“EXPANSÃO URBANA: COMO ESTÁ SENDO FEITA E PARA QUEM? UMA ANÁLISE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA A PARTIR DO ESTUDO DA REGIÃO METROPOLITANA DE CAMPINAS-SP.”

June 23, 2017 | Autor: Caroline K. Luz Pera | Categoria: Expansão Urbana
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“VIII CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO.” GT 08 – EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA PARA A PROMOÇÃO DO DIREITO À CIDADE. “EXPANSÃO URBANA: COMO ESTÁ SENDO FEITA E PARA QUEM? UMA ANÁLISE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA A PARTIR DO ESTUDO DA REGIÃO METROPOLITANA DE CAMPINAS-SP.” Caroline Krobath Luz Pera1 Prof. Dra. Laura Machado de Mello Bueno2 Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir fragilidades relacionadas à legislação urbanística que trata da questão da expansão urbana a partir do estudo da Região Metropolitana de Campinas- espaço amostral utilizado para apresentar como e para quais agentes os municípios estão planejando- por meio de leis, sua expansão urbana. Entende-se que é por intermédio da construção do conhecimento a respeito do planejamento urbano contemporâneo que torna-se possível traçar perspectivas para o futuro. Baseia-se, portanto, em uma pesquisa empírica, através da análise do crescimento urbano real e da legislação urbana federal e municipal que tangencia o tema da expansão urbana. Investigou-se a localização e os agentes beneficiados com as alterações recentes de Perímetro Urbano e analisou-se: o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), a Lei que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano (Lei nº 6766/1979 e suas revisões), os Planos Diretores dos municípios da RMC e suas Leis municipais de Perímetro Urbano. Contribui, portanto, para explicitar que a maneira como um município planeja seu território e orquestra seus agentes está intrinsecamente associada ao padrão de espaço que produz. Palavras-chave: Produção e gestão do espaço, Legislação urbanística, Perímetro urbano, Expansão Urbana.

1. Introdução: Este artigo 3 tem como objetivo discutir fragilidades relacionadas à legislação urbanística que tangencia a questão da expansão urbana a partir do estudo da Região Metropolitana de Campinas (RMC) 4 - espaço amostral utilizado para apresentar como e para quais agentes os municípios estão planejando, por meio de leis, sua expansão urbana. Ao propor esta pesquisa, parte-se do entendimento que a legislação urbanística não é uma mera peça técnica, mas sim fruto do embate de interesse dos diversos agentes que compõem a sociedade. Porém, por meio do mapeamento das alterações de perímetro urbano 1

Arquiteta Urbanista- Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Email: [email protected]. 2 Arquiteta Urbanista- Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Professora do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Email: [email protected]. 3 Esta pesquisa é fruto do Mestrado em urbanismo, em desenvolvimento, por meio da dissertação: “Processo contemporâneo de expansão urbana: alterações de perímetro urbanos e fronteiras metropolitanas de ocupação recente- Estudo da Região Metropolitana de Campinas”. 4 Institucionalizada pela Lei Estadual nº 870/2000, composta a princípio por 19 municípios, a RMC apresenta hoje- após a inclusão de Morungaba (Lei Estadual nº 1.234/2014), 20 membros: Americana, Artur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Morungaba, Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa Bárbara D’Oeste, Santo Antônio de Posse, Sumaré, Valinhos e Vinhedo.

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ocorridas recentemente em municípios da RMC, observou-se que apenas uma parcela dos agentes, aqueles atuantes no que pode-se chamar de arena oculta5, conseguem legitimar- por meio de leis, os rumos de seus interesses na produção e gestão do espaço. Evidenciando como a forte cultura patrimonialista presente na sociedade brasileira acaba dificultando a implementação do Direito à Cidade de forma universal. 2. A expansão urbana contemporânea na Região Metropolitana de Campinas. O processo de expansão urbana da RMC está associado ao incremento industrial ocorrido ali a partir da década de 1970 e aos seus eixos de acessibilidade regional (ver Fig. 2), como por exemplo: as rodovias Anhanguera e Bandeirantes- que ligam a RMC à São Paulo e ao interior paulista, a Rodovia D. Pedro I- que liga a RMC ao Vale do Paraíba e, por meio da Rodovia Dutra, ao Rio de Janeiro, a Rodovia Santos Dumont- que passa por Campinas no eixo do Aeroporto Internacional de Viracopos indo até a região de Sorocaba e a Rodovia Adhemar de Barros – que liga a RMC ao Sul de Minas Gerais. No entorno dessas principais Rodovias, Anhanguera e Bandeirantes, nota-se um eixo praticamente continuo de conurbação. Porém, ainda mais impactante que a conurbação é o processo de urbanização dispersa existente na RMC. A região possui atualmente 3.016,704 habitantes6 distribuídos em um território de 3.795 Km2, sendo 23,6% desta área de fato urbanizada7 e estando aproximadamente 40,5% da área total da região inserida dentro de perímetros urbanos municipais, conforme constatado por esta pesquisa a partir da espacialização dos perímetros grafados e descritos em legislação urbanística municipal. A prática da expansão urbana sobre áreas rurais é uma realidade constante nesta área metropolitana. Campinas tinha 4,6% do seu território dentro do perímetro urbano em 1952, chegando a 47,6% em 20008 e com proposta de inclusão de outros 1738 ha em 2014. Além de Campinas, outros dez municípios que compõem a RMC alteraram seu perímetro urbano nos últimos cinco anos, intensificando um padrão de urbanização caracterizado como: disperso (com baixa densidade populacional), fragmentado (com grande quantidade de vazios urbanoscerca de 27,9%9 da área urbana da RMC é composta por glebas vazias) e com acentuada segregação sócio-espacial em escala municipal e metropolitana, com predominância de 5

RIBEIRO, 2012. O termo “arena oculta” foi desenvolvido por Ana Clara T. Ribeiro e Amélia Rosa Sá Barreto para denotar os espaços limitados e instavelmente institucionalizados em que efetivamente são decididos os rumos dos investimentos públicos no espaço urbano, e que refletindo a natureza transescalar da atual fase do capitalismo, modifica recursos apropriados na produção da riqueza e oculta da participação social as arenas políticas em que são decididos os processos mais relevantes para o futuro da vida coletiva. 6 Segundo dados do Censo Demográfico 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 2010. 7 Dados da área de fato urbanizada contidos em NASCIMENTO, 2013. 8 Dados de 1952 e 2000 retirados do caderno de subsídios do Plano Diretor Municipal de Campinas, 2006. 9 Segundo o Plano Metropolitano de Habitação de Interesse Social. AGEMCAMP, 2009.

