Futuro que funcionam como agências de desenvolvimento. No caso do CRESOL, a experiência já surge no interior de um projeto de economia solidária.

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Microfinanças e Desenvolvimento Institucional

No tratamento dado à análise do setor de microcrédito no Brasil e à questão permanentemente colocada quanto à sua maior ou menor capacidade de crescimento, deixa-se muitas vezes de analisar aquilo que é o fato gerador de fundamental relevância para a intensidade do crescimento do setor e para sua própria configuração, isto é, o arcabouço institucional e legal em que são criadas e consolidadas as instituições operadoras de microcrédito, bem como sua relação de cooperação ou concorrência – definida por este mesmo marco legal - com os outros elementos integrantes do setor financeiro. De fato, é a partir dos obstáculos ou incentivos dados pelo marco legal, assim como pelo apoio direto do setor público à criação e desenvolvimento de novas instituições, que se define a estruturação do mercado e seu desenho particular, resultante dos caminhos abertos pela ação governamental. Isto porque, evidentemente, mesmo no caso de ser adotada uma estratégia de liberação da atuação do mercado, é fundamental o papel do governo para que esta atuação aconteça sem entraves: a opção pela não-intervenção governamental é, pois, uma ação em si mesma, com conseqüências definidas, tanto em termos de possibilitar o funcionamento das instituições quanto em termos de sua capacidade relativa de sobrevivência e consolidação face à concorrência já existente1 no setor de microcrédito produtivo.

1 No caso do microcrédito, bancos, financeiras, empréstimos feitos com parentes e amigos e até agiotas.

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Da mesma forma, a disponibilidade de recursos é fator determinante para o fortalecimento do setor, bem como para sua configuração. Por fim, o custo pelo qual as instituições obtêm recursos, por ser a base para a definição da taxa de juros cobrada na ponta, é um dado importante (mas não determinante) para a definição do público-alvo da instituição. Nesta parte do texto, buscar-se-á mostrar a vinculação entre as definições de regulamentação, a disponibilidade de recursos e a atual configuração do setor, para que se chegue a considerações acerca de caminhos de desenvolvimento possíveis para o setor.

O marco legal do microcrédito O microcrédito no Brasil iniciou-se na ausência de um marco regulatório para o setor: as primeiras instituições foram criadas na forma de organizações não governamentais, que funcionavam a partir de uma aceitação mais ou menos tácita do Banco Central - dado que, se utilizada com rigor, a legislação vigente não permitia que instituições não financeiras concedessem crédito 2 ; este fato exigia uma arquitetura operacional complexa no sentido de tornar as ONGs de microcrédito mandatárias de instituições financeiras (como o BNDES), selecionando os clientes e fazendo o acompanhamento do crédito disponibilizado pela instituição financeira. Observe-se que a criação de instituições de microcrédito num contexto de vazio de regulamentação é uma característica comum a vários países, visto ter esta atividade surgido com o objetivo de suprir uma demanda não atendida pelas instituições financeiras e promovida por instituições não governamentais. A regulamentação da atividade de operação de microcrédito, entendida como diferenciada do crédito de baixo montante fornecido pelos bancos, trabalhada a partir de uma metodologia

2 Exceção feita às cooperativas de crédito, que apesar de serem reguladas pelo Banco Central, são organizações civis.

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específica e voltada para o crédito produtivo, é usualmente uma etapa posterior do processo. Alguns autores3 , inclusive, argumentam que a construção precipitada de um arcabouço regulatório para as microfinanças carrega consigo o risco de impedir o desenvolvimento de iniciativas potencialmente fecundas, engessando desnecessariamente o crescimento do setor. Nas experiências existentes com mercados de microcrédito pelo mundo, pode-se elencar três atitudes básicas por parte do poder público com relação às instituições: • A manutenção das instituições operadoras de microcrédito como instituições não-reguladas enquanto atividade financeira, funcionando à margem das instituições formais; • O enquadramento das instituições operadoras de microcrédito no setor financeiro formal, de forma a sujeitá-las à regulamentação do Banco Central – que pode ser feito incentivando as instituições de microcrédito a transformarem-se em instituições financeiras dentro dos critérios já existentes, ou a partir de regras específicas; • O desenvolvimento de uma identidade particular – de instituições de crédito não-financeiras - para as instituições operadoras de microcrédito, criando a obrigação de prestação de contas e de fiscalização das instituições, por um outro órgão que não o Banco Central. Por trás de cada uma dessas alternativas, existe uma concepção quanto à função das microfinanças, bem como ao seu papel dentro da estrutura de atendimento aos excluídos do setor financeiro formal. No Brasil, o entendimento de que havia um fato consumado, no sentido de que as instituições de microcrédito existiam para atender a uma demanda não contemplada pelo setor financeiro formal, levou, num segundo momento, as autoridades regulatórias à definição de um marco legal híbrido, que criou dois tipos novos de instituição:

3 Ver, por exemplo, Christen, R. e Rosemberg, R.(1999), “The rush to regulate: new frameworks for microfinance”, CGAP Working Papers.

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• as OSCIPs 4 – ONGs com um título de “Organizações Sociais de Interesse Público”, concedido pelo governo federal, registradas no Ministério da Justiça, sendo instituições sem fins lucrativos, isentas do controle do Banco Central – a legislação das OSCIPs foi, de fato, pensada para ser o marco regulatório do terceiro setor como um todo, sendo o microcrédito uma das atividades realizadas por estas instituições. No entanto, a conversão de ONG para OSCIP não foi tornada obrigatória, o que gerou dúvidas quanto à efetividade da criação do título. • as SCMs5 - Sociedades de Crédito ao Microempreendedor, instituições com fins lucrativos, reguladas pelo Banco Central, destinadas a prestar exclusivamente serviços de microcrédito. Além destes dois tipos, as ONGs de microcrédito mantiveram-se em funcionamento; a criação do título de OSCIP não impediu o funcionamento de ONGs de microcrédito, embora seu intuito fosse claramente o de desencorajar a permanência no setor destas instituições que não são reguladas por nenhum órgão federal. Num segundo momento, o poder público local (estadual e municipal) passou a realizar iniciativas de microcrédito públicas, a partir de fundos orçamentários6 . Finalmente, as cooperativas de crédito, instituições sem fins lucrativos também reguladas pelo Banco Central, não são por enquanto vistas como pertencentes ao grupo de instituições praticantes de microcrédito, apesar de freqüentemente trabalharem com um público tão ou mais desestruturado quanto os clientes “tradicionais” do microcrédito7 .

4 Regulamentadas pela lei 9.790/99 e pela Medida Provisória 2.089-23. 5 Criadas pela Medida Provisória nº1.894-19/99 (posteriormente transformada na lei 10.194/01) e regulamentadas pela Resolução nº2627 do Conselho Monetário Nacional. 6 Uma forma particular de iniciativa está na atuação do Banco do Nordeste através do programa Crediamigo. Este programa, apesar de sua importância, não será tratado aqui, visto que o Banco do Nordeste ainda constitui um caso isolado de atuação direta de bancos no setor . 7 A questão das cooperativas de crédito dentro do universo do microcrédito será tratada com mais detalhe no estudo de caso da Cresol .

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Tendo sido a questão do marco legal inicial do setor extensamente analisada no relatório da primeira pesquisa do IBAM, “Perspectivas de Expansão das Microfinanças no Brasil”8 , serão feitos aqui alguns comentários relativos aos diferentes formatos institucionais, destacando pontos controversos, bem como quanto às modificações mais significativas na legislação do setor ocorridas entre 2001 e 2002.

Instituições e formatos jurídicos Uma das questões recorrentes no debate de microfinanças instaurado no Brasil a partir da definição do marco legal consistiu na discussão da maior ou menor adequação do formato de OSCIP, instituído, como já mencionado, com o objetivo de se tornar o formato privilegiado de instituições do terceiro setor. Argumentava-se, com freqüência, que o registro de OSCIP não trazia nenhum benefício claro para as ONGs de microcrédito, e os dirigentes das instituições temiam perder direitos adquiridos, como certificado de utilidade pública. Por sua vez, os legisladores justificavam as vantagens da mudança: as OSCIPs não estariam sujeitas à lei da usura9 , ao contrário das ONGs, e teriam um relacionamento privilegiado com o poder público, a partir da instituição do termo de parceria, instrumento de relacionamento das instituições com o setor público, considerado mais ágil e mais eficiente10 do que o dos convênios. No entanto, as exigências para o funcionamento das OSCIPs, das quais ONGs estavam isentas, como a necessidade de tornar público o encerramento do exercício fiscal e de constituir um conselho fiscal, a exigência de não-participação do setor público11 e a possibilidade de

8 Disponível para download no site www.ibam.org.br 9 Decreto nº22.626, de abril de 1933, que estipula juros máximos de 12%a.a. A medida provisória 2089-23/00 exime deste limite as OSCIPs, além das SCMs e das instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional. 10 Ver, sobre isso, Ferrarezi, E. e Rezende,V.(2000), “OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público: a lei 9.790/99 como alternativa para o terceiro setor”, Brasília, Comunidade Solidária. 11 O que constitui uma restrição importante, na medida em que muitas ONGs de microcrédito foram criadas tendo o setor público como sócio.

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auditoria externa12 foram motivo de questionamento intenso pelas ONGs operadoras de microcrédito, que temiam ser o novo registro uma camisade-força que, em última análise, impedisse seu funcionamento. O panorama revelado pela nova pesquisa do IBAM (de março de 2002) mostra, contudo, que as OSCIPs estão conquistando um espaço significativo dentro do setor, sendo hoje maioria dentre as instituições respondentes. Enquanto na pesquisa anterior13 , de fevereiro de 2000, as OSCIPs constituíam 4,76% do universo pesquisado, e as ONGs 85,71% deste, 47% das instituições da nova pesquisa são OSCIPs, contra 31% de ONGs. Pode-se afirmar, portanto, que a transformação das ONGs em OSCIPs é uma realidade no setor de microcrédito brasileiro, que se concretizou num período relativamente curto. O quadro abaixo mostra a configuração do setor por tipo jurídico, no universo da pesquisa: Percentual de instituições por formato jurídico no Brasil em 2002

Fonte: Base de dados IBAM

12 Quando o recurso obtido através do termo de parceria for igual ou superior a R$600.000,00. 13 Ver nota 8.

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As SCMs, por outro lado, ainda têm uma participação modesta no universo pesquisado, constituindo apenas 12% das instituições. Uma hipótese que merece atenção é a de que isso decorra de sua natureza, de certa forma, especial: apesar de serem instituições pertencentes ao setor financeiro e como tais sujeitas à regulação do Banco Central, devendo prestar-lhes contas mensalmente, estas instituições sofrem restrições14 às quais não estão sujeitas as demais instituições integrantes do setor: 1. quanto à oferta de produtos - estão limitadas a oferecer microcrédito 15 produtivo ; 2. quanto à captação de recursos - já que seu formato deve ser o de companhia fechada ou de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, sendo-lhes vedada a captação de recursos do público; 3. quanto aos limites de diversificação do risco (até R$10.000 por cliente) e de alavancagem (de cinco vezes o patrimônio líquido). As SCMs não podem transformar-se em outras instituições do sistema financeiro – não podendo, pois tornar-se posteriormente um banco, como ocorreu com instituições de microcrédito em vários países. A participação do setor público também está vetada às SCMs. O limite de alavancagem16 de cinco vezes o patrimônio líquido, particularmente, é visto pelos entrevistados na segunda pesquisa como excessivamente restritivo, assim como o limite para o crédito por cliente. Foi citado também como limite a impossibilidade de captar recursos do público. Outra questão colocada foi a de que o limite mínimo de capital próprio exigido para o funcionamento de uma SCM (R$100.000,00) é baixo demais para que a carteira da instituição se construa a partir do

14 As restrições listadas abaixo integram a Resolução nº2.627 do CMN. Em tópico posterior discutiremos as modificações posteriores a esta resolução. 15 Este ponto de vista é corroborado pelo Manual de Regulamentação de Microfinanças do BNDES(2002): “De modo geral, as SCMs são as IMFs cujas atividades são mais limitadas. O espírito de sua regulamentação claramente pretende restringi-las ao crédito ao microempreendedor”.(p.111) 16 Que para bancos e financeiras é de 25% do patrimônio líquido.

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capital próprio, em vista dos altos custos operacionais. As instituições ficariam portanto dependentes de obter recursos públicos. O argumento apresentado pelo Banco Central17 para o formato restritivo de funcionamento das SCMs é de que este seria um formato intermediário determinado pela prudência necessária à regulamentação de novas instituições, que, a partir de ajustes, levaria ao formato ideal. No entanto, o baixo percentual de SCMs na configuração geral do setor questiona se o marco regulatório inicial não teria sido excessivamente restritivo, dificultando as correções de rumo a partir da experiência.

Disponibilidade de recursos e estruturação do setor O problema do financiamento do setor de microcrédito afigura-se uma questão determinante no sentido de definir a capacidade de crescimento das instituições. Na medida em que boa parte do conjunto das instituições (78% do universo pesquisado) é composto por instituições não-governamentais (ONGs e OSCIPs), e que, como foi mencionado acima, o capital de constituição das SCMs não parece ser suficiente para que estas constituam carteira a partir de capital próprio, a obtenção de recursos para desenvolvimento institucional – gastos de implantação e estruturação da instituição – e para a constituição do fundo de crédito é determinante da capacidade de consolidação e desenvolvimento das instituições. No universo pesquisado, o volume acumulado18 de recursos utilizados pelas instituições da pesquisa é de R$118.985.698,52, assim distribuídos:

17 Argumento apresentado por representantes do Banco Central no Fórum de Microcrédito do Rio de Janeiro (29/02/00). 18 A pergunta respondida pelas instituições pedia o valor acumulado dos recursos que financiaram as instituições.

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Volume de recursos para financiamento das instituições de microcrédito no Brasil

Fonte: “O Processo de Expansão das Microfinanças no Brasil”, IBAM(2002)

Do gráfico acima obtém-se que, do volume total de recursos utilizados pelas instituições de microcrédito no Brasil, um percentual de 40,94% foi para programas de governo; 30,73% para OSCIPs; 24,74% para ONGs e somente 3,6% para SCMs. O primeiro dado que chama a atenção é o alto percentual dos recursos utilizado pelos programas de governo, que apesar de constituírem apenas 10% da amostra, são responsáveis pelo controle de 41% do total dos recursos disponíveis. Este dado mostra a posição privilegiada dos programas de governo, que têm acesso a recursos orçamentários não disponíveis para as outras instituições, o que lhes permite se expandir de forma muito mais rápida. Assim, os programas de governo podem atingir um público muito superior ao das outras instituições. Este fator, que poderia à primeira vista ser considerado positivo – caso o objetivo do microcrédito consistisse unicamente em atingir o maior número de pessoas no menor período de tempo - pode ser considerado um indicador da fragilidade da estrutura do setor de microfinanças no Brasil. 35

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Com efeito, os programas de governo, por mais bem implementados que sejam, têm contra eles duas características essenciais: a primeira é que, por sua própria natureza, estes programas têm a duração do governo que os implementou, não tendo estrategicamente nenhuma perspectiva de permanência no tempo: ao contrário, a necessidade de expandir a carteira num período curto, de forma a dar visibilidade ao governo, faz com que este crescimento aconteça em detrimento de um crescimento baseado na qualidade da carteira, que demanda maior investimento com resultados menos visíveis a curto prazo. A segunda é o fato de que as organizações governamentais freqüentemente adotam uma política de juros baixos incompatível com a sustentabilidade das instituições, fazendo assim uma concorrência predatória às instituições privadas que, pela necessidade de buscar uma maior solidez financeira, praticam taxas mais elevadas 19 . Por último, coloca-se, de forma mais geral, se o papel do poder público é realmente o de fornecer crédito diretamente ao microempreendedor, ou se, ao fazê-lo, o governo não estaria abdicando da função de agente estruturador das condições para o bom funcionamento das instituições. Esta é, sem dúvida, uma questão extremamente delicada, pois pode-se argumentar que, mesmo nesta função, a atuação dos governos locais e central limita-se ao período determinado pela duração do mandato que lhe é concedido. De qualquer maneira, a questão que subsiste é se, nos estados e municípios em que o poder público atua na concessão direta do crédito, existe espaço para o crescimento sustentável de instituições privadas. Outro dado que merece destaque é o fato de que as SCMs, apesar de corresponderem a 12% do setor, só mobilizaram até o momento uma parcela referente a 3,6% do total de recursos. Este dado corrobora o que foi aventado anteriormente, quanto às restrições existentes na

19 É importante ressaltar que não se está minimizando aqui a importância da atuação direta do Estado no combate à pobreza e à exclusão, mas tão-somente discutindo as conseqüências de médio prazo do crédito subsidiado.

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regulamentação das SCMs e suas conseqüências quanto à dificuldade de crescimento destas instituições. Esta questão, no entanto, será mais detalhadamente analisada após a apresentação dos dois gráficos abaixo: Natureza dos recursos para desenvolvimento institucional

Fonte: Pesquisa IBAM (2002)

Neste primeiro gráfico, em que se analisa a natureza dos recursos disponíveis para a estruturação da instituição, observa-se uma nítida vantagem das OSCIPs sobre os outros formatos jurídicos existentes: um percentual significativo dos recursos disponíveis para desenvolvimento institucional é a fundo perdido. Como os recursos para desenvolvimento institucional, apesar de fundamentais para o início do funcionamento da instituição, representam tão somente um custo sem nenhum retorno direto, a maior facilidade de obtenção de recursos a fundo perdido para este fim pode constituir uma vantagem significativa no sentido de uma mais rápida consolidação da instituição. No outro extremo, os recursos para desenvolvimento institucional utilizados pelas SCMs é integralmente oriundo de capital próprio. Isto sem dúvida representa uma barreira significativa à entrada de novas

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instituições que, de posse desta informação, poderão sentir-se inclinadas a optar por um dos modelos alternativos20 . A seguir, vejamos o panorama dos dados referentes aos recursos disponíveis para fundo de crédito. Natureza dos recursos para fundo de crédito

Fonte: Pesquisa IBAM (2002)

Este segundo gráfico revela um quadro bastante interessante, pois mostra uma uniformidade do padrão de financiamento no caso da constituição do fundo de crédito para três dos formatos jurídicos. A exceção fica a cargo das SCMs, que, também neste caso, não têm acesso a recursos a fundo perdido, e recorrem a capital próprio para complementar os recursos obtidos através de empréstimos. No entanto, foi visto acima que 100% dos recursos para desenvolvimento institucional das SCMs provi-

20 Vale registrar que, devido ao período de realização da pesquisa, os efeitos do PDI/BNDES, que concentra recursos para o desenvolvimento institucional de SCMs, não se refletiu nos números aqui apresentados, podendo este quadro mudar num futuro próximo.

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nham de capital próprio; a junção destas duas informações permite subsidiar a hipótese de que o limite mínimo de capital inicial de R$100.000,00 colocado para as SCMs talvez não seja suficiente para permitir que a instituição se consolide. Este pode ser o motivo pelo qual boa parte dos casos de sucesso de SCMs é constituído por instituições intimamente vinculadas a instituições financeiras, que lhes dão o fôlego necessário para o primeiro vôo.

Crescimento das microfinanças – o limite à oferta de produtos A visão mais moderna do oferecimento de serviços ao setor de microempreendedores e autônomos excluídos do sistema financeiro formal traduz-se pelo conceito de microfinanças, por oposição ao produto microcrédito. Entende-se, atualmente, que para que o objetivo de atender de forma eficiente ao pequeno produtor seja plenamente realizado, trazendo-o da exclusão financeira à cidadania, é necessário que se ofereça, além do crédito produtivo, outros produtos, tais como seguro, poupança, conta com talão de cheques etc. A regulamentação das OSCIPs e SCMs no Brasil impede que estas instituições se desenvolvam por este caminho, e as mantêm estritamente dentro do enfoque de fornecimento do microcrédito. A questão do leque dos produtos disponível para as instituições será tratada mais em detalhe em outro tópico do texto, e o foco pretendido no contexto do estudo do ambiente de desenvolvimento institucional refere-se aos efeitos desta limitação para as próprias instituições de microcrédito. Com efeito, a possibilidade de adicionar um leque de produtos - de valor inclusive simbólico como é o caso do talão de cheques - que transcende o crédito produtivo e passa a centrar-se na figura do cliente abre espaço para que este desenvolva uma relação de crescimento conjunto com a instituição, que pode ser muito mais intensa do que no caso da oferta de microcrédito puro. Isto ocorre claramente no caso das cooperativas de crédito, como será visto no estudo de caso apresentado posteriormente, em que a cooperativa é um agente de desenvolvimento econômico local da maior importância. 39

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

Por outro lado, a possibilidade de captação do público permite às cooperativas de crédito uma visão estratégica em busca de autonomia a partir da ampliação da captação, impossível para instituições como OSCIPs, ONGs e SCMs. Está visto que, neste caso ainda, o argumento relevante da prudência utilizado pelas autoridades de regulação restringe a criação de novas formas de captação. E, no caso de OSCIPs e ONGs, provavelmente com fundamento. Não parece que deva ser da natureza das instituições não-governamentais, por definição entidades civis, a administração de estruturas praticamente bancárias. Neste caso, porém, o exemplo dado pelas cooperativas pode servir de início para uma reflexão quanto às possibilidades futuras das SCMs. A estas não se aplica a justificativa de estarem fora do sistema financeiro nacional, e, por outro lado, delas já é exigido um controle em termos de administração de risco e de prestação de contas em muitos pontos similar ao das cooperativas de crédito. Sendo assim, é permitido pensar que a natureza das SCMs pode se revelar mais compatível com o desenvolvimento destes novos produtos, que possibilitariam seu desenvolvimento sem a necessidade de modificar o limite de crédito de R$10.000,00 por cliente21 , o que garantiria a manutenção do foco.

Mudanças na regulamentação Das mudanças na regulamentação do microcrédito que ocorreram nestes últimos dois anos, aqui será dado relevo à Resolução nº 2.874/0122 , do Banco Central, que, entre outras disposições, permite o controle de uma SCM por uma OSCIP, nos termos do artigo 3º da referida Resolução:

21 Determinado pela resolução nº2627 do CMN de 2 de agosto de 1999. 22 Esta é complementada pela Circular Nº 3.076, de 7 de Janeiro de 2002.

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Art. 3º As sociedades de crédito ao microempreendedor podem, mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil, ter seu controle societário exercido por Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público constituídas de acordo com a Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999, desde que as referidas organizações: I - desenvolvam atividades de crédito compatíveis com o objeto social das sociedades de crédito ao microempreendedor; II - não confiram ao setor público qualquer poder de gestão ou de veto na condução de suas atividades. No artigo 6º da mesma Resolução é facultado às SCMs a captação de recursos de instituições nacionais e estrangeiras de fomento e desenvolvimento, “incluídas as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público constituídas na forma da Lei n. 9.790, de 1999”. Esta drástica mudança na regulamentação de OSCIPs e de SCMs, que pode ser interpretada como um passo a mais para a transformação definitiva das OSCIPs em SCMs23 , sob forma de instituição controladora, abre no entanto espaço para outra possibilidade: tendo em vista que, para que a OSCIP de microcrédito seja controladora de uma SCM, ela não precisa se desfazer de sua própria carteira, nem transferi-la para a SCM controlada, o Banco Central torna viável a constituição de um novo tipo de configuração de instituição, em que OSCIP e SCM trabalhariam paralelamente, se complementando. Este seria, inclusive, na opinião de estudiosos e atores do setor24 , o formato ideal de instituição, em que as OSCIPs, com maior liberdade por estarem isentas da tutela direta do Banco Central, constituiriam o laboratório de novos produtos, enquanto às SCMs – cujo acesso a recursos torna-se mais fácil visto poderem captar de OSCIPs, que como foi

23 Observe-se também que esta resolução afasta o modelo ONG dos interlocutores privilegiados. 24 Como defendido em Haus, P. “A regulamentação da área de microfinanças”, disponível no site www.rits.org.br

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EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

visto são as destinatárias privilegiadas do volume existente de recursos a fundo perdido - restaria o trabalho de ampliação e consolidação da carteira através dos produtos tradicionais. Para que esta arquitetura funcione de forma plena, é necessário que esta visão seja compartilhada pelas autoridades do Banco Central, de maneira que os novos produtos criados e testados nas OSCIPs possam ser, depois de aprovados, licenciados para as SCMs.

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Microfinanças e Gestão Estratégica

A análise da dimensão estratégica das instituições de microfinanças consiste, na verdade, em uma tentativa de se correlacionar os objetivos destas iniciativas com suas diretrizes de ação e planejamento. A diversidade de objetivos e missões, por parte das instituições operadoras de microcrédito - IOMs, sugere a existência de múltiplas formas de gestão estratégica, moldadas a partir dos objetivos definidos e da realidade espacial e cultural encontrada. Assim, a inexistência de um consenso acerca do que deve ser o setor microfinanceiro, aliada à diversidade dos micro-empreendimentos brasileiros levam à existência de uma multiplicidade de estratégias, o que subverte a prática de se construir no Brasil réplicas de instituições internacionais. Este discurso da replicabilidade dos padrões operacionais internacionais, que teve certa penetração no setor microfinanceiro brasileiro durante os anos 90, vem sistematicamente perdendo força e sendo substituído por soluções localizadas construídas a partir das experiências das instituições de microcrédito brasileiras. Isto vem representando uma mudança nos objetivos, nas metodologias e nas próprias perspectivas a respeito das possibilidades do microcrédito enquanto instrumento de transformação. Se por um lado existe uma aparente desilusão quantitativa sobre a “revolução do microcrédito”, por outro, o aprimoramento dos instrumentos de gestão vem permitindo um 43

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gradual crescimento do setor, ainda que de forma reduzida se comparado com a demanda existente. Nesta etapa do trabalho serão analisadas as metas das instituições de microcrédito e as estratégias que têm sido desenvolvidas para atingilas. Entende-se, no entanto, que estas estratégias são calcadas no que há de mais fundamental em qualquer instituição: a sua missão.

Gestão estratégica, missão e marco legal Ao trabalharmos com o conceito de missão institucional na primeira fase, esta pesquisa partiu, acertadamente, do pressuposto que nem todas as instituições de microcrédito compartilham da mesma opinião acerca da função do setor das microfinanças. A definição e a implantação do marco legal a partir de 1999 pouco contribuiu para a construção de um consenso sobre a função do microcrédito no Brasil. O que existe, na verdade, é uma grande pluralidade de perspectivas e formas de se trabalhar o microcrédito. A existência de uma expressiva demanda ainda não atendida e a concorrência relativamente reduzida, fazem com que os choques entre concepções diferentes ainda não seja tão expressivo, o que possivelmente deverá mudar a médio prazo. Embora a missão declarada das instituições seja mais ou menos semelhante, as práticas ensejadas por elas demonstram uma grande diversidade de concepções sobre as microfinanças. Do crédito governamental subsidiado à finalidade lucrativa das SCMs há uma ampla gama de propostas e estratégias, que visam atender aos microempreendores de formas bastante diferenciadas. As Organizações Não Governamentais com e sem titulação de OSCIP desenvolvem uma atuação estratégica na qual o componente social da missão é geralmente incorporado às práticas adotadas. Esse componente social não está desvinculado da necessidade de sustentabilidade e de eficiência operacional, palavras incorporadas ao vocabulário da maior parte das ONGs. Esta relação entre função social e eficiência financeira é uma questão permanente para a maioria das ONGs, embora esteja cada vez mais sólida uma concepção conciliado44

ra, na qual a manutenção e ampliação dos serviços prestados aos empreendedores excluídos dependem do bom desempenho operacional da instituição. Há que se ter em vista, no entanto, que este discurso se assemelha muito ao das SCMs. Ainda assim há um grupo menor de instituições privadas não lucrativas, composto por algumas instituições sem titulação de OSCIP, que possuem uma concepção de microcrédito na qual a ênfase na eficiência operacional ainda não é uma prioridade estratégica. Taxas de inadimplência elevadas, juros baixos e carteiras reduzidas são constantes neste pequeno grupo que dificilmente atua apenas com crédito nas comunidades em que trabalha, agregando a este uma série de outras ações sociais. Por fim, existem as estratégias governamentais, que geralmente contemplam a perspectiva de se atuar em grande escala. As estratégias definidas em programas de grande porte estaduais ou regionais demandam um crescimento rápido que dificilmente pode ser acompanhado de controle de risco adequado. Os dados apresentados por alguns programas governamentais são criticados por diversos atores do setor, que consideram inviável conciliar uma estratégia centrada na expansão em curto prazo com bons indicadores de desempenho. Não se pode afirmar que os programas governamentais não tenham preocupação com eficiência financeira, pois isso recorreria em uma generalização não condizente com a realidade absoluta. Constata-se, no entanto, que a grande maioria destes programas não possui uma preocupação tão sólida com o desempenho financeiro quanto as instituições privadas. Em um outro extremo desta lógica estariam as SCMs. A dificuldade em se estabelecer parcerias aliada a problemas de alavancagem e à necessidade de gerar resultados financeiros para os sócios investidores levam as SCMs a adotar uma séria política de austeridade. O fato parece ser que as SCMs ainda se encontram longe de ser sólidas enquanto negócio. As perspectivas e as metas traçadas para o futuro são invariavelmente bem melhores do que a situação presente. As estratégias de atuação elaboradas até o momento demandam mão-de-obra escassa, inexistindo muitas vezes até a tradicional figura do agente de crédito. Tais medidas são muito mais justificáveis pelas dificuldades operacionais e de captação de recursos do que pela vontade em obter lucros fáceis. 45

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

A natureza jurídica das instituições também possui um peso significativo na forma como elas são enxergadas por outros atores. As ONGs e OSCIPs são consideradas em boa parte dos casos como possíveis parceiros pelos atores públicos enquanto as SCMs são vistas, geralmente, como simples empresas, quase igualadas a financeiras. Embora todos teoricamente ofertem o mesmo produto, o microcrédito sem fins lucrativos parece absolutamente distinto, aos olhos dos atores públicos locais e regionais, do crédito para pequenos empreendimentos oferecido pelas SCMs. Evidentemente a inserção destes atores nas políticas de desenvolvimento local tendem a ser amplamente diferenciadas, ainda que praticamente nenhum deles tenha uma inserção nas ações de fomento econômico da forma realmente desejável, conforme veremos adiante.

Gestão Estratégica e desenvolvimento local Embora todas as instituições aleguem estar de alguma forma engajadas na questão do desenvolvimento das localidades em que atuam, parece bastante claro que apenas algumas instituições encontramse integradas às ações e agentes da forma pressuposta por uma política de desenvolvimento local. O diálogo com outros atores locais e a busca por agregar ao crédito outros serviços de apoio aos empreendedores de baixa renda são possibilidades pouco exploradas pela maioria das Instituições Operadoras de Microcrédito. Os dados da pesquisa quantitativa apontam que cerca de 42% das instituições não realizam qualquer forma de parceria com outras entidades. Tal número é impressionante, sobretudo pela negação do discurso habitual dos atores do setor, que defendem o microcrédito como um elemento de integração entre os agentes locais. Imediatamente emerge uma questão: como poderia um importante instrumento de desenvolvimento local não se relacionar de forma alguma com nenhum outro ator existente? Tal possibilidade nos leva a crer que, em boa parte dos casos, as ações vêm sendo estabelecidas de forma desvinculada com as redes econômicas locais. Tal procedimento não só compromete as possibilidades de ação social do microcrédito como também pode dificultar a própria 46

sustentabilidade das instituições, uma vez que através de parcerias consegue-se, muitas vezes, minimizar os custos das instituições. Quanto às instituições que efetuam parcerias, o gráfico na página seguinte permite uma melhor análise acerca dos atores preferenciais para o estabelecimento de relações de cooperação. Dentre as parcerias efetuadas, 20% foram estabelecidas com associações empresariais locais, tais como câmara dos dirigentes lojistas e entidades associativas comerciais e industriais, o que é de um modo geral bastante positivo, tendo-se em vista que nenhuma outra instituição possui maior legitimidade perante os empreendedores locais. Permanece o desafio de se criar possibilidades de diálogo com os empreendedores informais, que apenas em raríssimos casos participam de instituições desta natureza. As relações com os governos municipais e estaduais, ainda que reduzidas no cômputo geral, indicam a existência de algum grau de integração com as políticas de geração de emprego e renda. Esta parceria porém, poucas vezes ultrapassa o financiamento, não se consolidando, assim, o cruzamento de informações, a elaboração de programas de apoio a grupos empreendedores específicos ou o estímulo à formação de redes econômicas solidárias. A parca integração entre o microcrédito e as demais ações de geração de trabalho e desenvolvimento local em um espectro mais amplo surge como uma constatação desta pesquisa. Dentre os elementos listados no relatório da fase anterior da pesquisa (IBAM,2000)1 como fundamentais para a orientação de uma política de desenvolvimento econômico local, poucos têm sido trabalhados de forma efetiva. A ausência de diálogo com sistemas de informação de mercados, a falta de interação com instrumentos de comercialização e de integração horizontal entre os microempreendedores caracterizam esta desconexão entre o microcrédito e as propostas desenvolvimento econômico local.

1 IBAM. Perspectivas de expansão das microfinanças no Brasil. Rio de Janeiro, 2000. Disponível no endereço eletrônico www.ibam.org.br

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Há assim, uma incoerência no discurso de diversos atores que por um lado defendem o microcrédito como instrumento de integração econômica e social e por outro desenvolvem práticas e políticas nas quais o crédito é um serviço desconectado das demais ações, como se por si só, o microcrédito tivesse a capacidade de incluir produtiva e socialmente todo e qualquer empreendedor. Instituições Parceiras

Fonte: Banco de dados - IBAM

Os bancos públicos com função comercial possuem também uma posição privilegiada neste gráfico, sobretudo a Caixa Econômica Federal. A participação destes atores no setor, no entanto, é ainda pouco clara. As parcerias estabelecidas foram construídas no nível local, em uma relação entre as IOMs e as agências, sem que haja uma diretriz mais específica. A parceria com a Caixa Econômica é apontada como algo importante para a redução dos custos fixos e dos gastos operacionais. 48

Informações recentes coletadas por esta pesquisa indicam que a Caixa Econômica teria desenvolvido uma forma própria de atuar no microcrédito e estaria solicitando às IOMs abrigadas em suas agências que desocupassem estes locais. Tal ação deve demandar que estas instituições efetuem algumas modificações em suas estratégias de atuação, visando minimizar os efeitos do fim desta parceria. O SEBRAE também constitui um parceiro local importante, sobretudo em função das dificuldades existentes quanto à qualificação gerencial dos empreendedores. Poucas IOMs conseguem arcar com os custos de ofertar capacitação aos empreendedores, enquanto outras acreditam que associar crédito à capacitação seja inadequado, incoerente e perigoso em termos operacionais. Se por um lado talvez não seja indicado às próprias IOMs ofertar capacitação, por outro deixar o empreendedor sem esta possibilidade de assistência, como fazem 50% das IOMS, também não parece satisfatório. Neste sentido, a parceria com instituições externas pode ser bastante frutífera. Como vemos no gráfico abaixo, o SEBRAE consiste em um parceiro preferencial para a realização deste tipo de função, uma vez que mostra-se absolutamente dominante na indicação para capacitar os clientes do microcrédito. Outra instituição do chamado Sistema S que possui alguma expressividade neste campo de atuação é o SENAC, responsável por cerca de 9% das indicações declaradas na pesquisa quantitativa. A categoria “outros” é composta basicamente por instituição locais e por ONGs que atuam na mesma área das IOMs prestando serviços a comunidades específicas. Instituições capacitadoras dos empreendedores

Fonte: Banco de dados - IBAM

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Cerca de um terço das IOMs, no entanto, optam por ofertar serviços próprios de capacitação e/ou assessoria. Tais serviços são oferecidos, evidentemente, por iniciativas sem fins lucrativos, que criam mecanismos para arcar com estas despesas complementares. As IOMs que ofertam capacitação própria conseguem garantir este serviço a seus clientes independentemente dos recursos destes, levando assim ações de apoio gerencial aos empreendedores mais pobres. O mesmo nem sempre se dá em relação às instituições que apenas indicam entidades para capacitação, pois o valor dos cursos oferecidos por estas é considerado demasiadamente caro para a maioria do público de microcrédito, praticamente inviável para o grupo mais pauperizado dos empreendedores. O interesse e a capacidade das instituições do setor microfinanceiro prestarem serviços às camadas mais empobrecidas da população é um tema rico e controverso, demandando um maior aprofundamento.

O público-alvo das microfinanças A análise do público alvo das instituições de microcrédito consiste em um desafio que tem sido tratado, na maioria das vezes, de forma simplista. Os microempreendedores brasileiros correspondem a uma parcela expressiva da população e possuem uma enorme diversidade. Podem ser atendidos por instituições e programas de microcrédito desde empreendedores de classe média que possuem mais de uma microempresa formal, até pessoas muito abaixo da linha de pobreza, que têm na sua atividade uma estratégia de sobrevivência. É necessário termos uma maior clareza e precisão ao nos referirmos a microempreendimentos, definindo a parcela deste setor a qual estamos nos referindo. Para COELHO2 (1994) o setor dos micro e pequenos empreendimentos é bastante diversificado e apresenta expressivas desigualdades de orientação empresarial, capacidade gerencial, potencial competitivo

2 COELHO, Franklin Dias. Programa Nacional in SERE. Projeto nacional de desenvolvimento pra micro e pequena empresa. Rio de Janeiro. Espalhafato, 1994

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e insumo tecnológico, o que permite estabelecermos uma subdivisão analítica dos empreendimentos em três grupos: • Atividades de sobrevivência – Possuem escassos recursos e reduzidas perspectivas de crescimento • Atividades de expansão – Dispõem de possibilidades mas não conseguem transformar sua estrutura tecnológica nem mudar substancialmente seu regime de produtividade • Atividades de acumulação – Consistem em empresas capazes de crescer, transformar sua estrutura produtiva e sua forma de inserção no mercado. Outra análise interessante dos microempreendimentos foi efetuada por SANTOS3 (1979) que analisou as relações econômicas nas cidades de diversos países periféricos e constatou a existência de uma relação dual na economia destas localidades. A questão para este autor não deve ser tratada unicamente a partir da discussão acerca da legalidade ou não dos empreendimentos. O “apartheid” social existente nas cidades subdesenvolvidas se reproduz na esfera econômica urbana criando duas “vias” diferenciadas que possuem dinâmicas próprias, embora dialoguem freqüentemente: os circuitos inferior e superior da economia. Muito mais do que a legalidade dos empreendimentos existentes o que difere um circuito do outro é a aplicação de capital, a utilização de tecnologias físicas, a organização da produção e a inserção dos empreendimentos no sistema econômico vigente. Ambos os circuitos foram gerados pelo processo de modernização desigual que incidiu sobre as nações periféricas no pós-guerra, criando um abismo entre os empreendimentos dos dois diferentes circuitos econômicos. Estes circuitos no entanto, não estão de forma alguma desvinculados, muito pelo contrário, dialogam com grande freqüência. O circuito superior é marcado pela existência de capital intensivo, e constitui-se dos

3 SANTOS, Milton. O espaço dividido: Os dois circuitos da economia. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1979

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bancos, do comércio e da indústria de exportação, da indústria moderna, dos serviços sofisticados, dos atacadistas e dos transportadores. Já o circuito inferior é intensivo de trabalho e é composto pelos serviços nãomodernos oferecidos a varejo, pelo comércio não-moderno e de pequena dimensão e pela indústria de uso extensivo de capital. A dualidade, contudo, não estaria tanto nos produtos e serviços ofertados e sim nas diferenças quantitativas e qualitativas de organização do trabalho, utilização de tecnologias, disponibilidade de capital, acesso ao crédito bancário, intensividade do trabalho, investimento em publicidade, ajuda governamental e vinculação com o exterior entre outras questões. Uma outra abordagem desenvolvida sobre os pequenos empreendimentos parte de uma visão ampliada da questão da legalidade. Segundo DE SOTO4 (1987) o avanço da informalidade cria graves complicações para a implantação de um capitalismo socialmente legítimo. Primeiramente por que priva das garantias legais enormes contingentes populacionais, compostos sobretudo pelos mais necessitados. Segundo, porque retira do sistema econômico oficial vultuosas quantias para passá-las a um sistema paralelo onde as garantias são mínimas, o que dificulta a circulação do capital, condição esta, fundamental para o desenvolvimento da economia capitalista. A revolução da informalidade atinge diversos setores da sociedade e da economia cotidiana, como o comércio, a indústria, os transportes e a habitação. Esta situação de marginalidade generalizada acarretaria ainda uma infinidade de custos desnecessários para a sociedade de um modo geral. O equívoco, no entanto, estaria na esfera governamental que pouco se preocupa em agregar estes enormes contingentes informais ao sistema institucional constituído. Poderíamos considerar, assim, o microcrédito como uma importante ação neste sentido, uma vez que ele incorpora o empreendedor informal a um sistema formalizado de crédito, minimizando, ao menos, a marginalidade deste empreendedor em relação a estrutura institucional

4 DE SOTO, Hernando. El Outro Sendero: La revolución informal. Bogotá. Oveja Negra, 1987

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da sociedade. Esta dimensão inclusiva e cidadã do microcrédito tem sido apontada por atores do setor, como o principal ganho social da atividade. Alguns dirigentes que atuam diretamente na oferta de crédito afirmaram nas entrevistas realizadas nesta pesquisa que, mais do que gerar empregos ou reduzir a pobreza, o microcrédito tem a função de integrar os clientes à sociedade “oficial”, o que resulta em elevadíssimos ganhos de auto-estima e de qualidade de vida para estas pessoas. Após as informações destes autores, aliadas aos dados levantados pela pesquisa qualitativa, parece simplista classificarmos os empreendimentos unicamente pela existência ou não de um registro de pessoa jurídica. Embora a formalidade seja um elemento importante, o ideal é que os empreendimentos sejam analisados a partir de critérios mais amplos, que considerem a dinâmica de acumulação dos empreendimentos, a estrutura produtiva existente e sua inserção no ambiente institucional. Tais informações, no entanto não se encontram sistematizadas de uma forma adequada na maior parte das instituições, o que limita nossa análise a alguns dados mais viáveis de ser obtidos. As IOMs, no entanto, possuem amplos cadastros construídos a partir das detalhadas entrevistas realizadas pelos agentes de crédito. Neste processo, são efetuadas perguntas que demonstram a tomada de consciência dos próprios operadores quanto à necessidade da avaliação dos empreendimentos ser feita por critérios que transcendem a questão da formalidade, sem contudo, desconsiderar esta informação. A existência de registro e de ponto fixo, o atendimento à legislação trabalhista, o volume negociado, a tradição no mercado e a relação com os fornecedores, entre outros fatores, são sempre considerados no processo de análise, pois estes aspectos tornam um empreendimento mais ou menos promissor ou arriscado. Tais características se relacionam diretamente com o conceito de integração ao sistema institucional elaborado por DE SOTO (op.cit.) e com a perspectiva de diálogo produtivo com o circuito superior da economia, mencionada por SANTOS (op.cit.) É interessante compararmos os dados sobre a formalidade dos empreendimentos com as informações acerca do valor médio do crédito, de forma a conseguirmos um perfil mais completo do público-alvo das instituições de acordo com a natureza jurídica destas. 53

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Média do percentual de clientes segundo a formalidade do negócio

Fonte: Banco de dados/ IBAM

Este gráfico apresenta a formalidade dos empreendimentos atendidos de acordo com a natureza jurídica das instituições. As diferenças de missão das instituições e de estratégias de atuação resultam em um foco diferenciado no público atendido. Os programas governamentais que possuem uma função social mais explícita concentram seu atendimento no público informal, assim como também o fazem ONGs e OSCIPs de forma um pouco menos acentuada. As SCMs, por sua vez, atendem de forma igualitária formais e informais, tentando com isto possivelmente reduzir o risco de sua carteira, o que caracterizaria uma postura mais conservadora e socialmente menos engajada. A falta de prática das SCMs em lidar com o público informal também pode justificar esta postura, tendo em vista que seus gerentes são pessoas oriundas do mercado financeiro tradicional, pouco habituadas a lidar com os informais. Uma análise cronológica da atuação destas instituições endossa esta hipótese, visto que as SCMs mais antigas vêm aumentando progressivamente seu atendimento a informais. O valor médio do crédito também é bastante diferenciado de acordo com a natureza jurídica das instituições conforme mostra o gráfico a seguir: 54

Evolução do Valor Médio do Crédito

Fonte: Banco de dados/ IBAM

Novamente a tendência apresentada no gráfico anterior é mantida, com os programas governamentais, atuando junto ao público que demanda uma ação de caráter social mais evidente. ONGs com e sem titulação de OSCIP oscilam nos mesmos valores enquanto as SCMs buscam ofertar crédito a atividades mais consolidadas, certamente situadas nos grupos de crescimento e acumulação conforme as categorias definidas por COELHO (op.cit). É interessante notar a redução do valor do crédito médio nas instituições governamentais que possuem como estratégia básica a pulverização dos empréstimos, ou seja, emprestar menores valores para mais pessoas. Questiona-se, contudo, a sustentabilidade deste tipo de prática. Por sua vez, as ONGS e OSCIPs, que atualmente necessitam de um grau de eficiência financeira para se manter operando, não conseguem atender o público mais marginalizado de forma tão radical quanto os programas governamentais. Emergem imediatamente alguns questionamentos: a quem cabe atender este público? e como garantir a sustentabilidade deste atendimento? A questão da incorporação de contingentes expressivos dos grupos mais pobres a um sistema sustentável de microcrédito surge como possivelmente o maior desafio para as estratégias que venham a ser desenvolvi55

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das. A ação pública certamente pode em muito colaborar com isto sem atuar necessariamente via crédito subsidiado e não sustentável. Análises qualitativas indicaram que medidas para regularização da informalidade, tais como definição de pontos e padronização do comércio informal, fomento à organização associativa dos produtores, capacitação gerencial dos empreendedores são ações que de certa forma aproximam os informais do sistema institucional mencionado por DE SOTO (op. cit), o que em última análise reduz o risco para as IOMs. Ainda que este caminho não leve a uma solução absoluta do problema, pode com certeza ajudar a resolvê-lo. Outra redução notória é o valor do crédito médio apresentado pelas SCMs, ainda que deva ser levado em consideração o reduzidíssimo número de instituições atuantes em 1999. A tendência de baixa no valor do crédito sugere novamente a progressiva entrada destas instituições no mercado dos empreendimentos dos mais pobres. Resta saber, no entanto, qual o limite desta entrada. Haverá realmente interesse das SCMs em atender em grande escala as camadas mais pauperizadas da população? É viável fazer isto com as restringidas possibilidades de parcerias e de captação de recursos que as SCMs possuem atualmente? Na atual estrutura das microfinanças no Brasil parece ser claro que o público focado pelas SCMs não é exatamente o mesmo das ONGs e OSCIPs, e muito menos o das instituições governamentais. Embora exista uma zona de coincidência entre estes, os nichos de mercado preferenciais das IOMs de natureza jurídicas distintas não são precisamente os mesmos. O esquema a seguir ilustra a situação, demonstrando onde estaria concentrada a atuação de cada uma das modalidades de instituição: Concentração do público atendido pelas Instituições Operadoras de Microcrédito

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Note-se que uma parcela dos mais ricos e uma parcela dos mais pobres parecem não ser bem atendidas por nenhuma das instituições. Os mais ricos encontram-se muitas vezes fora do espectro de interesse social de atendimento das ONGs e OSCIPs e instituições governamentais. As SCMs, por sua vez, encontram-se impedidas de atendê-los por força da legislação vigente. Já os mais pobres, em muitos casos, não possuem sequer a possibilidade de se adequar às exigências e aos padrões operacionais das ações de microcrédito governamentais ou de ONGs e OSCIPs. Para as SCMs eles consistiriam em uma operação de risco elevado e, ainda que saldada, deficitária, o que inviabiliza a atuação destas instituições junto a este público mais carente, em grande escala. Esta leve diferenciação de nichos de mercado tem resultado em uma competição menos intensa do que se esperava, sobretudo entre as SCMs e as demais iniciativas, que atuam em públicos mais diferenciados, como vimos. Tal assunto será melhor explorado na parte do trabalho que se segue.

Estratégias de cooperação e estratégias de competição As relações de cooperação e competição entre as IOMs ainda se encontram longe de estar consolidadas. A pouca idade da maior parte das experiências e a existência de amplas fatias de mercado ainda nãoexploradas, tornam as relações entre as instituições superficiais e mal definidas. As relações de competição, por exemplo, começaram a se configurar no território brasileiro de forma absolutamente desigual, havendo cidades médias e grandes com um número bastante expressivo de instituições, como Fortaleza por exemplo, e outras completamente desassistidas por iniciativas do setor. A competição que se estabelece até o momento parece mais clara entre ONGs, OSCIPs e Instituições Governamentais, que atuam, como vimos, em públicos semelhantes. Do ponto de vista competitivo as Instituições Governamentais desfrutam, evidentemente, de uma posição privilegiada, visto que a maior parte delas se utilizam de verbas a fundo perdido e da máquina estatal em seu processo administrativo. Estas iniciativas são cobradas muito mais pelo seu desempenho social do que pelo 57

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seu desempenho financeiro. Por outro lado, iniciativas de bancos públicos estaduais e regionais tendem a não possuir um comportamento displicente com os resultados operacionais, visto que estes agentes financeiros são bastante compromissados com sua eficiência econômica. Tais benefícios, no entanto, tornam difícil a competição entre ONGs e OSCIPs e programas governamentais, pois as instituições privadas dificilmente conseguem fazer frente aos juros subsidiados e pesadas campanhas de publicidade. Esta lógica torna claro o porque da existência de relativamente poucas ONGs e OSCIPs no setor de microcrédito do maior estado da Federação em termos demográficos: São Paulo. A existência de uma grande ação governamental com juros subsidiados torna difícil o surgimento e a permanência de instituições privadas sem fins lucrativos nos municípios nos quais o programa do Governo do Estado atua. Tal forma de atuação por parte destas instituições governamentais é absolutamente justificável pela meta estratégica definida por estes atores: atender e prover do serviço de microcrédito o maior número de pessoas possível em um curto espaço de tempo. Seguindo esta lógica, alguns programas governamentais efetuam expansões em um ritmo inimaginável para as demais IOMs sem finalidade lucrativa, que precisam elaborar estratégias criativas e solidárias para conseguir incorporar novas áreas de atuação sem comprometer sua sustentabilidade financeira. Neste sentido, são inúmeros os casos de parcerias com Prefeituras, associações empresariais, Caixa Econômica e outros atores locais para garantir que o crédito chegue a municípios de pequeno porte sem comprometer a eficiência financeira. Tais acordos, no entanto, dificilmente podem ser articulados de forma tão rápida quanto o fazem os programas estaduais com as prefeituras parceiras. A expansão das ONGs e OSCIPs através da implantação de postos e da articulação de redes locais tem sido uma prática exitosa, ainda que não seja tão rápida, e vem possibilitando a oferta de serviços a cada vez mais empreendedores. Outro aspecto que parece fundamental para a expansão das ONGs e OSCIPs é a existência de programas estaduais e regionais que facilitem sua captação de recursos para funding. Estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina tiveram um expressivo crescimento de suas instituições 58

microfinanceiras devido ao apoio financeiro que receberam de atores governamentais estaduais e municipais. Os bancos de desenvolvimento, o próprio governo do estado de forma mais direta ou mesmo prefeituras em cidades de médio e grande porte são importantes atores para viabilizar as estratégias de expansão das iniciativas privadas sem fins lucrativos. As SCMs através da figura dos postos de atendimento também começam, em um ritmo bastante lento, a efetuar sua expansão. Os elevados custos provocados pelas dificuldades em se estabelecer parcerias limitam bastante a atuação destas instituições. Dentro dos padrões vigentes, é muito difícil imaginar uma SCM atuando em localidades de pequeno porte5 distanciadas de centros urbanos maiores, pois tal situação dificilmente recorreria em uma prática superavitária sem o estabelecimento de múltiplas parcerias. Ainda quanto a questão da competição, consiste em uma idéia absolutamente ilusória se imaginar que as IOMs estejam competindo unicamente entre elas mesmas. Uma grande gama de modalidades de crédito é ofertada aos empreendedores brasileiros. São os crediários de lojas, as compras a prazo, os agiotas, as cooperativas de crédito, as factorings e as financeiras além de programas específicos do Governo Federal como o PRONAF e o PROGER. É fato que a maioria destas ações não atinge os empreendedores mais empobrecidos, ou chega até estes com juros elevadíssimos. Mesmo assim, parece equivocada qualquer projeção sobre atendimento da demanda por microcrédito que não considere a existência dos atores citados. Devemos ainda lembrar que o crédito produtivo não consiste na única necessidade financeira dos microempreendedores. É interessante, dessa forma, avaliarmos outras estratégias de atender e fidelizar a clientela junto às IOMs, para que empreendedores optem pelo microcrédito ao invés dos produtos ofertados pela enorme lista de instituições concorrentes, que, salvo as cooperativas e as ações do Governo Federal, não possuem qualquer compromisso social mais sólido.

5 Entenda-se por localidade de pequeno porte os municípios com menos de 10.000 habitantes, que constituem cerca de 48,5% das 5.559 municipalidades existentes no Brasil.

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Produtos e estratégias de marketing A oferta de produtos por parte das instituições de microcrédito vem evoluindo de forma relativamente lenta, contando mais com a criatividade do que com a incorporação de produtos assemelhados aos ofertados pelo mercado financeiro tradicional. A impossibilidade de captar recursos junto ao público inviabiliza a oferta de poupança ou de serviços de conta corrente, como fazem as instituições financeiras tradicionais e as cooperativas de crédito. Embora a discussão sobre a oferta de seguros em IOMs seja relativamente antiga, poucas instituições conseguiram avançar na formatação e na disponibilização deste produto para seus clientes. De acordo com os dados levantados na pesquisa quantitativa apenas 7% das IOMs brasileiras ofertam serviços de seguros a seus clientes. Se por um lado pouco se tem avançado nestes outros serviços financeiros, o crédito produtivo tem incorporado novas modalidades operacionais. Cartões produtivos, bônus de pontualidade que funcionam como moeda interna, troca de cheques, crédito para início de negócios e crédito para pequenas reformas são algumas das alternativas creditícias que vêm sendo incorporadas aos portfólios de produtos das IOMs. Tais alternativas possuem, muitas vezes, significados diferentes dentro da gestão estratégica de uma IOM. Algumas visam a fidelização dos clientes, outras a ampliação da rentabilidade da carteira ou mesmo o contrário, reduzem a rentabilidade mas aprofundam a ação social. Muitos produtos podem possuir uma dupla função. Uma análise mais detalhada destes produtos pode elucidar um pouco mais estas questões. Cartões produtivos, inserção de crédito em contratos já firmados e mecanismos de premiação da adimplência consistem em produtos capazes de fidelizar o tomador, garantindo que este não busque a IOM somente quando precisar de empréstimos de alto valor. O cliente passa a contar com a instituição para operações mais cotidianas, criando vínculos mais sólidos. Evidentemente tais benefícios devem ser proporcionados aos empreendedores com um melhor comportamento de crédito, garantindo este precioso cliente na carteira da instituição. Esses mecanismos também são importantes para evitar que o cliente busque na praça 60

outros financiamentos que poderiam comprometer o empréstimo que ele já efetuou junto a IOM. A troca de cheques assim como outros mecanismos de crédito rápido com limites pré-aprovados (que não demandam visitas constantes ao tomador) possuem a função de aumentar a rentabilidade da carteira das instituições. Isto acontece porque tais produtos possuem um custo operacional reduzido, um giro bastante rápido e uma inadimplência inferior à do crédito tradicional. As SCMs, que em sua maioria já possuem alguma experiência de factoring, operam com grande agilidade as trocas de cheques. Várias ONGs e OSCIPs já incorporaram estas modalidades ao seu cardápio de produtos, pois isto permite simultaneamente oferecer um serviço importante aos microempreendedores e garantir uma boa rentabilidade da carteira, podendo inclusive bancar produtos de maior apelo social e menos superavitários tendo como contrapartida a alta rentabilidade dos serviços de crédito rápido e troca de cheques. Os produtos e serviços de caráter social mais explícito não são ofertados por todas as instituições, embora constem no catálogo da maioria das IOMs sem finalidade lucrativa. Capacitação, assessoria ao empreendedor, crédito para novos empreendimentos e crédito para pequenas reformas são alguns dos produtos oferecidos que não privilegiam o desempenho financeiro, ainda que nem todos resultem em um ônus para as finanças das instituições. As estratégias de publicidade possuem alguma variação de uma instituição para outra, nem tanto nos meios utilizados, mas sim na imagem que se passa da instituição. ONGs, OSCIPs e as iniciativas governamentais dão ênfase a sua diferenciação em relação às instituições financeiras tradicionais e aos agiotas, visando com isto minimizar o receio dos microempreendedores aos serviços financeiros e simultaneamente convencê-los de que há um espaço novo para eles. Os casos estudados mostraram que a propaganda realizada pelas SCMs é modesta, sobretudo em função do limite operacional que elas possuem em virtude da escassez de recursos para funding. O preço do produto microcrédito, no caso a taxa de juros, em média 3,81 , apresenta alguma variação de acordo com a natureza das instituições. A média nacional de 2001 ficou em 3,81% sendo um pouco 61

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

maior nas OSCIPs e menor nas instituições governamentais. Esta taxa, considerada como alta por muitos empreendedores, se não compromete o avanço do microcrédito no país também não o impulsiona, uma vez que em outras formas de crédito se consegue, muitas vezes, juros menores.

Caminhos para a gestão estratégica A ausência de integração entre as ações de geração de trabalho e renda e o microcrédito parece ser uma questão limitante para o setor de microfinanças enquanto instrumento de desenvolvimento local. A ausência de parcerias e a necessidade de expressivos resultados operacionais para garantir a sustentabilidade influenciam evidentemente na construção deste quadro, embora não justifiquem a ausência de articulação entre os atores locais. Por outro lado, o microcrédito enquanto negócio ainda se encontra longe da maturidade. Distorções como a preferência pelos formais e a ausência de agentes de crédito em algumas SCMs mostram que as microfinanças com perspectivas lucrativas ainda precisarão de um apoio governamental mais sólido para criar estratégias que atendam a sua dupla função: rentabilidade para os sócios e atendimento ao microempreendedor. Os caminhos da gestão estratégica nas microfinanças visivelmente se confundem com a trajetória do próprio setor de forma mais ampla. Uma vez que as estratégias encontram-se profundamente vinculadas à natureza jurídica das instituições, a evolução das relações político institucionais do setor tende a desenhar as estratégias que virão a ser construídas no futuro. Dentro das instituições de mesma natureza jurídica e missão semelhante o elemento territorial tende a ser bastante importante na elaboração e na diversificação das estratégias. Por outro lado algum grau de homogeneização das estratégias tende a ocorrer nestes grupos de princípios semelhantes, em função do estreitamento dos laços cooperativos entre os seus integrantes e da informação cada vez mais fluída.

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Microfinanças e Gestão Operacional

A gestão operacional das instituições de microcrédito é aqui analisada tendo por base as informações contidas no banco de dados resultante desta pesquisa, denominada “Microfinanças no Brasil”1 , como também se apóia em publicações específicas e pesquisa realizada na internet sobre o tema. O objetivo é, a partir da análise dos principais indicadores operacionais da pesquisa, criarmos algumas hipóteses que possam explicar as tendências do Setor Microfinanceiro. No Banco de Dados acima mencionado foram apurados os dados de 59 Instituições Operadoras de Microcrédito - IOMs (44% do total estimado) formando uma amostra consistente para análise e construção de 93 indicadores, dentre os quais 58 voltados para uma análise operacional das instituições. Dos dados totais apurados, em 2001, as instituições atenderam 341 mil clientes e concederam 360 mil créditos, formando um montante de R$ 316 milhões em empréstimos e uma Carteira Ativa média de R$ 93 milhões/mês. Com um total de 428 agências (38% do Banco do Nordeste) espalhadas por todo Brasil, o número de instituições vem crescendo a uma taxa média de 18,8% ao ano. Nos últimos dez anos, o número de IOMs cresceu 460%. Contudo, é interessante observar que

1 www.ibam.org.br

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entre os anos de 1996 e 1997, possivelmente em função do apoio do BNDES e da difusão das experiências internacionais, o setor atingiu a sua taxa máxima de crescimento com 44,44%. Evolução do número total de instituições

Fonte: Banco de dados/ IBAM

As dificuldades de captação de recursos para desenvolvimento institucional nos últimos dois anos; a necessidade de atender a uma demanda crescente (estimada em 8,2 milhões de microempreendedores, proporções muito além da oferta)2 ; a falta de conhecimento do comportamento e perfil dos clientes e a busca por novos produtos que visam a sustentabilidade das instituições e a facilidade no atendimento são alguns dos motivos que levam as iniciativas de microcrédito a buscar um constante aperfeiçoamento na questão da operacionalidade das suas próprias empresas.

2 Nichter, S., Goldmark, L., e Fiori, A. Entendendo as Microfinanças no Contexto Brasileiro. Rio de Janeiro, PDI/BNDES, 2002.

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O valor médio dos créditos, as formas de garantia, o cálculo da inadimplência e as diferenças por tipo institucional e regional são alguns dos temas que serão trabalhados neste segmento deste estudo, na forma de indicadores operacionais, sem descrever o funcionamento detalhado das IOMs, pois este já foi descrito em pesquisa anterior3 realizada pelo IBAM também com o apoio da Fundação Ford.

Estrutura Operacional O formato básico do quadro funcional das IOMs não sofreu grandes modificações, mas foram criadas novas funções na tentativa de aumentar a produtividade e melhorar o atendimento. Entretanto, foi possível perceber que algumas instituições, devido à necessidade de maior velocidade nos fluxos operacionais, produtividade do trabalho e escassez de recursos para desenvolvimento institucional, criaram novas funções que modificam, em parte, os respectivos processos operacionais. O esquema apresentado na página seguinte ilustra a estrutura de funcionamento das IOMs após a incorporação destas novas funções. Grande parte das IOMs, devido à obrigatoriedade legal, possui conselhos fiscal e administrativo que se relacionam diretamente com a superintendência, fiscalizando e auxiliando nas estratégias e funções administrativas. Nas ONGs e OSCIPs estes conselhos, geralmente, são formados por membros fundadores da sociedade civil, por representantes do poder público (por exemplo: membros da prefeitura) e de algumas associações e/ou instituições com alguma representatividade local. Nas SCMs, os conselhos são formados pelos sócios. A superintendência é escolhida e nomeada pelo conselho e, diferentemente deste, recebe uma remuneração por exercer cargo executivo. O superintendente de uma IOM tem como atributos da sua função o

3 Relatório Final: “Perspectivas de Expansão das Microfinanças no Brasil: Marco Legal, Capitalização e Tecnologia” – IBAM, 2001. (www.ibam.org.br)

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controle de gestão de toda a instituição, a elaboração das estratégias, a criação de novos produtos, o papel de relações públicas e externas da instituição, além de ser o responsável direto pela empresa. Tanto a gerência operacional quanto a administrativa4 se reportam diretamente à superintendência, trabalhando no controle e na liderança dos funcionários com função administrativa, operacional e empresarial da instituição. Quadro Funcional

4 Em algumas instituições existe apenas um único gerente para exercer as duas funções.

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O agente de crédito, por ocupar uma das funções mais sobrecarregadas5 e assumir metas diretas de produtividade, tende a descentralizar o seu trabalho com novas funções nas instituições. Isto ocorre principalmente naquelas IOMs que alcançam um patamar acima da média em relação ao tamanho da carteira ativa, volume de créditos, número de clientes, entre outros dados operacionais que caracterizam o “porte” da instituição no mercado microfinanceiro, criando novas funções como o recuperador de crédito e o promotor. A função do recuperador de crédito não isenta o agente de crédito da atividade de cobrança a clientes inadimplentes. Entretanto, a procura por uma maior produtividade dos agentes, o tamanho da instituição principalmente, as instituições de grande porte onde o volume da inadimplência pode ser significativo em termos de quantidade e valor e a necessidade de uma nova abordagem na recuperação dos créditos, geram uma nova estratégia de cobrança. Geralmente, após as tentativas dos agentes na recuperação dos créditos vencidos há mais de uma semana, ou em alguns casos após 30 dias de vencimento (inadimplência), torna-se necessária a figura do recuperador. Por não possuir uma relação direta e diária com o cliente, o trabalho do recuperador – que faz a parte de cobrança dos créditos atrasados mais difíceis de serem recuperados – possui um caráter menor amistoso, recuperando um certo grau de formalidade que facilita a quitação do débito dos devedores duvidosos com a empresa. Com o mesmo objetivo de facilitar o trabalho dos agentes de crédito e aumentar a produtividade da instituição, os promotores possuem a função de divulgar o trabalho da instituição nas localidades onde esta atua; realizar reuniões de informações com o público-alvo; mobilizar clientes e a comunidade para obter apoio na divulgação do que é microcrédito e

5Divulgação, cadastro, levantamento socioeconômico, análise de crédito, comitê de crédito, acompanhamento e assistência aos clientes, cobrança e recuperação dos créditos, entre outras funções.

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como atua a IOM; selecionar e implantar a melhor forma de publicidade. Os promotores atuam na divulgação e promoção do trabalho da instituição, em locais onde estão estabelecidos os clientes potenciais, facilitando assim a apresentação e o trabalho do agente de crédito. O agente independente 6 é, talvez, no âmbito da gestão operacional, a figura mais inovadora e que deve refletir um maior impacto no crescimento e desenvolvimento das IOMs. Este agente trabalha como um agente de crédito, mas não tem vínculo salarial (custo fixo) com a instituição. Trabalha como um representante comercial/financeiro e é remunerado via sistema de comissionamento e controle da inadimplência. Esta função, a princípio, só é encontrada praticamente nas SCMs, devido às grandes dificuldades que possuem na captação de recursos para financiamento, necessitando, com isso, transformar parte dos custos fixos em custos variáveis. A necessidade de expansão e crescimento da carteira ativa para alcançar uma economia de escala, diminuindo os custos e aumentando a velocidade no giro dos valores emprestados, aumentando o total emprestado e conseqüentemente a receita total, são também características encontradas em algumas IOMs que estimulam a criação da função do agente independente.

Operacionalidade As Instituições de Microcrédito ofertam principalmente créditos produtivos, que estão divididos entre contratos de créditos para capital fixo e capital de giro, com a opção de um limite financeiro por cliente para operar com desconto de recebíveis. Quanto aos prazos de financiamento dos créditos, as IOMs Governamentais emprestam em média de 5 a 24 meses para capital fixo e de 7 a 18 meses para giro, enquanto que as SCMs emprestam em prazos curtos de 1 mês tanto para fixo ou giro e máximo de 12 meses para fixo e 10

6 Ver tópico sobre metodologia creditícia neste capítulo.

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meses para giro. As ONGs e OSCIPs trabalham com prazos bem próximos dos prazos médios do setor, com prazos mínimos de 2 meses, médios de 6 meses e prazos máximos de 12 meses, independentemente da finalidade do crédito, fixo ou giro. Com relação à média dos valores emprestados, as Organizações Não Governamentais – ONGs, que na sua maioria operam com o apoio de governos municipais e estaduais, os chamados “Banco do Povo”, chegam a operar com créditos no valor de R$145,00, enquanto as SCMs chegam a emprestar um mínimo de R$390,00. A média entre valores mínimos por empréstimos no setor está em torno de R$ 220,00, com poucas diferenças em relação à finalidade do crédito entre as regiões brasileiras. Quanto aos valores máximos emprestados, as SCMs operam com a média de R$ 9.000,00, com grande parte dessas instituições chegando ao limite máximo7 de R$ 10.000,00, enquanto que as IOMs Governamentais se limitam em R$ 2.900,00 para capital de giro e R$ 5.000,00 para fixo. O valor médio dos créditos no setor chega a R$ 770,00 no Nordeste e R$ 1.970,00 no Sul, com uma média geral de R$1.550,00 em 2001. A falta de padronização das operações entre as IOMs além de afetar o setor no que se refere à análise do desempenho, investimento e estratégias, dificulta também uma padronização quanto aos sistemas utilizados, aumentando, assim, o custo dos softwares no mercado. Quanto ao tipo de software utilizado, este ainda consiste em um grande problema para o setor. Tendo em vista a falta de sistemas especializados na época em que se iniciaram as operações e a dificuldade de formar parcerias8, muitas destas instituições passaram a produzir seus próprios softwares. Deste modo, surgiu no mercado uma variedade de sistemas especializados para instituições microfinanceiras.

7 Permitido pela Legislação. 8 Somente agora, nos últimos dois anos, é que as IOMs estão começando a trabalhar em parceria criando associações e projetos em conjunto.

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Com o alto custo de produção para criação dos sistemas, muitas IOMs que produziram seus próprios softwares passaram a ofertar estes produtos no mercado, na tentativa de recuperar o capital investido9. Porém, devido à falta de padronização nas operações, nos cálculos e nas técnicas de administração das próprias instituições, muitos destes sistemas não atendem plenamente a todas as IOMs, que possuem particularidades operacionais, levando, no final de 2001, a uma grande oferta de softwares no mercado. Assim, verificamos que, por um lado, as IOMs que produziram os seus próprios softwares, e/ou aquelas instituições que compraram um software especializado no início das suas operações, adaptando a ele as formas de administrar e operar suas empresas estão satisfeitas com o funcionamento destes sistemas; e por outro lado, aquelas IOMs que adquiriram seus softwares após alguns anos de funcionamento não estão satisfeitas, pois possuem particularidades na forma de administrar suas atividades que não são atendidas pelo sistema adquirido. Em relação aos sistemas utilizados pelas IOMs, constatamos que aproximadamente metade (47%) das IOMs não estão satisfeitas com seus sistemas10. Infra-estrutura No caso das SCMs, em razão da falta de recursos, com algumas exceções que confirmam a regra, existem dificuldades de investimento em infraestrutura, na contratação de funcionários e agentes de crédito. Isto afeta diretamente a metodologia creditícia e o desenvolvimento e crescimento da carteira ativa. Em média, as SCMs trabalham com aproximadamente seis funcionários operacionais, enquanto os outros tipos institucionais operam com 15 funcionários, ou seja, mais que o dobro do número de funcio-

9 O que não é o foco de mercado das instituições. 10 Talvez fosse necessário um trabalho em conjunto com todas as IOMs ou Associações de IOMs, na tentativa de padronizar um ou dois softwares existentes no mercado, adaptandoos de forma universal a todas as instituições.

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nários operacionais das instituições com fins lucrativos, sendo que em muitas destas não existe sequer, a figura do agente de crédito. As SCMs, diferentemente das ONGs, OSCIPs e IOMs governamentais, levam também algumas desvantagens no que diz respeito ao custo de suas instalações físicas. Grande parte das SCMs paga aluguel e não possui instalações cedidas por outras instituições, enquanto que outras formas institucionais sem fins lucrativos operam em parceria com associações, sindicatos, bancos públicos, entre outras instituições que cedem algum espaço físico, isentando-as do custo fixo de aluguel, compra de ponto comercial (“luva”), compra do imóvel e muitas vezes são isentas também dos custos com água, luz, telefone, manutenção, IPTU, taxas públicas etc. Isto diminui consideravelmente os custos operacionais dessas IOMs, e penaliza as SCMs em relação à concorrência de mercado. A dificuldade de investimento, causada pela falta de recurso, faz com que o modelo institucional das SCMs seja o único a não possuir, como parte da infra-estrutura, equipamentos como veículos e palmtop, o que foi encontrado em todas as outras formas institucionais, ainda que este último item esteja presente em poucas instituições. Estes equipamentos garantem uma flexibilidade maior das operações, mas demandam um maior investimento e aumento do custo nas instituições. Os equipamentos encontrados em todas as formas de IOMs existentes foram, computador, copiadora, fax, laptop e telefone. Análise do Crédito O método de análise de crédito aplicado ao microcrédito possui influências da análise tradicional de crédito aplicada a projetos de investimento. Utilizam-se como referencial o método tradicional denominado 5Cs, com algumas adaptações que priorizam o Capital Humano, ou seja, a pessoa do empreendedor, sua família, seu negócio e sua perspectiva de futuro em relação aos investimentos aplicados. É curioso observar que, como no crédito tradicional, no microcrédito, mesmo com uma aparente análise de crédito diferenciada, acaba prevalecendo como exigência para concessão de crédito o tempo de funcio71

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namento da empresa11 (inibindo o crédito a empresas iniciantes) e a ausência de restrição cadastral dos clientes. Percentual das Exigências para Concessão de Crédito nas IOMs do Brasil

Fonte: Banco de dados/ IBAM

Quanto a utilização do Comitê de Crédito para o processo de decisão e análise dos créditos, 84,75% das IOMs se utilizam desta prática. Nas SCMs, esta prática é pouco utilizada cabendo a decisão final de concessão dos créditos à diretoria. A utilização do Comitê de Crédito aparece em 100% das IOMs da região Norte e Centro-Oeste.

11 Quanto ao tempo de funcionamento dos microempreendimentos existem pouquíssimas IOMs que estão emprestando para o primeiro negócio, para clientes com experiência comprovada no ramo de atividade.

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Garantias As formas de garantias12 utilizadas pelas IOMs são: 1) Garantias Reais • Alienação Fiduciária – Onde o devedor, para garantir o pagamento da dívida, transmite ao credor a propriedade de um bem. Nesta pesquisa foi verificado que 44% das IOMs pesquisadas utilizam esta forma de garantia. • Hipoteca – É a garantia prevista no Código Civil Brasileiro que grava bem imóvel ou coisa hipotecável, pertencente ao devedor, conferindo ao credor o direito de promover a sua venda judicial para o pagamento, se inadimplente for o devedor. O registro da garantia é efetuado no Ofício de Registro de Imóveis, no qual deve constar o respectivo registro do bem. Fica claro que esta é uma forma inviável para o microcrédito devido não apenas ao alto custo do registro da garantia como principalmente, ao perfil dos tomadores de microcrédito. 2) Garantia Pessoal ou Fidejussória • Fiança – A fiança é a promessa feita por uma pessoa de satisfazer a obrigação de um devedor, se este não a cumprir, assegurando ao credor o seu efetivo cumprimento. É uma garantia pessoal e deve ser comunicada no caso de inadimplência, por carta registrada. A fiança pode ser realizada em documento particular ou público, não estando sujeita ao registro. Vale chamar atenção para o fato de que este é um instrumento pouco utilizado pelas IOMs devido à burocracia de cobrança, custo e risco.

12 Kwitko, Evanda Evani Burtet, Manual para Formação de Agentes de Crédito: Programa de Crédito Produtivo Popular – Rio de Janeiro: BNDES, 1999.