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famílias de baixa renda no trecho oeste, entre: Hortolândia, Sumaré e o Sudoeste de Campinas. Este processo recorrente de crescimento urbano sobre o rural ocorre devido a forte permissividade do planejamento público, por meio de uma combinação entre: uma baixa resistência quanto à mudança de uso do solo rural para urbano, somada a uma forte pressão do mercado imobiliário para o crescimento da expansão urbana. Evidenciando que a expansão urbana pode ocorrer desassociada de um: crescimento das atividades urbanas, crescimento demográfico ou mesmo da efetiva ocupação dos espaços inseridos em localidades já consolidadas do tecido urbano10, como verificado na região estudada. A RMC demonstra ser emblemática para a discussão da ausência de critérios que privilegiem o interesse público no processo de crescimento urbano, tanto em escala municipal, quanto em escala regional. Os planos diretores municipais da região, na maioria das vezes, não tratam da questão do ordenamento territorial da expansão. Da mesma forma verifica-se a ausência de uma visão integrada de planejamento entre os municípios, sendo os Planos Metropolitanos desprovidos de poder político que garanta sua efetividade. A Agência Metropolitana de Campinas (AGEMCAMP), inaugurada em 2000, é uma autarquia estadual que tem por finalidade integrar o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum na RMC, porém, elaborou até hoje apenas cinco Planos Metropolitanos11 e empreendeu poucos esforços para a efetiva implementação destes, tanto que nenhum deles foi transformado em lei estadual ou incorporado em legislação municipal. Sabe-se que a dificuldade de atuação dos entes metropolitanos é algo estrutural, pois as regiões metropolitanas no Brasil já nascem descoladas de critérios de dotação orçamentaria. Entretanto, para a presente pesquisa, nos interessa apontar como a ausência de planejamento metropolitano acentua a prática de planejar que privilegia uma atuação de cada municipalidade apenas para dentro do seu próprio limite politico-administrativo, como observado nos onze municípios da RMC que expandiram seu perímetro urbano sobre áreas rurais sem travar diálogo algum com as municipalidades limítrofes. O mapa abaixo (Fig. 1) espacializa a situação descrita. Apresenta os municípios que aprovaram alteração de perímetro urbano, assim como a forma de aprovação destas alterações. Espacializa, portanto, quais municípios aproveitaram para fazer alterações em seu 10

SANTORO, 2011. A AGEMCAMP desenvolveu: o Plano Integrado de Transportes Urbanos (2004), o Plano Metropolitano de Saúde (2008), o Plano de Gestão de Resíduos Sólidos (2009), o Plano de Habitação de Interesse Social (2009) e o Plano Estratégico de Desenvolvimento da RMC (2010), que tangencia a questão da expansão urbana se forma muito genérica e superficial.

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perímetro no decorrer da aprovação de um novo Plano Diretor e quais aprovaram a alteração mediante Lei complementar ao Plano Diretor já existente. Do espaço amostral, os quatro municípios que realizaram Revisão do Plano Diretor entre 2001-2014 aproveitaram para incluir alterações em seu perímetro urbano ao aprovar um novo plano. O que nos leva a teorizar que vem sendo de praxe aproveitar a revisão do plano diretor para expandir seu limite urbano legal. Fig. 1: Municípios da RMC que alteraram seu perímetro urbano após 2010. Elaboração: Caroline Pera, 2015.

Quanto à espacialização desta alterações, o mapa abaixo (Fig. 2), elaborado a partir da leitura da legislação urbanística municipal12, localiza estas expansões de perímetro urbano em dois momentos: em cinza claro- os perímetro entre 2001/2010 e em preto- as áreas incluídas ao perímetro entre 2010/2014. Com a seguinte ressalva, as alterações realizadas nos municípios de Cosmópolis, Arthur Nogueira e Santo Antônio de Posse não foram especializadas devido a falta de informações cartográficas a respeito destas transformações. 12

A pesquisa empírica partiu da Legislação Urbanística coletada e organizada pelo Prof. Dr. Jonathas Magalhães Pereira da Silva, também membro o grupo de pesquisa “Políticas Territoriais e Água no Meio Urbano” do Programa de Pósgraduação em Urbanismo da PUC-Campinas, para a sua pesquisa “Os Processos de ocupação dos espaços públicos e privados e o direito à moradia urbana” (2009-2011). A partir do banco existente, foi realizada pela primeira autora em 2014 uma atualização, com a inclusão: das Leis de Perímetro, dos Planos de expansão urbana e das revisões e leis complementares aos Planos Diretores Municipais da RMC aprovados após 2009. Foi possível desta forma sistematizar dois momentos para a analise da expansão dos perímetros urbanos: um primeiro momento de 2001-2009 e outro de 2010 -2014.

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Também estão representadas neste mapa abaixo (Fig. 2) as zonas de expansão urbana (em amarelo), mapeadas a partir do que os municípios em seus planos denominaram de: zonas, áreas ou macrozonas de expansão urbana. Apesar da ausência de um consenso a respeito da nomenclatura e do significado legal destas áreas, a análise da legislação urbanística da região apontou que onze dos municípios possuem em seu Plano Diretor áreas específicas destinadas à futura expansão da área urbana legal. Figura 2: Localização das alterações de perímetro urbano municipal na RMC. Elaboração: Caroline Pera, 2015.