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3) Garantia por Aval • Aval Individual – É a obrigação cambiária assumida por alguém no intuito de garantir o pagamento de uma nota promissória. O avalista é responsável da mesma forma que o avalizado, podendo o credor acionar qualquer um deles, não necessitando que seja acionado primeiramente o avalizado. Segundo alguns gerentes de IOMs esta é a forma mais eficiente e segura de garantia, desde que seja escolhido um bom avalista. É a forma de garantia mais utilizada pelas instituições do setor. • Aval Solidário – Ainda existem muitas críticas a esta forma de garantia. O interessante é observar que esta é a principal forma de garantia utilizada pelo maior programa de microcrédito do Brasil, o CrediAmigo do Banco do Nordeste. O credor, neste caso, tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial, ou totalmente, a dívida comum. No título de cobrança (Nota Promissória) os devedores assinam frente e verso, como devedores e avalistas. Segundo a pesquisa esta modalidade é utilizada por metade das IOMs no Brasil. Percentual das Formas de Garantia Aceitas no Brasil

Fonte: Banco de dados/ IBAM

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É curioso observar que em grande parte da bibliografia especializada, publicações que abordam o tema e seminários, “ouve-se dizer” que os microempreendedores (clientes do microcrédito) não possuem acesso ao sistema de crédito tradicional, não possuem cheque ou contas bancárias e não possuem bens para oferecer como forma de garantia, o que, na prática, não se mostra de todo real. Na verdade, no cenário apresentado, 44% das instituições trabalham com alienação de bens e 14% utilizam o cheque dos clientes como garantia, o que favorece também a hipótese de um amplo e diversificado público de atendimento. A alienação fiduciária e a hipoteca possuem um custo que em alguns casos são inviáveis para o microcrédito13 . O aval simples ou solidário de certa forma facilita o acesso ao crédito de indivíduos que não possuem comprovação de renda nem bens móveis ou imóveis para ofertar como garantia dos empréstimos adquiridos nas instituições. Mas, em contrapartida, o aval simples é um problema principalmente para clientes de baixa renda, dificultando em parte o atendimento da demanda no microcrédito. Isto porque, além da falta de bens como forma de garantia apresentada pelos microempreendedores de baixa renda, principalmente os informais, a dificuldade de conseguir um avalista é um grande empecilho ao processo de concessão de crédito, sendo contrabalançado em alguns casos pelo aval solidário, ainda que seja esta também uma forma de garantia difícil de ser operacionalizada. A região Nordeste, talvez por suas características culturais e pela presença do Banco do Nordeste, que se utiliza amplamente de garantias solidárias, é a região do Brasil na qual o aval solidário é mais difundido, o que a diferencia das demais regiões onde predomina o aval simples. O aval simples é tido como uma das melhores formas de garantia para manter uma baixa taxa de inadimplência, o que estimula sua prática por grande parte das IOMs, não importando o tipo ou região. Deste modo, as penalidades que pode sofrer um avalista em função da

13 Para alienação de bens móveis como veículos ou hipoteca de imóveis como terrenos e prédios, por exemplo, chega-se a gastar com o registro aproximadamente de R$100,00 a R$300,00, tornando-se praticamente inviável para grande parte das ofertas de microcrédito.

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inadimplência do microempreendedor criam uma espécie de “novo cobrador”, transformando o avalista, na maioria dos casos, em um parceiro do agente de crédito na busca pelo pagamento do débito existente. Cálculo da Inadimplência e Perdas Outro dado interessante são as diversas formas de cálculo de inadimplência e perdas ou provisionamento, o que dificulta a análise quanto ao desempenho, projeções e análise de risco das IOMs. Talvez este seja um dos principais motivos que dificultam a entrada de novas instituições de fomento e financiamento de Funding no setor. Neste caso, as SCMs são as únicas instituições que possuem um padrão para provisionamento e perdas, pois são obrigadas legalmente a seguir o padrão estabelecido pela Normativa do BACEN 2682/99. Percentual de Critérios de Baixa (perdas) por Tipo Institucional

Fonte: Banco de dados/ IBAM

No gráfico acima nem mesmo as IOMs governamentais possuem um critério ou padrão, assumindo como perdas, vencimentos acima de 30, 60 ou 90 dias, entre outras diversas formas de análise. 76

De forma geral, no entanto, a grande maioria das IOMs considera como perda todos os vencimentos maiores que 180 dias, e as taxas de inadimplência são calculadas com base nas prestações vencidas sobre a carteira ativa. É bem verdade que, na prática, só são considerados inadimplentes aqueles vencimentos maiores que 30 dias, considerando o que está vencido até este período como “atraso” e não inadimplência. Percentual de Critérios de Baixa (perdas) no Brasil

Fonte: Banco de dados/ IBAM

No caso da Normativa do BACEN, também são considerados como 100% das perdas os vencimentos maiores que 180 dias. Podemos concluir, então, que 57,69% (13,46%+44,23%) das IOMs utilizam este critério, e são considerados inadimplentes os vencimentos até este prazo (entre 1 dia e 180 dias de vencimento)14.

14 Na prática as IOMs consideram inadimplentes os créditos vencidos entre 30 e 180 dias. É bom lembrar que todos esses cálculos e análises se referem a proporções sobre a Carteira Ativa.

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Metodologia Creditícia A essência da metodologia utilizada no Brasil teve poucas inovações se comparada aos dois últimos anos, com destaque para a criação do agente independente e do recuperador de créditos, que surgem em função de aumentar a produtividade das instituições que atingem uma economia de escala e necessitam se especializar e focar mais nos pequenos problemas que afligem o crescimento institucional. Mas a criação dessas funções, na realidade, é para evitar, tendo em vista uma expectativa de aumento da produtividade, mudanças nos critérios de seleção dos clientes, na definição do público-alvo, no valor médio dos créditos, nas linhas de crédito para capital de giro ou fixo, nos mecanismos de controle da carteira ativa, dentre outras tecnologias utilizadas pelas instituições de microcrédito brasileiras. Tal fato se deve à metodologia atual que demanda um tempo mínimo de atendimento aos clientes, o que, muitas vezes, gera um custo fixo alto. Daí vem a tentativa de transformar parte do custo fixo operacional representada pelo salário dos agentes de crédito em custo variável através da remuneração do agente independente e aumentar o número de atendimentos dos agentes com o apoio do recuperador dos créditos e dos promotores. As instituições internacionais que operam com microcrédito e principalmente as tecnologias creditícias utilizadas na América Latina, são um “espelho” para o desenvolvimento das IOMs no Brasil. Através da parceria entre ONGs brasileiras e internacionais, o BNDES lançou em 1997, com o Programa de Crédito Produtivo Popular, 12 Oficinas de Capacitação que formaram 291 agentes de crédito em 1999. Como resultado desse trabalho, lançou o Manual do Agente de Crédito. Esta metodologia, mesmo com algumas críticas no que se refere ao tempo de liberação e análise dos créditos, tornou-se referência no Brasil para a formação dos agentes que operam nas principais IOMs brasileiras. Em entrevistas a vários agentes de crédito nesta pesquisa, percebemos que os agentes que seguem esta metodologia compreendem melhor a missão da instituição e são, nas IOMs onde trabalham, os mais produtivos e eficientes nas suas funções, sendo convocados, na grande maioria das vezes, para auxiliar os agentes iniciantes. É interessante observar que em busca da sustentabilidade das operações, as instituições passam a mudar as estratégias em relação aos va78

lores dos créditos ofertados e, conseqüentemente, em relação ao público-alvo. Antes, as SCMs ofertavam créditos muito acima da média15, o que limitava o atendimento a microempreendedores informais. Enquanto isso as IOMs Governamentais operavam com créditos muito abaixo da média nacional, atendendo praticamente aos microempreendedores informais de baixa renda, o que dificultava a sustentabilidade das instituições. Com o tempo as IOMs passaram a ajustar o valor médio dos seus créditos em função da sustentabilidade e/ou lucros e a aumentar a carteira de clientes (emprestando para outros tipos de clientes antes não atendidos, como os microempreendedores informais nas SCMs e formais nas IOMs Governamentais). Evolução da Média do Crédito - Total (triênio) por Tipo Institucional (Obs: média dos valores em R$)

Fonte: Banco de dados/ IBAM

As IOMs estão hoje ofertando créditos bem próximos da média nacional de R$ 1.522,37, com algumas diferenças entre as IOMs com fins lucrativos e as IOMs sem fins lucrativos.

15 Desta forma, aumenta-se a produtividade dos créditos, pois um aumento no valor aumenta a receita/crédito ofertado com o mesmo tempo de trabalho despendido (aumento da produtividade marginal do trabalho, PMg).

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As SCMs, devido à necessidade de operarem com superávit (lucros) acima da média das IOMs, tendem a buscar um aumento da produtividade via aumento do valor médio do crédito, atendendo, assim, a clientes de maior renda e com capacidade de maior endividamento (na sua grande maioria clientes formais que operam com maior volume de recursos). Para estas instituições, o crédito abaixo de R$1.000,00 ou R$500,00 por cliente/mês é uma operação negativa e só é realizado a clientes potenciais ou àqueles que operam com valores maiores, mas que, por algum momento, necessitam de um valor menor. Agentes de Crédito A função do agente de crédito é, sem sombra de dúvida, a base da metodologia creditícia utilizada por grande parte do segmento de microcrédito no Brasil. Ele é o facilitador dos processos operacionais e o principal representante da instituição perante os clientes. Foi possível verificar que em algumas IOMs o agente de crédito possui responsabilidades e atributos além do salário oferecido (59,26% dos agentes no Brasil recebem entre 3 e 5 salários mínimos por mês, 29,63% recebem entre 1 e 3 salários e apenas 11,11% recebem mais que 5 salários) e do nível de escolaridade exigido (76% das IOMs exigem o nível médio). O agente é o principal responsável direto pela liquidez no pagamento dos clientes, pela “saúde financeira” da carteira ativa da instituição, inadimplência dos clientes, aumento do número total de clientes novos e contratos renovados, dentre outras funções que são diretamente ligadas à sustentabilidade das IOMs. Mas em contrapartida, devido ao tempo médio despendido de trabalho para atendimento dos clientes, 2 horas em média, somente para entrevista socio-econômica16, torna-se difícil aumentar a renda

16 Dado informado por alguns dos agentes entrevistados na pesquisa.

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média - salário + benefícios - dos agentes, visto que estes concedem em média 29 novos créditos por mês, administram uma carteira ativa média de R$92.665,00 a uma taxa de juros total de 5% a.m. 17. Se considerarmos uma receita bruta operacional mensal de 5% da carteira ativa acima, teríamos um valor total de R$ 4.633,25, que para uma média de R$800,00 de salário, corresponde a 17,3% da receita acima estimada, o que fica acima da média de 10% sobre a receita operacional projetada por grande parte das instituições para remuneração dos agentes. Desconsiderando as instituições governamentais, principalmente o Banco do Nordeste, as IOMs possuem em média 9 agentes de crédito por instituição, com 12 nas ONGs, 10 nas OSCIPs e apenas 5 nas SCMs. Nas agências ou postos de atendimento essa média cai para 3,25 nas ONGs, 2,74 nas OSCIPs e 1,5 nas SCMs. A falta de recursos em grande parte das SCMs é o principal motivo da falta de agentes nessas instituições, sendo que algumas SCMs não trabalham com agentes de crédito, o que dificulta a generalização da metodologia creditícia seguida pela maioria das IOMs. Em média cada agente no Brasil emprestou R$ 302.239,00 no ano 2001 sendo os mais produtivos os agentes das IOMs Governamentais com aproximadamente R$ 350 mil no ano e os menos produtivos os agentes das SCMs com R$ 122 mil no ano. Sem o Banco do Nordeste, os agentes das OSCIPs passam a ser os mais produtivos com um total de R$272 mil e a média nacional passa para R$ 240 mil em 2001 por agente de crédito. Quanto à carteira ativa média por agente de crédito, as ONGs possuem a menor média, enquanto as SCMs apresentam a maior, o que aparentemente poderia ser justificado por uma maior produtividade dos agentes nas SCMs. Mas neste caso, tal fato pode ser também expli-

17 Médias nacionais segundo o Banco de Dados – IBAM,2002.

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cado pela maior taxa de inadimplência do setor (5,85%),18 pois os valores inadimplentes vencidos a menos que 180 dias geralmente permanecem na carteira ativa. Como as SCMs emprestam a prazos curtos e possuem a menor produtividade em relação à média de empréstimos por agente, estas tenderiam a ter uma carteira ativa menor, o que não ocorre, principalmente nas SCMs que trabalham com poucos ou sem agentes de créditos, dificultando a parte da cobrança, análise dos créditos e conseqüentemente aumentando a inadimplência. Valor Médio da Carteira Ativa por Agente de Crédito em 2001 por Tipo Institucional no Brasil

Fonte: Banco de dados/ IBAM

Quanto aos créditos concedidos por agentes, as SCMs são as que menos concederam créditos, e as IOM governamentais as mais produtivas. E a meta de produtividade estabelecidas pelas IOMs está em 27 créditos concedidos por agente de crédito por mês, ocorrendo pouca variação se comparadas por tipo institucional ou região.

18 Neste caso não estamos considerando algumas poucas instituições (ONGs) que trabalham no sentido de filantropia e assistência social, devido à baixíssima representatividade em relação a outras IOMs do setor. Neste caso, estas IOMs filantrópicas chegam a operar com 85% de inadimplência, não possuem agentes de crédito, ofertaram menos de 20 créditos em 2001 e juntas emprestaram menos de R$ 100.000,00.

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Média de Créditos Concedidos por Agente de Crédito em 2001 por Tipo Institucional no Brasil

Fonte: Banco de dados/ IBAM

Caminhos para a gestão operacional As mudanças nos padrões de gestão operacional das IOMs brasileiras vêm sendo estabelecidas, basicamente, a partir das demandas que surgem. O aprimoramento dos processos e das rotinas operacionais vêm sendo estabelecido a partir das necessidades e da escassez de recursos. As dificuldades de captação, combinadas com a competição com outras alternativas de crédito, têm levado as IOMs a buscar novos caminhos para otimizar sua atuação, criando novos procedimentos gerenciais que resultem em redução dos custos, tais como a criação dos agentes independentes e os recuperadores de crédito. A escassez de recursos para desenvolvimento institucional, provocada por uma retirada dos financiamentos internacionais a fundo perdido e uma presença ainda moderada do BNDES e do SEBRAE na área, têm possivelmente inibido o processo de inovação nas práticas operacionais. A articulação entre as IOMs deverá ser decisiva para o aprimoramento dos processos, através da junção de forças e recursos, visando a construção de mecanismos de aperfeiçoamento operacional que resultem em uma melhora para a coletividade das instituições.

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Rótula S.A.

Um pouco da sua história A Rótula, empresa sediada em Leopoldina, interior do Estado de Minas Gerais, com filiais em outras cidades e estados da Região Sudeste, surgiu em agosto de 1999, logo após a publicação da MP (Medida Provisória) que institucionalizou a criação e funcionamento das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor – SCMs. Com a abertura da primeira agência em 30 de novembro de 1999, a Rótula foi a primeira SCM autorizada pelo Banco Central do Brasil - BACEN a operar no mercado. A empresa foi idealizada por sócios oriundos da área financeira. Os três sócios-diretores da Instituição, como a maioria dos proprietários de SCMs, são também proprietários de uma empresa de Factoring 1 (empresa

1 O próprio Diretor Executivo da Rótula verificou informalmente junto aos sócios da Associação Brasileira de Sociedades de Crédito ao Microempreendedor – ABSCM, que em cada dez sócios de SCMs sete também são sócios de Factorings. Ele acredita ainda que existem facilidades nas SCMs que atraem as empresas de Factoring devido à disponibilidade de acesso a financiamentos. Não existe impedimento legal para troca de recebíveis (cheque, duplicata etc.) no microcrédito e, além disso, esta prática amplia o alcance da própria demanda por crédito. Para ele, o crédito por si só é social e as Factorings são complementares às SCMs. As Factorings, empresas de fomento mercantil, além de oferecerem crédito produtivo, operam com troca de recebíveis, fazem assessoria de gestão, fazem serviços de cobrança, boletas de cobrança, ofertam serviços mercadológicos e de segurança (SERASA), mas não atendem a pessoas físicas. Existe hoje no Brasil um desconhecimento do trabalho das Factorings, segundo ele.

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do Grupo Athenas S/A de fomento mercantil e consultoria empresarial) que oferece crédito e outros produtos financeiros e mercadológicos para pequenas e médias empresas. Assim, com a criação de uma SCM, tornaram possível o atendimento e fornecimento de crédito também para as microempresas formais e informais, via fundeamento de crédito, a um custo mais baixo que o de bancos de desenvolvimento como o BNDES. O Grupo Athenas já tinha como objetivo criar uma instituição de microcrédito. Seus sócios conheciam outras pessoas da área financeira, que também tinham interesse em formar uma instituição de microcrédito com fins lucrativos; se uniram a estes, então, para formar a Rótula2. Atualmente acreditam que o mercado de microcrédito é um segmento a ser explorado e, quando tratado com seriedade, dedicação e eficiência pode ser de boa rentabilidade.

DI – Desenvolvimento Institucional A Rótula é uma instituição privada, com fins lucrativos, denominada Sociedade de Crédito ao Microempreendedor – Rótula S/A (Sociedade Anônima de capital fechado). Foi registrada inicialmente com o capital mínimo necessário para autorização e funcionamento de uma SCM, de R$100.000,00. Atualmente o capital social está em R$700.000,00 dividido entre dez acionistas, que possuem um total de 70 mil ações cada um. Até o final de 2001, a instituição havia recebido para fundo de crédito um total de R$1.000.000,00 do BNDES, tendo alguns outros projetos ligados aos programas de Crédito Produtivo Popular – PCPP e de Desenvolvimento Institucional – PDI do BNDES, que já foram aprovados pelo banco, mas que até outubro de 2002 ainda não haviam recebido nenhum recurso desta instituição federal.

2 Como foi a primeira Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e este era um mercado pouco conhecido, o que elevava o risco do investimento, resolveram diluir esse risco aumentando a quantidade de sócios da empresa.

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A Missão Inicialmente pretendiam atender aos micro e pequenos empresários mas, tendo em vista o fato da legislação limitar o perfil dos clientes a serem atendidos, não podem atender aos pequenos, somente aos micro. A Rótula acredita, e definiu em documento apresentado para o BNDES, que sua missão é atender ao microempreendedor formal e informal dentro das suas necessidades, de forma sustentável e lucrativa.3 Segundo um dos Diretores, a missão ainda necessita ser melhor assimilada pelos funcionários4 , pois “...ainda não está como deveria”. Seria preciso melhorar a cultura funcional da empresa, embora para chegar ao nível de rotina que se encontram atualmente 5 o Diretor Executivo acredita que foi rápido e sem problemas, devido à simplicidade do sistema e das operações. A Meta Seus sócios acreditam que a Rótula seja uma empresa para o futuro, o que faz com que todo o lucro atual seja revertido em novos investimentos que possibilitem maior eficiência, produtividade e aumento da carteira ativa da empresa. A Rótula tem como objetivo, a longo prazo, atender toda a região Sudeste do País. Uma das metas institucionais é a possibilidade de abrir o capital para novos acionistas futuramente, mantendo-se como sociedade anônima de capital fechado, como rege a legislação. Para tal, pretendem atin-

3 Segundo a legislação as SCMs possuem por objeto social exclusivo “a concessão de financiamentos a pessoas físicas e microempresas, com vistas à viabilização de empreendimentos de natureza profissional, comercial ou industrial, de pequeno porte.” 4 Quanto aos agentes de crédito que participaram do curso de microcrédito oferecido pelo BNDES, constatamos (não só nesta instituição, mas em outras) que o curso foi importante para a assimilação da missão do microcrédito, o que levava estes a atenderem também alguns clientes de baixa renda, que não são o foco da empresa mas encontram-se incluídos na missão estabelecida. 5 Que podemos classificar como “muito bom”, visto que esta SCM é um modelo para o BNDES.

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gir uma meta (considerada pela própria instituição como um pouco ousada) de, ao final de seis anos de operações, adquirirem uma carteira ativa próxima de R$20.000.000,00. Acreditam que o maior obstáculo para alcançar esta meta está na dificuldade e morosidade na captação de recursos para Funding. A Rótula é administrada por três diretores estatutários6 de mesma representatividade e aprovados pelo BACEN7, sendo que somente um deles exerce cargo executivo. Na empresa existe um conselho consultivo constituído de todos os sócios que está acima da diretoria no que tange somente a planejamento e metas, mas as funções gerenciais são totalmente dos diretores. Marco Legal A natureza jurídica adotada inflige limitações à missão que haviam planejado, pois o objetivo inicial era poder atender também aos pequenos empresários e ofertar outros produtos e serviços, o que neste tipo de figura jurídica, encontra alguns impedimentos legais. A Rótula não pode ofertar créditos acima de R$ 10.000,00 por cliente; estão restritos ao atendimento a microempreendimentos e a profissionais autônomos e limitados a oferecer apenas crédito produtivo (nenhum outro tipo de produto ou serviço é permitido); não podem captar recursos ou poupanças junto ao público (o que limita a forma de financiamento de Funding) e possuem um processo para captação, junto às poucas instituições de fomento 8 ou aos próprios sócios, ainda muito burocrático e lento.

6 Os diretores não recebem remuneração direta (salários) da Rótula, na realidade são diretores do Grupo Athenas cedidos para gerenciar a Rótula, a qual paga um percentual da carteira para o Grupo pelo serviço prestado pelos diretores. 7 Toda instituição financeira e seus diretores devem ser aprovados pelo BACEN. 8 Atualmente, só conseguiram recursos com o BNDES e mesmo assim mais de dois anos após o início das operações.

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A Associação Brasileira de Sociedades de Crédito ao Microempreendedor – ABSCM, chegou a elaborar algumas propostas para alteração na legislação e a realizar algumas tentativas de mudança com relação às ações que envolvam o BACEN e BNDES. Deste modo, conseguiram o apoio legal dessas instituições com a publicação da Circular nº 3.076/02 que viabiliza a participação societária de uma OSCIP em uma SCM. Atualmente, o BACEN apóia a proposta de aumento no limite de crédito oferecido, mas a principal instituição de fundeamento de créditos hoje no mercado, o BNDES, ainda não aderiu a esta idéia. Provavelmente o BNDES acredita, como muitas outras instituições do setor, que com o aumento do limite máximo das ofertas de crédito as SCMs tenderiam a ofertar créditos em valores mais altos, impedindo assim que os microempreendedores de baixa renda tenham acesso ao crédito, limitando os objetivos e a missão do microcrédito no Brasil. Mas, para o Diretor Executivo da Rótula, essas limitações prejudicam o cumprimento da missão da empresa. Com isso, restringem o crédito a limites mínimos acima de R$1.000,00 (chegam a ofertar créditos menores mas como exceções) e acabam realizando um crédito médio de R$3.000,00 (acima da média nacional9 das Instituições Operadoras de Microcrédito – IOMs), centralizando os empréstimos em valores mais elevados. Acreditam que se pudessem emprestar valores acima de R$10.000,00 aumentariam a margem por crédito e conseguiriam atender aos empreendedores de baixa renda e, que se também pudessem ofertar outros serviços e produtos, seria mais facilmente viabilizado o atendimento a esta demanda. Assim, na concepção da diretoria, o atendimento exclusivo às microempresas penalizaria as pequenas empresas,10 pois os Bancos não

9 Até o final de 2001 estava em torno de R$1500,00, segundo banco de dados do IBAM. 10 No próprio texto da lei as SCMs aparentemente podem atender às pequenas empresas, mas depois, no mesmo texto, diz que só podem atender às microempresas o que restringe os clientes, percebendo-se assim a deficiência técnica da legislação e dos legisladores que a criaram.

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fazem distinção entre ambas, o que dificulta o acesso ao crédito para as pequenas. Sem falar no problema do cliente microempresário que cresce com o crédito, tornando-se uma pequena empresa e que, conseqüentemente, perde o microcrédito ficando desassistido, ou seja, sem crédito novamente. Para a diretoria, o limite máximo de R$10.000,00 é baixo até para o próprio microempreendedor11, uma vez que são raros os microempreendedores que demandam crédito em valores abaixo de R$1.000,00 na região onde a Rótula atua. Assim, devido às limitações legais, não conseguem cumprir todas as necessidades de crédito do microempreendedor e, conseqüentemente, este fato acaba afetando a sua missão como instituição de microcrédito. As OSCIPs não estão submetidas, legalmente, a um valor máximo para empréstimo, ainda que este normalmente esteja definido em seus estatutos. Segundo a Rótula, se fossem livres os empréstimos até cerca de R$20.000,00, tornaria mais barato os empréstimos inferiores a R$1.000,00 pois os custos de transação são os mesmos independente do valor a ser ofertado, e hoje a margem para pequenos empréstimos é negativa para a Rótula sendo equilibrada por empréstimos de valores maiores. O Diretor Executivo acredita que este impedimento “onera o processo como um todo”, o que leva também não só as SCMs, mas todas as IOMs a estipular um valor mínimo para emprestar, tendo em vista o alto custo do processo, tornando o empréstimo de “nano” 12 valores insustentável.

11 Talvez para que fosse possível aumentar o limite máximo de R$10.000,00 mantendo o atendimento para o microempreendedor de baixa renda, fosse necessário uma espécie de controle de equivalência feito pelo governo, como, por exemplo: para cada cinco novos microempréstimos abaixo de R$1.000,00 seria autorizado pelo BACEN a realização de um novo empréstimo entre R$10.000,00 e R$20.000,00; assim, a instituição conseguiria um equilíbrio entre suas receitas e despesas, com saldos positivos e atenderia a todos os tipos de microempreendedores. 12 “Nano” valores, são aqueles valores emprestados pelas IOMs, muito abaixo da média. Valores ofertados abaixo de R$500,00/mês por exemplo. Geralmente são demandados por clientes informais que trabalham na forma de sobrevivência e não possuem perspectivas de acumulação e crescimento.

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Relação Político-institucional A Rótula, por ser a primeira Sociedade de Crédito ao Microempreendedor a operar no Brasil, acabou se tornando uma referência. Atualmente, recebe visitas tanto de pessoas interessadas em montar uma SCM, quanto de centros de pesquisas interessados no setor de microfinanças, além de ser hoje para o BNDES (o seu maior parceiro) uma instituição modelo de trabalhos e parcerias. O BNDES, seu maior financiador 13 de recursos para Funding e provável parceiro para desenvolvimento institucional, foi a principal instituição a apoiar a empresa e fornecer todas as informações necessárias para o seu desenvolvimento. O Banco tem com a instituição uma parceria de expansão do microcrédito em locais de baixo IDH14 e apoio no desenvolvimento de novas instituições no cenário nacional. Com o Banco Central, a instituição possui um bom relacionamento. O Banco sempre deu total apoio fornecendo informações, discutindo a legislação e ofertando apoio técnico e institucional. A Rótula está interligada com o Banco Central via SISBACEN15 que possui o controle e faz a fiscalização, sendo obrigatório o envio diário de relatórios contábeis e de análises detalhadas de todas as operações. A Rótula foi a primeira SCM a tomar a iniciativa de criar uma associação para fortalecimento político-institucional junto ao BACEN e outras instituições. Com isso criaram a ABSCM junto com outras SCMs no mercado. Acreditam, no entanto, que o ideal seria uma associação na qual todas as instituições participassem, sejam elas ONGs, OSCIPs ou SCMs, pois desta forma teriam um maior poder de negociação junto ao Estado e às instituições de fomento do setor microfinanceiro.

13 A Rótula não considera a idéia de ter apenas uma única instituição para financiamento de Funding uma situação muito boa e estável. Mas em contrapartida acredita que o apoio financeiro e institucional do BNDES é a única forma de viabilizar esses modelos institucionais que ofertam microcrédito, e acreditam que esta é a melhor opção de Funding no mercado (melhores taxas, carências etc.). 14 Índice de Desenvolvimento Humano (ONU). 15 As SCMs devem prestar informações para o Sistema Central de Risco de Crédito, conforme a Resolução n.º 2.724/00, Circular n.º 3.061 e Circular n.º 3.098.

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A ABSCM no seu primeiro ano foi mantida pelos sócios da Rótula, mas hoje outros membros já contribuem com a Associação, o que ainda é muito pouco para mantê-la, já que existem poucas SCMs operando no mercado. A Rótula acredita no crescimento da Associação e, pelo que tem informação, os sócios do Rio de Janeiro se encontram mensalmente para reuniões. Quanto ao SEBRAE, a Rótula sofre restrição no apoio institucional e financeiro, pois este só financia e atua em parceria com OSCIPs e ONGs. Mas, legalmente, as SCMs estão aptas a acessar os recursos do SEBRAE através de projetos ou programas, na forma da Lei n.º 10.194/01. No início, quando começaram a atuar, não tinham muito conhecimento sobre metodologias operacionais, estratégias de ação, e nem sobre a dinâmica da demanda, até porque eram a primeira SCM no mercado. Perceberam nos primeiros anos uma espécie de “preconceito” por serem uma instituição com fins lucrativos em um setor de foco mais social, o que consideram um avanço da sociedade e do mercado. Quanto à relação com atores locais, foi feito um contato com o prefeito de Leopoldina no qual foi apresentando o trabalho da Rótula e a proposta do microcrédito, mencionando também as possibilidades deste serviço para o desenvolvimento da cidade. O poder local, no entanto, não manifestou nenhum interesse e nem atendeu ao convite de visita à Rótula. Alguns meses depois a Prefeitura celebrou um convênio com o Banco do Povo de Juiz de Fora-BPJF, surgindo assim uma filial do Banco em Leopoldina. Não existe abertura da Rótula para nenhum apoio político eleitoral. Procuram sempre ser apolíticos nesse trabalho, o que talvez dificulte a aproximação de algumas prefeituras. O Diretor Executivo acredita que as prefeituras poderiam também apoiar a Rótula e o projeto de microcrédito no sentido da divulgação, pois elas possuem a infra-estrutura para isso. Chegou-se a fazer uma parceria nesse sentido com uma prefeitura do interior de São Paulo, mas como o município era muito pequeno (5.000 habitantes) não havia volume de negócios e, mesmo com baixo custo era inviável manter uma filial no município. A Rótula não aceita funcionários de prefeituras como parte da parceria, pois acredita que isto gera um envolvimento político prejudicial à empresa, além de ser pouco produtivo. 92

Tributação Como as SCMs são qualificadas como instituições financeiras com fins lucrativos, diferente das demais IOMs, elas não estão isentas do Imposto de Renda – IRRF e pagam Imposto sobre as Operações Financeiras – IOF, além dos encargos sociais da folha de pagamento, tributos municipais, CPMF e taxas públicas. Elas também possuem, por operação, uma tarifa fixa cobrada pelos bancos em torno de R$5,00. Segundo o Diretor Executivo da instituição, toda parte da tributação representa em torno de 0,5% da taxa de juros total que fica em aproximadamente 4% a.m. (3,8% a.m. atualmente). A diferença na tributação das IOMs, afeta a competitividade. Com certeza seria melhor para as SCMs ter uma condição tributária igual a das OSCIPs, “seria a condição mais confortável, pois as OSCIPs estão isentas de IRRF e até de ISS, por exemplo”, segundo um dos diretores. Para ele, no caso de uma concorrência direta com uma OSCIP, a desigualdade no preço da taxa de juros pode fazer diferença, mas a eficiência e a produtividade das instituições vão ser mais decisivas no mercado16. Esta condição pode ser desfavorável para a instituição, mas a isenção de alguns impostos para as SCMs (empresa financeira) pode gerar uma série de problemas no sistema financeiro, pois deixaria uma “margem” para outras empresas financeiras contestarem alguns tributos, o que leva a crer que este caminho não seja a melhor alternativa Captação de Recursos A Rótula, como as demais SCMs, possui grandes dificuldades em captar recursos, recebendo-os do BNDES apenas em março de 2001 via PCPP. Embora a Rótula e as demais SCMs estejam autorizadas legalmente a captar recursos de bancos comerciais e instituições financeiras in-

16 Mesmo com essas diferenças tributárias a Rótula consegue manter um preço competitivo no mercado (3,8%), haja vista que a média nacional das IOMs está em torno de 5% a.m. (ver: www.ibam.org.br)

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ternacionais, nunca havia sido realizada uma operação deste tipo até dezembro de 2001. Na prática estas formas de captação se tornam inviáveis para o microcrédito. As taxas de juros para empréstimo ou repasse praticadas pelos bancos comerciais nacionais estão em torno de 2,2% e 2,5% ao mês (segundo informações da própria Rótula em agosto de 2002) o que torna inviável para uma SCM ofertar crédito no mercado a uma taxa de 4% ao mês , ou seja, restaria menos de 1% da taxa praticada (se considerarmos os tributos) para cobrir todos os custos e despesas, o que tornaria negativo o resultado dessas instituições. Quanto aos empréstimos realizados por instituições financeiras internacionais a taxa de câmbio é o grande agravante na dificuldade para obtenção desses recursos, pois os contratos internacionais, na sua grande maioria, estão fixados em Dólar Americano ou em Euro, o que inviabiliza as operações que são repassadas no mercado brasileiro de microcrédito em Real, devido à constante desvalorização desta moeda, muitas vezes maior que a própria taxa de juros aplicada pelas IOMs. Todas as SCMs, até o momento, só obtiveram recursos via capital próprio (sócios), superávit nas operações (receitas positivas com créditos ofertados, lucros operacionais e receita com investimentos financeiros) e empréstimos via BNDES17, sendo esta a única instituição a oferecer financiamento de Funding para as SCMs. O SEBRAE, as Prefeituras e os Governos Estaduais são exemplos de instituições que oferecem recursos para IOMs, mas que devido a políticas internas e institucionais ainda não ofereceram financiamentos para as SCMs, inibindo o desenvolvimento do setor. A falta de instituições financiadoras reflete também um impacto negativo perante as receitas operacionais, o crescimento da carteira ativa e a captação de novos clientes nas SCMs em todo Brasil18 .

17 Ver formas de captação de recursos , pág. 202, Regulamentação das Microfinanças PDI/ BNDES, 2002. 18 Ver Banco de Dados IBAM, 2002.

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Até a visita do IBAM em agosto de 2002, a Rótula ainda não havia conseguido recursos para seu desenvolvimento institucional, que foi financiado com recursos próprios, embora esteja pleiteando junto ao BNDES recursos do Programa de Desenvolvimento Institucional – PDI. Uma das grandes dificuldades quanto à captação de recursos, tanto externa quanto interna (dos próprios sócios), para fundo de crédito, está no tempo médio demandado para a realização de cada operação. A captação de recursos via sócios só pode ser realizada via aumento de capital social, o que requer um tempo médio de cerca de dois meses para liberação do BACEN; o mesmo ocorre para liberação de recursos externos via BNDES, o que em alguns casos pode levar mais de seis meses. Sendo assim, demandas de investimento de curto prazo não são operacionalizáveis a tempo. Não existe maleabilidade de caixa, ou seja, se atrasa o financiamento do BNDES por problemas políticos ou burocráticos e não há como “injetar” capital próprio em tempo hábil. Isto limita o atendimento da empresa a seus clientes, “freiando” o crescimento e gerando uma quebra de expectativa dos próprios clientes e, conseqüentemente afastando os mesmos da instituição, perdendo com isso o “embalo” de crescimento. Teoricamente a Rótula poderia pegar crédito via orçamento público e fundos de prefeituras, mas é “muito complicado” uma prefeitura criar um fundo com fins sociais e emprestar ou doar esse recurso para uma instituição com fins lucrativos. O fato de uma SCM, diferente de uma OSCIP, ter fins lucrativos faz com que essa via de acesso a um fundo público não ocorra, limitando praticamente os recursos de Funding ao BNDES. Para o Diretor Executivo da Rótula, deveriam existir outras instituições financiadoras como Banco do Brasil – BB, Caixa Econômica Federal – CEF, Bancos Regionais de Desenvolvimento19 etc.

19 No caso, a Rótula solicitou financiamento do BDMG, mas este, por política interna, só realiza oferta de funding para as ONGs.

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Acreditam que a entrada de outros bancos (para financiamento de Funding das IOMs) como o BB e a CEF seria de grande interesse, incentivaria o surgimento de novas instituições e alavancaria o sistema de microcrédito. Hoje existe a forma de financiamento através dos Bancos Comerciais, mas como foi dito anteriormente até onde se sabe ninguém realizou esta operação. Buscaram, então, uma forma de financiamento com a CEF e, apesar de haver interesse da Caixa, não foi efetivado, devido a problemas no estatuto interno da mesma.

GE - Gestão Estratégica Planejamento Estratégico A Rótula trabalha em parceria com o Grupo Athenas, empresa com matriz em Leopoldina20 que atua preferencialmente no ramo financeiro. Os diretores da Rótula, também sediada em Leopoldina, são acionistas da Athenas e residem nesta mesma cidade. Pelo fato dos diretores estarem mais próximos, Leopoldina se tornou o laboratório para formas de trabalho, estratégias e lançamento de novos produtos. “Dando certo em Leopoldina tenta-se expandir para as filiais” , diz o Diretor Executivo. Tanto a Rótula quanto a Athenas sempre atuaram no interior, sendo esta uma “vocação” das duas empresas. A Rótula, diferentemente da Athenas que possui escritórios por todos os estados do Brasil, tem como objetivo se expandir na região sudeste, sobretudo pelo interior, o que já está autorizado pelo BACEN. Acreditam que nesta área territorial exista uma grande demanda por crédito e uma falta de interesse de instituições financeiras em se localizar nessas regiões, com exceção de algumas financeiras, que apesar das altas taxas de juros são as maiores concorrentes nessas localidades, pois conseguem ofertar crédito de forma mais ágil.

20 Leopoldina é um município localizado na zona da mata mineira, próximo ao Rio de Janeiro e possui 50.097 habitantes segundo o Censo Demográfico de 2000 do IBGE.

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Com o objetivo de descobrir a demanda potencial da região, a Rótula realizou, em Leopoldina, uma pesquisa de porta em porta nos bairros onde há uma maior concentração de informais. Contudo, devido ao pouco conhecimento em relação ao comportamento de clientes informais e à cultura “financista” anterior dos diretores (voltada para os formais)21, a instituição começou a operar inicialmente apenas com formais. A transferência para clientes informais foi gradativa e teve muita influência do treinamento adquirido com o BNDES. Conhecendo a metodologia transmitida pelo BNDES, tentaram adaptá-la à SCM, pois esta era voltada para IOMs sem fins lucrativos e sem controle do BACEN. As SCMs “têm que dar mais satisfações” a respeito do andamento e resultados dos processos, do que as outras modalidades jurídicas de IOMs. Podemos dizer que este modelo institucional (SCM) deve atender a “quatro senhores”: os clientes, o BACEN, os acionistas e o BNDES, existindo assim restrições do que se pode e não se pode fazer e do que deve ser exigido dos clientes, gerando com isso uma série de documentos e responsabilidades não existentes em outras instituições de microcrédito. A carteira ativa deve ser segmentada por classificação de risco (conforme Resolução Normativa do BACEN n.º 2682/99) tanto em nível contábil como de forma analítica e caso deixe de enviar um relatório ou atrase um balancete paga-se a mesma multa que um banco comercial pagaria ao BACEN. A diretoria acredita que nas pequenas cidades da Região Sudeste ainda exista pouca oferta de produtos microfinanceiros, principalmente

21 É interessante observar que inicialmente a Rótula trabalhava apenas com clientes formais, mas em sua pesquisa procurou os bairros da cidade onde se concentravam os informais, mostrando com isso a influência do BNDES como educador e regulador do direcionamento do sistema de microcrédito no Brasil. Isto é positivo pelo fato de uma instituição pública de grande porte apoiar extensivamente o setor, mas, em contrapartida, surge uma espécie de “monopólio” das diretrizes e financiamento das IOMs, criando uma dependência nestas e conseqüentemente uma fragilidade no que diz respeito à sustentabilidade das instituições. Isto torna as decisões pouco democráticas e vinculadas a uma única visão do setor microfinanceiro.