Na leitura do mapa acima cabe destacar o caso de dois municípios: Indaiatuba e Itatiba. O município de Itatiba revela-se um caso interessante pois é o município da RMC que mais possui áreas de expansão urbana, sendo possível o parcelamento do solo em praticamente 70% do município. Além disso, este é o único município da região que prevê em seu Plano Diretor o instrumento de recuperação de mais valia urbana, por meio da cobrança da outorga onerosa de alteração de uso rural para urbano em áreas inseridas dentro da zona de expansão urbana. Percebe-se que, apesar do município aparentemente possuir a preocupação de reverter parte dos lucros da produção imobiliária para todo o município, ele é o município mais permissível quanto à urbanização em seu território. O caso do município de Indaiatuba é relevante pelo fato deste possuir uma grande quantidade de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) sobre áreas de expansão urbana, 5



tendendo a produção de um território com acentuada segregação sócio-espacial, já que suas áreas periféricas estão sendo reservadas à população de menor renda. 3. Reflexões sobre a base legal da expansão o urbana. No desenvolvimento da presente pesquisa percebeu-se a dificuldade em obter o limite do perímetro urbano municipal. Acredita-se que parte desta dificuldade ocorra devido a falta de um vocabulário urbanístico padrão que uniformize os termos. Soma-se também, o fato das leis de perímetro não terem a obrigatoriedade de virem acompanhadas por cartografias e descrição, o que impossibilita o acesso efetivo à informação. Outro aspecto importante diz respeito a ausência de diretrizes - no âmbito federal - que regulamentem a delimitação do perímetro urbano e solidifiquem seu conceito. Notou-se que as Leis de Perímetro urbano e os Planos Diretores muitas vezes só apresentam: ou o memorial de descrição das coordenadas dos perímetros, ou o mapa anexo. Sendo pouquíssimas as vezes nas quais ambos estão presentes. Sem contar as vezes nas quais a lei contém apenas a descrição do novo trecho incorporado ao perímetro urbano, ao invés de contemplar nova área aprovada no contexto da descrição total. Além disso, observou-se a existência de casos nos quais estão em vigor duas ou mais leis municipais com informações relativas ao perímetro urbano, mas com informações conflitantes quanto à sua delimitação. Ou seja, as vezes o Plano Diretor descreve um perímetro e a Lei de Perímetro Urbano- que geralmente data dos anos 1970 ou 1980- um outro. Em outros casos, existe uma impossibilidade de comparação entre as leis, pois as informações inseridas são dadas de formas diferentes, por exemplo: no Plano Diretor existe somente o mapa do perímetro urbano e na Lei de Perímetro existe apenas a descrição das coordenadas. Ou ainda, como no caso de Paulínia, sendo necessário pesquisar outras leiscomo a Lei de Uso e Ocupação do solo, para obtenção do perímetro da área urbana. São frágeis no Brasil tanto as definições legais, quanto as definições teóricas que tangem o conceito de perímetro urbano. Não sendo à toa que, na bibliografia nacional sobre este instrumento, são encontrados os adjetivos: “imaginário” e “flexível” para caracteriza-lo. SPAROVEK; LEONELLI e BARRETO13 descrevem o perímetro urbano como uma “linha imaginária”, ou seja, uma linha abrupta e invisível que visa separar o território urbano do rural através de critérios que carecem de uniformidade normativa nacional. Sendo apontado que o perímetro geralmente resulta de interesses ligados às forças e grupos que exploram o capital imobiliário local, não havendo- na grande maioria das vezes- por parte das prefeituras, 13

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SPAROVEK; LEONELLI e BARRETO, 2004.



critérios associados a estudo de viabilidade urbanística e ambiental para demarcar o perímetro urbano e as áreas de expansão urbana. SANTORO14 caracteriza o perímetro urbano como “flexível”, devido a existência de políticas territoriais municipais que pouco tem interferido no processo de urbanização das áreas de transição rural-urbana de forma a controlar o crescimento urbano horizontal e planejá-lo com qualidade. Ficando os perímetros, então, a mercê das pressões do mercado e da pouca resistência à mudança do rural para o urbano. A função do perímetro urbano deveria ser a delimitação até onde um município pode produzir parcelamentos do solo do tipo urbano. Porém, parece não haver um consenso sobre esta definição no Brasil, pois, até em artigos acadêmicos o termo é algumas vezes equivocadamente definido, dando a entender que perímetro urbano é a área do tecido que já se encontra urbanizada, ao invés de caracterizar o limite até onde o tecido urbano pode se expandir. Fica explicita, desta forma, a necessidade de esclarecer, inclusive junto ao corpo técnico que trabalha com planejamento e direito urbanístico, o papel do perímetro urbano enquanto instrumento de planejamento urbano. Registrou-se, para na RMC, a utilização na legislação urbanística de cinco termos diferentes para mencionar o perímetro urbano, por exemplo: “limite da cidade”, “zona urbana”, ”área urbana”, “macrozona urbana” e até planos que mencionam só a existência de um “perímetro rural”, sendo -o urbano- definido por exclusão a aquele. Outra fragilidade encontrada e que compromete a compreensão da real delimitação dos perímetros diz respeito à natureza das informações. Não fica claro na legislação brasileira se a Lei de Perímetro urbano é uma Lei: independente, complementar ao Plano Diretor ou se precisa estar contida dentro dele. Observou-se que, dos vinte municípios estudados, dezessete mencionam em seu Plano Diretor a existência de um perímetro urbano. Oito destes- além de mencionarem- descrevem o perímetro. E outros oito, apresentam mapa do perímetro urbano como anexo da lei. Não sendo, porém, necessariamente os mesmos oito que descrevem e apresentam mapa anexo. Assim, quanto à clareza das informações contidas na Legislação Urbanística, pode-se dizer que: doze municípios apresentam de forma clara seu perímetro urbano, cinco informam seu perímetro de maneira dúbia e em três casos - Americana, Sumaré e Cosmópolis, é praticamente impossível descobrir, com precisão, qual o perímetro da sua área urbana. 14

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SANTORO, 2014.



Percebeu-se, portanto, que não existe no Brasil nenhuma lei federal que regulamente a definição do perímetro urbano e das áreas de expansão urbana, assim como sua aplicação e suas obrigatoriedades. Vale ressaltar que, o Decreto de Lei nº 311 de 1938 - ainda vigente, apesar de propor uma divisão territorial que regulamenta no país o que pode vir a ser considerado urbano e rural em escala municipal, não regulamenta a definição de perímetro urbano. Este termo nem mesmo consta no texto dessa lei, assim como não é encontrado na Lei nº 6766/1979 e no Código Tributário brasileiro. O Código Tributário, Lei nº 5171/1966, dispõe entre outros sobre o pagamento do Imposto Territorial Urbano (IPTU). Ao que tange o ordenamento territorial, em seu Art. 32, dispõe sobre a necessidade jurídica dos municípios grafarem uma zona urbana, não havendo especificações a respeito do limite desta zona urbana dialogar com o perímetro urbano municipal. Além das zonas urbanas, os municípios podem grafar áreas urbanizáveis e áreas de expansão urbana, nas quais também será cobrado IPTU. No parágrafo primeiro do Art. 32 do Código Tributário, para efeitos de cobrança de impostos, é descrito o que entende-se por zona urbana15. Seu parágrafo segundo, dispõe que a lei municipal pode também considerar como urbana, para fins tributários, as áreas urbanizáveis ou de expansão urbana- constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes e destinados: à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior. A Lei nº 6.766/1979 (com nova redação dada pela Lei nº 9785/1999), que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, em seu Art. 3, também fala em: zonas urbanas, de expansão urbana e de urbanização específica, somente nas quais é admitido o parcelamento do solo para fins urbanos. Cabendo ao Plano Diretor Municipal a definição destas áreas. Notase que a legislação brasileira destina ao Plano Diretor Municipal a função de estabelecer seu ordenamento territorial, o que reforça – mais uma vez - a necessidade de uma normativa federal trazer diretrizes e parâmetros para a definição dos instrumentos de planejamento da expansão urbana. O Estatuto da Cidade, em seu texto original de 2001, não possuía nenhum artigo específico a respeito do planejamento da expansão urbana. Porém, em 2011 e em 2012 foram

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Ou seja, aquela onde for observado o requisito mínimo de pelo menos duas das exigências de melhoramentos indicados, como: existência de meio-fio ou calçamento com canalização de águas pluviais, abastecimento de água, sistema de esgotos sanitários, rede de iluminação pública - com ou sem posteamento para distribuição domiciliar e presença de escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros do imóvel considerado. BRASIL, 1966.

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realizadas alterações em seu texto, que passou a incorporar artigos relacionados à temática do planejamento da expansão urbana. A Lei nº 11.997 de 2009, que dispõe sobre o Programa “Minha Casa, Minha Vida", também altera trechos do Estatuto da Cidade. Foi incluída a demarcação urbanística e a legitimação de posse para fins de regularização fundiária, mas infelizmente não foram realizadas modificações quanto à priorização de financiamento aos empreendimentos com localização adequada para as unidades habitacionais, o que fragilizaria o recorrente discurso da expansão do perímetro urbano com finalidade de atender à programas habitacionais16, como vem ocorrendo na região estudada. É em 2011 que ocorre a primeira modificação no texto do Estatuto da Cidade com o intuito de incorporar o tema da expansão urbana na lei federal. O artigo modificado foi o Art. 42, que em seu texto original estabelecia o Plano Diretor como instrumento definidor das áreas urbanas onde poderia ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. Por meio da Medida Provisória nº 547 de 2011, o artigo 42-A é incluído. Medida tomada devido aos desastres naturais ocorridos no Brasil por conta das chuvas intensas, como: em Santa Catarina no ano de 2008, em Pernambuco e Alagoas no ano de 2010 e na região Serrana do Rio de Janeiro em 201117. O Art. 42-A determina que os municípios com áreas de expansão urbana devem elaborar Planos de Expansão Urbana, ficando a aprovação de projetos de parcelamento do solo urbano em áreas de expansão urbana condicionada à existência de um Plano de Expansão Urbana, nos quais precisam constar, no mínimo: “a) a demarcação da área de expansão urbana; a delimitação dos trechos com restrições à urbanização e dos trechos sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais; b) a definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para: infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais; c) a definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo - de modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda; d) a previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de ZEIS e de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido; e) a definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural e f) a definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de

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Cabe destacar que este argumento é utilizado até mesmo em municípios onde existe uma grande vacância fundiária urbana. Nossa hipótese é que diretrizes que priorizem os empreendimentos bem localizados não foram implementadas por uma questão de desconhecimento da realidade do mercado de terras no Brasil e sim pela necessidade de tornar o programa atrativo aos empreendedores privados. 17 NAME e BUENO, 2013.

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expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do Poder Público.” (BRASIL, 2001).

Esta medida, sem dúvida, avança ao exigir dos municípios um planejamento sobre suas áreas de expansão urbana, prevenindo possíveis desastres e garantindo que só ocorra parcelamento do solo em áreas passiveis de urbanização. Em 2012 ocorre uma nova mudança no Art.42-A. Sendo incluindo ao Art. 42 o Art. 42-B, por meio da Lei nº 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC, autorizando a criação de um sistema de informações e monitoramento de desastres. O novo artigo 42-A deixa de prever a necessidade de um plano específico para as áreas de expansão urbana, pois passa-se a exigir que as diretrizes constem no próprio Plano Diretor dos Municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis. Sendo estas diretrizes o estabelecimento de: “a) parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e a contribuir para a geração de emprego e renda; b) o mapeamento das áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos; c) planejamento de ações de intervenção preventiva e realocação de população de áreas de risco de desastre; d) medidas de drenagem urbana necessárias à prevenção e à mitigação de impactos de desastres; e) diretrizes para a regularização fundiária de assentamentos urbanos irregulares, se o houver, observadas a Lei n 11.977/2009, e f) demais normas federais e estaduais pertinentes, e previsão de áreas para HIS por meio da demarcação de ZEIS e de outros instrumentos de política urbana, onde o uso habitacional for permitido e identificação e diretrizes para a preservação e ocupação das áreas verdes municipais, com vistas à redução da impermeabilização das cidades.” (BRASIL, 2012).