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o microcrédito urbano, pois nessas áreas estão mais presentes as ofertas de créditos rurais do governo e de cooperativas de crédito, o que não é um empecilho para a instituição, visto que estes créditos rurais são bem mais burocráticos e lentos. Com isso a Rótula vem estudando novas formas de atuar também na área rural, sobretudo em função da vocação para a pecuária leiteira existente na região. Existem alguns pequenos contratos (menos de 1% da carteira ativa) nesse ramo de negócios, principalmente na pecuária, onde existe a possibilidade do “penhor bovino” como forma de garantia e os riscos são menores. Apesar de existirem alguns contratos na produção frutífera, estes foram casos particulares, nos quais os clientes possuíam outras formas de renda (aposentadoria de empresas públicas, aluguéis, ou bens imóveis e móveis) que garantiam o risco gerado na agricultura. A Rótula, tendo um de seus diretores com grande experiência na área de crédito rural (Banco do Brasil), está elaborando novos produtos que atendam a essa demanda, respeitando a lógica destas atividades através de procedimentos como: prazo maior de carência, utilização de bens e garantias como a própria terra, sistema com amortizações e tabela financeira de crédito diferenciada (o sistema de “Tabela Price” utilizado pelas IOMs não é muito adequado à agricultura), entre outras nuanças que só através de um estudo aprofundado poderão ser melhor precisadas. Na verdade, a “grande saída” para o crescimento e desenvolvimento da Rótula foi a estratégia de criar, junto com outras SCMs uma associação que fortalecesse e consolidasse as novas idéias, críticas e sugestões geradas por estas instituições. As ações legais que favorecem o desenvolvimento das SCMs estão agora tendo papel institucional e político fundamental para as articulações necessárias no setor. Outra questão a ser destacada é a das parcerias criadas, voltadas para novos projetos que enriquecem a figura institucional das SCMs, trazendo para si outras IOMs auto-sustentáveis, eficientes e de estruturas planejadas e competitivas. É fortalecida assim, junto ao mercado e às principais instituições de fomento do setor, uma tendência de priorização das SCMs como modelo institucional ideal de microcrédito. É bem verdade que este modelo está mais próximo de se tornar uma Instituição Microfinanceira – IMF, e vir a oferecer outros produtos microfinanceiros e captar poupança, devido a sua relação com o BACEN e a ser o único modelo legalmente financeiro. 98

Para o Diretor Executivo a grande vantagem de ser OSCIP é a parte tributária que para a SCM é muito mais pesada. Seria difícil uma ONG mudar para SCM devido às exigências e tributos que existem. Isso só irá acontecer se o financiamento do “funding” for mais favorável para as SCMs. Para alavancar as SCMs seria necessário o governo beneficiar estas instituições com mecanismos de alavancagem privilegiados. Dessa forma, havendo demanda e vontade de crescer por parte das OSCIPs, estas, para aumentar a sua capacidade de emprestar, migrariam para SCM ou trabalhariam em parceria ou sociedade, como já é possível atualmente. Planejamento Financeiro A Rótula pretende atingir no prazo de seis anos de funcionamento (final do ano de 2005) uma carteira de aproximadamente R$ 20 milhões. No planejamento, cada agente de crédito deve administrar uma carteira média de R$200.000,00 e mínima de R$ 100.000,00 (dependendo da localidade – “praça”), atendendo no mínimo dois clientes por dia e tolerando uma taxa de inadimplência máxima de 0,45% ou 0,5% em relação a taxa de juros de aproximadamente 4% a.m. É provável que devido às dificuldades legais e de captação, que resultam em uma queda no crescimento estimado da carteira, a instituição não consiga atingir o objetivo de R$20.000.000,00 ao final do ano de 2005. Mas, visto que no atual programa da principal instituição financiadora (BNDES) as SCMs levam vantagem na alavancagem, é bem provável que a instituição, que ainda é cotada como a SCM “modelo” para o banco, consiga dar um “salto” no que diz respeito ao crescimento da carteira ativa. Assim, com a facilidade de expansão via possibilidade de criar Postos de Atendimento de Microcrédito – PAM, fixos, móveis, permanentes ou temporários e a perspectiva de criar representantes comercial/financeiro denominados agentes independentes de custo variável (proporcional à receita) aliadas ao planejamento baseado na experiência de mercado, a Rótula possui uma forte tendência de crescimento territorial, financeiro, quantitativo e qualitativo em suas ações. Mantendo-se a média de carteira em R$200.000,00 por agente, a meta de uma carteira ativa de vinte milhões parece ser viável apenas 99

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através de uma grande expansão dos recursos de funding e conseqüentemente do número de agentes (atualmente em cinco). Seria necessário assim, provavelmente, que nos próximos três anos se ampliasse em muito o número de postos de atendimento.

Fonte: Banco de Dados – IBAM, 2002.

É interessante observar a tendência de aumento no valor médio dos créditos na linha pontilhada. Como grande parte das SCMs, a Rótula começou a ofertar créditos de valores baixos devido à influência da metodologia aplicada pelo BNDES e na literatura internacional. Perceberam então que estes demandam o mesmo tempo e custos que os valores mais altos, sendo inviável, no entanto, criar juros diferenciados. Foi necessário assim, como todas as empresas privadas com fins lucrativos, maximizar as suas receitas e minimizar os seus custos, elevando o valor médio do crédito. Este dado é uma tendência expressiva quando comparamos a média dos créditos entre IOMs com fins lucrativos e IOMs sem fins lucrativos. Público – Alvo A Rótula tem como público alvo os microempreendedores formais e informais. No início, no entanto, não ofertavam créditos para os informais. Após o treinamento no BNDES passaram a ofertá-los percebendo 100

ser um bom nicho de mercado, a ponto de atualmente os informais representarem 38% dos clientes, o que vem crescendo de maneira expressiva principalmente devido a um fator de grande representatividade na carteira ativa, o índice de liquidez.

Fonte: Banco de Dados – IBAM, 2002.

É curioso observar que os clientes informais possuem mais liquidez (contratos com parcelas pagas na data de vencimento sem atraso no pagamento) e são mais adimplentes que os clientes formais. A Rótula acredita que este procedimento está ligado diretamente à oferta de crédito no mercado diferenciada por tipo de cliente e devido aos clientes formais trabalharem mais com compras e vendas a prazo, o que aumenta o custo oportunidade. Nesse caso “vale mais a pena atrasar um pouquinho o pagamento” e pagar um juro mais baixo que o desconto na compra ao fornecedor. Outro motivo da baixa liquidez dos clientes formais está vinculado ao fato de que, como estes vendem a prazo, naturalmente demoram mais a receber. Neste caso o agente deve verificar se o cliente está comprando a prazos menores do que está vendendo, pois isto pode acarretar problemas futuros para o cliente, gerando uma inadimplência para a Rótula. 101

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No início havia um certo preconceito por parte da instituição com os clientes informais, visto que todos os sócios eram oriundos do setor financeiro, que trabalha exclusivamente com o setor formal da economia. Isso ocorreu nos primeiros cinco meses, pois constataram que o microempreendedor formal e o informal são muito parecidos, ambos administram seus negócios de forma semelhante e, com isso, perceberam que o risco e a forma de trabalhar eram os mesmos. Segundo um dos agentes de crédito, “o que separa o formal do informal é apenas o CNPJ; para o cliente, dinheiro no bolso deu lucro, sem dinheiro no final do mês, deu prejuízo”. A Rótula procura emprestar para clientes com capacidade de adquirir créditos acima de R$ 1.000,00 devido ao alto custo de transação e operacional. A média da Rótula segundo o questionário aplicado pelo IBAM é de R$3.000,00 por crédito. O mínimo para realizar algum crédito está em R$500,00, podendo em alguns casos chegar a R$200,00. Mas para realizar um crédito abaixo de R$1.000,00, o cliente deve já ter tomado outros créditos em valores maiores ou no caso de primeiro contrato, este deve ser um cliente com possibilidades de crescimento, ou seja, um cliente que tenha potencial para tomar créditos em valores maiores.22

22 A troca de recebíveis facilita muito o atendimento ao iniciante (1 a 6 meses de funcionamento) e ao cliente de baixa renda. No primeiro contato existe a visita do agente de maneira convencional, mas posteriormente o cliente passa a vir à agência para a troca dos cheques, diminuindo o custo e viabilizando a operação. Existe a possibilidade para pequenos valores de trocas de cheques sem o levantamento socio-econômico apenas uma pequena visita. Porém acreditam que estariam em desacordo com a metodologia do microcrédito. Para a Rótula a visita e o levantamento socio-econômico é fundamental para medir o potencial dos clientes, mas não descartam algumas possíveis operações com pequenas visitas. “Na Região Sudeste o cliente do microcrédito não demanda créditos abaixo de R$500,00/ mês, exceto, talvez, em áreas de extrema pobreza”, diz o Diretor. Ainda segundo ele “não é possível nem na área rural demandar créditos de valores tão pequenos, pois é necessário um capital maior para desenvolver um negócio”. Para a diretoria, estas áreas de extrema pobreza demandam assistência social e não o microcrédito em si, pois este não será sustentável devido aos baixos valores das operações. Para ele, não é interessante para o BACEN nem para o BNDES o sistema de divisão social dos clientes por tipo institucional; acredita que as SCMs também devem estar inseridas no mercado das “nanoempresas”, devem fazer o “sacrifício” de ofertar o crédito de baixo valor. Um sistema baseado no equilíbrio da média do crédito seria uma possível alternativa.

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Pesquisa de Mercado Houve uma espécie de levantamento dos clientes interessados e com potencialidade de demandar créditos, realizados por alunos da CEFET-MG (Escola Técnica Federal de Minas Gerais) em Leopoldina, mas nunca realizaram de forma técnica uma Pesquisa de Mercado. Acreditam que podem verificar se estão atendendo de forma adequada com os próprios resultados e retorno dos clientes à instituição. De fato o sistema indica um “certo perfil” de clientes adequados a cada produto e na sua grande maioria o atendimento está sendo positivo, pois os clientes sempre retornam para novos créditos. A satisfação é medida, assim, na continuidade do cliente. Quanto às informações passadas pelos clientes, acredita-se que o informal passe uma informação mais “verdadeira” do que o formal, pois a parte informal de algumas empresas legalizadas nem sempre é revelada. Muitas vezes o cliente formal apenas apresenta a parte “oficial” do negócio, por precaução ou medo de revelar os seus dados informais. Este procedimento, no entanto, pode prejudicá-lo pois ele acaba tendo sua capacidade de crédito subavaliada. Com relação à concorrência com outras instituições, a Rótula encontra dificuldades em identificar e analisar o mercado por falta de informações neste setor. Para a diretoria ainda existe um mercado em expansão, há espaço em Juiz de Fora por exemplo, embora em outras cidades, como Leopoldina, a clientela seja mais limitada. Ainda não percebem a concorrência em Leopoldina, porque o BPJF ainda é recente na região, mas acreditam que duas IOMs em um mercado deste porte tendem a ter espaços coincidentes. Outras cidades, como Ubá (com produção de móveis) e Muriaé (com confecções), talvez tenham um maior potencial. Marketing Publicidade A Rótula realizou propaganda com “panfletagens” e carro de som, mas não obteve um bom resultado, uma vez que apareceram várias pessoas físicas para crédito de consumo. Tal fato mostra que a propaganda 103

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no microcrédito tem que ser bem direcionada. Para a diretoria, a utilização da palavra “Banco do Povo” ajuda muito no entendimento, mas também pode gerar a busca por crédito de consumo.23 O grande problema para a Rótula e muitas outras IOMs está no custo de promover qualquer tipo de publicidade, pois nem sempre os retornos são imediatos e, mesmo que fossem, não existe capital suficiente nas instituições para bancar esse tipo de estratégia. O melhor resultado em termos de publicidade realizado pela Rótula foi o levantamento cadastral dos microempreendimentos feito por alunos da CEFET-MG, no qual apresentavam a instituição e explicavam o que é microcrédito. Criou-se uma base de dados de clientes potenciais que facilitou a visita do agente de crédito aumentando a sua produtividade. Segundo a Diretoria a propaganda “boca à boca” produz os melhores resultados, principalmente nas cidades do interior. Para a Rótula, o Estado deveria realizar mais propagandas institucionais do microcrédito, de uma forma ampla, pois isto seria de grande ajuda para o setor e para as próprias microempresas que muitas vezes demandam crédito e não sabem onde e como pegar. 24 “A taxa de juros (preço) no microcrédito é um valor relevante na estratégia de marketing, e não se sabe até quando a propaganda poderá atingi-la, mas o mix de marketing vai ajudar a defini-la”, diz o Diretor Executivo. Acredita que as SCMs tendam a investir mais em propaganda, pois acham que uma ONG não tem tanto compromisso com o resultado quanto uma SCM, ainda que as IOMs sem finalidade lucrativa possuam mais facilidades competitivas.

23 A SCMs são expressamente proibidas legalmente de utilizar a palavra “Banco do Povo” em marca, nome fantasia, razão social, ou qualquer propaganda vinculada a este tipo institucional. O que não acontece para ONGs e OSCIPs, pois não estão sujeitas à legislação do Sistema Financeiro Nacional. 24 Existem hoje muito poucas SCMs em funcionamento e como a publicidade de massa (televisão, rádio, revistas, jornais, etc) é muito cara, existe pouca receita da ABSCM para esse tipo de investimento.

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Preço A Rótula é uma instituição que tenta adequar seus custos às taxas de juros aplicadas no mercado de maneira competitiva, rentável e sustentável a longo prazo. O valor total mensal da taxa de juros atual da empresa é de 3,8% e está dividido da seguinte forma: 0,5% em custos com tributos, 0,8% com financiamento do fundo, 0,5% com o custo administrativo, 0,5% como estimativa máxima aceitável de inadimplência (maior que 180 dias) e 1,5% de lucro e serviços prestados pela Athenas. Logicamente as taxas de juros são preços de mercado e não devem ser calculadas somente em função dos custos, devendo estes ser considerados quanto à regulamentação que rege as taxas de juros. As instituições, no entanto, devem atentar para a dimensão e o comportamento da demanda em função do preço a ser praticado e da concorrência de mercado. A instituição que se baseia somente em preços calculados com base exclusivamente em custos possui uma maior fragilidade a choques externos do mercado e maior dificuldade de adaptação às mudanças no cenário competitivo.25 Produto São comercializados na empresa contratos simples de créditos produtivos para capital de giro, capital fixo (menos de 1% dos casos) e troca de recebíveis (cheques, duplicatas, etc). Para cada operação é aprovado um limite por cliente e este terá direito, dentro do limite de valor aprovado, a utilizar como troca de recebíveis ou créditos simples. Poupança, captação junto ao público, seguro, cartão magnético para saque, cartão de crédito, cobrança e pagamentos de contas, boleto bancário, serviço de proteção ao crédito e informações mercadológicas são produtos que a instituição pretende comercializar no futuro caso a legislação venha a permitir.

25 Ver Marketing para Microfinanças PDI/BNDES.

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Praça A Rótula possui três formas diferenciadas de atendimento: a agência/matriz, as filiais (postos de atendimento) e os agentes independentes. A Agência/Matriz, que centraliza todas as operações administrativas, está localizada em Leopoldina no interior do Estado de Minas Gerais. Em cada posto de atendimento existe um agente de crédito (funcionário da Rótula) que trabalha localizado em agências da Athenas. Estes postos estão situados nas cidades de Juiz de Fora/MG, Muriaé/MG e Cachoeiro do Itapemirim-ES. Existem também algumas experiências-piloto com agentes independentes em Cataguases/MG, Laranjal/MG e Pereiras/SP. Devem funcionar também postos de atendimento em PetrópolisRJ e Ubá-MG, devido à existência de agências da Athenas nesses locais. Apesar da Rótula preferir, estrategicamente, as cidades pequenas e médias, deve ser inaugurada até o final do ano de 2002 uma filial no município do Rio de Janeiro, que funcionará em parceria com uma associação de empresários. A divisão geográfica das filiais da instituição é desenvolvida em função das filiais da empresa Athenas. Neste caso, os agentes externos enviam suas propostas por malote ou via Internet. Por uma questão de custo os agentes externos usam a infra- estrutura da Athenas na região onde estão localizados, o que é pago pela Athenas (contrato de prestação de serviço, de colaboração para a utilização do espaço físico), embora o equipamento (mesa, computador, telefone etc) seja da Rótula. Pagase uma porcentagem da carteira administrativa da Rótula para a Athenas, para que se possa ter um diretor sempre disponível para dirigir a Rótula de cada localidade e para o custo de instalação dos agentes. O projeto dos agentes independentes, representante comercial/financeiro através de um contrato de prestação de serviços, já é permitido legalmente e poderá viabilizar a expansão territorial da instituição. Tendo em vista que o representante já teria uma estrutura formada, o custo fixo, que é o grande problema para expansão de filiais, seria sensivelmente reduzido. É interessante observar que os diretores e funcionários não percebem claramente a concorrência em Leopoldina, uma vez que existem 106

vários agentes provedores de créditos na região, como: bancos, financeiras, cooperativas de crédito, agências de fomento, outra instituição de microcrédito, agiotas, entre outros tipos de fontes de crédito ao microempreendedor. Para a Rótula a concorrência está nas financeiras e em outras IOMs que se localizam na mesma cidade. A explicação está no público alvo, pois são estas as instituições de crédito, que como a Rótula atendem os microempreendedores informais. Vale ainda ressaltar que as poucas vezes em que deixaram de ofertar recursos para algum cliente, este era informal e havia preferido obter recursos com uma financeira em função do custo oportunidade, ou seja, vale a pena para o cliente, em alguns casos, pegar crédito a juros mais altos do que perder uma oportunidade de desconto de um fornecedor, por exemplo. As IOMs nesses casos são mais burocráticas e lentas nos seu atendimento, o que pode provocar uma perda de clientes.

GO - Gestão Operacional Redução da inadimplência, cobrança e recuperação No processo de cobrança um funcionário administrativo entra em contato via telefone toda vez que uma fatura não é paga na data limite prevista, e comunica ao agente para que este faça uma visita ao cliente para “lembrar” do pagamento. O método dos “5Cs “ consiste em um padrão, mas as avaliações no microcrédito são diferentes do processo tradicional. Elementos informais que seriam mal vistos em uma prática de gerenciamento moderno são desejáveis em uma análise de microcrédito.Em um restaurante que funciona na garagem da casa do proprietário, por exemplo, ele próprio é o gerente, não há custos com aluguel e os garçons são familiares. Tais fatores, que poderiam ser considerados negativos do ponto de vista da administração moderna, são positivos para o microcrédito, pois garantem menores custos fixos e maiores facilidades para honrar os seus compromissos. A Avaliação da análise de risco é baseada na metodologia utilizada no manual e curso do BNDES, com algumas características formatadas para atender às exigências do BACEN. 107

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Quanto ao provisionamento, não possuem opção: deve ser feito de acordo com a regulamentação do BACEN. A classificação de risco parte da carteira vencida e vincenda, conforme Resolução Normativa do BACEN n.º 2682/99 e todo o provisionamento e classificação de risco é passado diariamente para o BACEN26. Como não é facultada às IOMs a entrada de processos no tribunal de pequenas causas, qualquer problema judicial eleva bastante o custo. Assim a Rótula utiliza-se de outras estratégias (de menor custo) para recuperar os créditos vencidos. Segundo a gerência, o sistema de aval simples, a escolha de um bom avalista e a análise cadastral (exigência do BACEN) geralmente geram bons resultados, pois um protesto ou o fato de “sujar” a ficha do cliente ou do avalista no SPC, proporciona um problema significativo para os mesmos. Através do sistema de Pendência Financeira-PFIN, por exemplo, pode-se colocar no SERASA uma pendência financeira por aval para o avalista, “sujando” a sua ficha comercial, pois este não poderá ser protestado, somente executado judicialmente. No entanto, somente o próprio credor pode fazer o PFIN, ou seja , não existe a possibilidade de usar outra instituição que possui maior volume de consulta no SERASA para diminuir o custo, prática esta muito comum no mercado. A Rótula, por exemplo, se utilizava da Athenas para ter acesso ao SERASA, o que não mais ocorrerá visto que a própria Rótula constatou a necessidade de utilizar o sistema PFIN. Produção e gerenciamento de informações A Rótula encontrou grandes dificuldades para encontrar no mercado um software que pudesse atender às SCMs. Além disso, as empresas de elaboração de programas cobravam caro para criar um sistema que atendesse especificamente à Rótula. A solução encontrada partiu do fato de já possuírem uma software-house, que ficou responsabilizada de

26 Algumas OSCIPs também estão usando este método para o provisionamento, o que para a diretoria da Rótula é positivo pois encaminha para uma padronização das contas das IOMs.

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criar um sistema de gerenciamento capaz de atender às necessidades das SCMs. Tal sistema vem sendo comercializado no mercado, sendo utilizado por IOMs de diferentes naturezas jurídicas. As decisões seguem um fluxo hierárquico vertical, mas as informações não são centralizadas, criando assim um processo de auditoria interna, visto que no decorrer do processo cada funcionário verifica ou se utiliza das informações cadastradas por outro funcionário. De uma forma sistemática, ou seja, no próprio decorrer de cada processo das operações, um funcionário não é responsável exclusivamente por um cliente ou por todo o processo de uma operação. O encarregado de enviar os títulos para o banco, por exemplo, não é o mesmo funcionário incumbido de conciliar a conta, ou seja, o que um funcionário faz será sempre verificado por outro, criando assim um processo de fiscalização interna27. O sistema de monitoramento demanda equivalência entre algumas posições. A posição contábil e a posição analítica da carteira, entre outros dados que se cruzam, devem ter o mesmo resultado em posições diferentes. A gerência acredita, no entanto, que ainda precisa aprimorar estes processos, criando mais mecanismos de controle. O BNDES, ao contrário do BACEN, exige a realização de uma auditoria externa. São obrigados, assim, a contratar uma empresa para realizar esta avaliação, além do próprio BNDES fazer visitas de acompanhamento de forma aleatória. Ocorre também de forma sistematizada, trimestralmente, o envio de relatórios para controle do BACEN, sendo que este recebe ainda, todo mês, dados contábeis e analíticos. Para o Diretor Executivo todas as IOMs deviam ser submetidas a processos de auditoria externa, uma vez que trabalham com capital de terceiros. Tal procedimento de controle teria um impacto positivo de confiabilidade para o setor, o que talvez permitisse uma maior alavancagem de capital.

27 Essa fiscalização também acontece de uma maneira hierárquica, ou seja, um funcionário passa os serviços realizados para o gerente que os verifica e passa depois para o sócio-diretor.

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Política de recursos humanos A Rótula pretende colocar um componente variável nos salários dos agentes e criar alguma forma de incentivo para os funcionários administrativos, mas até o momento não existe um plano de carreira definido para os funcionários. A remuneração do agente crédito consiste em um “gargalo” para a diretoria, daí a proposta do agente independente, tentando mudar o custo fixo para variável. A empresa atualmente não tem um resultado que justifique uma remuneração variável. “Não possuímos uma gratificação, mas também não existe uma meta concreta até porque ainda não conhecemos esse mercado”, diz um dos diretores. Com isso torna-se perigoso exigir e não se alcançar, criando uma quebra de expectativas que é tanto negativa para o trabalho e rendimento do agente quanto para o planejamento da empresa. A empresa acredita “estar na média” entre as IOMs no que diz respeito à remuneração dos agentes de crédito, que considera baixa para a função que este exerce atualmente. Mas devido às taxas praticadas e aos custos fixos altos em relação a produtividade, considera este um problema de difícil resolução. Aumentar a remuneração resulta em um aumento da taxa de juros, o que foge aos objetivos do microcrédito. É um problema que estão tentando resolver atualmente28. Foram os pioneiros na implantação do agente independente, que tem a função de um agente de crédito mas trabalha de forma autônoma e sem vínculo empregatício, recebendo uma comissão sobre a receita quitada pelos clientes atendidos. Esta talvez seja a forma mais fácil e “barata” de expandir para novas regiões. À medida que a captação para Funding seja mais fácil, a expansão das IOMs via agente independente

28 Estão hoje mais preocupados em aprender com o mercado do que criar metas. Alguns parâmetros para remuneração variável vêm sendo criados, considerando fatores como inadimplência, rentabilidade, custos, entre outros indicadores. Ainda não há nada previsto para os funcionários administrativos, embora exista interesse por parte da empresa.

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será beneficiada. Logicamente, o trabalho de um representante sem vínculo direto com a empresa produz alguns problemas no que diz respeito à produtividade e segurança de informações que, se não forem bem administrados, poderão encarecer esta modalidade de atendimento. Estrutura organizacional Atualmente na matriz existe um diretor, um gerente administrativo, dois funcionários administrativos e cinco agentes de crédito, sendo um na matriz e um em cada uma das quatro filiais.Três das filiais contam ainda com a ajuda de um estagiário. Diretor – (remunerado pelo Grupo Athenas) – Está responsável pelas relações públicas, elaboração de estratégias e definição da visão macro da empresa, além de participar do comitê (na verdade não existe um comitê propriamente dito, e sim, uma avaliação hierárquica vertical entre agente, funcionários administrativos, gerente e diretor). Gerente – Atua como “Controller” e também participa do comitê, encaminha os processos de auditoria e checagem do BACEN, lançamentos contábeis que ainda não estão automatizados. Assistente Administrativo – Realiza conferência dos dados cadastrais e da documentação, organiza a documentação para o comitê, efetua a cobrança convencional via telefone, faz o controle dos vencimentos e monitora os agentes de informações, participa do processo de cobrança junto com o agente de crédito, mas não trabalha externamente. Atendente – Efetua o atendimento dos clientes que chegam na Rótula (no balcão), controla as documentações via malote (ex.: cheques de operações de desconto que chegam via malote das filiais, borderôs assinados, cédulas de crédito bancário), verifica o limite dos clientes para liberação de crédito via desconto, emite o borderô para os agentes solicitarem as assinaturas, verifica se existe cheque do mesmo na Rótula para compensar ou inadimplente, consulta o CPF no SERASA e SPC e verifica a liquidez do cliente. 111

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ME - Metodologia Creditícia Garantias Quanto ao aval não há flexibilidade, visto que o aval é obrigatório. Não trabalham com aval solidário, pois existem defensores e críticos no mercado, além de considerarem este tipo de garantia pouco prático. A forma de garantia mais comum e eficiente para os sócios e diretores é o aval individual, na qual a escolha de um bom avalista é fundamental para um bom resultado. A alternativa da alienação fiduciária não é atraente para a gerência. Existem alguns custos inerentes à alienação de garantias reais que não são viáveis operacionalmente, pois um título de R$1.200,00 demanda, em média, R$700,00 para ser recuperado. A recuperação via judicial também não é barata, sendo utilizada apenas em casos em que o montante justifica tal procedimento. Uma SCM não pode levar um contrato inadimplente para o Tribunal de Pequenas Causas. A ABSCM obteve pareceres favoráveis para conseguir junto ao BACEN, BNDES e Comunidade Solidária para ter acesso a esta instância da justiça especial, mas seria necessário, para isso, uma alteração na legislação. A metodologia de trabalho dos agentes de crédito segue o padrão do curso do BNDES, com algumas exceções adaptadas para o modelo institucional das SCMs. Ao longo dos anos passaram pela Rótula agentes que possuíam alguns “vícios” de trabalho do setor financeiro, ou seja, não costumavam visitar os clientes nem se preocupavam em fazer o levantamento sócio-econômico destes. É interessante observar que esses agentes possuem uma baixa produtividade, elevada inadimplência e reduzido conhecimento das receitas e despesas dos clientes, resultando em carteiras de má qualidade. Nesses casos o número de novos clientes era muito baixo, não renovando nem aumentando o tamanho da carteira ativa. Com isso, constata-se que, mesmo com um custo elevado, a metodologia microcreditícia tradicional (recomendada pelo BNDES), ainda é a melhor e mais precisa forma de garantir a “saúde” da carteira das IOMs. Isto vem reafirmar a necessidade da primeira visita do agente e o acompanhamento ao cliente, mesmo que com a ajuda da tecnologia e de outras funções operacionais como a figura 112

do “Recuperador de Crédito”. O agente de crédito é, portanto, uma das principais ferramentas para a sustentabilidade e desenvolvimento de uma instituição operadora de microcrédito Uma das grandes dificuldades encontradas hoje pela Rótula e outras IOMs está na capacitação destes agentes. A CREAR Brasil e o SEBRAE são as principais instituições de treinamento, o que além de não atender plenamente à demanda, inflaciona o preço dos cursos, o que encarece o investimento. A capacitação dos agentes na Rótula teve de ser, a princípio, totalmente interna. Posteriormente foram utilizados os manuais do BNDES e os cursos, realizados por três dos cinco agentes. Segundo o diretor “buscávamos pessoas com uma visão prévia de crédito, mas temos o agente de Leopoldina que não veio da área de crédito e está tendo um bom desempenho”. A prática, no entanto, é imprescindível, pois por ser uma indústria muito jovem ainda não há uma “receita”, um perfil exato do agente. Inicialmente houve uma alta rotatividade de agentes devido ao perfil não ser adequado e a remuneração baixa, o que fazia com que as pessoas desistissem, ao mesmo tempo em que o fluxo de caixa não conseguia pagar uma remuneração mais alta. Perfil do Agente O agente preferencialmente vem da área financeira, mas deve ter sensibilidade, ter visão de crédito, e um bom senso na avaliação dos informais. Para a instituição, o agente precisa dispor destas qualidades, passadas através de treinamento interno, de visita com outro agente e de possíveis treinamentos externos. O agente é a ferramenta fundamental para a análise de crédito29 , é ele quem colhe as informações a respeito do cliente e indica o crédito.

29 A ausência de agentes em algumas SCMs é explicada pela diretoria pela falta de recursos, que inviabiliza um quadro de funcionários amplo. A Athenas apostou na Rótula como um “laboratório”, pois dispunha de recursos para “bancar” esta iniciativa. As SCMs estão abrindo e operando com um capital muito pequeno (o montante mínimo de R$100.000 estaria aquém do valor mínimo operacional real) e contratar pessoas gera um custo fixo que pode “matá-la”, tendo o empresário que fazer o papel de “controller”, diretor e às vezes até de agente.

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Mas a liberação do crédito só é permitida após o aval de um dos diretores. O agente visita o cliente, identifica o seu potencial, informa-o do que a Rótula oferece, e havendo interesse do cliente trás os dados deste para consultas cadastrais iniciais. Depois visita o cliente para levantar os dados para análise de crédito, verificando o trabalho, e chegando a conversar com os vizinhos, se for necessário, para garantir a fidelidade das informações. São preenchidas ainda as fichas de análise do BACEN e de microcrédito, levantando-se, em seguida, toda a documentação necessária para fechar a proposta. Depois vai defender ou não por escrito o crédito para o cliente, usando o método dos “5 Cs”. Após o processo acima, o agente passa a proposta para o gerente administrativo, que faz uma primeira análise e repassa para um dos diretores, que verifica as informações com o gerente ou o agente se achar necessário, e aprova ou não o crédito. A tomada de decisão não funciona em reunião coletiva, pois este processo é considerado dispendioso de tempo e recursos, o que tornaria a instituição mais lenta, prejudicando, em última análise, o próprio cliente.

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Banco do Povo de Juiz de Fora

O Banco do Povo de Juiz de Fora consiste em uma das mais bem sucedidas experiências de microcrédito em âmbito regional no Brasil. A rápida expansão da instituição pela Zona da Mata Mineira e regiões adjacentes do Estado de Minas Gerais e até do Rio de Janeiro, é fruto de uma política de gerenciamento que sempre buscou combinar ação social com eficiência financeira. Nesta pesquisa, a análise do Banco do Povo visa contribuir para a compreensão das estratégias operacionais das instituições sem fins lucrativos em um ambiente regional, composto por uma rede de cidades pequenas e médias. As metodologias creditícias, os modelos de gestão operacional, as estratégias de gestão e a adequação ao cenário macro (jurídico-institucional) serão analisados ao longo deste capítulo, buscando-se investigar as especificidades e os aspectos em comum existentes entre o Banco do Povo de Juiz de Fora e o universo das outras instituições operadoras de microcrédito - IOMs.

Breve histórico A origem do Banco do Povo está ligada à participação da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora em um workshop sobre microcrédito realizado pelo BNDES em janeiro de 1997. Após participar deste evento, a prefeitura iniciou as conversações com o BNDES para implantar uma instituição microfinanceira no município. O BNDES sugeriu que se realizasse 115

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

em Juiz de Fora a experiência piloto do modelo institucional e operacional adotado pelo próprio BNDES, no qual se inseriam as oficinas de formação adquiridas por esta instituição de fomento. No momento seguinte foi realizada a articulação com empresas locais para ampliar a credibilidade do programa, conseguindo mobilizar ao todo doze empresas que ajudaram na estruturação do Banco do Povo. Através da seleção de pessoal e a realização do primeiro curso de agente de crédito do Brasil foi constituída a base de recursos humanos da instituição em formação, que por fim, começou a operar no dia 04 de agosto de 1997. Percebemos assim que a iniciativa da instituição partiu majoritariamente do setor público através de uma parceria entre o poder público local e uma instituição federal: o BNDES. Paulatinamente, o Banco do Povo ganha autonomia, chegando aos cinco anos de funcionamento como uma instituição de perfil eminentemente privado, plenamente sustentável e com autonomia na definição de procedimentos e na formatação de produtos.