Por meio do Art. 42-B cria-se a exigência de um plano municipal específico, elaborado caso o município queira ampliar seu perímetro urbano. Sendo necessário, além da demarcação do novo perímetro urbano, a delimitação de: “a) trechos com restrições à urbanização e sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais; b) definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais; c) definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda; d) previsão de áreas para HIS por meio da demarcação de ZEIS e) de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido; definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural e a definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do poder público.” (BRASIL, 2012).

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Estes dois novos artigos do Estatuto da Cidade buscam equacionar um déficit de planejamento existente nos Planos Diretores atuais, melhorando as diretrizes de planejamento das futuras áreas parceladas. Porém, estes novos artigos do Estatuto da Cidade são ainda de pouco conhecimento por parte da população, da sociedade civil organizada e do próprio setor público municipal (Executivos e Legislativos). No contexto da RMC, constatou-se apenas no município de Valinhos a existência de um plano específico- no caso um Estudo de Impacto de Vizinhança18, para aprovação de alterações no perímetro urbano municipal. Quanto à definição teórica acerca das áreas de expansão urbana, o Estatuto da Cidade caminha na mesma direção da Constituição de 1988, definindo que as áreas de expansão urbana são aquelas destinadas pelo Plano Diretor ou lei municipal ao crescimento ordenado das cidades, vilas e demais núcleos urbanos, bem como aquelas incluídas no perímetro urbano a partir da publicação da MP – Medida Provisória. Verificou-se que para o termo área de expansão urbana também existe uma ausência de um vocabulário urbanístico comum, assim como a falta de definições teóricas e legais sobre o assunto. Sendo inexistente diretrizes acerca da localização das áreas de expansão urbana no interior do município. Ou seja, fica indefinido na legislação brasileira se estas áreas devem estar dentro ou fora do perímetro urbano. Assim, no espaço amostral da RMC, quando existente tais zonas de expansão urbana, em oito municípios elas estão dentro do perímetro urbano, mas em seis casos elas estão fora (Engenheiro Coelho, Holambra, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna e Paulínia). Além disso, em cinco casos não fica definido com clareza onde elas estão localizadas no interior do município, levando-nos a acreditar que estas podem “surgir” a qualquer instante e em qualquer local. 3.1 Macrozoneamento e o Planejamento da expansão urbana. Também por meio da pesquisa empírica 19 , analisou-se o ordenamento territorial proposto pelos municípios da RMC em seus Planos Diretores, como pode ser verificado através do mapa abaixo (Fig. 3). O mapa da esquerda espacializa os municípios que realizaram, a partir de seus Planos Diretores, um Macrozoneamento. Percebe-se que, dos vinte, apenas Paulínia e Cosmópolis não propõem em seu plano uma divisão territorial que visa orientar especificadamente cada setor do município, tanto urbano quanto rural. 18

VALINHOS, 2014. Estudo de impacto de vizinhança de Valinhos. Valinhos. Esta pesquisa sobre o Macrozoneamento da RMC partiu da metodologia proposta por SILVA, 2011. Foi realizada uma atualização de seu trabalho a partir dos novos Planos Diretores municipais, revisados após 2009, sendo acrescentada por pesquisa a análise quanto a existência de Macrozonas de Expansão urbana.

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Além disso, cinco municípios criam macrozonas apesar de não utilizarem esse termo ao proporem uma estruturação territorial de planejamento. E dois municípios- Hortolândia e Holambra- criam macrozonas, porém conceitualmente de forma incorreta. Sendo, portanto, onze os municípios que criam- conceitualmente de forma correta, um macrozoneamento na RMC. Foi possível constatar, também, que parte dos municípios não possuem ainda o entendimento pleno acerca do conceito de macrozoneamento, devendo este englobar áreas urbanas e rurais. Pedreira, Cosmópolis, Hortolândia, Nova Odessa e Santa Bárbara D’Oeste propõem macrozonas apenas para sua área urbana, excluindo o espaço rural de um olhar mais aprofundado sobre suas particularidades, potencialidades e fragilidades. Figura 3: Informações da organização territorial dos município da RMC. Elaboração: Caroline Pera, 2015.

Outro aspecto verificado, diz respeito a proposição de uma divisão territorial calcada em apenas três realidades de planejamento: a urbana, a rural e a de expansão urbana. Este tipo de divisão territorial foi encontrada em sete municípios da RMC (como mostra o mapa da direita, na Fig.3). Em síntese, são 16 os municípios que propõem de fato um macrozoneamento, existindo em dez deles uma área destinada à “expansão urbana”. Evidenciando que alguns municípios da região estruturam sua divisão territorial incluindo a expansão urbana como diretriz de planejamento municipal.