DI - Desenvolvimento Institucional A missão do Banco do Povo de Juiz de Fora foi estabelecida a partir das propostas iniciais de desenvolvimento econômico e geração de emprego e renda da Prefeitura. As metas públicas desenvolvimentistas norteiam, assim, a missão institucional. O atendimento ao empreendedor é o grande objetivo da instituição, que, inclusive, chama-se oficialmente Fundo de Apoio ao Empreendimento Popular - FAEP. Este apoio no entanto é realizado de forma específica a partir de algumas diretrizes bem definidas. Os produtos e serviços oferecidos não devem ser incompatíveis com a proposta de sustentabilidade do Banco, assim como a instituição não assume certas funções que entende caberem unicamente ao empreendedor, como a capacidade de administrar seu próprio negócio, antever situações e assumir riscos. A ausência de oferta de capacitação é justificada por esta lógica, que pressupõe que os empreendedores 116

devem possuir a capacidade de gerenciar suas iniciativas, não cabendo à instituição de crédito apontar os rumos a serem tomados pelos empreendimentos. A dicotomia entre sustentabilidade e cumprimento da missão social consiste em uma questão crucial para todas as instituições sem fins lucrativos que operam no setor de microfinanças. No caso do Banco do Povo, a eficiência operacional e o impacto social não são vistos como aspectos antagônicos e sim como elementos que devem estar integrados dentro de um único sentido, o que é coerente se analisarmos o histórico da instituição. A expansão da instituição para o âmbito regional se deveu em grande parte ao desempenho operacional, que possibilitou o acúmulo de recursos necessários para que o Banco do Povo pudesse se lançar em novos mercados, ofertando crédito a empreendedores excluídos da Zona da Mata Mineira e regiões próximas. Assim, somente com sustentabilidade, eficiência operacional e capacidade de expansão a instituição pôde permanecer cumprindo sua missão e ampliar o número de pessoas em situação de exclusão social atendidas. O gráfico abaixo permite constatarmos a expansão do Banco do Povo através da evolução do montante anual emprestado: Evolução do Montante Emprestado

Fonte: Banco do Povo de Juiz de Fora/Banco de dados - IBAM

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O rápido crescimento da instituição entre 1997 e 2000 se deve, primeiramente, ao estabelecimento de uma rotina eficiente que permite ganhos progressivos e do aprofundamento no mercado de Juiz de Fora. Posteriormente, a instituição segue crescendo em função da incorporação de novas áreas de atuação nos municípios da região. Este crescimento se estabiliza em 2001 em um patamar que permite que a instituição retome uma busca por eficiência nas áreas incorporadas e se inicie no ano de 2002 na formatação de produtos para expandir a gama de empreendedores atendidos. A missão também estabelece limites para o perfil das iniciativas atendidas pelo Banco do Povo, ainda que estes sejam bem amplos. Algumas atividades de sobrevivência estariam excluídas desta faixa de cobertura por não disporem de um mínimo de regularidade necessária para “garantir” as operações, não se enquadrando, assim, dentro da ótica empreendedora adotada pelo Banco do Povo, que valoriza a existência de uma perspectiva de longo prazo por parte das iniciativas financiadas. O impacto do Banco na realidade local é percebido, hoje em dia, de uma forma diferenciada da concepção inicial. Em um primeiro momento acreditava-se na capacidade da instituição de gerar empregos e dinamizar de forma expressiva a economia de Juiz de Fora. Atualmente, entende-se que o Banco possui um impacto econômico mais modesto, mas por outro lado, possui uma expressiva capacidade de incluir aqueles que se sentiam marginalizados por não terem acesso aos serviços financeiros e ao que estes representam socialmente. O ganho dos clientes em “auto-estima” é apontado, tanto pela gerência quanto pelos demais funcionários, como um dos resultados mais significativos e gratificantes do trabalho da instituição. A consolidação do Banco enquanto agente econômico local também é um fato relativamente recente e demandou algum tempo para se concretizar, o que é justificado parcialmente pelo elevado grau de pioneirismo da experiência. O caminho traçado pela instituição priorizou, em um momento inicial, a criação de rotinas operacionais e a sustentabilidade da instituição, para posteriormente investir no Banco enquanto agente de desenvolvimento local. Apenas após a construção de um alicerce financeiro-operacional sólido, o Banco pôde explorar me118

lhor sua vocação desenvolvimentista, trabalhada nos últimos anos via expansão regional e mais recentemente através de novos produtos de cunho social mais explícito, conforme veremos mais adiante. A partir das entrevistas realizadas com os funcionários, tanto administrativos quanto atuantes na colocação de crédito, constata-se que há um engajamento destes em relação à missão. Os funcionários oriundos do setor bancário conseguem diferenciar bem o crédito tradicional do microcrédito, compreendendo a função social do Banco sem perder de vista o compromisso com a sustentabilidade da instituição. Na análise da gestão operacional pretende-se aprofundar esta questão, discutindose, inclusive, como a elaboração do plano de cargos e salários pode ter influenciado no fortalecimento do vínculo dos funcionários com a instituição, sobretudo ao estimulá-los a atingir as metas estipuladas que combinam ação social e desempenho operacional. Quanto à adequação ao marco legal, o Banco do Povo de Juiz de Fora ainda não se enquadrou dentro de nenhum dos modelos institucionais sugeridos pelo marco legal estabelecido. Há uma clara e declarada tendência da instituição se tornar uma OSCIP, uma vez que o modelo de atuação adotado não envereda por um viés lucrativo. A não obtenção do título de OSCIP é justificada pela gerência da instituição e pela ausência de motivos concretos para obtê-lo. Embora a solicitação de transformação em OSCIP já se encontre encaminhada ao Ministério da Justiça, a adequação ao marco legal instituído visivelmente não consiste em uma prioridade para a instituição, o que nos permite concluir que continua sendo plenamente possível a operação eficiente de microcrédito à margem da arquitetura legal elaborada pelo Governo Federal para as microfinanças. Tal fato nos leva a supor que muitas das instituições que se qualificaram como OSCIP o fizeram muito mais por um temor de eventuais conseqüências advindas da ausência do título do que por fatos concretos que exigissem deles a titulação. As relações institucionais do Banco do Povo com os demais atores do setor também não foram afetadas pela ausência da titulação de OSCIP, o que talvez se explique pela credibilidade e reconhecimento que o Banco possui. As possibilidades de financiamento junto ao BNDES e ao BDMG, principais fontes de captação para recursos de funding, continuam abertas 119

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e foram extremamente importantes para a expansão. Embora o Banco do Povo possua uma ampla carteira e disponha de um fundo também bastante expressivo, uma nova expansão provavelmente demandaria a captação de recursos junto a um destes dois bancos de desenvolvimento. Para o desenvolvimento institucional, no entanto, a disponibilidade de uma quantia expressiva de recursos próprios tem permitido grandes avanços, a ponto do Banco poder assumir o custo das experiências-piloto que pretende realizar para o lançamento de novos produtos. Ainda assim, estes recursos são limitados, o que leva o Banco a pleitear, junto a outras instituições, como o SEBRAE, verba para realizar ações de desenvolvimento institucional que demandem um maior montante. O atual contexto de expressiva alta do dólar tem servido para restringir ainda mais as já limitadas possibilidades de captação de recursos internacionais. O risco de se “apanhar” dinheiro na moeda norte-americana é bastante alto, o que torna os empréstimos das agências internacionais desinteressantes para o Banco do Povo. A parceria com a Caixa Econômica Federal tem elevada importância na trajetória do Banco do Povo. Os acordos têm sido realizados, no entanto, no nível local, em uma relação de agência com agência. A decisão da Caixa de criar uma política própria para o microcrédito, e aí não mais ofertar as vantagens que atualmente oferece ao Banco do Povo, pode dificultar a expansão e a sustentabilidade das unidades da instituição mineira de microcrédito, embora não venha a comprometê-las. O Banco do Povo vem tentando deixar claro aos seus parceiros que as relações instituídas geram vantagens para ambos os lados, não se devendo assim interpretar as parcerias como um “favor” prestado ao Banco. A instituição possui boas relações com as demais ONGs e OSCIPs mineiras com as quais fundou recentemente uma associação das OSCIPs de microcrédito do Estado de Minas Gerais. Na polarização entre OSCIPs e SCMs que começa a se configurar no setor, o Banco do Povo de Juiz de Fora encontra-se visivelmente alinhado ao bloco das instituições sem fins lucrativos e finalidade social mais explícita, sendo inclusive convidada do Fórum dos Gestores do Microcrédito. Da ótica tributária vinculada ao marco legal, as parcerias com a Prefeitura de Juiz de Fora e com a Caixa Econômica Federal serviram para que a instituição conseguisse reduzir sua carga, liberando-se do ISS e do 120

IPTU. Há que se avaliar qual seria o real peso destes tributos no custo de manutenção e operação da instituição. Os demais impostos que incidem sobre o funcionamento da instituição são a CPMF e os tributos sobre folha de pagamento, os quais são inevitáveis para uma instituição de microcrédito.

GE - Gestão Estratégica As estratégias utilizadas pelo Banco do Povo de Juiz de Fora são coerentes com a missão definida pela instituição, que busca atender grupos em situação de exclusão de forma eficiente e sustentável. Os planos elaborados e as metodologias de gestão adotadas buscam basicamente atender estas duas premissas, se utilizando, porém, do princípio da gestão institucional participativa. O planejamento estratégico realizado anualmente é elaborado em uma reunião coletiva na qual os próprios agentes sugerem as metas de produtividade a serem alcançadas. Estas propostas são debatidas pelo grupo e, se aprovadas, serão utilizadas para calcular o percentual variável de produtividade de cada agente. As metas institucionais de produtividade também são estipuladas de forma coletiva. Parece assim, haver uma via aberta para os funcionários da instituição influírem na definição dos procedimentos e rotinas operacionais a serem adotadas. Outras questões como a atuação do Banco em novos mercados, definição de novos produtos e atendimento a clientelas específicas são decididas pela gerência juntamente com o conselho. A estratégia de sustentabilidade foi explicitamente privilegiada nos primeiros anos da instituição, através da formatação adequada de produtos, criação de um plano de cargos e salários e adequação do sistema operacional, medidas que permitiram que o Banco se tornasse eficiente, plenamente superavitário e pudesse alçar vôos mais altos no campo do desenvolvimento local e estreitar sua relação com a clientela. Uma nova ótica vem sendo utilizada não somente na elaboração de produtos como também na prestação de serviços aos clientes. Se antigamente o Banco se orientava unicamente pelos seus próprios interesses, atualmente a política de marketing visa que as demandas dos clientes orientem as ações do Banco. 121

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As estratégias de publicidade adotadas também vêm sendo modificadas dentro desta nova ótica. Os agentes possuem agora uma maior autonomia na definição dos meios pelos quais será veiculada a publicidade. O Banco reconheceu desta forma que os funcionários das agências regionais conhecem bem melhor a realidade local, sendo portanto, mais capazes de precisar as vias para se atingir os empreendedores locais. Assim, mais importante do que divulgar o nome do Banco visando prestígio para a instituição é garantir que aqueles que precisam dos serviços do Banco consigam ter acesso a estes. A perspectiva de se efetuar publicidade de forma conjunta não parece uma alternativa atrativa para o Banco do Povo de Juiz de Fora. A mistura de instituições com visões, propostas e trajetórias diferenciadas dentro de uma propaganda setorial poderia levar a uma deturpação dos produtos e serviços ofertados pelo Banco, uma vez que nivelaria e associaria a instituição com outros atores do setor que possuem concepções e meios de atuação que não são compatíveis com a proposta do Banco do Povo. Os produtos e serviços ofertados atualmente pelo Banco do Povo são os seguintes: Financiamento para capital de giro de 200 a 5.000 reais, com pagamento em até 6 meses com 3,9% de juros a.m. Financiamento para capital fixo de 200 a 10.000 reais, com pagamento em até 12 meses com até 3 meses de carência. Bônus de pontualidade. Carta de crédito para os que pagaram os financiamentos todos em dia. Os empréstimos são recalculados sob uma taxa de 3,4% a.m., devolvendo a diferença sob a forma de crédito que pode ser utilizado em um contrato futuro, negociada com outro cliente ou utilizada para adquirir produtos de outros clientes. É fundamental este produto para a integração dos clientes, uma vez que existem cadeias produtivas completas dentro do Banco. CREDCHEQUE: Crédito de até 500 reais garantido unicamente com cheque do cliente ou de terceiros. Há, no entanto, a necessidade de se realizar o processo de visita e acompanhamento do empreendimento. 122

CREDRÁPIDO: Clientes com bom perfil de pagamento (AA, A ou B segundo a legislação do BACEN) podem ser beneficiados por uma inserção de crédito em seus contratos para atender alguma exigência imediata. A garantia é um cheque do cliente ou de terceiros. Geralmente o limite é o valor dos pagamentos já efetuados. Troca de Cheques: Troca de cheque com um limite total fixado (semelhante a um cheque especial), administrado pelos clientes como uma carteira rotativa. O desconto de cheque também possui custos operacionais e de cobrança reduzidos, uma vez que não emite boleto e a inadimplência é muito baixa e não precisa ser controlada por agente. O desconto de cheque possui o mesmo processo de garantia do empréstimo, o limite dado precisa de avalista e é renovado a cada seis meses. O contrato mãe do limite já possui uma nota promissória no valor deste limite mais os juros. O Banco do Povo ainda oferece um serviço de facilitação de formalização de empresas, um número de discagem gratuita para os clientes e uma home-page disponível para se anunciar empresas e produtos. Os novos produtos a serem lançados possuem um caráter social mais explícito, diferenciado de alguns dos produtos listados acima que, embora atendam a demandas dos empreendedores, funcionam também como boas alternativas para aumentar a rentabilidade da carteira. São eles: Financiamento de pequenas reformas: O banco financiará pequenas reformas na casa de pessoas, empreendedoras ou não, que residam nas cidades atendidas pela instituição, desde que elas possuam capacidade de pagamento. Para avaliar financeiramente e planejar as reformas a instituição contará com a parceira de uma empresa de obras. Crédito para início de atividades: Uma linha de crédito para capital de giro e fixo, antes ofertada unicamente para empreendimentos com pelo menos seis meses de funcionamento, será aberta para atender novos negócios. Este produto ainda está sendo formatado e deve começar com um piloto para avaliar os custos reais. Os agentes já estão sendo capacitados para operar com esta nova linha. Estes dois novos produtos aprofundam a atuação do banco em um rumo desenvolvimentista. O financiamento das pequenas obras servirá para 123

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estimular o emprego do “pedreiro do bairro”, que é muitas vezes um trabalhador com baixa qualificação e com reduzidas possibilidades no mercado de trabalho em função da idade. Estimulará também os jovens a trabalhar como servente, ampliando as possibilidades do primeiro emprego. Estimase que ocorra uma melhora na qualidade de vida das pessoas, pois serão mais estimuladas obras que visem melhorar a habitabilidade e não se restrinjam a ter um objetivo meramente estético. O mercado de pequenas lojas de materiais de construção também deverá ser dinamizado, já que o crédito não vai ser liberado para o financiado e sim para a casa de material integrante de uma rede de conveniados. Deve-se trabalhar ainda com grupos solidários, constituídos pelos vizinhos, aproveitando-se assim as relações de bairro na constituição de garantias subjetivas. A linha para início de negócios também consiste em um projeto socialmente mais arrojado, tendo em vista que influi de forma mais direta na geração de novos postos de trabalho. Cria-se com estes dois novos produtos uma nova clientela para o Banco, que até então não estava sendo atendida. Os atuais clientes são sobretudo empreendedores informais, que foram definidos como principal foco da instituição. Os empreendimentos formais, no entanto, são expressivos na carteira do Banco e têm se ampliado cada vez mais em números absolutos em função do processo de empobrecimento pelo qual os micro e pequenos empresários vêm passando. A estratégia atual do Banco consiste, basicamente, no aprofundamento da clientela em áreas geográficas já incorporadas ao mercado da instituição, que optou por sustar temporariamente sua expansão para novas localidades. O Banco do Povo já atende atualmente a 78 cidades nos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, com oito agências e dez postos instalados. A instituição possui três modalidades diferenciadas de unidades de atendimento: a matriz, as agências e os postos. A matriz situa-se no Centro de Juiz de Fora e realiza todas as funções administrativas além de servir como unidade de atendimento neste mesmo município. As agências possuem alcance ampliado uma vez que atendem não somente aos municípios, que servem como sub-centros regionais, como também aos municípios de porte reduzido periféricos a estes sub-centros. Para as localidades menores, que não possuem dinamismo econômico suficiente para justificar a 124

criação de uma agência, foi criada a figura do posto de atendimento. Cada posto demanda um funcionário, que não é mantido pela instituição, sendo cedido em boa parte dos casos pela Prefeitura, embora ele possa ser disponibilizado por qualquer instituição parceira. Tal redução do custo operacional é fundamental para que o Banco do Povo possa oferecer seus serviços sem comprometer a sua sustentabilidade financeira. O esquema a seguir ilustra esta estratégia territorial de atuação. As agências encontram-se vinculadas administrativamente à matriz em Juiz de Fora, o que é representado pelas setas pontilhadas. O porte das cidades em que se situam estas agências varia, a ponto de existirem unidades em cidades com menos de 30.000 habitantes, o que é justificável pelo somatório dos negócios existentes no entorno destes pequenos núcleos urbanos. A matriz também exerce uma função regional, atendendo operacionalmente (seta contínua) de forma direta outros pequenos municípios próximos a Juiz de Fora, tenham eles posto ou não. O mesmo vale para as agências, como no esquema mostrado no qual a agência 1, situada no município A, atende ao município D, que não possui posto da instituição mas se situa mais próximo de A do que de Juiz de Fora. Já a agência 2, localizada no município B, atende ao município E que possui um posto de atendimento, o que facilita a prospecção de clientes para a instituição. Esquema da estratégia territorial de atuação do Banco do Povo de Juiz de Fora

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É difícil estabelecer o custo médio de uma agência pois varia muito em função das parcerias estabelecidas. Pode-se afirmar, que, de um modo geral, as agências regionais são menos superavitárias do que a agência matriz, o que pode ser parcialmente compreendido pela relação entre população e número de agentes, levando-se em conta que Juiz de Fora tem pelo menos sete vezes mais habitantes do que a segunda maior cidade atendida pela instituição. Evidentemente vários outros fatores influem nisto, como a solidez da instituição no mercado de Juiz de Fora, o maior controle da matriz sobre os agentes que lá trabalham e a maior experiência destes próprios agentes. Deve-se ainda considerar que as agências possuem um maior custo de transporte, visto que o processo de decisão do crédito demanda que os agentes se desloquem para Juiz de Fora uma a duas vezes por mês. Na área de atuação do Banco do Povo existem inúmeros agentes financeiros, tais como bancos tradicionais públicos e privados, cooperativas de crédito, uma Sociedade de Crédito ao Microempreendedor – SCM e até mesmo as agências de desenvolvimento regional, capitaneadas pelo SEBRAE, que emprestam recursos oriundos do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais – BDMG. Ao que parece, no entanto, estas instituições não oferecem uma concorrência direta ao Banco do Povo por um simples motivo: elas pouco se relacionam com o setor informal da economia. O fato dos bancos tradicionais não financiarem informais já é conhecido de longa data. As outras fontes citadas também pouco fazem pelos empreendedores sem registro. As cooperativas, por exemplo, só atendem aos formalizados e cooperados. A linha do BDMG se destina às pequenas empresas e a SCM local vem atuando mais efetivamente junto à economia formal. Há, assim, um amplo nicho para o Banco do Povo pois, embora não exista nenhum estudo oficial sobre o assunto, é visível o elevado número de empreendimentos informais na Região da Zona da Mata Mineira.

GO - Gestão Operacional O modelo de gestão operacional adotado foi desenvolvido nos primeiros anos de operação da instituição, embora seja constantemente atua126

lizado de acordo com surgimento de novas demandas e desafios. O modelo inicial teve bastante influência do BNDES em sua concepção, passando por ajustes que se fizeram necessários ao longo dos primeiros anos de atuação. O estabelecimento das rotinas se consolidou gradualmente, permitindo que certos processos fossem introduzidos, enquanto outros, que se mostraram inadequados, eram reformulados ou mesmo abandonados. A utilização de mecanismos de controle da carteira e eficiência dos agentes, auditorias esporádicas e um software adequado ajudam a garantir que a gestão operacional seja realizada de forma a apontar as deficiências da instituição e buscar corrigi-las. A estratégia de eficiência operacional se baseia na redução de custos, no controle da inadimplência, no giro permanente da carteira e na possibilidade de ofertar outros produtos mais rentáveis, como o desconto de cheques. Busca-se avaliar o desempenho da instituição por critérios de produtividade, como o volume da carteira ativa, a renovação, a inadimplência, a entrada clientes novos e o número de clientes ativos. A inadimplência possui uma função especial, atuando como uma espécie de “alerta”, que quando soa, a instituição inteira se mobiliza para reduzi-la. O gerenciamento da carteira é realizado através do Software Sistema de Controle Financeiro - SCF1, desenvolvido pelo próprio gerente em uma atividade paralela à do Banco. Evidentemente que o fato do sistema ser criado, monitorado e atualizado por uma pessoa oriunda do setor microfinanceiro e profunda conhecedora da dinâmica do Banco se torna uma grande vantagem. Os ajustes demandados são prontamente atendidos, além de ser facilitada também a inserção de funções complementares (como os mecanismos do software para gerenciar um novo produto, por exemplo) de forma compatível com a estrutura informacional já existente. A realização de auditorias também é importante para a instituição que, mesmo sem ser obrigada por lei a realizar tal processo, já efetua tais avaliações desde a sua fundação. As contas contábeis são padronizadas pelo código nacional dos contadores e são auditadas por uma empresa externa que analisa as finanças do Banco do Povo de forma semelhante à dos bancos tradicionais. Este processo é realizado não somente por 127

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interesse do Banco do Povo como também por exigência do BNDES, principal financiador da instituição. Este banco de desenvolvimento federal exigiu também uma auditoria de processos, a qual poucas mudanças sugeriu, visto que o próprio BNDES, conforme já foi dito, teve grande participação na elaboração do padrão operacional do Banco do Povo de Juiz de Fora. A política de provisionamento de risco adotada está inteiramente baseada no modelo proposto pelo Banco Central na Circular 2.682, que classifica os tomadores em grupos identificados por letras de acordo com o respectivo perfil de pagamento. Este modelo não é adotado em função da legislação vigente e sim por ser considerado eficiente pela instituição. O padrão de provisionamento proposto pelo Banco Central foi plenamente incorporado à dinâmica operacional da instituição, a ponto dos próprios agentes e gerentes, ao debaterem no comitê de crédito e em suas conversas internas, utilizarem a terminologia sugerida na Circular. A estratégia de cobrança também sofreu uma significativa mudança nos últimos anos. Foi instituída a figura do recuperador, o que não exime de forma alguma o agente de efetuar cobranças, apenas cria uma alternativa de suporte quando este considerar que suas possibilidades de cobrar encontram-se esgotadas. Tal medida teve como objetivo desonerar os agentes, que tinham na cobrança a função mais desgastante e penosa de seu trabalho. Os resultados da incorporação desta nova figura ao quadro operacional da instituição têm sido bastante positivos, obtendo-se melhor desempenho na recuperação, reduzindo a inadimplência de longo prazo e liberando os agentes para executarem melhor suas demais funções. A criação da figura do recuperador não mudou, no entanto, a diretriz básica da instituição de buscar sempre negociar as dívidas, sobretudo quando se percebe que há uma real intenção, por parte do tomador inadimplente, de saldar suas dívidas. Os casos em que o processo de recuperação termina na justiça são raros embora esta alternativa nunca seja descartada. Um certo rigor na recuperação do crédito, e se for o caso dos bens alienados em garantia, se faz necessário para preservar o nome da instituição junto ao mercado e a seu público. Uma maior facilidade da recuperação pela via judicial não é vista com bons olhos pelo Banco do Povo. Acredita-se que ao se tornar mais 128

fácil a recuperação cria-se uma tendência a uma menor preocupação com o processo de análise de crédito. O Banco do Povo prefere, evidentemente, dimensionar bem o crédito do que tomar os bens e os recursos escassos dos empreendedores a quem atende. Deste modo, quanto mais difícil for a recuperação mais devem ser aprimorados os mecanismos dos agentes de crédito para dimensionar os empréstimos e, assim, evitar a inadimplência. Os agentes do Banco do Povo são treinados para ser na verdade, gerentes de carteira, capazes de analisar sua própria atuação e corrigir eventuais problemas que venham a aparecer. A instituição, porém, não deixa de monitorar estes agentes, fazendo-o sobretudo através de gráficos de despesa e receita operacional, visando garantir a preservação de sua sustentabilidade. Estes gráficos são mostrados, inclusive, aos próprios agentes para que estes consigam avaliar melhor o impacto da sua própria atuação. A estrutura de recursos humanos conta com 19 funcionários, sendo 13 agentes de crédito, dos quais um realiza as funções de recuperador e de coordenador dos demais. Dos outros seis funcionários existentes um é estagiário, três trabalham como auxiliares administrativos, um é gerente de área e um é o gerente geral da instituição. Há ainda os integrantes do conselho que atuam como diretores externos, sem vínculos de trabalho ou remuneração. A criação de um plano de cargos e salários consiste provavelmente no principal marco da política de recursos humanos do Banco do Povo. O plano, criado com o auxílio de uma firma de consultoria, possibilitou aos funcionários vislumbrarem um futuro dentro da instituição, pois prevê a existência de quatro níveis de agente de crédito e de funcionários administrativos, com crescente remuneração, que podem ser galgados através dos “anos de casa” e da inserção dos funcionários no ensino superior. O regime de produtividade adotado permite a premiação de funcionários agentes e funcionários administrativos de uma forma que prioriza o ganho coletivo, ainda que deixando margem para que se busque o desempenho pessoal. As metas de produtividade a serem atingidas são definidas coletivamente, existindo no resultado final de cada agente um 129

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peso de 70% para as metas institucionais e 30% para as metas individuais. No caso dos administrativos os 30% individuais são calculados a partir da média dos agentes. A análise do cumprimento das metas e a possível liberação de até mais um salário como prêmio por produtividade são realizadas de seis em seis meses, permitindo assim que um funcionário da instituição tire até 15 salários em um ano (os doze referentes aos meses de trabalho mais o décimo terceiro e, no máximo, mais dois por produtividade). Esta produtividade é calculada em cima de cinco itens, definidos a partir das metas de sustentabilidade e da missão da instituição: • Número de créditos concedidos • Volume da carteira • Renovações • Novos clientes • Inadimplência Estes itens possuem pesos diferentes na composição da variável de produtividade de acordo com as prioridades estipuladas pela instituição. Estes critérios contemplam simultaneamente tanto aspectos de caráter mais desenvolvimentista, como o número de empréstimos realizados, quanto fatores mais pertinentes à sustentabilidade financeira da instituição como o volume total da carteira do agente. Nas entrevistas realizadas com agentes e funcionários o sistema de variável adotado e o plano de carreira criado foram sempre citados como um fator altamente estimulante, o que talvez explique a relativamente baixa rotatividade de funcionários: nos cinco anos de funcionamento apenas cinco agentes de crédito deixaram a instituição. Tais mecanismos parecem ser fundamentais para reduzir a contraditória questão da remuneração do agente de crédito, que permeia todas as instituições que integram o setor das microfinanças. O fato é que, de um modo geral, se exige deste profissional sensibilidade, espírito empreendedor, firmeza e habilidade em lidar com o público e, em troca, são oferecidos salários relativamente reduzidos. Estas questões parecem ser menos controversas nas pequenas cidades atendidas pelo Banco do Povo, 130

nas quais, pelo fato de possuírem um custo de vida expressivamente menor, os salários ofertados aos agentes de crédito são quase equivalentes aos de um gerente de agência bancária local.

ME - Metodologia Creditícia A metodologia de crédito adotada pelo Banco do Povo não difere muito da utilizada pela maioria das instituições brasileiras de microcrédito. Isto talvez se explique pelo fato da metodologia inicial ter sido elaborada pelo padrão do BNDES. O diferencial do Banco do Povo em relação às demais instituições parece estar na variedade de produtos vinculados a esta metodologia, nos mecanismos de estímulo e controle dos agentes. O processo de análise do crédito adotado pelo Banco do Povo de Juiz de Fora foi constituído basicamente em cima da metodologia proposta pelos cursos do Programa de Crédito Produtivo Popular. A pesquisa padrão proposta é, se aplicada na integra, muito longa, sendo freqüentemente ajustada ao ser realizada pelos agentes. A linguagem também costuma sofrer adequações, uma vez que não se espera que a maior parte dos empreendedores entrevistados dominem terminologia técnica. Os agentes não abdicam, no entanto, de efetuar as questões de ordem pessoal, pois são poucos os clientes que separam as finanças do empreendimento das contas pessoais. A principal garantia utilizada nas operações é a figura do avalista, que em alguns casos possui uma função mais subjetiva do que propriamente de cobertura financeira para o montante emprestado. Buscam-se avalistas que possuam relações de parentesco com o cliente, visto que tais vínculos geram um compromisso mais sólido em evitar a inadimplência e a possível negativação do parente no Sistema de Proteção ao Crédito – SPC. A utilização da alienação fiduciária é freqüente, e também possui uma dimensão muitas vezes subjetiva. Ainda que o bem alienado não cubra financeiramente a operação, ele muitas vezes é vital para o empreendimento, o que leva o cliente a se compromissar de forma mais sólida com o pagamento do empréstimo tomado para evitar a perda do bem e a possível inviabilização de sua atividade. 131

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O Banco do Povo chegou a tentar trabalhar com aval solidário, tecnologia de crédito consagrada pela experiência do Graamen Bank em Bangladesh. Este recurso, no entanto, não se mostrou adequado para a realidade cultural local, segundo a avaliação da gerência da instituição. Os reduzidos vínculos de solidariedade e compromisso com o próximo existentes nas grandes e médias cidades certamente influenciam para que esta modalidade de garantia seja pouco eficiente em muitas localidades do País. Os agentes de crédito de Juiz de Fora possuem uma área de atuação específica, delineada através dos trajetos dos ônibus urbanos. Há um rodízio periódico de agentes por área, o que visa evitar que estes funcionários tornem-se excessivamente “apegados” à clientela que atendem, além de permitir que as áreas mais produtivas não fiquem permanentemente sob responsabilidade dos mesmos agentes. Cada agente de crédito possui uma clientela média de 210 a 220 clientes em sua carteira, a qual gerencia tendo como diretrizes os mesmos cinco itens do cálculo da produtividade: inadimplência, número de créditos concedidos, número de créditos renovados, volume da carteira e novos clientes. A função da coordenação dos agentes parece ser importante para garantir que estes se planejem e tenham a quem reportar as dificuldades que enfrentam no exercício da função. O fato do coordenador ser um agente ou um ex-agente facilita este diálogo ao mesmo tempo que lhe permite realizar demandas aos agentes a partir de sua própria experiência. O monitoramento mensal do desempenho dos agentes, realizado pelo coordenador, também é fundamental pois permite que se diagnostique certas questões antes delas tomarem uma dimensão capaz de comprometer os resultados da instituição. O perfil desejado do agente do Banco do Povo exige que ele possua ao menos o segundo grau (atual ensino médio) completo e se estimula que o funcionário busque ao longo do tempo o nível superior. Trabalhar diretamente com pessoas com nível universitário como agente não é muito interessante para a instituição pois pessoas com este perfil tendem a ter o trabalho de agente apenas como algo temporário, além de muitas vezes não saberem se relacionar com a clientela pertencente às classes populares. A sensibilidade e a capacidade de se relacionar com as pessoas tal132

vez sejam as principais qualidades para um agente de crédito do Banco do Povo, visto que, para a coordenação de agentes da instituição, a capacidade de lidar com os clientes e com todo o ambiente que os cerca é fundamental para se obter as informações necessárias para uma boa análise de crédito. O processo de decisão do crédito é feito em um comitê do qual participam a gerência e os demais agentes. A solicitação é apresentada pelo agente demandado que expõe sua avaliação da proposta do cliente. Os demais participantes inquirem o agente sobre aspectos que consideram importantes. É preenchida uma planilha que possui critérios definidos de avaliação, sendo em seguida computados os pareceres dos presentes, que resultam na definição. O crédito pode ser aceito no valor solicitado, aceito em um valor menor ou mesmo negado. Neste sistema, a capacidade do agente de crédito responsável de convencer os demais acerca da viabilidade do empreendimento, das habilidades do empreendedor e da própria necessidade do crédito será fundamental para garantir a contratação da operação. O sistema da planilha foi adotado visando minimizar os conflitos que se configuravam no processo de decisão do comitê, no qual muitas vezes, os agentes mais eloqüentes e aguerridos conseguiam obter mais créditos do que os demais. Para acabar com este tipo de distorção de análise, a gerência criou esta planilha que determina critérios precisos para a avaliação do crédito sugerido pelo agente expositor. Tal procedimento foi eficiente para reduzir a animosidade que a metodologia inicial eventualmente suscitava. Mesmo com a introdução deste sistema a opinião do agente ainda é o principal fator de decisão de crédito, sobretudo nos casos de renovação. Já nas avaliações de créditos para novos clientes a posição da gerência costuma ter um peso menos equivalente ao do agente de crédito.

Conclusão A experiência do Banco do Povo é bastante rica e permite que se tire algumas conclusões que, possivelmente, podem ser generalizadas para 133

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outras IOMs. Estas conclusões foram calcadas nos dois recortes privilegiados por esta análise: o jurídico-institucional e o territorial, buscandose, evidentemente, como estas dimensões interagem com a lógica operacional da instituição. Do ponto de vista da natureza institucional, o Banco do Povo lida com um dilema comum a todas as iniciativas em microcrédito sem fins lucrativos nem subsídios: como conciliar ação social e sustentabilidade financeira? O caminho encontrado pela instituição mineira não poderia de modo algum abdicar de nenhum dos dois princípios, pois ela necessitava ao mesmo tempo executar sua missão, adquirir um grau maior de autonomia em relação ao poder e viabilizar economicamente sua expansão. A construção de uma trajetória que permitisse isto, demandou uma gestão estratégica em etapas. Num primeiro momento solidificou a dimensão operacional para, posteriormente, privilegiar o banco enquanto ator de transformação social e econômica. Este procedimento se mostra bastante interessante em um contexto de transição, no qual as OSCIPs buscam formas de se transformar ou ao menos participar de SCMs, como se iniciativas de microcrédito sem finalidade lucrativa estivessem fadadas ao fracasso. A experiência do Banco do Povo comprova que sequer a titulação de OSCIP é necessária para se garantir a eficiência operacional, quanto mais a conversão para um formato de princípios e finalidades diversas. Muito pelo contrário, o fato da instituição não ter fins lucrativos serviu para otimizar sua atuação, uma vez que possibilitou parcerias junto a prefeituras e bancos públicos que dificilmente teriam sido firmadas com uma empresa. A dimensão territorial da instituição também encaminha para a questão da expansão regional. Os custos operacionais dificultam que se leve o microcrédito às localidades de pequeno porte. Como quase qualquer serviço, o microcrédito parece ser uma atividade não rentável em todos os lugares ou para qualquer tipo de público. Sem parcerias e sem uma ação efetiva do poder público dificilmente o microcrédito terá como cumprir plenamente sua função de inclusão em certos setores sociais e em certas localidades mais afastadas no país. Por mais que possuam um compromisso social, ONGs e OSCIPs enfrentam dificuldades em expandir sua atuação apenas por conta própria. Sem as parcerias às quais teve 134

acesso, com o setores governamentais em âmbito municipal, estadual e federal, dificilmente o Banco do Povo poderia ter realizado sua expansão de área, público e serviços. O sucesso da experiência parece ser explicado por uma combinação de eficiência operacional e possibilidades de parceria. Sucesso este que se mostrou plenamente factível em uma instituição sem finalidade lucrativa.

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Credencial

Antecedentes e históricos A Credencial possui uma origem semelhante à da maioria das SCMs: foi criada a partir de uma factoring, por pessoas com experiência e trajetória vinculadas ao mercado financeiro. O sócio majoritário da instituição de microcrédito Credencial primeiramente possuía, em 1996, a factoring denominada Emac. A partir de informações obtidas acerca das experiências de microcrédito e da criação da figura Sociedade de Crédito ao Microempreendedor – SCMs, pela Medida Provisória 1.894-19, de 29 de junho de 1999, os sócios da EMAC decidiram apostar nesta nova possibilidade de negócio. Esta decisão foi baseada em uma promissora perspectiva, na qual vislumbrava-se a existência de um amplo mercado e de apoio governamental para as instituições que decidissem atuar no setor de microfinanças através do formato de SCM. Este estudo de caso trata-se, portanto, da análise de um dos caso pioneiros na construção da perspectiva lucrativa do microcrédito brasileiro, expondo as expectativas iniciais, as frustrações subseqüentes e a busca por novos caminhos. A experiência da Credencial é ainda, uma importante fonte de informações para subsidiar a construção de novas políticas públicas para o Setor das Microfinanças, uma vez que permite a identificação dos pontos fortes e das vulnerabilidades dos programas governamentais de fomento às Instituições Operadoras de Microcrédito – IOMs. 137

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DI - Desenvolvimento Institucional Segundo a avaliação do diretor da SCM, o setor financeiro está se concentrando e buscando cada vez mais lucros altos, e o resultado disto é uma redução do atendimento ao microempreendedor. A missão da instituição é justamente atender aos microempreendedores que, muitas vezes, encontram-se marginalizados pelas instituições financeiras tradicionais. Neste sentido, o entendimento do dirigente é que sua instituição tem uma atuação de cunho social. A prioridade da SCM Credencial é fornecer microcrédito nos municípios fluminenses de Niterói, São Gonçalo e no entorno destes1 , com perspectivas de, posteriormente, atuar também na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, visando nesta região ampliar seus serviços, ofertando também crédito rural. A Credencial vem encontrando algumas limitações operacionais no que tange à sua natureza jurídica. De acordo com a legislação, para implantar uma Sociedade de Crédito ao Microempreendedor é necessário um capital mínimo de R$100.000. No entanto, com este capital podese criar uma instituição, mas não fazê-la crescer. A Credencial, que possui recursos que estão um pouco acima deste limite mínimo2 , está com dificuldade de atender sua demanda, pois para isto precisaria ter uma maior alavancagem de recursos. Segundo a diretoria da empresa, mantida esta tendência de alavancagem reduzida, só SCMs constituídas a partir de grupos fortes deverão permanecer no mercado. Neste contexto de ausência de possibilidades de captação de recursos, tornam-se inadequados e excessivamente baixos os valores mínimos de capital realizado e patrimônio líquido exigidos pelo Banco Central, pois uma Sociedade

1 De acordo com Censo Demográfico do IBGE de 2.000, residem em Niterói 459.451 pessoas, enquanto São Gonçalo tem 891.119 habitantes. Somando-se a estes números a população dos demais municípios limítrofes (Itaboraí e Maricá) chega-se a um total de 1.614.786 habitantes na região. 2 O limite mínimo de capital realizado e patrimônio líquido determinado pelo Bacen é de 100.000 reais, sendo que a Credencial possui 250.000 reais.

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de Crédito ao Microempreendedor que se situe nesta faixa mínima encontra-se, praticamente, inviabilizada. Para a diretoria da empresa, na regulação das SCMs, o Banco Central faz expressivas exigências burocráticas. A SCM é um pequeno banco, pelas informações que tem que prestar junto ao BACEN, e está sujeita a penalidades se isto não for feito no prazo determinado. Conseqüentemente, tais procedimentos elevam em muito o custo operacional. Por outro lado, entende-se que o mercado financeiro tem que ser muito bem acompanhado, pois é muito vulnerável. No entanto, o Banco Central não exige que a instituição passe por um processo de auditoria externa. Quanto à dificuldade de captação de recursos, a Credencial considera que a resolução 28743 ampliou o leque de possibilidades, visto que a resolução 2627, de 02 de agosto de 1999, era muito inflexível e com ela a Credencial não podia captar recursos sequer de outros bancos. Operar microcrédito com repasse de bancos comerciais, no entanto, é muito difícil, porque o custo de se tomar empréstimos junto a estes bancos é muito alto devido à absorção do risco, sem ter praticamente “spread”, não viabilizando assim a operação microfinanceira. Deste modo, enquanto não surgirem linhas específicas para o microcrédito, não compensa para as SCMs utilizar esta fonte de recursos4 . Estas limitações prejudicam o cumprimento da missão pois a empresa não possui volume de recursos suficientes para atender plenamente ao seu público-alvo. Visando superar este problema, a Credencial contatou o BNDES e aguardava, na data desta pesquisa, uma posição desta instituição federal. No entanto, o processo de mudança pelo qual o BNDES passava, na época da entrevista realizada, tornava lento o processo de

3 A resolução 2874, de 26/07/2001, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, permite que as entidades de microcrédito se transformem ou participem como sócias majoritárias de uma SCM. Essas sociedades poderão captar investimentos externos e internos. 4 Foi aprovado pelo CMN que SCMs podem ter capital estrangeiro (ainda sem normatização do BACEN).

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liberação de recursos5. A SCM fez uma solicitação de recursos para expandir o seu fundo de crédito, e depois de efetuá-la, buscará recursos para seu desenvolvimento institucional. No momento, a instituição opera unicamente com recursos próprios, tanto para funding quanto para desenvolvimento institucional. Embora existam outras possibilidades de captação de recurso para as SCMs, como dotações orçamentárias públicas, ONGs, fundações e agências internacionais, a Credencial pouco tentou obter recursos com estes atores, aguardando o BNDES. Tal espera é quase inviável para boa parte das SCMs, que não possuem “fôlego” para manter-se operando em condições tão adversas de capitalização. De acordo com a amostra desta pesquisa, o BNDES está atualmente financiando para fundo de crédito cerca de 62% das SCMs que se encontram em operação. Neste sentido, verificase que esta instituição de fomento exerce um papel de fundamental importância no setor de microcrédito. Tendo em vista a situação de dependência da Credencial vis-à-vis os organismos fornecedores de recursos, particularmente o BNDES, a instituição de microcrédito já fez uma proposta informal ao Banco Central para que as SCMs possam captar recursos de seus clientes até o limite de empréstimo. Isso geraria uma redução de custos, pois se os clientes dessem preferência à SCM para os depósitos: a) as parcelas dos empréstimos seriam debitadas na própria conta do cliente (e não mais via cobrança bancária); b) o cliente seria beneficiado com taxas de juros diferenciadas daqueles que não efetuam depósitos. A captação dos clientes seria uma alternativa para as SCMs, que não mais dependeriam de alavancagem de órgãos públicos. No que se refere às relações político-institucionais com atores do setor, a Credencial é associada à Associação Brasileira de SCMs – ABSCM, ainda que esta IOM acredite que a Associação poderia aprimorar sua

5 Segundo informação de assessora da Diretoria Social do BNDES, houve uma reestruturação no sentido de horizontalizar os processos no banco, o que exigiu uma adaptação do quadro ao novo formato, atrasando portanto a liberação de recursos.

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atuação. Para a Credencial, a ABSCM precisa focar em seu objetivo de prestar serviços aos associados, buscando entender melhor as necessidades das SCMs. Como exemplo disto a Associação poderia fazer pesquisa de novas resoluções do BACEN e prestar esta informação regularmente aos associados. A Credencial considera viável tuma parceria com a Prefeitura de Niterói, na qual os seus prestadores de serviços, fornecedores, e comerciantes de pequeno porte podem ser um foco para a atuação da instituição. Ela julga que é necessário ter parcerias com outras IOMs e o apoio do Sebrae e do BNDES para capacitar os agentes de crédito, já tendo, inclusive, encaminhado os futuros agentes de crédito para se preparem nos cursos do BNDES.

GE - Gestão Estratégica O modelo de estratégia da Credencial é compatível com o problema de insuficiência de recursos financeiros enfrentado pela instituição e é calcado nas dificuldades geradas pela impossibilidade de alavancagem em tempo hábil. A SCM estudada até o presente momento não fez publicidade, mas acredita que os melhores veículos são institucionais, como veículos de comunicação dos lojistas e dos sindicatos de autônomos da região atendida. Ela considera que uma página na internet não atingiria seu público-alvo, e pretende somente investir na divulgação de seus serviços e produtos quando obtiver os recursos do BNDES. Nota-se, assim, que um dos mecanismos fundamentais de gestão estratégica visando a expansão da instituição não é executado devido à ausência de recursos financeiros para atender a uma demanda maior. Os produtos atualmente ofertados pela Credencial são os seguintes: Financiamento para capital de giro de 500 a 10.000 reais. Financiamento para capital fixo de 500 a 10.000 reais. O valor médio do crédito vai de 3.000 a 3.500 reais. O valor mínimo do crédito, situado em 500 reais, não pode ser abaixado, pois empréstimos inferiores 141

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a este montante não conseguem sequer cobrir os seus custos operacionais, caracterizando-se assim como uma operação deficitária. Desconto de cheques é feito independente do valor do cheque6. Nesta operação o cliente é o próprio avalista. A credencial possui uma segunda via da nota, mostrando o que o indivíduo comprou com o cheque pré-datado, e uma nota promissória assinada pelo próprio cliente. Caso o cheque não seja pago, a SCM aciona a nota promissória. No entanto, a instituição não faz desconto de cheque do próprio cliente, pois considera muito arriscado. A taxa de juros é definida usando como referência aquela que o mercado pratica. No ano de 2002, a taxa de juros da Credencial foi levemente mais alta, atingindo 4,5% contra 4,3% em 2001. A alta da inadimplência em 2001, que passou de 3% em 2000 para 12% no ano seguinte, é uma das possíveis justificativas para o aumento do preço do microcrédito ofertado pela Credencial. A instituição conhece empresas com taxas de juros menores, porém com taxa de abertura de 4%, bem superior à da Credencial que encontra-se em 1%. Pelo fato do sócio da Credencial ter sido proprietário de uma factoring, foram ressaltadas ao longo da entrevista as principais diferenças entre o trabalho da factoring e o da SCM. A factoring não faz empréstimo, não financia capital fixo e de giro e não desconta cheque de próprios, somente de terceiros. A SCM funciona de modo complementar ao serviço prestado pelas factorings, ofertando produtos e serviços na área de empréstimo e financiamento, aos quais os microempreendedores não possuíam acesso. A Credencial considera que as informações sobre as SCMs poderiam ser mais difundidas, pois a sociedade ainda não acredita que as SCMs funcionem como um agente fomentador. A imprensa deveria dar a isso uma cobertura maior, não como matéria paga, mas pelo interesse social.

6 Há desde clientes que trocam cheques de 30 reais até aqueles que trocam cheques de 6.000 reais.

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O próprio BNDES só divulga as instituições assistidas por ele, serviço que deveria ser oferecido a todas as IOMs, como forma de estimular o crescimento do setor. A falta de recursos financeiros tem limitado em muito o público da instituição, deixando-a com um horizonte de clientes bastante reduzido. Os tomadores são basicamente micro e pequenos empreendimentos, sendo 92% destes formais. Em 2001, a Credencial tinha como clientes 23 pessoas jurídicas e 8 pessoas físicas. A instituição pretende atuar no setor informal, porém isto eleva os custos, o que recai novamente nos problemas de captação e disponibilidade de recursos. A Credencial ainda não desenvolveu nenhum sistema de avaliação da satisfação dos clientes, o que talvez seja justificável pelo fato destes serem pouco numerosos, o que viabiliza um atendimento mais personalizado. A instituição não realizou um estudo sobre o mercado local de microcrédito. A área de atuação foi escolhida graças ao conhecimento das regiões, adquirido pelo sócio da Credencial quando gerenciou agências bancárias em Niterói e São Gonçalo. Ele detectou que, em São Gonçalo, havia um mercado muito grande de pequenas costureiras autônomas que não dispunham de diversos serviços financeiros. Ele acha ainda que o mercado é promissor, pois há espaço para outras instituições de microcrédito atuarem. A SCM considera que tem perspectivas de expansão, e pretende abrir postos avançados na Região Serrana (sobretudo nos municípios de maior porte, como Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo) e em São Gonçalo. Deve ainda haver uma expansão nas áreas já consolidadas, incorporando-se um maior número de informais à carteira. Para tal, será imprescindível a alavancagem de recursos para contratar agentes de crédito que atuem neste setor. No momento, portanto, todo o processo de expansão e/ou crescimento encontra-se profundamente limitado pela ausência de recursos. Do ponto de vista da instituição, não existe um segmento de mercado que deve ser atendido somente por SCMs, pois todos os tipos de instituições podem atender aos diversos integrantes deste mercado. Porém seria complexo para a instituição atender aos informais nas favelas, sendo necessário que o agente de crédito faça parte da comunidade para conhecer melhor o perfil dos tomadores de crédito. A Credencial 143

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julga que o setor informal precisa de subsídios com taxas de juros diferenciadas, o que seria benéfico para o desenvolvimento deste setor. As SCMs, assim, poderiam ter taxas diferenciadas para atender os mais desfavorecidos. Levando em conta as relações de cooperação com outras IOMs, constata-se que a Credencial tem um bom contato com outras SCMs, como a Socialcred, a Foco (cujos membros estiveram na instituição antes de abrirem), a Aldrava e a Microcred (SP). Foram estabelecidos também contatos com ONGs e OSCIPs como o Ceape de Pernambuco e a Portosol em eventos promovidos pelo IBAM. A relação da Credencial com a Socialcred inclui o encaminhamento de clientes de uma para outra, quando estes não se encontram na área geográfica de atuação da instituição. A Credencial considera válida a troca de clientes entre instituições. A Socialcred fez muita publicidade, surgindo assim inúmeros clientes, alguns dos quais foram encaminhados para a Credencial pois residiam ou trabalhavam em áreas nas quais a Socialcred não atendia. A SCM estudada não tem parceria com o Sebrae, embora isto faça parte do projeto de ampliação da instituição, dependendo apenas da captação de recursos para buscar estabelecer contato com esta instituição do Sistema S. Caso haja impossibilidade de obtenção de recursos junto ao BNDES, a Credencial irá recorrer à Prefeitura, a novos sócios, e a outros caminhos de alavancagem. A Credencial possui parceria de informações com o clube de Dirigentes Lojistas de Niterói, e pretende utilizar a revista publicada por esta associação empresarial para fazer publicidade direcionada7 . Ela não participa do Fórum de Instituições de Microcrédito do Rio Janeiro, devido à indisponibilidade de funcionários para representar a instituição8 , mas recebeu a ata de criação e tem acompanhado esta instância de articulação.

7 Segundo informações prestadas, cerca de 3.000 microempresários recebem esta revista 8 A Credencial possui apenas três pessoas trabalhando: o sócio e mais dois.

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Quanto à atuação dos Bancos do Povo, a Credencial considera que as taxas de juros têm que ser tão baixas quanto possível, na medida em que é uma prática de cunho social, essencial num momento em que mesmo as pessoas preparadas não encontram emprego no mercado. A instituição considera que os objetivos de ONGs e SCMs são idênticos. A Credencial não acredita que uma ONG entre no mercado financeiro sem objetivo financeiro, mas pura e simplesmente pelo aspecto social. De acordo com a opinião da gerência, independente do objetivo das IOMs ser financeiro ou não, o fato relevante é que todas as instituições de formato jurídico diferente são importantes pois são capazes de convencer as instituições federais da necessidade de alavancar este segmento de microcrédito.

GO - Gestão operacional O modelo de gestão operacional foi desenvolvido pelo sócio majoritário da instituição e foi influenciado basicamente por suas experiências passadas no mercado financeiro. Para o gerenciamento de informações, a Credencial possui o software Seek, desenvolvido por uma empresa de Niterói com orientação da Credencial, a partir da experiência de seu sócio com a factoring. O diretor da SCM considera que não há similar tão completo no Brasil. O software é bastante flexível e, quando há necessidade, são feitos ajustes e modificações no Seek. Neste sentido, as transmissões de dados ao Banco Central ocorrem sem nenhum problema. A partir de janeiro 2003, como há novas informações a serem implantadas no software, este deverá passar por um processo de aperfeiçoamento. O problema relevante do Seek é não ter acesso à Central de Risco do BACEN – SISBACEN ao contrário dos grandes bancos. Sendo assim, a Credencial não é beneficiada pelas informações desta base de dados9.

9 A instituição paga R$ 159 mensais ao Sisbacen, porém não tem como adquirir as informações

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Quanto aos indicadores de saúde financeira da carteira e da instituição, o mais importante é a taxa de inadimplência, pois, como a SCM possui um capital limitado, qualquer perda de giro é complicada para a empresa, pois reduz sua capacidade de efetuar novos empréstimos. A Credencial faz avaliação de análise de risco a partir de cadastro próprio, com CPF, ID, endereço, e consulta órgãos como o SERASA10, SPC e a Associação dos Lojistas de Niterói. No entanto, a SCM atende clientes conhecidos que estejam com restrições cadastrais, como forma de oferecer uma oportunidade a estes. Pelo fato da Credencial ser uma SCM, a política de provisionamento de risco adotada segue na íntegra as orientações emanadas pela resolução nº 2682 de 21/12/1999 e pela carta-circular nº 2899 de 01/03/2000, editadas pelo Banco Central do Brasil. Este modelo de provisionamento de risco classifica os tomadores de crédito por letras que identificam o tempo em que o empréstimo está em atraso. O processo de cobrança da Credencial está baseado primeiramente em métodos amigáveis. Após o esgotamento destes, ela encaminha os seus clientes à justiça. A instituição considera que o grande problema da justiça é a sua morosidade, o que eleva inclusive o custo do crédito, penalizando os próprios microempreendedores. A estrutura organizacional da instituição é pequena, formada por apenas três pessoas: o sócio, que atua como gerente, e mais dois funcionários que realizam funções operacionais e administrativas. No momento a instituição não possui uma política de recursos humanos. Constatase também que as dificuldades pelas quais a empresa vem passando, exigem que ela possua um quadro absolutamente enxuto, no qual não existe a tradicional figura do agente de crédito.

10 A Credencial tem convênio com o SERASA, mas não pode registrar seus devedores no cadastro, pois o SERASA declarou não saber se as SCMs eram idôneas.

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ME - Metodologia Creditícia A metodologia de crédito utilizada pela Credencial difere enormemente da maioria das instituições de microcrédito, pelo fato de não possuir agente de crédito. Os agentes de crédito, tradicionalmente, executam inúmeras funções na atividade do microcrédito. Uma delas é divulgar a instituição na área geográfica em que atua, difundindo o nome da empresa junto ao seu público alvo e conquistando, assim, futuros tomadores de crédito para a expansão da carteira. No entanto, como a Credencial não possui agentes de crédito, são os clientes que devem se dirigir até a instituição para adquirir empréstimos. A maioria dos clientes da Credencial são microempresas, que conheceram o programa de microcrédito por intermédio pessoal do sócio da Credencial, que trabalhou no mercado financeiro em conjunto com essas empresas. A Credencial não contratou agentes de crédito por falta de um volume de operações que viabilizasse isto. Tal dinâmica operacional jamais poderá ser alcançada com o montante atual disponível para funding, estando assim condicionado o trabalho tradicional do microcrédito, em uma SCM, à existência de um aporte de recursos que não se encontrava disponível até o momento desta pesquisa. Cria-se, desta forma, uma situação contraditória, na qual a única maneira desta SCM conseguir ofertar microcrédito é desprezando o modelo tradicional baseado no agente. Tal contradição provavelmente só poderá ser resolvida a partir de uma definição mais clara da atuação dos agentes públicos no chamado segundo piso. A Credencial, no entanto, demonstra ter todo o interesse em seguir a metodologia tradicional, tendo definido, inclusive, o perfil adequado para seus agentes de crédito. Eles deverão ter nível médio completo de escolaridade, prática no mercado financeiro e também conhecimento da região atendida, para melhor localizar o seu público alvo. As principais formas de garantia adotadas pela instituição são o avalista e a alienação fiduciária. Ela ainda não utiliza o modelo de aval solidário, mas o considera viável se feito por grupos de empreendedores que trabalham na mesma atividade como, por exemplo, grupos de costureiras e artesanato de cerâmica. 147

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

Conclusão Diante desta morosidade na liberação de empréstimos do BNDES e de limitadas alternativas para captação, a Credencial foi severamente penalizada. A instituição não conseguiu atender a uma demanda crescente, não tendo, assim, possibilidades de ampliar sua carteira de clientes. Sendo assim, embora disponha de um vasto mercado potencial nas proximidades de Niterói, esta IOM não alcançou um crescimento, que poderia ter sido atingido, pelo simples fato de não dispor dos recursos financeiros necessários para funding, com os quais a instituição contava desde seu planejamento inicial. É interessante também perceber que este processo de descapitalização resulta ainda em uma distorção dos objetivos do microcrédito uma vez que inviabiliza o atendimento via agente de crédito. A ausência de agentes, por sua vez, torna impossível o atendimento aos informais e aos realmente pequenos, por não haver possibilidade de monitorar os empreendimentos e conseqüentemente controlar o risco. Assim, o microcrédito se desvirtua pois torna-se inacessível para aqueles que mais precisam dele. Neste estudo de caso realizado pelo IBAM, constatou-se, assim, que a Credencial, e provavelmente outras SCMs, foram criadas com a perspectiva de obter recursos financeiros oriundos do BNDES, o que de fato não aconteceu em muitos casos. Tal fato deixou a operadora de microcrédito limitada em suas ações de expansão numérica e qualitativa. Um modelo baseado em ações lucrativas, sem que sejam ofertadas as devidas condições de financiamento a estas empresas, consiste, portanto, em algo aparentemente insustentável e que, em última análise, tende a penalizar os próprios tomadores de microcrédito.

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Vivacred

O Vivacred é uma instituição de microcrédito, dententora do título de OSCIP - foi a primeira ONG de microcrédito a obter o título de OSCIP, em dezembro de 1999 -, que opera na cidade do Rio de Janeiro desde 1996 e tem hoje quatro agências, sendo três delas em favelas, e uma (situada no bairro de Laranjeiras, Zona Sul do Rio de Janeiro) no “asfalto”, mas ainda com o objetivo de unir o atendimento a várias comunidades da Zona Sul.

Um pouco de história A ONG Vivacred foi criada sob a liderança do movimento Viva Rio. Este, por sua vez, se iniciou como um movimento organizado da sociedade civil após a chacina da Candelária, como uma reação a esta, e posteriormente tornou-se uma ONG com foco no combate à exclusão. A seleção da favela da Rocinha como local de abertura da primeira agência foi feita pelo conselho do Viva Rio por causa do mercado visível (o tamanho e a complexidade da comunidade), mas também pela repercussão, visto que um dos objetivos da criação da instituição era mostrar que a favela não tinha só droga e violência, mas também uma imensa comunidade de trabalhadores e comerciantes. O Vivacred foi fundado em outubro de 1996, na forma de uma associação civil sem fins lucrativos e contou, em seu início, com o apoio 149

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do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), com a parceria da financeira Fininvest, que, entre outras ações, aportou recursos para funding, e assistência técnica da IPC (Internationale Projekt Consult), instituição alemã com larga experiência em microcrédito, para as funções de treinamento dos agentes e apoio à montagem da primeira agência. Por fim, o Vivacred, através de convênio firmado com o BNDES-Solidário, tornou-se mandatário desta instituição para o repasse de um determinado volume de recursos na forma de crédito produtivo. Hoje, o Vivacred tem quatro agências no Rio de Janeiro, e pode-se dizer pioneiro na exploração do mercado de microcrédito, tendo incentivado o desenvolvimento deste no município do Rio de Janeiro.

DI - Desenvolvimento Institucional Missão e metas A direção do Vivacred considera que sua principal missão é a integração social, sendo o microcrédito o veículo utilizado para tal. Foi inclusive decidido – pelo conselho do Viva Rio, no momento de criação da instituição – que as agências do Vivacred se situariam em favelas como forma de combater a “cidade partida” do Rio de Janeiro, onde o “asfalto” não se mistura com o “morro”. O essencial da missão da instituição é, portanto, o crédito entendido como instrumento para o desenvolvimento econômico e integração social da região favelada. Por isso, o crédito não é restrito à favela, mas os microempresários “do asfalto” têm que entrar no ambiente das comunidades de baixa renda para recebê-lo, medida esta que busca a integração. Somente uma agência das quatro existentes não se situa na favela: a da Zona Sul, localizada em Laranjeiras, que possui a função de centralizar o atendimento a várias comunidades. Público-alvo A operação do Vivacred começou pelo atendimento às pessoas pertencentes às comunidades de baixa renda, mas nunca foi vetado o atendimento a pessoas de fora da comunidade, visto que um ponto importante na 150

missão da instituição é justamente combater o estigma de favela, entendido pelos dirigentes da associação como um estigma que não se restringe ao econômico, mas também tem muito de social. A opinião da gerência da instituição é de que foram muito bem-sucedidos nesse intento. Segundo a instituição, seu foco são os “ambulantes e negócios de fundo de quintal”. A faixa de atendimento compreende quem começa com até R$3.000. Além disso, negócios nos quais o dono não está presente não são o foco, que tem por trás a idéia do crescimento do microempreendedor. As pequena empresas são consideradas estruturadas demais para o Vivacred. Segundo estimativa do superintendente da instituição, 90% do seu público é informal. Marco legal e missão No sentido do cumprimento da missão, existe, para a direção do Vivacred, uma importância da instituição ser uma ONG no que se refere à criação de uma relação privilegiada com a comunidade. O ponto de vista da instituição é que uma ONG, de prática social, tem uma diferença na forma de entrar num espaço de favela que não é aberto, e o foco na prática social pode ter um impacto na relação com os clientes. No entanto, a própria direção da instituição reconhece que a diferença entre a forma de trabalho do Vivacred e a de uma instituição com fins lucrativos não fica necessariamente transparente para os clientes. Limitações do marco legal Um aspecto apontado como limitação do marco legal, que não é específico do microcrédito e no entanto o afeta de forma significativa, é a questão do monopólio da modalidade de crédito representada pelo penhor, detido pela Caixa Econômica Federal. Tal exclusividade impede que este serviço seja ofertado pelas IOMs, inviabilizando assim uma possibilidade de empréstimo garantido que seria bastante, para estas instituições. Também não é permitida alienação fiduciária às ONGS e OSCIPs, o que impede que se recuperem os equipamentos comprados com crédito caso haja inadimplência. O Vivacred sabe que há outras ONGs que 151

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL

estão questionando o fato de não poder captar poupança, mas considera que, por enquanto, isto não é problema para a instituição. Na área de remuneração, o marco legal das OSCIPs impede que seja distribuída participação nos resultados (ao contrário das SCM), o que coloca um obstáculo na remuneração do pessoal administrativo (que não tem variável), e institui uma diferença de categoria entre os funcionários da instituição potencialmente nociva. Na visão do Vivacred, existe um problema do marco legal do crédito mesmo, que é o da limitação dos juros na Constituição (1% por lei): “o pessoal entra na justiça e pode ganhar”. A proteção ao consumidor também pode elevar o “spread”, criando um círculo vicioso: porque o “spread” é alto no Brasil? Porque a inadimplência é alta. E porque a inadimplência é alta? Talvez porque haja uma proteção excessiva ao devedor, que acaba causando uma elevação dos custos. O maior problema, amplo, do marco legal, no entanto, refere-se à justiça local, que não entra na favela. O problema de segurança é identificado como o principal, pois afeta a dinâmica dos negócios, criando uma irregularidade na economia local. A justiça para entrar também é uma complicação. Segundo os dirigentes, porém, cada vez mais é real a presença do Estado nas comunidades, sendo a Maré um excelente exemplo disto. Constata-se que a Maré, hoje em dia, é muito melhor do que era há anos atrás, com uma presença pública bem maior – e apesar disso, permanece um espaço muito violento. A violência obriga à paralisação do comércio, e eleva a inadimplência potencial, reduzindo de fato o número real de dias úteis de cada mês. Assim, foi possível perceber que, para a instituição, o marco legal específico (regulamentação relativa às OSCIPs) não se constitui num limitador importante para o seu desenvolvimento, pelo menos até o momento, sendo o marco legal do próprio crédito no Brasil, visto como um limite mais significativo, bem como a ausência de lei que implica a opção feita pelo trabalho no interior das favelas. A aquisição do título de OSCIP foi, no entender da direção do Vivacred, extremamente fácil: foi feita pelo correio, a partir das informações recolhidas na página do Ministério da Justiça. 152

Em sua avaliação, a grande importância devida à aquisição do título de OSCIP foi a isenção da lei da usura. No início do Vivacred, operação do crédito feita através da Fininvest1 e do BNDES trazia um maior custo operacional. Depois da mudança para OSCIP, melhorou a tramitação operacional. Não foram necessárias grandes adaptações para o modelo institucional de OSCIP: o Vivacred já realizava auditorias contábeis, que constituem a grande mudança para muitas instituições. A auditoria externa é realizada, mas, apesar de poder ser exigida a qualquer momento, nunca o foi. Publicação dos balanços também já era prática habitual da instituição. O entrevistado apontou também que a instituição não era possuidora de títulos de utilidade pública2 . Os dirigentes também já não eram remunerados. A observação quanto à fiscalização das OSCIPS é de que até hoje não houve nenhuma cobrança por parte do Governo Federal. Ainda quanto às questões relativas aos processos de auditoria o Vivacred está, com apoio do Programa de Desenvolvimento Institucional do BNDES – PDI, se preparando para efetuar sua primeira auditoria operacional, nas quais serão avaliados os procedimentos de funcionamento da instituição. Espera-se que esta auditoria otimize os mecanismos de controle e de operação, identificando eventuais imprecisões e sugerindo melhorias para os processos de rotina da instituição. Tal auditoria, no entanto, não decorre da titulação de OSCIP e sim de um procedimento definido como importante pelo Vivacred e pelo BNDES, que desenvolve projetos semelhantes tanto em ONGs com título de OSCIP quanto em IOMs sem fins lucrativos que não dispõem desta titulação. De fato, apesar da grande importância atribuída pela instituição à aquisição do título de OSCIP, esta não parece ter modificado de forma significativa sua forma de atuar a partir daí. As maiores mudanças foram

1 O Vivacred operava originalmente como mandatária da Fininvest e do BNDES (para os recursos do BID). 2 A possibilidade da perda do título de utilidade pública foi um fator de hesitação para muitas ONGs no momento de buscar a titulação de OSCIP.

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a dispensa da intermediação da Fininvest na concessão do crédito, e a eliminação do limite apresentado pela lei da usura. Foi realizado um termo de parceria com a Prefeitura (com recursos da UE), o primeiro feito para a linha de novos negócios. A condição de OSCIP não foi definitiva no entanto para o estabelecimento da relação, como reconhece a própria instituição: como o foco do projeto era a Rocinha, onde já estava instalado o Vivacred, esta instituição foi escolhida, e a celebração de um termo de parceria foi decorrência do título de OSCIP do Vivacred. A busca imediata por este título, assim como os próprios procedimentos operacionais adotados pela instituição, indicam a existência de uma postura com uma conotação “legalista”, na qual evita-se ao máximo a utilização de procedimentos controversos do ponto de vista jurídico. A opção pela não utilização da alienação fiduciária e a ausência de um regime de produtividade para os administrativos, por entender este procedimento como contrário à Lei 9.790 de 23 de março de 1999, são exemplos desta postura tomada pelo Vivacred, que privilegia a opção pelo mais seguro nos casos controversos, mesmo que isto represente perda operacional para a instituição. Inserção político-institucional O Vivacred participa do Portal do Microcrédito - Teófilo Cavalcanti, superintendente, participa como pessoa física - e também do Fórum de Microcrédito do Rio de Janeiro. O Vivacred, por ser uma instituição com história, é freqüentemente convidado para apresentar os resultados de sua experiência em fóruns variados em todo o Brasil, bem como para a comunidade de doadores internacionais, o que lhe dá bastante mobilidade e visibilidade dentro do próprio setor. Captação de recursos e demanda Na visão da instituição, hoje não há problema de captação porque o BNDES fornece o crédito necessário. Para o Vivacred, em particular, a falta de recursos não se apresenta como uma questão, porque seu cres154

cimento se deu de forma lenta. Mas a instituição menciona o papel cumprido pelo BNDES de desacelerar o desenvolvimento das instituições apoiadas pelo banco que cresceram muito. Existe, pois, a percepção, por parte da instituição, de que o fato do BNDES ser virtualmente o único financiador de peso do setor, até o momento, pode surgir como um limitador na obtenção de recursos no futuro. O limitante agora, para o Vivacred, é a questão do baixo crescimento da demanda, o que coloca para os dirigentes da instituição uma indagação quanto à propriedade da presença de uma instituição do terceiro setor no fornecimento de microcrédito. Para o Vivacred, seria importante que fosse feito um estudo sobre o real espaço existente na economia brasileira para instituições de microcrédito, dada a sofisticação do nosso mercado financeiro. A análise feita hoje pela instituição é que a introdução do microcrédito no Brasil se deu a partir de um pressuposto de que as pessoas não tem acesso ao crédito. No entanto, o sistema financeiro brasileiro é bem desenvolvido – ao contrário de outros países da América Latina onde se observa forte presença do microcrédito, como a Colômbia e Bolívia. Além disso, existem várias formas de crédito cujo acesso é facultado ao público mais desestruturado: financeira, compra através de cheque pré-datado e crédito com o fornecedor, por exemplo. O verdadeiro espaço do microcrédito no Brasil deve ser melhor analisado, para que se tenha um melhor conhecimento da demanda efetiva por este produto, e do papel que as instituições de microcrédito têm a cumprir neste setor.

GE - Gestão Estratégica Planejamento estratégico e metas operacionais O Vivacred possui uma estrutura horizontal: a instituição tem sede legal na agência Rocinha, sendo que cada uma das demais agências constitui uma unidade autônoma, controladas pelos coordenadores, e sob supervisão de um único superintendente para a instituição como um todo. 155

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Este ano, o Vivacred iniciou3 seu processo de planejamento estratégico, que ainda estava em andamento no momento de realização das entrevistas, não estando a instituição de posse de resultados que pudesse tornar públicos. No entanto, a própria realização do planejamento estratégico (que envolveu todos os funcionários da instituição) revela uma atenção particular dada pela instituição à relação entre metas definidas e estratégias coerentes com estas. A participação dos funcionários no planejamento estratégico mostra que há um espaço horizontal de troca possível dentro da instituição. Quanto às metas de agências – que atuam dentro de uma área geográfica determinada –, estas são definidas em conversas entre o coordenador dos agentes4 e o superintendente5 , e a meta global da agência é o resultado das metas determinadas para cada um dos agentes, em função da sua experiência. O coordenador dos agentes – que também é um agente – tem um papel muito importante dentro da instituição, na medida em que ele exerce o papel de supervisor da carteira dos outros agentes e influi na decisão quanto às metas individuais, baseado na sua observação cotidiana. No entanto, este coordenador é também um agente com carteira própria, que tem que cumprir metas. Este duplo papel exige bastante do coordenador, não só em termos de trabalho como de habilidades interpessoais, visto que existe a possibilidade permanente – ainda que não relatada pelos entrevistados – de conflitos devido à sua dupla posição de agente igual aos outros e de coordenador. A estrutura atual do Vivacred pode ser representada por:

3 Através da contratação de instituições especializadas. 4 Os agentes são chamados, no Vivacred, de analistas de crédito. Utilizamos aqui a terminologia mais difundida. 5 Existe um superintendente único para a instituição, que pertence à instituição desde sua criação.

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O superintendente, o gerente de crédito e o gerente financeiro compõem a gerência da instituição. Os gerentes estão subordinados ao superintendente. Além disso, cada agência tem um coordenador para a parte administrativa e um para a parte operacional. Na ponta da operação, estão os agentes, e, mais recentemente, os atendentes. O superintendente da instituição, por sua vez, responde ao Conselho, formado pelos sócios da instituição, que são pessoas físicas, compreendendo pessoas vinculadas ao movimento sindical, ao mundo empresarial, à universidade, ao terceiro setor e à liderança comunitária. Dentre os sócios, três são o diretor presidente, o diretor vice-presidente e o diretor financeiro, encarregados das tarefas de direção executiva da instituição. Marketing Há um ano, a instituição conta com recursos do SEBRAE, que paga uma pessoa para trabalhar meio-expediente fazendo promoção de agências (junto com um agente). A captação de clientes ainda é considerada “problemática” pela instituição, pois o crescimento que aconteceu na Rocinha ainda não se reproduziu nas outras três agências. O material de propaganda utilizado é constituído de panfletos, cartazes, carro de som e propaganda nas rádios comunitárias. Já foi feita propaganda em jornal, mas chegou-se à conclusão de que a relação custo-benefício não era boa6 . Não existe, pois, uma estratégia de marketing definida, e dada a necessidade de aumentar a demanda, poucos recursos são investidos para este fim. O Vivacred ainda se beneficia, no sentido da divulgação, da localização de sua primeira agência (e sede) na Rocinha, que é uma

6 Ressalve-se que na opinião do agente de crédito entrevistado, a divulgação em jornais de grande circulação é produtiva na Zona Sul, para clientes de fora da comunidade.

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favela 7 muito conhecida, e muito presente na mídia, e da sua relação “filial” com o Movimento Viva Rio, também de grande exposição. A direção do Vivacred considera que há espaço para a divulgação conjunta (pelas instituições operadoras como um todo) e individual do produto microcrédito. Ainda com relação à questão da necessidade de maior divulgação, é relatado que a entrada de uma instituição concorrente na Rocinha resultou numa explosão de créditos para o Vivacred. Isto reforça, porém, a importância da divulgação do próprio produto microcrédito, já que mesmo para uma instituição estabelecida como o Vivacred (particularmente na agência da Rocinha, que é a mais antiga e a de maior sucesso), a presença de “agentes divulgadores” – mesmo pertencentes a outra instituição – se mostrou benéfica para a ampliação dos negócios. Produtos ofertados Até o presente momento, o Vivacred limitava-se a ofertar crédito produtivo, para capital de giro, fixo e reformas. O prazo do crédito vai de 1 a 12 meses, e a taxa de juros cobrada é de 3,9% ao mês, acrescida de uma taxa de administração de 5%, paga uma só vez, também financiada, o que resulta numa taxa plena que gira em torno de 5%. O maior crédito vigente do Vivacred era, no período da pesquisa, de R$13.000,00 - concedido pela diretoria. Sem a diretoria, os créditos vão de R$ 100,00 até R$ 10.000,00. Não se faz crédito abaixo do limite mínimo, pois sairia muito caro. A flexibilidade para créditos mais altos existe, apesar de não ser divulgada8 .

7 A Rocinha hoje tem status de bairro, após a atuação do Programa Favela-Bairro da Prefeitura do Rio de Janeiro. No entanto, a percepção dos moradores do “asfalto” ainda não corresponde a esta mudança legal, o que justifica que continue sendo considerada uma favela para efeitos de descrição de realidade social. 8 Observe-se que esta mesma flexibilidade não seria possível caso a instituição fosse uma SCM, cujo limite de crédito individual é de R$10.000,00. As OSCIPs não sofrem esta restrição.

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A forma de pagamento do crédito é bastante flexível, podendo ser feita em prestações semanais, bissemanais ou mensais. Quanto ao montante, este vai de R$100,00 até R$ 10.000,00. Os valores-limite definidos para o crédito, bem como a flexibilidade na forma de pagamento, buscam de fato assegurar o foco num público excluído das formas de crédito tradicional. Novos produtos O novo produto já introduzido na instituição é a linha de crédito para novos negócios. O dinheiro é da União Européia e é destinado para funding e para assistência técnica (treinar o empreendedor, ensiná-lo a fazer plano de negócio). É um tipo de prática cujo objetivo não é ser sustentável e que precisa de recursos a fundo perdido. Os juros são de 3,5% e a carência é de acordo com o plano de negócios. As parcerias para a operacionalização do novo produto são realizadas entre o Viva Rio e a Universidade Federal Fluminense – UFF para apoio aos clientes do novo crédito para início de negócio. O Viva Rio e a UFF fornecem o treinamento e assistência técnica aos clientes, enquanto o Vivacred oferece e acompanha o crédito. Outro projeto em andamento é o da comercialização (a ser realizado também a partir de parcerias). Finalmente, está para ser introduzido o desconto de cheque. Agora, de fato, é que está sendo pensada, na instituição, a diversificação de produtos. Estes novos produtos mostram que a instituição está buscando se fortalecer nas duas diretrizes básicas que compõem sua missão: ação social e sustentabilidade. A atuação social da instituição se fortalece pela comercialização, que atende os empreendedores de forma economicamente mais integrada, e pelo crédito para primeiros negócios que irá incorporar ao rol de clientes da instituição um maior número de empreendedores excluídos, ainda que talvez à custa de um risco maior. Por outro lado, a oferta do serviço de troca de cheques não só consiste em uma nova possibilidade de atendimento aos clientes como também em uma alternativa para ampliar o rendimento da carteira, tendo-se em vista o baixo custo e a alta rentabilidade desta modalidade operacional quando bem monitorada. 159

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Resposta do público-alvo A instituição foi avaliada positivamente pelos clientes, na pesquisa qualitativa realizada pelo SEBRAE na Rocinha e em Rio das Pedras. Este resultado corroborou as informações obtidas por outra pesquisa, realizada pela DAI-Brasil. A avaliação da Rocinha foi bem melhor do que a de Rio das Pedras, porém. O superintendente da instituição aponta como razão para tal a relação da instituição com a comunidade - a maior parte dos agentes é de lá, ao contrário do que acontece em Rio das Pedras. Particularmente, o atendimento aos clientes foi muito bem avaliado. Território e estratégia operacional O Vivacred é uma instituição cujo crescimento se deu de forma gradual. Após a consolidação da agência da Rocinha, foi aberta uma segunda agência em Jacarepaguá, na comunidade de Rio das Pedras. A realidade desta comunidade era no entanto bem diversa da encontrada na Rocinha, onde o comércio é mais estabelecido e estruturado. O Vivacred vem crescendo ao ritmo de uma agência por ano, desde sua criação – a exceção foi o ano de 2001, em que enfrentou grave crise interna, provocada pela saída de vários funcionários9 . Em 2001, a agência Cantagalo, localizada em Copacabana, foi transferida para o bairro de Laranjeiras, ampliando sua área de atuação na Zona Sul da cidade. Em termos de distribuição geográfica dos atendimentos, cada agência tem um limite definido por um certo número de bairros no entorno da agência, e, a partir daí, cada agente tem sua área de atuação, que se inicia nas proximidades da agência e vai se ampliando numa direção definida para fora da instituição. Além disso, há uma área comum de atendimento no perímetro da agência. A agência de Rio das Pedras tem um carro utilizado para o atendimento, e na Rocinha vários agentes têm moto. O fato dos agentes circularem a pé dentro da comunidade é no entanto visto como positivo e importante, já que os torna conhecidos e também a seu produto.

9 Esta questão será comentada mais adiante no texto.

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É na Rocinha que a instituição está melhor estabelecida. O comportamento nesta comunidade em relação ao crédito é considerado “muito bom”. Já em Rio das Pedras, são apontados muitos problemas, sobretudo pelo fato da comunidade se mostrar mais fechada aos agentes de crédito. A comunidade é mais nova também, os negócios abrem e fecham, e a observação feita pelos agentes e pelo superintendente é que o local parece ter um fator de risco maior para os negócios. Uma das hipóteses aventadas é que a maior dificuldade de penetração em Rio das Pedras aconteça pelo fato dos agentes não serem do local, como é o caso desde o início na Rocinha10 . O quadro abaixo apresenta alguns dados das favelas atendidas pelo Vivacred, quanto à população e ao número de domicílios: Favela

População

Domicílios

Rocinha

42.882

11.947

Complexo da Maré

62.602

16.804

Rio das Pedras

11.956

3.444

Fonte : Censo Demográfico de 1991/IBGE e IPLAN RIO – 1992

Embora defasados, os dados desta tabela apresentam uma referência do porte das comunidades atendidas, ainda que estes números sejam apontados como inferiores à realidade por moradores locais. No caso de Rio das Pedras, é importante lembrar da existência de muitas outras comunidades nas imediações de Jacarepaguá, somando um total de 58.255 moradores de favelas nesta região administrativa segundo o IBGE em 1991. A nova área de penetração da instituição é o bairro de Santa Cruz. Neste caso, a exigência da instituição é de que os funcionários seleci-

10 Deve-se observar que, no momento da abertura da agência de Rio das Pedras, tentou-se fazer uma seleção de agentes dentro da comunidade, que no entanto não funcionou, e a instituição teve que recorrer a agentes externos à comunidade.