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Quanto aos parâmetros e as diretrizes definidas para estas macrozonas de expansão urbana, como esta pesquisa encontra-se em desenvolvimento, tais dados ainda não foram levantados. 3.2 Crescimento da área urbanizável como sinônimo de desenvolvimento. É interessante frisar que parte dos municípios da RMC legitima sua expansão urbana pautando-se na ideologia de que o crescimento da área urbana municipal traz, por si só, desenvolvimento urbano. São muitos os municípios que utilizam o termo expansão urbana como sinônimo de desenvolvimento urbano, definição questionável, principalmente diante de um processo que não reverte para todo o município os ganhos sociais e financeiros obtidos com a alteração de perímetro urbano. Como apontam BUENO 20 et all, o termo desenvolvimento urbano carrega um conteúdo dúbio. Pode ser interpretado como a denominação de políticas públicas. Por outro lado é uma atividade de um setor capitalista. Ou seja, é usual a utilização do termo desenvolvimento urbano denominando estruturas municipais de gestão territorial em paralelo ao uso do termo pelos setores econômicos de produção imobiliária. O desenvolvimento urbano precisa ser compreendido como um processo mais abrangente do que o simples espraiamento do tecido urbano, pois, a expansão urbana sobre o rural pode estar relacionada -ou não- a um futuro desenvolvimento urbano do município. Ou, como proposto por LOPES DE SOUZA21, a um desenvolvimento sócio-espacial. Segundo o autor, desenvolver-se não necessariamente implica em: crescimento horizontal urbano, aprovação de novos empreendimentos imobiliários, modernização do seu espaço e dos transportes e ter áreas embelezadas e remodeladas. O conceito está associado a um desenvolvimento que visa conquistar conjuntamente justiça social e ambiental por meio da melhora da “qualidade de vida (SIC) para um número crescente de pessoas”. Não devendo ser um desenvolvimento meramente econômico, mas sim sócio-espacial. Foi constatado por esta pesquisa que, em praticamente todos os Planos Diretores dos municípios da RMC, aparece o termo desenvolvimento urbano. Porém, cabe ressaltar que mesmo nas situações nas quais a utilização do conceito se dá enquanto sinônimo de desenvolvimento sócio-territorial, sua real efetivação mostra-se truncada pois as diretrizes propostas, quando existem, possuem aplicação genérica e de pouca concretude. Acredita-se que essa avalanche de utilização do termo esteja relacionado ao momento de elaboração destes planos analisado. Todos elaborados entre 2001 e 2012, no contexto da 20 21

BUENO; TÂNGARI; SILVA; MONTEZUMA e PEZZUTO, 2012. LOPES DE SOUZA, 2007.

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aprovação do Estatuto da Cidade (2001), lei federal que nasce do Projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano (PL nº 775/83) e que regulamenta os Art. 182 e 183 da Constituição de 1988. Na Constituição Federal de 1988 o termo desenvolvimento urbano aparece em dois artigos: no Art. 21- que dispõe a respeito da competência da União em instruir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento, transporte urbano, infraestrutura de energia e telecomunicações. E no Art. 182- que dispõe sobre o objetivo da política de desenvolvimento urbano municipal, a qual deve ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. No Estatuto da Cidade o termo desenvolvimento urbano aparece em três artigos: nos Art. 2 e Art. 3- ambos no capítulo que trata das diretrizes gerais e no Art. 43- que dispõe sobre a gestão democrática. Percebe-se, portanto, que mesmo no Estatuto da Cidade não existe uma definição concreta acerca do termo. Apenas são reforçados aspectos já introduzidos pela Constituição de 1988, ou seja, a necessidade de cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana e a necessidade da gestão democrática. Foi no Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano22, elaborado pelo Ministério das Cidades em 2004, que encontrou-se a definição do termo desenvolvimento urbano. Descrito enquanto espacialização efetiva de melhorias no território urbano, tendo estas um papel chave na “melhoria da qualidade de vida” de todos os habitantes da cidade. Sendo seu objetivo fundamental o combate à apropriação privada dos investimentos públicos na construção das cidades. Nota-se, portanto, que nenhuma lei federal define de forma objetiva o que é desenvolvimento urbano. Permitiu-se, com isso, que cada município passasse a se apropriar do termo da maneira que o compreendesse, interpretando-o de acordo com seus interesses políticos, econômicos e sociais. Novamente sendo visto os interesses públicos sendo relegados em função de interesses pessoais de agentes da sociedade. 4. A produção das alterações de perímetro urbano e seus agentes. Assim como a implantação de novos empreendimentos imobiliários, a constante expansão do perímetro urbano está atrelada à lógica de produção capitalista do espaço que, por meio de agentes como o Estado e o Setor Imobiliário, transforma a terra urbana em mercadoria. Portanto, ao estudar as ampliações ocorridas nos perímetros urbanos municipais, está estudando-se uma das formas pelas quais o capitalismo amplia suas fronteiras de 22

BRASÍLIA, 2004.

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expansão do capital. Não sendo este, contudo, um capital revertido igualmente a todos os setores da sociedade, o que torna a legislação urbanística - quando alterada para prevalecer apenas determinados agentes da sociedade, um instrumento de manutenção de desigualdades sociais. Ou ainda, como aponta HARVEY 23 , a forma como o capitalismo se utiliza da aplicação do excedente do capital no território acaba dissolvendo todos os tipos de direito e roubando da sociedade a possibilidade de uma ação de decisão coletiva sobre os rumos da produção cidade, privando-a, desta forma, do direito de ter acesso ao processo de participação. Vale ressaltar que, esta pesquisa, ao lidar com os agentes responsáveis pela produção e gestão do espaço urbano, não se pauta nos atores individuais- ou seja- em pessoas específicas atuantes nestes processos, mas sim nos atores coletivos- entendidos enquanto grupos e ou organizações que agem em uma arena política, como: setor Industrial, o Mercado, o Estado e os atores que ocupam um território pautando-se na necessidade de morar. Sendo os três últimos exemplos fundamentados a partir das lógicas de funcionamento da produção do mercado do solo urbano existente na cidade neoliberal, propostas por ABRAMO24. A tabela abaixo apresenta os agentes produtores do espaço encontrados nas áreas recém incorporadas ao perímetro urbano municipal da RMC, assim como os empreendimentos instalados (quando já aprovados) e a argumentação utilizada para sua aprovação. As informações abaixo foram coletadas por meio de: artigos publicadas em Jornais e nos Sites das Prefeituras Municipais, leitura dos Planos Locais de Gestão25 e análise dos Projetos elaborados para aprovação de alteração no Perímetro urbano26. Tabela 1: Agentes atuantes em áreas incorporadas ao perímetro urbano. Elaboração: Caroline Pera, 2015. Empreendiment o instalado no local:

Característica do empreendimento e justificativas utilizada para aprovar a alteração de perímetro urbano:

1. CAMPINAS - Glebas na -Ainda não foram instalados empreendimentos no local. Macrozona 2 -Estância Paraíso

-Loteamento fechado exclusivamente residencial. Esta alteração de perímetro visa regularizar o empreendimento já aprovado e consolidado em zona rural através da Lei 8.853/96, que dispunha sobre a fixação de critérios para a criação de Bolsões Urbanos na área rural do município de Campinas.

Agente produtor do espaço:

Mercado

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HARVEY, 2012. ABRAMO, 2007. 25 CAMPINAS, 2011, Plano Local de Gestão da Macrozona 2. CAMPINAS, 2012. Plano Local de Gestão da Macrozona 5. 26 VALINHOS, 2014. Estudo de impacto de vizinhança de Valinhos. 24

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-Recanto dos Dourados -Swiss Parq

-Empreendimento de Habitação de Interesse Social. Perímetro urbano alterado para implantação de empreendimentos de HIS.

-Loteamento fechado exclusivamente residencial. Esta alteração de perímetro visa regularizar o empreendimento já aprovado e consolidado, apesar de possuir um terço de sua área em zona rural. O Plano de Gestão da Macrozona onde o empreendimento se insere justifica esta alteração de perímetro pautando-se no entendimento de que o empreendimento difere, por suas características urbanas, do principal uso do solo da Macrozona 6, rural. -Residencial -Habitação de Interesse Social. São Luís Esta alteração de perímetro visa regularizar o empreendimento já aprovado, construído e entregue aos moradores. -Gleba na -Ainda não foram instalados empreendimentos no local. Macrozona 5. Esta alteração de perímetro visa incluir uma área ao perímetro urbano pelo fato “dela já estar incrustada em área urbana e delimitada pelos eixos viários da Rodovia dos Bandeirantes e pela Estrada Municipal CAM 331”. Ainda segundo o Plano Local de Gestão da MZ5, “esta área localiza-se entre áreas já urbanizadas e infra-estruturadas, possuindo características de vazio urbano. A inserção desta área no Perímetro Urbano torna-se de relevante interesse público, pois além de ofertar áreas com facilidade de receber infraestrutura, poderá trazer benefícios para a comunidade moradora na MZ 5, ao criar um polo regional na região, possibilitando a implantação de indústrias às margens da Rodovia dos Bandeirantes e criação de centralidade, com a implantação de comércios e serviços, além de ofertar áreas de lazer, através da constituição de um grande parque público de fácil acessibilidade aos moradores daquela região”. Porém, através do mesmo Plano descobre-se que estas glebas estão inseridas em uma área de interesse ambiental, composta por três fragmentos de cerrado e remanescentes de floresta estacional semi-decidual, como: a mata do Haras Boa Vista, as Matas do Córrego do Banhado e o grotão do Núcleo Santa Isabel. Isto nos leva a teorizar que as questões ambientais não foram levadas em consideração na proposição do novo perímetro. - Parque dos -Loteamento fechado exclusivamente residencial. Alecrins Esta alteração de perímetro visa regularizar empreendimentos já aprovados. Estes loteamentos possuem sua maior parte inserida no perímetro urbano, ficando uma pequena parte deles fora do mesmo. Isto ocorre, pois, o artigo 2º da Lei Municipal n° 8.161/1994 permite que se 70% de uma gleba onde se pretende instalar um loteamento esteja dentro do perímetro urbano, fica permitido incluir os 30% -Mont Blanc restantes no projeto do loteamento. Residence 2. INDAIATUBA Empreendi-Habitação de Interesse social. mento Esta alteração de perímetro visa criar uma ZEIS, perto do bairro “Minha Casa, Jardim Paulista, destinada à implantação de unidades habitacionais Minha Vida”. do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. Porém, parte desta área está localizada dentro do perímetro de uma APA e, segundo consta em reportagens locais, o promotor de justiça está entrando com uma ação civil contra a alteração devido à ausência de EIA-RIMA. 16

Estado

Mercado

Estado -

Mercado

Mercado

Estado e Mercado

3. ITATIBA -Gleba - Implantação de indústrias. localizada na Segundo o site da Prefeitura Municipal de Itatiba, esta alteração de Estrada perímetro tem como finalidade criar uma Zona de Uso Industrial. Municipal Benedito Antônio Ragagnin. 4. SANTA BARBARA D’OESTE -Habitação de Segundo o Secretário de Obras e Serviços do município, a mudança é Interesse uma readequação necessária para o “desenvolvimento da cidade”, social. pois as alterações visam aumentar a área de desenvolvimento econômico de Santa Bárbara D' Oeste, criando mais espaços para -Novas áreas para Industria indústrias e comércio. Além do município necessitar de áreas para construção de HIS. e Comércio 5. VALINHOS Empreendi-Empreendimento de Habitação de Interesse social. (Vertical) mento Esta alteração de perímetro visa a implantação de um “Minha Casa, empreendimento vertical do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. Minha Vida” As alterações referidas ocorreram em duas glebas: uma com área de no Bairro 47.197,64 m² e a outra com área 64.650,00 m² nas proximidades de Frutal. uma área de interesse ambiental, a Serra dos Cocais.