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onados sejam do local, pela avaliação feita com a experiência de Rio das Pedras de que este fator é muito importante para uma boa penetração da instituição. A escolha do Bairro de Santa Cruz aconteceu pela avaliação de que, embora Santa Cruz não seja uma favela, é uma área muito pobre da cidade e na qual existem favelas. Esta será então a segunda agência de microcrédito do Vivacred a se localizar fora de uma favela, o que representa um alargamento do olhar da instituição sobre a exclusão, saindo dos limites estritos do trabalho dentro das próprias favelas para focar mais na questão da baixa renda. Relações com atores locais Existem outras instituições de microcrédito – Riocred, Credproduzir, Socialcred, Banco da Mulher – operando em praticamente todas as áreas em que o Vivacred atua. No início, houve um acordo de cavalheiros quanto à divisão do mercado, partindo do entendimento de que havia espaço para todas e de que o melhor atendimento ao público do microcrédito se daria a partir da divisão do mercado. Este acordo, entretanto, não está mais em vigor, e outras instituições entram em áreas de ocupação estabelecidas pelo Vivacred sem conversar com esta instituição. O maior problema da concorrência, para o Vivacred, foi, porém, o de ter tirado muitos funcionários da instituição – agentes e gerentes. No segundo semestre de 2001, por exemplo, a instituição perdeu três agentes para outra instituição operadora de microcrédito: um na Maré, um em Rio das Pedras e outro em Laranjeiras. Os efeitos para a instituição se fizeram imediatamente sentir na queda do número de créditos mensais, bem como no aumento na inadimplência. Na avaliação da instituição, o motivo da saída foi a perspectiva de melhores ganhos, que no entanto não se realizaram, visto que a nova instituição deixou de pagar comissão e vale-refeição, reduzindo o valor dos ganhos finais. Observe-se que a perda de agentes de crédito, tanto pelo seu papel fundamental no desenvolvimento da instituição, como pelo alto custo representado pelo treinamento e amadurecimento de novos agentes, representa um golpe significativo para esta atividade fundamentalmente intensiva em capital humano. 162

No tocante à relação com outros atores locais, a instituição tem articulações locais com o SEBRAE, os comerciantes e as associações de moradores - visto que é necessário um respeito às regras e ao poder locais para se entrar nas comunidades da “cidade partida”. No entanto, a questão das parcerias com atores locais é vista com certa cautela, no sentido de a parceria não se transformar em troca de favores: é necessário que se deixem claros os limites das parcerias. O Vivacred tem por princípio não oferecer vantagens pessoais, e o oferecimento de crédito por parte de uma instituição é muitas vezes sentida como uma ameaça ao poder local por parte dos traficantes. É citada a situação da área do “piscinão” de Ramos, onde o tráfico quis impedir a instituição de oferecer crédito. A partir de um processo de negociação, foi possível contornar o problema. Estes relatos fragmentados de situações específicas mostram que as dificuldades com que se defronta a instituição ao oferecer crédito em áreas não-controladas pelo poder público deixa mais clara a afirmação feita de que o grande problema legal da instituição é o problema da ausência de justiça e de segurança nas comunidades de baixa renda. O Vivacred nunca trabalhou com redes de empreendedores, nem com a aproximação de clientes. Na opinião da instituição, isto não faz parte de seu trabalho, que é exclusivamente o fornecimento de microcrédito. Existe a possibilidade aventada de que, a partir da operação com os créditos para início de negócios, esta realidade mude, e a instituição passe a se responsabilizar também por esta função. Monitoramento de impacto Elaboração de indicadores de impacto social: existe uma preocupação da instituição com este monitoramento. Foi inclusive pedida verba para o BNDES para este fim, e chegaram a fazer um pré-projeto, mas esta não foi concedida. Impacto social da IOM: O superintendente menciona, “de forma impressionista”, e em conformidade com a missão, que o impacto da instituição é o de sinalizar para a sociedade que a favela não é só crime e violência, e que a economia das favelas tem uma complexidade enorme. 163

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Um exemplo do papel do Vivacred na integração entre a cidade formal e a favela pode ser visto no episódio da entrada da Caixa Econômica na Rocinha, que ocorreu após visita ao Vivacred, quando a Caixa pretendia apenas fazer uma parceria com o Vivacred no oferecimento de crédito para construção civil. Após a visita realizada à instituição é que foi aventada pelos representantes do banco a possibilidade e viabilidade de instalação de uma agência dentro da Rocinha. É interessante observar que, ao falar de impacto, o superintendente da instituição coloca em primeiro lugar o impacto social que decorre da presença mesma de uma instituição como o Vivacred em dada comunidade de baixa renda, e não a questão do impacto econômico, como seria de se esperar. Mais uma vez, isto torna evidente a importância da missão definida para a instituição, missão esta que transcende o mero crescimento econômico dos clientes, e tem o foco mais global e ambicioso de mudar a visão geral sobre as favelas.

GO - Gestão Operacional Mecanismos de redução da inadimplência, cobrança e recuperação Como uma forma de fazer um melhor acompanhamento da inadimplência, foi promovido um ajuste nos indicadores: a inadimplência passou a ser acompanhada não só como um percentual sobre a carteira11 , mas também em valor. Foi verificado que este segundo indicador era importante, para verificação do peso da inadimplência sobre a carteira. A recuperação de créditos em atraso é feita através de cobrança direta pelos agentes, e posteriormente por cobrança judicial. Considerase, no entanto, que a ameaça de colocação do nome do cliente e do

11 O cálculo da taxa de inadimplência é feito de forma conservadora, utilizando como base o total do valor do crédito com parcela(s) em atraso.

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fiador no cadastro de inadimplentes tem um efeito que é mais importante para a recuperação dos créditos em atraso do que a cobrança judicial. Na avaliação do agente entrevistado, é necessário melhorar o processo jurídico de recuperação dos créditos em atraso – que deveria ser mais rápido12 . Nos dizeres do agente, enquanto o processo judicial de cobrança acontece, o cliente às vezes se ausenta, podendo vir até a falecer (isto já aconteceu, e o fiador teve que assumir a dívida). O processo pode demorar até dois anos. Isto, sem dúvida, inviabiliza a recuperação judicial de créditos de pequena monta, e reduz a capacidade de cobrança das instituições, bem como a própria importância da cobrança judicial para o cliente devedor. Produção e gerenciamento de informações Os indicadores de análise da qualidade de carteira e as metas citadas como relevantes pela instituição são: inadimplência (como descrito acima), número de créditos, tamanho da carteira. A instituição tem a meta de que todo agente libere pelo menos 20 créditos por mês, independente do volume, sem controle do tamanho do crédito. A produtividade solicitada a cada agente varia conforme seu tempo de experiência como agente de crédito na instituição, indo de 10 a 40 créditos. Se a carteira de um agente atinge um certo valor, existem compensações em sua remuneração variável. No entanto, o superintendente ressalta que a instituição mantém o crédito médio em valor baixo para reduzir o risco. A inadimplência de cada um deve ser mantida abaixo dos 5%. Segundo o superintendente da instituição, uma agência do Vivacred, para manter sua estrutura (3 agentes e 2 administrativos), precisa ter uma carteira saudável de 500 mil reais. Para o controle e acompanhamento da carteira, o Vivacred está montando um software próprio, com recursos do SEBRAE. O que está

12 Uma opinião no mesmo sentido pode ser encontrada em, Haus, P. “Regulamentação das microfinanças”, disponível no site da RITS, www.rits.org.br

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sendo usado desde o início do funcionamento da instituição é o da IPC, que roda em DOS e cuja manutenção é muito custosa, além de ter pouca flexibilidade de relatórios. O objetivo, então, é aprimorar o acompanhamento de cobrança e o gerenciamento global do processo, que no momento é feito em planilhas construídas fora do sistema. O novo sistema vai rodar em Windows. O Vivacred também tem ainda como projeto junto ao BNDES o desenvolvimento de um sistema de controle orçamentário, capaz de padronizar e organizar as contas da instituição. Entende-se que é fundamental que este dois sistemas possuam uma boa capacidade de diálogo, de forma que a gestão institucional se dê de modo que as dimensões financeira e operacional estejam integradas. Política de recursos humanos O perfil desejado do agente de crédito já mudou muito, desde o início das operações da instituição. Hoje, a partir da experiência, estão buscando pessoas que já tenham algum tipo de experiência na área de crédito (como por exemplo ter trabalhado em loja na área de cobrança), e que estejam mais próximas da comunidade (dão preferência ao pessoal local), com mais idade do que inicialmente. A exigência quanto à formação é de 2º grau, mas todos os agentes com quem tivemos contato na instituição estavam cursando uma faculdade (de economia ou administração). A remuneração dos agentes fica entre quatro e cinco salários mínimos, há uma parcela fixa e uma variável, definida através de uma comissão por produtividade. Na avaliação do dirigente do Vivacred, o sistema de comissão é complicado, e os próprios agentes têm dificuldade de entender. Os agentes chegam a ganhar um salário total razoável, mas a falta de compreensão do sistema gera muita reclamação, e está sendo pensada uma mudança neste formato (que já sofreu um primeiro ajuste no início de 2002). Quanto à estrutura de remuneração dentro do Vivacred, existe aí um problema reconhecido pela instituição: o salário do pessoal administrativo é fixo, e está abaixo do mercado, apesar de ter uma responsabilidade comparável com a do agente. Esta questão é tratada pela gerên166

cia com grande relevância pois, na ótica da instituição, não existem funcionários não-operacionais, visto que o bom desempenho das operações depende, em grande parte, do trabalho dos administrativos. A remuneração do agente, em compensação, está compatível com a de outras instituições do mercado do Rio de Janeiro, após um ajuste realizado no início do ano na fórmula de cálculo da comissão variável.

ME - Metodologia Creditícia A metodologia creditícia utilizada tem como base a do IPC (Internationale Projekt Consult), em que o empréstimo se faz após a visita do agente ao negócio e a passagem pelo comitê de crédito, onde o agente expõe o crédito, que então vai ser avaliado e aprovado ou não pelo comitê. O comitê, hoje, no Vivacred, é realizado de maneira bastante informal de maneira a agilizar a liberação dos créditos – e, para pequenos créditos, o agente faz sua exposição unicamente para o coordenador da agência. Para créditos acima de R$2.00013 , a apresentação tem que ser feita para o coordenador e para mais um agente. O coordenador, por sua vez, tem que apresentar seus créditos ao superintendente, sendo o princípio básico o de que ninguém decide a liberação do crédito por conta própria: este tem que ser aprovado por pelo menos mais uma pessoa. No entanto, a redução do comitê a um único interlocutor, se agiliza sua realização, parece enfraquecer o conjunto dos agentes e aumenta o poder dado ao coordenador de agentes – visto que muitas vezes o crédito é liberado por ele mesmo, ao contrário do sistema em que o comitê de crédito é constituído por um maior número de pessoas. A metodologia do IPC não inclui o aval nem o crédito solidário; assim, o Vivacred trabalha unicamente com fiador como garantia, sendo que este pode ser dispensado em créditos baixos de clientes conhecidos.

13 Ou, no caso da Rocinha, em que o coordenador é mais experiente, acima de R$5.000,00

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As funções do agente consistem na captação do cliente, atendimento, visita ao negócio, proposta de crédito, cobrança. Uma mudança realizada recentemente foi a contratação de pessoas para dar apoio no atendimento. Desta forma, os agentes trabalham no atendimento dentro da agência meio período, e na segunda metade do dia vão a campo fazer visitas. Outra mudança ocorrida consistiu na inversão da ordem em que é realizado o treinamento dos agentes – que, num primeiro momento, foi feito pelo IPC, constando de uma parte teórica e um acompanhamento de trabalho prático numa instituição na Bolívia, e hoje é dado pelos próprios agentes mais antigos. Se originalmente o treinamento começava com a colocação do crédito e o acompanhamento das visitas, agora, estão começando o treinamento pela cobrança, por se considerar que esta é a parte mais difícil do trabalho, que sempre corre o risco de ficar relegada a um segundo plano. No entanto, como esta mudança foi realizada recentemente, não há ainda dados para avaliar seus efeitos no comportamento dos agentes e na qualidade da carteira.

Observações finais A especificidade do trabalho de uma instituição como o Vivacred, se comparada a outras instituições de microcrédito similares existentes no Brasil, está, sem dúvida, na decisão que motivou sua fundação a partir da liderança do movimento Viva Rio e que definiu, até hoje, a localização geográfica de suas agências: a intenção de fazer do crédito um instrumento para a redução da exclusão não somente financeira, mas também social dos moradores mais desestruturados das favelas do Rio de Janeiro. Esta decisão levou a instituição a se instalar no interior de uma favela, e a crescer instalando suas próximas agências também em favelas, o que sem dúvida acarretou um custo, em termos de trabalho de entrada e de instalação, e fez com que a instituição, em suas várias agências, se defrontasse com a questão da falta de segurança, para a própria instituição e para os negociantes locais. No entanto, pode-se dizer que sua presença continuada no interior das comunidades sem dúvida abriu espaços e tornou mais visível a existência do grande contingente de moradores de favelas que normalmente não aparece nos noticiários de 168

jornal, composto de gente comum, trabalhadores e donos de pequenos negócios. Neste sentido, a missão da instituição parece estar sendo cumprida, apesar dos grandes obstáculos ainda existentes. O crescimento da instituição, até hoje, foi menor do que as expectativas existentes no início do seu funcionamento. Uma hipótese que se pode fazer quanto a isto, e que é feita pelo superintendente da instituição, é a de que o mercado financeiro carioca, com seus inúmeros instrumentos formais e informais de crédito, seja de fato dinâmico o suficiente para prescindir do microcrédito produtivo. No entanto, a falta de conhecimento do produto pelo público-alvo pode ser outro motivo importante para este baixo crescimento. Existe, ainda, a possibilidade de que as especificidades do mercado carioca exijam um produto desenhado para atendê-las, o que não ocorre com o microcrédito produtivo em sua forma consagrada. Neste sentido, o conservadorismo do Vivacred, que só agora inicia o teste de novos produtos, pode ter segurado seu crescimento.

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Cresol

O sistema Cresol constitui uma experiência inovadora de fortalecimento da agricultura familiar através da constituição de um sistema a um só tempo orgânico e descentralizado de cooperativas de crédito, que se estende pelos três estados do sul do Brasil – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O sistema compõe-se hoje de uma central de crédito, a BASER – situada em Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná – e seis bases de serviços1 (as Bases Regionais, responsáveis pelo apoio em serviços de contabilidade, informática e formação), em que se agrupam as 67 cooperativas singulares, que congregam mais de 25.000 associados no total. O quadro de diretores da Cresol é composto exclusivamente por agricultores familiares, tanto nas singulares como na BASER.

Um pouco de história Para entender o sistema Cresol, é importante contextualizar sua origem: a área onde se inicia o sistema, o Sudoeste do Paraná, é uma

1 Três no Paraná, duas em Santa Catarina e uma no Rio Grande do Sul.

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área onde predominam as pequenas propriedades2 , marcada pela luta pela terra e pelo histórico de organização social3 e sindical. Além disso, a organização social faz-se fundamentalmente em torno dos centros religiosos, através dos quais constroem-se as redes de relações e os valores pessoais. Assim, as pessoas da região se identificam como pertencentes a uma comunidade, que normalmente corresponde a uma paróquia, e em torno desta comunidade é que se dão os acontecimentos sociais – festas, eventos, trocas imediatas e diretas. O sistema Cresol constituiu-se a partir da experiência de administração de fundos rotativos – com recursos de instituições européias: a Misereor, organização católica alemã, e a “Pão para a Vida”, de luteranos, a partir de 1988; estes fundos, por sua vez, consistiram numa forma de enfrentar a redução do crédito rural no Brasil na segunda metade da década de 80. Para administrar os fundos rotativos, havia um conselho, composto pela Assesoar 4 – ONG vinculada à igreja católica, situada em Francisco Beltrão/PR –, a CNBB/CPT, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, associações de agricultores, a CUT e o MST. Eram grupos formados por aval solidário. O recurso tinha uma taxa de juros de 8% a.a. e equivalência-produto em milho 5. Como a administração dos

2 Em Francisco Beltrão, onde se situa a BASER, 95% dos estabelecimentos agrícolas são familiares. Segundo Denardi, R. “Agricultura Familiar e Políticas públicas: alguns dilemas e desafios para o desenvolvimento rural sustentável”, in Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, v.2, nº3. 3 Em Francisco Beltrão, sede da BASER, ocorreu em 1957 um episódio – a chamada “revolta dos Colonos” - em que os pequenos agricultores lutaram contra os grileiros pela posse da terra, obtendo finalmente ganho de causa. Este acontecimento continua muito presente no imaginário dos pequenos agricultores da região, filhos e netos dos que pegaram em armas para defender suas propriedades. 4 Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural. A Assesoar foi fundada em 1966, sob orientação de padres belgas, com a participação de 33 jovens catequistas escolhidos entre os agricultores locais. A Assesoar está até hoje intimamente ligada à Cresol: a BASER e a Base Regional de Francisco Beltrão ocupavam, até este ano, um espaço no prédio pertencente à Assesoar. 5 O uso do milho se explica pelo fato do milho estar presente em 95% das unidades de produção, pois o milho é básico na alimentação dos animais (frango, suíno, vaca de leite ou de corte).

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recursos era informal, a inadimplência era muito alta e impedia a ampliação do público assistido. Em 1993, realizou-se em Francisco Beltrão um seminário de avaliação dos limites dos fundos rotativos, e do passos a serem dados dali para frente. Foi decidido que o sistema de Fundo Rotativo não atendia às necessidades de fortalecimento da agricultura familiar. No entanto, a avaliação dos membros da Cresol é que a experiência com os fundos rotativos foi fundamental, e forneceu a base de conhecimento para a estruturação do sistema Cresol. A partir da avaliação feita no seminário de 93, inicia-se o processo de formação de cooperativas, e em 1995 são formadas as cinco primeiras cooperativas singulares no Paraná. Estas integram-se a uma base regional de serviço (BASER). A BASER hoje é a central de crédito que atende ao sistema inteiro.

DI - Desenvolvimento Institucional Missão e metas A missão da Cresol, tal como descrita pelo diretor entrevistado6 , consiste em “criar um sistema de crédito onde a solidariedade aconteça, entre as cooperativas (através de cooperativas transparentes, que interajam) e dentro do quadro social. Estimular a troca, de maneira que aquilo que uma cooperativa aprendeu a fazer possa servir como referência para as cooperativas novas, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento local”. A proposta da Cresol une então num eixo lógico a democratização do crédito e o desenvolvimento local. O sistema se propôs desde o início a ser um agente de desenvolvimento, e não apenas um agente financeiro, e os resultados obtidos até hoje parecem comprovar o êxito no cumprimento desta missão. A forma de atuar entre esses dois pólos – o cresci-

6 Vanderley Ziger, diretor presidente da BASER.

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mento financeiro e a efetividade do desenvolvimento local – fundamenta-se numa estratégia de participação descentralizada, com foco no pequeno agricultor familiar, a quem cabem tanto a administração das cooperativas quanto a direção do próprio sistema, sendo os técnicos das centrais de serviços (e mais fortemente a BASER) responsáveis pelo apoio técnico e pela orientação das decisões. Desde o primeiro momento, faz-se presente a atuação da ONG Assesoar na reflexão quanto à importância do processo de adequação tecnológica para a agricultura familiar (conversão para a agroecologia), incluindo portanto na estratégia de ação um eixo de apoio tecnológico, que mais uma vez deixa claro que a missão da instituição pretende ser de desenvolvimento local, sendo o crédito um instrumento para tal. Público-alvo Os sócios pessoas físicas da Cresol devem extrair 80% da sua renda da agricultura, sendo o tamanho máximo de terras por associado de 4 módulos (de 18 ou 20ha. dependendo da região), ou seja, o equivalente a no máximo 80ha. Além disso, também podem ser sócios como pessoas jurídicas: os sindicatos de trabalhadores rurais, associações sem fins lucrativos, que trabalhem com o sistema Cresol – ou seja, pessoas físicas ou jurídicas cuja ocupação esteja intimamente ligada à lógica da agricultura familiar. A definição do público-alvo é, então, mista: no caso do agricultor familiar, os limites são rigidamente definidos, de forma que a atuação concentre-se no pequeno proprietário, formando um quadro social bastante homogêneo. No entanto, abre-se espaço para a entrada de pessoas ou entidades que estejam integradas ao sistema pela sua atuação. A questão do limite máximo do tamanho de terras coloca outra questão: na medida em que o sistema fosse bem-sucedido, não haveria uma tendência à exclusão do sócio (por ultrapassar o tamanho permitido de terra)? A resposta da equipe da BASER é que o crescimento dos agricultores faz-se por aumento da agregação de valor ao investimento e por redução da dependência, não pelo aumento das terras. 174

Controle social e formação dos membros Para um sistema como o Cresol, é fundamental que haja de fato uma difusão do conhecimento tanto do funcionamento do sistema quanto da inserção deste no contexto regional e nacional, já que sua base é a capilarização e a atuação descentralizada. Para isto, existem as figuras dos núcleos de formação e dos agentes regionais. O objetivo dos núcleos de formação é atuar nas bases regionais, e fazer periodicamente uma discussão ampla dos condicionantes econômicos, do sistema financeiro, do Brasil. Além disso, os agentes de desenvolvimento – incorporados ao sistema em 2002 – são capacitados para fazer o trabalho na ponta, e replicam as informações para os grupos locais, através de reuniões agendadas nas próprias comunidades. As grandes decisões são votadas em assembléias, tanto nas cooperativas singulares quanto na BASER. No caso da BASER, existe uma instância intermediária que é o Conselho Administrativo, onde há representantes de todas as regionais: as decisões do Conselho são posteriormente referendadas em assembléia. Isto inclui a discussão de critérios de repasse dos recursos do PRONAF e do BNDES entre as singulares, distribuídos através de um sistema de pesos dado a indicadores que inclui desde itens relativos ao resultado financeiro das singulares (receita/despesa, captação de poupança, repasse de PRONAF) até itens como “Conversão para Agroecologia”, “Participação em assembléia”, “Participação na composição do quadro social” e “Contribuição ao sistema”. Existe uma preocupação permanente dentro do sistema com a formação dos novos diretores e associados, para que conheçam a fundo a missão e o formato específico de funcionamento do sistema. Esta necessidade está surgindo mais fortemente agora, com a renovação dos quadros, e a preocupação é de não desvirtuar o sistema e transformá-lo num sistema de crédito tradicional. Como formas possíveis de ampliar a formação dos membros do sistema, foram citados: parcerias com outras instituições, cursos temporários, sistematização de assuntos em pauta através de elaboração de cartilhas e documentos, para discussão com os agricultores. 175

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Marco legal e missão A Cresol é uma cooperativa de crédito, subordinada portanto às regras do Banco Central. Sua estrutura se diferencia pela figura das bases regionais de serviços. A idéia inicial da Cresol foi, a partir do marco legal definido, evitar os problemas identificados nas cooperativas tradicionais de crédito rural. O primeiro passo foi a definição de que só iria trabalhar com pequenos. O segundo foi a não-criação da central de crédito: inicialmente, só existia a central de serviços, pois existia a percepção de que a central de crédito iria contra a estrutura descentralizada que se estava criando. Posteriormente, as resoluções 2554 e 27717 , do Banco Central, exigiram a criação de uma central para efeitos de fiscalização, visto que o Banco Central não fiscalizaria mais as cooperativas singulares. Assim, em setembro de 2000 foi constituída a central de crédito. Mas, segundo um dos entrevistados, “colocamos no seu estatuto um item que diz que ela não realizará centralização financeira. É uma central de crédito que não centraliza crédito. Foi uma briga, foram seis reuniões no Banco Central em Brasília. A redação ficou assim: ‘somente centralizar os recursos captados e disponibilizados pelas singulares’. Ou seja, só vai centralizar se as singulares quiserem. Se não, não centraliza. Como a central não faz questão nenhuma de centralizar, não centraliza. Isso foi algo inédito pra eles, normalmente as estruturas são ao contrário...” A Central repassa (segundo os critérios discutidos acima) os recursos referentes às fontes externas (PRONAF, BNDES): quanto aos recursos captados pelas singulares, estas os administram diretamente. Assim, existiria uma discrepância entre a necessidade de centralização do Banco Central e a estrutura descentralizada da Cresol. Esta questão, no entanto, foi contornada a contento, centralizando responsa-

7 A resolução nº2.554, de 29 de setembro de 1998, dispõe sobre a implantação e implementação de sistemas de controle internos, enquanto a resolução nº2.771, de 30 de agosto de 2000, disciplina a constituição e o funcionamento de cooperativas de crédito, definindo o papel da central de crédito.

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bilidade mas não atuação – o que, evidentemente, aumenta a necessidade de fiscalização das singulares pela central –, não constituindo pois um obstáculo importante à forma de funcionar da instituição: ao contrário, a restrição dada pelo Banco Central pode ter estimulado a instituição a encontrar uma fórmula que combinasse o controle exigido e a flexibilidade de atuação que buscava. Limitações do marco legal A avaliação da assessoria jurídica da Cresol é que o desenho da legislação é restritivo no sentido da própria definição da atividade econômica da agricultura familiar: a atividade econômica é mais aberta do que a legislação. Hoje, dentro de uma unidade de produção de agricultura familiar, existem atividades primárias, atividades secundárias (melado de cana, carnes em geral) e possivelmente atividades terciárias (comercialização). Isto faz parte da própria essência da agricultura familiar, pois numa unidade familiar com 5 ou 6 adultos, se a produção se restringir à produção primária, a família terá dificuldades econômicas. Parece então um desdobramento natural e positivo, do ponto de vista do desenvolvimento, que a unidade familiar comece a operar dentro da cadeia de produção em outros níveis. Essas novas atividades não são, no entanto, classificadas como atividades rurais. O exemplo dado pelo assessor jurídico é o seguinte: “se na propriedade você produzir a madeira do cabo da vassoura e a vassoura, e vender os dois separados, você é agricultor. Se você amarrar a vassoura, você vira ‘industrial de vassouras’. Se você vender o amendoim e o melado separados, você é agricultor; se fizer a rapadura, você vira industrial.” A conclusão a que se chega é, pois, que a legislação do cooperativismo é restritiva e não contempla a multifuncionalidade da agricultura familiar. Isso causa, sem dúvida, um problema do ponto de vista do fortalecimento da unidade produtiva, e da cooperativa em termos de definição de público-alvo, na medida em que uma unidade de produção multifuncional corre o risco de ser excluída do público-alvo autorizado para as cooperativas de agricultura familiar. A classificação por categoria de produção não parece absorver o fato de que os muito pequenos precisam ter várias atividades sob pena de não sobreviverem: no 177

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caso da agricultura familiar, uma ampliação do significado do termo talvez atendesse melhor a seu objetivo8 . Outra restrição legal importante mencionada pela assessoria jurídica diz respeito à própria legislação de cooperativas, excessivamente restritiva, inclusive no número mínimo de pessoas: 20 pessoas no mínimo para criação de uma cooperativa. Segundo os entrevistados, sua experiência é de que em outros países, são sete ou oito (Itália, França, Holanda), e na Espanha são somente três. Inserção político-institucional A Cresol não tem relação com a OCB (Organização das Cooperativas do Brasil), nem se sente representada por ela. Considera que a OCB tem uma filosofia inversa à sua – um sistema que visa a centralização e não a descentralização. No entanto, mantém relação de troca com outros sistemas semelhantes: cooperativas de crédito que trabalham com agricultura familiar, com a lógica de descentralização e controle social. Foi criado um Fórum de cooperativas de crédito rural, com 6 entidades: o sistema Cresol, o Crehnor (do MST), a Ascoob (11 coops filiadas ao Sicoob, mas têm organização própria); mais três outras em projeto – a Ecosol (da Cut – que inclusive recebe assessoria direta do sistema Cresol), o projeto da CONTAG (para o Brasil) e as Arco (agências regionais de comercialização em torno de Brasília e alguns outros estados). Além disso, o sistema se articula regionalmente na Frente Sul de Agricultura Familiar. Assim, a Cresol tem uma inserção tanto regional, na Frente Sul, que agrega diversas entidades vinculadas à agricultura familiar, como a nível nacional, quando integra um grupo de cooperativas cuja estrutura é similar à sua. Ao mes-

8 Nesse sentido, é importante ressaltar que a própria definição de “agricultura familiar” é relativamente recente, não sendo aceita inclusive pelo Ministério do Trabalho – os pedidos de registro de sindicatos de agricultores familiares foram rejeitados pelo Ministério, apesar da existência de um Programa Nacional de Agricultura Familiar e de uma Secretaria de Agricultura Familiar.

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mo tempo, percebe como incompatíveis as estruturas cooperativas cuja organização leve, no seu entender, à centralização e ao favorecimento dos mais capitalizados. A articulação com objetivo de ampliar seu poder de barganha e de ação está claramente contemplada pela instituição. No plano nacional, a atuação da Cresol compreende a representação de seu diretor-presidente, Vanderley Ziger (como representante da Frente Sul da Agricultura Familiar), no Conselho do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, coordenado pelo MDA. Marco legal: tributação e captação de recursos A cooperativa está sujeita à regulamentação de instituições financeiras, o que pode ser restritivo no caso de um sistema de cooperativas cuja base de sócios tenha uma renda baixa. No entanto, do ponto de vista da Cresol, os tributos não são obstáculo para seu funcionamento. O tributo de maior peso que incide sobre a cooperativa é o INSS, que a cooperativa paga como instituição financeira – no caso da BASER, o maior peso vem dos 22,5% sobre o pagamento de diretores, que são três (enquanto as empresas pagam 20%). Quanto ao ISS9 , o entendimento da assessoria jurídica da Cresol é que a base de cálculo do ISS supõe prestação de serviços: se as operações acontecem apenas entre associados e cooperativas, não são caracterizadas como prestação de serviços, e sim como ato cooperativo – assim, não há base de cálculo para o ISS. Como as Cresol não trabalham fora do quadro social, no nosso plano de contas não há espaço para registrar receita de prestação de serviços. A despesa do talão de cheques é computada como “antecipação de despesas”, que ao final do exercício financeiro será compensada. Quem está prestando o serviço é o Banco do Brasil, para a Cresol. Essa discussão é feita em todas as prefeituras em que a Cresol atua: segundo o assessor, em todos os casos em que houve uma discussão técnica, a prefeitura aceitou o ponto de vista da cooperativa.

9 Que, segundo o Manual de Regulamentação das Microfinanças do PDI/BNDES, deve ser pago pelas cooperativas.

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Quanto à captação de recursos, não há linhas de crédito para desenvolvimento institucional10 , e a Cresol não tem ganho com as linhas do PRONAF: assim, a fonte de recursos para desenvolvimento institucional é mesmo composta pelos recursos próprios – o capital social e os depósitos a vista e a prazo. Assim, um indicador-chave para as cooperativas singulares – e para o sistema como um todo – é a relação “contrapartida local/ PRONAF”, que mostra o quanto a cooperativa gera a partir do capital próprio, versus o quanto ela usa do PRONAF – sua maior fonte de financiamento. A Cresol tem como meta elevar este indicador, ou seja, aumentar sua independência com relação ao PRONAF: 11

Contrapartida Local / PRONAF – 2002 Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

Média

0,58

0,61

0,67

0,75

0,74

0,91

0,71

Este objetivo não é porém facilmente atingível, visto que as linhas de capital próprio são muito mais caras – até porque a operação do PRONAF dá prejuízo à Cresol, que tem que ser compensado pelas taxas sobre recursos próprios.

GE - Gestão Estratégica Planejamento estratégico e metas operacionais O planejamento estratégico do sistema se dá a partir de reuniões do conselho da BASER, que constrói um quadro de expansão em que se avaliam as demandas de novas cooperativas, bem como o cenário

10 Deve-se observar que o governo do Rio Grande do Sul criou uma linha de crédito para formação de cooperativas; neste estado, entretanto, a expansão da Cresol é bem mais lenta devido à força do sistema SICREDI. 11 Dado disponibilizado pela BASER.

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estratégico da região em que está situada (parceiros possíveis e organizações de fomento das cooperativas), quais as ações a serem efetuadas e quem vai efetuá-las. No ano de 2002 (até agosto), foram criadas 21 novas cooperativas, e o planejamento realizado tem como meta passar das 67 cooperativas existentes para 111, em três anos. Outro grande consenso na forma de crescimento é a opção pela municipalização das cooperativas, por ter uma capacidade de se consolidar mais facilmente, e fortalecer a poupança e o quadro social, tendo a cooperativa muito mais transparência. Além disso, existe uma estratégia de potencializar os pequenos municípios e fortalecer a economia local. Assim, em cada região em que se cria uma cooperativa, pensa-se em criar outras no entorno, de forma a que se crie uma base regional na área, que seja efetivamente próxima. Nesse sentido, o mapa de crescimento leva em conta a distribuição geográfica das novas cooperativas, para que obedeçam à lógica geral do sistema. Planejamento financeiro A meta de crescimento da carteira é feita por cada cooperativa individualmente. No caso dos agentes de desenvolvimento, não há, no momento, meta de produtividade fixada individualmente. As cooperativas têm liberdade para criar suas próprias linhas de crédito. As linhas de crédito existentes hoje para o sistema como um todo são as seguintes: o adiantamento ao depositante (cheque sem fundo liberado para compensação); limite em conta (cheque especial); crédito ao consumidor (CAC), CRP (Crédito rural com recursos próprios). Existe um limite (informal) para o adiantamento ao depositante, de 3%. Mas, segundo a central, o melhor controle desse limite se dá a partir do critério de rateio dos recursos: quem tiver até 1,5% de adiantamento, ganha a cota cheia – quem tiver acima de 3,5% fica sem novos recursos. Desta forma, a definição dos critérios de rateio de recursos, referendada em assembléia, consiste, de fato, num controle de metas para as singulares, sem que se coloquem estas metas de forma explícita. A administração das taxas de juros se dá da seguinte forma: a Central emite uma circular mensalmente, definindo o teto máximo para cada 181

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linha. A taxa efetiva está sob responsabilidade de cada cooperativa, que pode baixá-las segundo seu planejamento, contanto que não comprometa a viabilidade econômico-financeira da estrutura. No crédito pessoal, as taxas situam-se em torno de 4,5% a.m., calculados pela fórmula TJLP+comissão+juros. Esse cálculo define um limite máximo, para todas as cooperativas; o limite mínimo é dado pelo resultado e a rentabilidade de cada cooperativa. A taxa para cheque especial definida pela Central está em 6,5% a.m., a juros simples, e a CRP (crédito rural com recursos próprios) em 2,88% - mas há cooperativas trabalhando com 2%, e uma com 1,5%. Marketing As especificidades do funcionamento cooperativo fazem com que a estratégia de marketing de uma instituição como a Cresol deva voltar-se para o público externo, e não para seus próprios clientes. A importância do marketing seria então a consolidação da instituição e o acesso facilitado a recursos, convênios com outras instituições em áreas de interesse mútuo, e um maior trânsito junto ao poder público. O marketing institucional é ainda muito frágil, segundo a própria avaliação da BASER. Reconhece-se a importância do marketing, mas muito pouco é gasto com isso, e não existe um planejamento sistemático de divulgação da instituição. O marketing que existe hoje é o boca-aboca de instituições que os visitam, e as palestras de que participam. Mas a marca Cresol não está consolidada, e a divulgação realizada através da página na Internet ainda é precária. No próprio circuito das microfinanças do Brasil, há pouco conhecimento do sistema Cresol, e o sistema conhece pouco o que existe nessa área. Após a visita do IBAM, foi contratada uma assessora de imprensa, o que representa um início de atenção para com o tema. No entanto, parece evidente que uma pessoa sozinha certamente não será suficiente para atender às necessidades do sistema, inclusive de divulgação interna e fortalecimento da comunicação entre as regiões. 182

Produtos ofertados Cada cooperativa tem linhas próprias: mas a central tem que ser informada, até porque o software13 tem que ser modificado para incluir as novas linhas. Assim, estas são criadas nas cooperativas, mas têm que passar pelo jurídico, pelo programador. Na cooperativa singular de Marmeleiro, por exemplo, foi criada a linha de bem-estar familiar: segundo o sr. João Osório, diretor da cooperativa, “Hoje existem recursos do PRONAF para investimento na agricultura, na área de leite, de máquina, de construção de estábulos, pocilgas, mas não existe um recurso para construção de casa, reforma da casa.” Essa linha vai de R$150 a R$500 no máximo, com juros de 2,5 TJ ao ano (em torno de 1,8% ao mês). O empréstimo é feito com aval solidário, com grupos de quatro pessoas. Além dos produtos próprios, e do repasse do PRONAF, a Cresol, a partir dos recursos obtidos da linha de microcrédito do BNDES14 , criou cinco linhas: 1. o pré-custeio agrícola, destinado a antecipar os recursos do PRONAFcusteio, cuja liberação tardia freqüentemente implica perdas para os agricultores, já que o plantio tem que ser realizado em épocas certas; 2. o custeio agrícola e pecuário, para atividades que estejam fora do escopo do PRONAF; 3. o investimento agrícola e pecuário (similar ao anterior, para investimento); 4. a linha de atividades para agregação de valor, destinada a atividades de beneficiamento ou transformação semi-artesanal ou artesanal; 5. a linha de comercialização, destinada a possibilitar aos agricultores que estoquem a produção, podendo assim realizar ganhos de mercado.

13 serão feitos alguns comentários mais extensos sobre o programa utilizado pela Cresol (Coopcred), mais adiante no texto. 14 R$1.360.000 em 2001 e R$2.500.000 em 2002 – quanto a este segundo empréstimo, há uma exigência de contrapartida de 2 para 1 por parte da cooperativa.

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Destas linhas, a de pré-custeio agrícola merece um comentário à parte: como o período de plantio no sul é agosto, e o recurso do PRONAF às vezes só chega em outubro, o recurso do BNDES foi utilizado para o pré-custeio, que permite que as compras sejam realizadas com antecedência, evitando os acréscimos nos insumos que ocorrem perto do período de plantio. Na cooperativa singular de Marmeleiro, por exemplo, com os recursos da linha de pré-custeio foi realizada uma compra coletiva de 160 sacos de adubo, tendo os agricultores pago juros totais de até 6% (em quatro meses). Um mês após a compra, a saca de adubo tinha aumentado 19%. Assim, devido ao atraso do repasse dos recursos – que é feito através do Banco do Brasil – torna-se vantajoso tomar crédito mais caro, pois a alternativa de comprar a prazo nas lojas seria financeiramente desvantajosa para os agricultores. Novos produtos No crédito pessoal, a instituição pretende começar a trabalhar com o crédito pré-aprovado, pela trajetória histórica, com taxa específica. No crédito rural, a perspectiva é se criarem linhas específicas para agroecologia e para comercialização. Outra linha ainda que a BASER considera interessante é a de pequenos negócios do dia-a-dia, que não estão ligados à produção: construção de banheiro interno, pintura de casa, compra de aparelhos elétricos... O foco dessas linhas é melhorar o cotidiano dos agricultores, de maneira a mantê-los na terra. Já existe uma cooperativa trabalhando com uma linha específica para agricultores em conversão (para o orgânico), outra que tem uma linha para mães que estão nas casas familiares rurais, que têm uma articulação em projetos de artesanato e de produção de plantas medicinais, a juros de 1,8% ao mês. Por último, existe uma discussão dentro do sistema sobre a divisão das cotas-parte entre marido e mulher, para que a mulher tenha acesso a produtos diferenciados e uma maior participação nas cooperativas. A orientação é que se tente aos poucos aumentar o número de mulheres em cada atividade. Esta questão já havia sido levantada na primeira visita do IBAM e foi retomada na segunda, sem que no entanto a Cresol tivesse avançado nessa discussão. Foi argumentado que a participação das mulheres tornava-se mais difícil no meio rural, devido às distâncias 184

e à necessidade de estruturação da casa e da família. A questão que se coloca é, pois, que a participação das mulheres nas atividades rurais é intensa e a unidade de agricultura se mantém a partir do trabalho de todos; no entanto, a participação feminina na administração e no cotidiano da cooperativa ainda não se dá de forma correspondente. Resposta do público-alvo A maior realização do sistema Cresol, segundo a avaliação dos entrevistados, consiste na aquisição do conhecimento e do manejo do instrumental financeiro necessário à gerência de um sistema de cooperativas de crédito por pessoas de baixa escolaridade. É portanto um resultado essencialmente social, expresso na capacidade de fazer lucrativas as cooperativas, mas também na capacidade dos dirigentes do sistema, agricultores familiares, de negociarem com o Banco do Brasil, com o BNDES, com o Banco Central. Não existem estudos de satisfação dos associados, e sim medidas qualitativas como a participação dos sócios no funcionamento da cooperativa e as taxas de crescimento do número de sócios. Território e estratégia operacional A expansão do sistema é feita a partir da demanda dos sindicatos e outras organizações pertencentes à Frente Sul para a Agricultura Familiar, que fazem pesquisas locais (de capacidade de poupança local, bem como de capacidade de movimentação e de número de agricultores familiares na região). A partir daí, a base regional faz a análise de viabilidade. Onde não há base regional, a análise é feita pela BASER: a executiva do sistema tem três diretores – um diretor de relações institucionais, um diretor responsável pelos agentes comunitários, e um diretor para assuntos financeiros. Além disso, há dois diretores que fazem parte do Conselho de Administração, mas não da executiva, que estão encarregados de acompanhar o plano de expansão do sistema. O sistema atua nos três estados do Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná. Foi decidido em assembléia, em 2002, que a área de atuação do sistema fica restrita ao Sul enquanto sistema Cresol. Ao mesmo tempo em que há grande interesse de divulgar o sistema de forma 185

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que ele possa ser replicado ou adaptado em outras regiões, enquanto estrutura jurídica e física, existe uma preocupação em ter uma área geográfica de atuação definida e de não “perder o controle” do crescimento. A estratégia de descentralização consiste em desmembrar as cooperativas quando começam a crescer, de maneira a manter o núcleo de atuação direta a nível local. Assim, ao invés de crescer concentrando, o sistema Cresol cresce gerando novas cooperativas a partir das já existentes – é a idéia de municipalização das cooperativas. Relações com atores locais As relações entre as cooperativas singulares da Cresol e o poder local ainda são muito tênues. Algumas cooperativas conseguiram uma parceria, que resultou, por exemplo, em cessão de funcionários por um período, de sala, computadores emprestados, mas não há, via de regra, uma parceria muito concreta com o poder público local. No Rio Grande do Sul, foram obtidos avanços nesta área, inclusive empréstimos de médio prazo para estruturação das cooperativas. No Paraná e em Santa Catarina, há um técnico cedido da EMATER. Existe uma avaliação por parte da BASER de que falta compreensão do poder local quanto à importância das cooperativas no formato descentralizado da Cresol, que mantém os recursos municipais aplicados no município, além de trazer recursos de fora, ao contrário de outras instituições financeiras que captam nos pequenos municípios para aplicar nos centros maiores. Por outro lado, a independência – forçada – com relação ao poder local torna a instituição em certa medida imune às mudanças de governo. A relação de parceria consolidada existente é com o Sindicato de Trabalhadores Rurais, nos três estados. Quanto às ONGs, estas são as principais responsáveis pela construção de uma proposta alternativa de assistência técnica, revisão do modelo tecnológico e pesquisa. O modelo que é dominante hoje é um pacote tecnológico, em que o agricultor depende do agroquímico, do agrotóxico, da semente híbrida ou transgênica. Esse modelo não é sustentável para a agricultura familiar. É com o apoio das ONGs que a Cresol pretende intensificar a conversão do seu quadro social para a agricultura agroecológica. 186

Monitoramento de impacto A Cresol realizou uma pesquisa de impacto na cooperativa singular de Francisco Beltrão, com o objetivo de criar uma metodologia que posteriormente seria aplicada a todo o sistema. A pesquisa, coordenada por Alvori dos Santos, agrônomo assessor da BASER, foi financiada durante os primeiros seis meses pelo próprio sistema Cresol. Posteriormente, a pesquisa passou a ser financiada pelo NEAD/IICA. A pesquisa pretendia mapear o perfil dos sócios, o impacto da tecnologia utilizada e do crédito. A origem é a necessidade do sistema saber o que acontece com o agricultor que pega o recurso na ponta. Em 2000, o sistema Cresol começou a repassar o PRONAF investimento, o que provocou uma reflexão interna. Segundo Alvori, o sistema já vinha sistematicamente discutindo os efeitos que o crédito traz de endividamento estrutural, em função do modelo de agricultura existente: preços estabilizados dos produtos, custos de produção subindo a 15% ao ano, o que leva à perda da agregação de valor – à perda de renda. A pesquisa tem como objetivo, portanto, avaliar os efeitos do crédito dentro da atual conjuntura. À época das visitas do IBAM, os resultados da pesquisa ainda não estavam publicados, mas o coordenador Alvori dos Santos nos adiantou alguns dados preliminares: 1. Quanto ao perfil dos sócios: a BASER sempre acreditou que não havia 15 clientes potenciais do PRONAF B na região (até porque, segundo o pesquisador, a posição do governo é de que o público para o PRONAF B só existe no Nordeste). No entanto, num universo de 725 tomadores de crédito, 18% teriam condições de acessar o PRONAF B. Em outras palavras, o público da Cresol Beltrão situa-se numa faixa de renda mais baixa do que se imaginava. Na Cresol Beltrão: 18% situam-se na faixa do PRONAF B, 56% na do C e 26% na do D. Isto é um dado

15 Os clientes potenciais do PRONAF são assim distribuídos - PRONAF A: assentados da reforma agrária; PRONAF B: renda bruta de até 1.500 reais anuais; PRONAF C: renda bruta de até 10.000 reais anuais; PRONAF D: renda bruta de até 30.000 reais anuais.

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significativo, visto que a Cresol Beltrão é considerada das mais estruturadas. Assim, a perspectiva é que este resultado seja ainda maior para outras cooperativas. Em outras palavras, a faixa de renda em que se situam os sócios da Cresol é mais baixa do que anteriormente supunham os pesquisadores. 2. Foi feita também a caracterização do quadro social segundo 5 microrregiões diferentes, por condição de meio (tipo de solo). A conclusão a que se chega é que se aplicando o mesmo pacote tecnológico nas 5 regiões, numa vão ser colhidas 50 sacas e 90 na outra, com o mesmo custo de produção. Em áreas muito próximas, há portanto uma grande variação na produtividade. A cooperativa já tinha esta hipótese, que foi confirmada pela pesquisa. Este resultado pode ser útil para a análise do retorno do crédito. 3. Outro dado mostrou que apenas 23% dos associados têm renda positiva. Os outros estão tendo prejuízo, particularmente por causa do leite (99% dos cooperados trabalham com leite), e também da suinocultura. Isso ainda não é fator de inadimplência, mas certamente pode influenciar na próxima safra, até porque esses agricultores estão se descapitalizando. 4. Quanto ao impacto do crédito em termos de retorno: no caso do grupo B, para cada real emprestado, um real é pago, e agrega 32 centavos; no caso dos grupos C e D, 22 centavos. Este dado mostra que o mais desestruturado, que pratica uma agricultura que agrega por hectare 300 reais (os dois outros grupos agregam respectivamente 700 e 1000 reais), é mais eficiente. Já no caso da agricultura orgânica, para cada real emprestado, ele paga e ainda agrega R$1,50. Este valor dá a medida da importância da conversão para a agricultura orgânica para o agricultor familiar. Observa-se então que, se a existência do sistema Cresol oferece de fato um apoio fundamental face às condições adversas enfrentadas pela agricultura familiar, por outro lado corre-se o risco de, ao expandir as linhas de crédito, aumentar a dependência dos agricultores com relação a este, o que seria contrário à própria missão definida pelo sistema. 188

GO - Gestão Operacional Mecanismos de redução da inadimplência, cobrança e recuperação A taxa de inadimplência global do sistema acima de 60 dias é de 8%. O provisionamento é feito de acordo com as regras do Banco Central. Existe uma proposta da instituição de provisionar também as operações de PRONAF Investimento (que estão em torno de R$23 milhões), que vencem em até 8 anos, por considerar que a longa duração do empréstimo constitui um risco para a instituição. Agora, a partir do resultado positivo de cada cooperativa, está sendo implementada uma política de provisionamento. O monitoramento da carteira começou a ser feito agora: até então, não havia um monitoramento detalhado da inadimplência. Faz-se, hoje, uma avaliação da classificação da carteira mensal, por todos os diretores. A cobrança na ponta é feita unicamente pelos diretores das singulares. Há algumas linhas em que os agentes cobram, como o crédito de bem-estar social. Mas por enquanto não há remuneração para o agente; está-se pensando em instituir uma remuneração sobre a carteira, vinculada à inadimplência – aí então o agente passará a ser responsável pela recuperação dos créditos. Produção e gerenciamento de informações A contabilidade é feita nas bases regionais a partir das informações enviadas pelas singulares, mas sem ter acesso a nenhum documento – estes ficam todos nas cooperativas singulares. A decisão de tirar a contabilidade das cooperativas se deu quando houve um roubo por parte de um gerente: foram tirados os gerentes e a contabilidade foi para a regional. Como a base regional tem acesso a 100% das informações, o objetivo foi criar uma barreira entre a produção e o gerenciamento das informações contábeis. Setorizou-se pois a contabilidade, que passou a ser responsabilidade da base regional; além disso, na central é feito o monitoramento. Foi neste mesmo momento que se criou a figura do Conselho Fiscal, existente em cada singular. Os Conselhos Fiscais são também compostos 189

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de agricultores familiares, que foram especificamente treinados para este fim. Cada nota é checada pelo conselho fiscal, e se for encontrado algum problema este tem o poder de convocar uma auditoria da base regional. Além disso, uma vez por mês, os contadores fazem uma conferência com o conselho fiscal. Segundo informação fornecida pelo contador da BASER, há três anos e meio que não acontece nenhum desvio comprovado dentro do sistema, depois da implantação dessa estrutura de controle. O software utilizado, Coopcred, foi desenvolvido por uma empresa junto com a Cresol: esta empresa (Leosoft) até hoje faz o acompanhamento e as atualizações do sistema necessárias. O sistema foi desenvolvido com foco no cruzamento das informações para a contabilidade. Assim, todos os módulos são integrados à contabilidade – assim, quando se faz uma movimentação no módulo de disponibilidade, o sistema já sabe que vai ter que debitar a conta contábil vinculada a este, e creditar o que o histórico determinar. É voltado sempre para a conciliação contábil. Os relatórios exigidos pelo BACEN e pela Receita Federal são gerados automaticamente. Relatórios de controle interno: 1. Classificação de risco aparece individual, por associado (para os que devem mais de 5.000 reais – que são os que vão para o BACEN). 2. Relatório de desenquadramento de capital (o endividamento pode ser até 12 vezes o capital integralizado): o relatório lista os que estão desenquadrados, que precisam integralizar uma diferença de capital (porque o endividamento deles é maior do que o permitido). Às vezes, o endividamento é considerado um adiantamento de capital, por ser uma situação temporária, e o sócio não vai integralizar mais capital. Mas o monitoramento é feito de um por um, sendo a decisão sobre a real situação do sócio tomada pelo diretor da cooperativa. 3. Para o gerenciamento: distribuição de aplicações por faixa de valores (até 100 reais/ até 300 reais etc.) e média de aplicações; distribuição de capital por faixas de valores; distribuição de empréstimos por faixa (nº de contratos). Estes relatórios podem ser obtidos por sócio, por cooperativa, por gênero, por estado. 190

4. Evolução das aplicações – saldo das aplicações nos últimos seis meses (por cooperativa ou o consolidado na central). 5. Evolução dos empréstimos; saldo de empréstimos vencidos (em valor). Isso porque uma taxa de inadimplência pequena, dependendo da base, pode representar um volume mais ou menos considerável . 6. Distribuição da inadimplência por linha de crédito. Quanto às filtragens e à criação de novos relatórios, o sistema é bastante flexível, sendo isto considerado um dos seus pontos fortes. Auditorias Externa – Banco Central Em agosto de 2002, a Cresol foi auditada pela primeira vez pelo Banco Central. Os maiores pontos de interesse dos funcionários do Banco Central consistiram na definição da estruturação do setor de normas e disciplinas dentro do sistema – na BASER, quem responde pela carteira, quem responde pelos empréstimos. Além disso, o Banco Central queria ver os normativos: onde está escrito que um contrato tem que ser assinado pelo avalista, onde está escrito que um depósito em cheque é bloqueado dois dias. O segundo ponto relevante foi relativo à atuação da central nas singulares – até que ponto se tem controle efetivo. A Cresol, apesar de ter regras de funcionamento bem definidas, não tinha os normativos escritos: estes foram fruto da auditoria do Banco Central. Foi aprovado no Conselho o normativo de auditorias internas, e o normativo de cargos e funções, com 14 funções dentro do sistema (10 de funcionários e 4 de diretores), bem como o roteiro de auditoria. Um ponto que chamou a atenção dos auditores, segundo relato da Cresol, foi o fato de que a situação das cooperativas era divulgada para o conjunto, e a figura da “administração compartilhada”, que está no Estatuto da Cresol-BASER, em que cooperativas com dificuldades de gerenciamento são acompanhadas por um determinado período pela cooperativa vizinha, tendo que prestar contas a esta e fazer relatórios – é um mecanismo que não está previsto em nenhum 191

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manual e está se mostrando eficiente para o sistema. A intervenção por 30 ou até 60 dias de uma cooperativa vizinha, que trabalha com as mesmas condições, tem dado resultados positivos. Interna – Contábil e técnica Estão previstas auditorias semestrais feitas pela equipe de contadores das bases regionais, em outras bases – de forma que os contadores nunca vão auditar seu próprio trabalho. Como a legislação não exige que a auditoria seja feita por profissionais de 3º grau (exceto o contador responsável), a Cresol definiu que a equipe de auditores possa ser composta de pessoas de nível médio – e não unicamente de contadores –, considerando que no estudo da execução do trabalho na ponta (aplicação do crédito), a presença de um técnico agrícola seja mais útil à fiscalização do que a de um acadêmico. Política de recursos humanos Após a auditoria do Banco Central e por demanda deste é que foi elaborado o Plano de cargos e funções (para o sistema inteiro), discriminando o que cada um faz e a quem responde. Na opinião da instituição, este plano já existia, não tendo sido no entanto escrito. O fato de ser colocado no papel foi considerado interessante na medida em que deixou alguns pontos mais claros. Os entrevistados dão como exemplo o caso do caixa de cada cooperativa, que pela sua função de controle do dinheiro, tem que saber a quem responde, “senão todo mundo que chega lá manda no caixa”; da mesma forma, ele tem que saber quando ele tem a obrigação de não fazer algo, também, e quem é responsável. Além disso: nos casos em que o contador tem um auxiliar, ele responde pelo auxiliar, não se pode responsabilizar o auxiliar pelo erro. Existem algumas unidades de atendimento pré-cooperativa (que posteriormente serão cooperativas), em que o caixa tem funções diferentes. Para 2003, está prevista uma discussão de salários, pois hoje há cooperativas que pagam mais e que pagam menos pela mesma função – é necessário que haja uma uniformização, sentida pela própria instituição, sob pena de se criarem conflitos internos. A outra questão importante para a instituição 192

consiste na definição de quem contrata quem, e quem demite quem. Em princípio, é o presidente da cooperativa, o presidente da base regional que tem esta responsabilidade. Entretanto, detectou-se um problema a partir do momento em que essas pessoas se tornam auditores, que vão fazer auditoria em outras cooperativas: o diretor da outra pode fazer uma reclamação, e fazer pressão para que o auditor de sua cooperativa seja demitido, se não estiver satisfeito com o resultado da auditoria. A definição do conselho foi que os auditores deverão passar por um processo de seleção pela central, e sua demissão também está vinculada à central, para preservar os profissionais: entende-se que estão prestando um serviço à central. O quadro operacional da Cresol (diretores liberados e agentes) é exclusivamente composto de agricultores cooperados, como já foi visto. No início da instituição, o gerente financeiro não era agricultor. No entanto ocorreram vários problemas, entre eles o de o gerente financeiro, por não ser agricultor, não entender direito do fluxo de produção da agricultura familiar: eles utilizavam uma linguagem técnica descolada da realidade dos agricultores e acabavam se incompatibilizando com estes. Segundo um dos entrevistados, “hoje [quando o diretor é agricultor], na cooperativa o agricultor pode falar de suíno, pode falar de vaca de leite, de tudo o que num banco tradicional não teria essa liberdade de conversar e se sentir à vontade. Tendo um agricultor à frente da instituição, eles estão entre iguais.” Por sua vez, o funcionário administrativo é, do ponto de vista da Cresol, mais do que um funcionário: tem que conhecer a estratégia do sistema e entender o quadro social. Os colaboradores normalmente são filhos de agricultores, agricultores ou diretores que se capacitam para fazer um trabalho burocrático. Eles fazem parte do comitê de crédito. Seguidamente, a instituição reúne este grupo para fazer o trabalho de formação operacional e também de capacitação política. Os contadores têm um fórum mensal, que se reúne com diretores da base regional. Geralmente são os que trazem maior quantidade de questionamentos. Nas cooperativas singulares, a estrutura é composta de um caixa e um auxiliar, e, nas mais consolidadas, há ainda a figura do controlador da carteira (que já foi caixa) – que assessora o diretor. 193

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ME - Metodologia Creditícia A Cresol só empresta recursos para os próprios sócios16 . Inicialmente, o diretor liberado é que captava os créditos em cada cooperativa. Posteriormente, foi criada a figura do agente de crédito e desenvolvimento. A criação do agente se deveu à necessidade de uma ponte entre os diretores (fazendo trabalho de balcão) e os sócios. A cooperativa tinha que estar mais próxima do agricultor. Havia também a necessidade de reduzir os custos de transporte dos agricultores17 (e também a perda do trabalho de cada dia em que o agricultor ia à cidade). Assim, hoje, o agente é que recolhe as novas demandas de crédito, e as leva até a cooperativa. É responsável pela análise do negócio e apresenta as demandas para o diretor liberado. O agente de desenvolvimento emite um parecer sobre o crédito, mas não participa das decisões do comitê. Pode ser chamado para defender sua proposta no comitê, que se reúne uma vez por semana. Além disso, hoje, a seleção dos novos sócios é feita pelo agente de desenvolvimento, que já dá um parecer com relação ao caráter do pretendente a sócio: se é participativo, se abre espaço para a família participar. Também faz a análise do capital e da unidade de produção. Centraliza os pequenos serviços dos agricultores – trazer proposta de elevação de limite de cheque, fazer um depósito. Por último, o agente tem o papel de organizar as compras coletivas. O agente tem uma função mais abrangente do que o agente de crédito: é pensado como um agente de desenvolvimento. No entanto, ao contrário do que ocorre nas outras instituições de microcrédito, aqui o agente não participa da decisão final sobre a concessão do crédito, nem do processo de recuperação dos créditos em atraso: estas funções são cumpridas pelo diretor liberado, o que impede a equiparação plena dos agentes de desenvolvimento da Cresol aos agentes de crédito de outras instituições.

16 Ao contrário de outras cooperativas de crédito. 17 Para o agricultor, muitas vezes o pagamento do transporte e passagem saía mais caro do que o juro do PRONAF.

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O agente é indicado localmente (pelo próprio quadro de sócios da cooperativa). Normalmente, são pessoas que já têm destaque na área da associação, da comunidade. O perfil desejado de agentes é o de pessoas que tenham vínculo e interesse no desenvolvimento da comunidade, visto que para a instituição os agentes são futuros quadros da cooperativa – a posição de agente é, pois, uma qualificação intermediária, que é um caminho para a renovação de quadros nas cooperativas e no próprio sistema. Os agentes são coordenados pelo coordenador de agentes em cada base regional: além disso, a central tem um diretor responsável pela coordenação dos agentes, pelo planejamento e supervisão de suas funções. Em termos de garantias, o marco jurídico das cooperativas permite a uma instituição como a Cresol muito maior flexibilidade do que às OSCIPs e SCMs. Assim, as garantias aceitas pela instituição são: aval de terceiros, aval solidário18 , penhor e hipoteca. A avaliação da instituição é de que alguns agricultores não gostam de pedir aval a terceiros, então fazem penhor de máquina, de estruturas facilmente removíveis. Do bem penhorado tem que ser feito seguro, renovado durante toda a duração do empréstimo. A hipoteca, por sua vez, é feita sobre a terra nua (sem que se considerem as bem-feitorias realizadas nesta). A garantia real tem que ser de 1,3 vezes o valor do empréstimo (por exemplo: para um crédito de R$10.000,00, pede-se R$13.000,00 de garantia). No entanto, mesmo havendo alguma resistência ao aval de terceiros, o aval solidário ainda é a forma mais freqüente de garantia utilizada: somados os contratos que utilizam hipoteca e penhor, a avaliação é de que totalizem em torno de 17% do total no último ano.

Considerações finais A experiência da Cresol reúne várias particularidades que a destacam das outras experiências relatadas. O fato de ser um sistema de coo-

18 O aval solidário é uma modalidade em que um grupo de agricultores dá o aval ao crédito de um deles: diferentemente do crédito solidário, não é necessário que o grupo inteiro seja tomador de crédito.

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perativas, cujo controle exclusivo é dos agricultores familiares, dá ao crédito realizado pela Cresol uma perspectiva de desenvolvimento local muito clara, que se reflete na sua organização e na sua estrutura, bem como na preocupação constante de formação e informação de todos os seus membros. A Cresol atingiu dimensões consideráveis, e conseguiu manter a proposta de descentralização de controle e decisões – mesmo após a necessária criação da central de crédito “que não centraliza o crédito” –, assim como uma intensa participação dos seus membros em cada um dos níveis de atuação, a partir de um planejamento estratégico cuidadosamente executado. Sem dúvida, a origem da instituição nos movimentos populares e a tradição de luta dos agricultores familiares da região Sul são fatores indissociáveis do sucesso obtido pela instituição até o momento; é uma questão em aberto a de se um sistema semelhante pode ser replicado para outras regiões e outras bases culturais do país. Por outro lado, apesar do incontestável sucesso obtido, os primeiros resultados da pesquisa de impacto realizada pela instituição trazem à baila a importância dos condicionantes externos ao crédito (preços dos produtos agrícolas, preços dos insumos) no que se refere ao objetivo de crescimento da pequena agricultura familiar, e mostram que se o acesso ao crédito impediu uma maior desestruturação da região, não foi suficiente para bloquear a perda de renda dos agricultores, o que pode colocar futuramente em risco a própria saúde financeira da instituição, permitindo reafirmar a necessidade e oportunidade de uma política integrada de desenvolvimento agrícola que tenha como um dos seus eixos a sustentação à agricultura familiar.

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Considerações Finais

A expansão do setor de microfinanças no Brasil recoloca as interrogações sobre as relações entre instituições financeiras e o chamado terceiro setor. A história das ONGs de crédito no Brasil não reproduziu o longo caminho percorrido pelas da América Espanhola, no qual o debate sobre capacitação e integração com o mercado financeiro foi muito mais intenso. O debate e a consolidação do marco regulatório impulsionaram nestes últimos anos a especialização do setor. As IOMs surgem hoje no Brasil com uma definição precisa enquanto instituições financeiras, tanto aquelas sem fins lucrativos, como é o caso das OSCIPs, quanto as com fins lucrativos, as SCMs, formadas a partir de um perfil próximo ao do sistema financeiro tradicional. Entretanto, a dubiedade nas mudanças mais recentes de regulamentação parece indicar o caminho de uma relação complementar e integrada. A formação das ONGs de crédito, nascidas no âmbito de projetos de economia solidária e desenvolvimento local, não pode ser entendida apenas como uma história de instituições informais que se formalizam no mercado. As OSCIPs não devem ser entendidas como formas de tercerização ou de incubadoras de experiências para as SCMs, mas reconhecendo que há um campo distinto, de missão e estratégias, que diferenciam a economia solidária da economia de mercado. 197

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Esta visão determina que instituições diferentes devem ser tratadas de forma diferente, sem que isso iniba a formas de integração ou seja entendida como uma visão que exclua algum destes setores. Do mesmo modo que se exige uma eficiência operacional das SCMs e OSCIPS, deve-se buscar respectivamente uma eficácia em termos de mercado e de objetivos sociais. Os estudos mais recentes sobre microcrédito têm acompanhado os indicadores financeiros e mergulhado pouco nos indicadores de impacto e nas estratégias diferenciadas destas instituições. A pesquisa qualitativa e quantitativa nos indica que há um deslocamento entre a história de formação das ONGs de crédito e o caminho atual impulsionado pelo marco regulatório. As ONGs de crédito, nascidas em sua maioria no interior de projetos de geração de trabalho e renda, transformam-se em OSCIPs e SCMs nas quais se constata a ausência de integração entre as ações de geração de trabalho e renda e o microcrédito. Esta parece ser uma questão limitante para o setor de microfinanças enquanto instrumento de desenvolvimento local. A exclusão econômica e social é também espacial. A ausência de parcerias e a necessidade de resultados operacionais expressivos para garantir a sustentabilidade influenciam evidentemente na construção de caminhos setoriais de mercado, perdendo uma dimensão necessária de identificação de demandas locais e de construção de uma articulação entre os atores locais, pois o aumento da demanda deve ser pensado a partir das estratégias de desenvolvimento local. Por outro lado, o microcrédito enquanto negócio ainda se encontra longe da maturidade. O mercado das microfinanças, mais difuso e não territorializado, leva as SCMs a optarem pelos formais e a ausência de agentes de crédito. Porém, o estudo mostra que no campo de políticas públicas algumas SCMs ainda precisarão de um apoio governamental mais sólido para conseguir criar estratégias que atendam à dupla função: rentabilidade para os sócios e atendimento ao microempreendedor. Esta visão, que diferencia distintos campos econômicos e mercados, não é recente no interior do debate econômico. No campo da economia popular, tem se procurado fazer distinções entre lógicas econômicas de economias familiares e aquelas empresariais presentes no mercado. O 198

próprio debate sobre micro e pequena empresa procura diferenciar os setores: aqueles mais ligados a um processo de sobrevivência econômica dos empreendimentos, os que têm capacidade de desenvolvimento e expansão e, por fim, os que podem agregar valor a partir de inovações tecnológicas ou se expandir a partir do aumento de escala. Deste modo, os caminhos da gestão estratégica nas microfinanças visivelmente se confundem com a trajetória de inserção das instituições em cada um destes mercados. Uma vez que as estratégias encontram-se profundamente vinculadas à natureza jurídica das instituições, não há como separar a evolução das relações político institucionais do setor das estratégias de consolidação destes distintos mercados. Esse debate inclui a proposta de compreender o papel desempenhado pelas IOMs no processo de desenvolvimento econômico local. Para tanto, pressupõe-se desenvolvimento econômico local como a constituição de uma ambiência produtiva inovadora, na qual se desenvolvem e se institucionalizam formas de cooperação e integração das cadeias produtivas e das redes econômicas e sociais, de modo a ampliar as oportunidades locais, gerar emprego, trabalho e renda, atrair novos negócios e criar condições para um desenvolvimento sustentável. O microcrédito se constitui no sistema de intermediação financeira dos processos de desenvolvimento econômico local. Nesta dimensão de novos atores locais de promoção do desenvolvimento econômico, é possível afirmar, como verificação da análise da inter-relação das experiências de desenvolvimento local com microcrédito, que: 1) não há um único modelo, mas um consenso de que a política de microcrédito não deve ser vista de forma isolada, e sim como um dos instrumentos de combate à exclusão de setores econômicos e sociais; 2) surge uma nova espacialidade ancorada na possibilidade de promoção do desenvolvimento econômico local. A este novo papel dos municípios se incorporam novos atores locais, como as IOMs, os Agentes de Crédito, as Câmaras Regionais, as Agências de Desenvolvimento e os Agentes de Desenvolvimento, que refletem a diversidade de experiências. A maioria destes atores se insere numa visão de organizações públicas não-estatais; 199

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3) a experiência das IOMs hoje se diferencia dos fundos rotativos da década de 70, na medida em que incorpora uma especialização necessária e tecnologias creditícias adequadas ao microcrédito; 4) estas experiências de microcrédito devem estar articuladas à comercialização, capacitação, e a um sistema de informação e apoio ao associativismo. Como caminho de articulação, surgem como experiências inovadoras no Brasil a implantação das Agências de Desenvolvimento; 5) as experiências de microcrédito se potencializam quando articuladas a projetos de desenvolvimento local ou articuladas à gestão pública territorial; Neste sentido, este estudo permitiu o aprofundamento de questões que podem contribuir para a superação de alguns dilemas, tais como: 1) pensar a centralidade e o marco legal do desenvolvimento econômico local, já que políticas macro – tributárias, fiscais, monetárias, de comércio exterior – determinam hoje uma ambiência desfavorável ao desenvolvimento econômico local; 2) ainda que o modelo de ONG de crédito tenha se constituído em uma experiência que determina caminhos de institucionalização, refletida no incentivo à criação das SCMs, este não é um caminho único, exigindo maiores debates em torno dos desenhos institucionais possíveis de sistemas alternativos de financiamento, como tem sido feito através dos papéis desempenhados pelas ONGs de desenvolvimento e pelas OSCIPs; 3) o debate permite reconhecer experiências relacionadas IOMs mistas (Bancos do Povo), de Fundos de Crédito Municipais, de Fundos de Garantias e de Retrogarantias; 4) necessidade de ampliação das linhas de crédito de desenvolvimento institucional que permitam o surgimento de um maior número de IOMs; 5) integração ao mercado versus economia solidária como duas tendências que marcam hoje formatos institucionais e referências de políticas públicas de microcrédito. 200

A busca de novas alternativas para a formulação das políticas tem por pressuposto a existência de uma mudança de paradigmas no desenvolvimento econômico, e isto tem feito os estados e a sociedade civil procurarem novas formas ou modelos de desenvolvimento endogenamente orientados. Uma das possibilidades que vem sendo adotada para tratar do desenvolvimento endógeno é aproximá-lo ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas. Esta estratégia se fundamenta no fato de que estas empresas são a base do emprego nacional, além de responderem por grande parte da massa salarial paga aos trabalhadores, o que constitui um percentual importante da demanda do país. Sob tal base é que se encontram os dilemas que permeiam o debate sobre políticas públicas na atualidade. As políticas de geração de trabalho e renda estão na ordem do dia para quaisquer dos governos públicos e são pleitos constantes das organizações da sociedade civil. Neste sentido, o setor de microfinanças vem se apresentando aos formuladores de políticas públicas, assim como aos grupos socialmente excluídos, como uma alternativa eficiente de redução da miséria, contribuindo para incluir parte desses grupos à sociedade pela via da concessão de crédito. Considerando os aspectos da gestão operacional, vale registrar que as dificuldades de expansão da demanda têm levado as IOMs ao aprimoramento dos processos e das rotinas operacionais. A escassez de recursos.e as dificuldades de captação, combinadas com a competição com outras alternativas de crédito, têm levado as IOMs a buscar novos caminhos para otimizar sua atuação, criando novos procedimentos gerenciais que resultem em redução dos custos, como a criação dos agentes independentes e dos recuperadores de crédito. A escassez de recursos para o desenvolvimento institucional, provocada por uma retirada dos financiamentos internacionais a fundo perdido e uma presença ainda moderada do BNDES e do SEBRAE na área, tem possivelmente inibido o processo de inovação nas práticas operacionais. A articulação entre as IOMs deverá ser decisiva para o aprimoramento dos processos, através da junção de forças e recursos, visando a construção de mecanismos de aperfeiçoamento operacional que resultem em uma melhora para a coletividade das instituições. 201

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Considerando este cenário, os estudos qualitativos realizados sugerem que: • A dificuldade de captação de recursos tem funcionado como um fator limitante para as SCMs. • A expectativa de obter financiamento do BNDES, o que não ocorreu, cria dificuldades para as SCMs operarem com a metodologia de microcrédito, levando muitas delas a dispensarem a figura do agente de crédito e dando preferência a negócios formais e empréstimos de maior valor. • O modelo institucional das SCMs encontra-se sob um controle bem mais rígido, gerando com isso uma série de documentos e responsabilidades não existentes em outras instituições de microcrédito • O marco legal criado para o setor ainda não surtiu o efeito que se esperava, sendo ainda possível atuar de forma eficiente sem a titulação. • Os benefícios da titulação de OSCIP foram poucos e localizados. Embora um número considerável de ONGs de microcrédito tenha se transformado em OSCIP, elas significaram a adequação ao marco legal e não aparecem como uma necessidade real,. • A relação de complementariedade ou transformação de OSCIPs em SCMs é algo controverso e não deve ser pensada apenas como uma forma de resolver problemas do marco regulatório, mas em função das missões a que estas instituições se destinam, enquanto ações de cunho social e filantrópico e atividades lucrativas para pessoas físicas. • ONGs e OSCIPs possuem ainda uma função muito importante na expansão do microcrédito para localidades pequenas e públicos não rentáveis. A consolidação de parcerias com atores locais, sobretudo com as prefeituras municipais, resulta na redução dos custos e na viabilização das operações. • A experiência das cooperativas com controle de produtores, articuladas ao desenvolvimento local, apresenta possibilidades de serem replicadas ainda que não estejam contempladas dentro do marco regulatório de microcrédito, 202

• A experiência do CRESOL reafirma a existência da Cooperativa de crédito enquanto ator de microfinança, ofertando outros produtos financeiros além do crédito. • O segmento das cooperativas de crédito é, no entanto, muito heterogêneo, sendo interessante encaminhar uma discussão acerca do que caracterizaria uma cooperativa como sendo de microcrédito. O processo de expansão de microfinanças no Brasil acompanha o que já vem se discutindo em diversos fóruns internacionais sobre as mudanças de estratégia de crédito voltado para enfrentar a ambiência de pobreza de populações locais. De algum modo, o marco regulatório não estimulou este debate e a própria experiência de microfinanças no Brasil ainda é muito incipiente. A demanda por este caminho não se restringe ao crédito, mas parte da premissa de que a atividade produtiva que se desenvolve diariamente procura satisfazer necessidades humanas, exigindo o acesso a outros produtos financeiros e não financeiros. No campo financeiro é no interior da economia solidária que novos produtos têm sido desenhados. Não se trata de ideologizar o debate mas de, necessariamente, reconhecer que são mercados, tecnologias creditícias e parcerias distintas. Enfrentar as condições de pobreza significa criar um ambiente de desenvolvimento humano, no qual indivíduos e famílias aspiram adquirir sua habitação, dotá-la de condições de habitabilidade, ampliar o nível de educação de seus filhos, consolidar uma poupança mínima que possa cobrir eventuais enfermidades ou uma calamidade imprevista, romper barreiras colocadas pela exclusão digital, e ter acesso à cultura e uma vida cidadã. Está claro que não caberá a uma instituição de microfinanças estabelecer estes serviços não financeiros, mas a visão estratégica de uma economia social permite afirmar que, se as instituições de apoio à indústria de microfinanças não se planejarem para oferecer diretamente ou através de alianças estratégicas com entidades especializadas a promoção destes serviços e desta ambiência local de desenvolvimento humano, dificilmente poderemos falar de um impacto exitoso do microcrédito.

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