Setor Industrial

Estado Setor Industrial

Estado e Mercado

Para o caso de Itatiba, assim como de: Monte-Mor, Jaguariúna, Engenheiro Coelhoque aprovaram alteração de perímetro urbano conjuntamente com seu novo Plano Diretor, ainda são necessárias mais pesquisas sobre os agentes que impulsionaram estas alterações. Assim como uma pesquisa mais aprofundada para os casos de: Arthur Nogueira- que aprovou e depois revogou sua alteração de perímetro, Cosmópolis e Santo Antônio de Posse. A partir dos casos já coletados, nota-se que as alterações de perímetro urbano estão sendo pautadas pela especulação e valorização imobiliária para a construção de empreendimentos industriais e residenciais. E que estes empreendimentos residenciais, produzidos pelo agente Mercado, estão sendo realizados para contemplar tanto a população de alta renda- por meio de loteamentos fechados, quanto de baixa renda- através do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. Quanto as justificativa dado pelo Estado para aprovar a implantação de habitações sociais em áreas afastadas e inseridas em um contexto urbano-rural, onde coexistem riscos socioambientais, estas são sempre as mesmas: a ausência de terra barata e bem localizada na área urbana legal já instaurada, sendo necessário implantar as HIS em áreas onde o valor do solo é baixo, como as terra rurais. O Estado nestes casos coloca-se, portanto, enquanto legitimador deste processo questionável de planejamento, que beneficia na produção do espaço mais um dos agentes - o mercado imobiliário, em detrimento dos demais. Sendo também responsável pela produção

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constante de um estoque de terras vazias que gera especulação sobre o preço das terras urbanas e garante, ao mercado, um fluxo permanente de seus meios de produção. Por meio das justificativas utilizadas pelo setor público para aprovar as alterações de perímetro urbano, transcritas na tabela acima, percebe-se que existe um descompasso entre o território que está sendo “planejado” e as reais potencialidades e fragilidades ambientais e sociais existentes nestes locais, como observado em Valinhos, Campinas e Indaiatuba. Outra situação recorrente é a alteração de perímetro urbano voltada à atender empreendimentos do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. Sendo um agravante dos casos aqui registrados a proximidade entre os empreendimentos habitacionais e as zonas de interesse ambiental, como no caso de Indaiatuba e Valinhos. Estas aprovações, sobre ou nas proximidades de APAS, mostram-se ainda mais injustificáveis em município como Valinhos, que notoriamente é prejudicado por questões de falta de abastecimento de água, fazendo-nos refletir sobre a permissividade do Estado, que se pauta em uma lógica de produção do espaço que beneficia agentes ligados ao mercado imobiliário – proprietários de terras, incorporadoras, imobiliárias e empresas construtoras, descuidando da qualidade ambiental e de vida dos seus habitantes. Observa-se, portanto, que os discursos utilizados se repetem no contexto da RMC. Sempre pautados na ideia: de levar desenvolvimento econômico, do alto valor da terra urbana bem localizada como obstáculo para fazer habitação de interesse social- sendo por isso preciso comprar terras rurais mais baratas, de que é “racional” incluir o restante faltante na área urbana de loteamentos fechados -que possuem parte de sua área em zona rural e parte na urbana- sem a necessidade de pagamento de contrapartidas para o setor público, da promoção de novas centralidades- interpretada como sendo sempre socialmente desejável devido a concentração de novos polos geradores de empregos, comércio e serviços etc. E não sendo levantadas questões quanto à viabilidade de ocupação de territórios tão afastados e que acarretarão um maior gasto com implantação e manutenção de redes de infraestrutura e serviços, assim como as potencialidades rurais do território e as fragilidades ambientais encontradas na área. Sendo assim, fatores como a urbanidade e o desenvolvimento sócio-territorial praticamente esquecidos na hora de produzir as cidades. 5. Conclusões: Este é um trabalho que parte de um estudo empírico, pois, acredita-se que é por meio do conhecimento do quadro atual do planejamento urbano que torna-se possível traçar perspectivas para o futuro. Pesquisou-se, portanto, além das alterações de perímetro urbano e seus agentes atuantes, a legislação urbana federal e municipal que tangencia a questão da 18

expansão urbana, na perspectiva de questionar o papel do perímetro urbano quando os agentes públicos, diante de pressões de agentes específicos, alteram a legislação para atende-los, relegando assim o interesse público. Ao analisar a forma como o Estado brasileiro vem atuando, optou-se pela identificação de suas características reais, ao invés de sua idealização, resultando na percepção de um Estado - patrimonialista, com tendências neoliberais e que tem por função garantir a produção e reprodução do capital. Desta forma, nota-se que as ações realizadas por este agente não são contraditórias, pelo contrário, pois atendem a uma função específica dentro do planejamento coorporativo: a de fazer o Estado neoliberal crescer, garantindo tanto habitação para as famílias de baixa renda, quanto o lucro do agente imobiliário, mesmo que com isso a urbanidade seja deixada de lado. Este trabalho em vários momentos pontuou situações nas quais verifica-se que estamos diante de um poder público extremamente permissivo e de um setor imobiliário abusivo, que constantemente precisa produzir novos produtos imobiliários, mesmo às custas de inviabilizar a produção de planejamento sócio-espacial da expansão urbana. Este artigo contribui, portanto, para explicitar que a maneira como um município planeja seu território e orquestra seus agentes está intrinsecamente associada ao padrão de espaço que produz, ou seja: fragmentado, disperso e com segregado sócio-espacialmente. Notou-se, também, que existe uma ausência de definições claras e diretrizes concretas nas legislações, tanto federais quanto municipais, que tratam da questão da expansão urbana. Com isso, permite-se que cada município passe a se apropriar dos termos: área de expansão urbana, perímetro urbano, desenvolvimento urbano etc., da maneira que o compreendem, interpretando-os de acordo com seus interesses políticos, econômicos e sociais. Tornando a legislação urbanística um instrumento de manutenção de desigualdades sociais, quando esta é alterada para prevalecer apenas determinados agentes da sociedade. Referências Bibliográficas: ABRAMO, Pedro. 2007. A Cidade COM-FUSA: a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Vol. 9. Nº 2. Rio de Janeiro. AGEMCAMP, 2009. Plano Metropolitano de Habitação de Interesse Social. Campinas. BRASIL.1966. Código Tributário-Lei Federal nº 5171/1966. Brasília. BRASIL. 2001. Estatuto da Cidade - Lei Federal nº 10.257/2001. Brasília. BRASIL. 1979. Lei que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano -Lei Federal nº 6766/1979 e suas revisões. Brasília. 19

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