Expedição punitiva ao Benin de 1897

June 29, 2017 | Autor: Rafael Gonzaga | Categoria: História da arte, História da África
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Expedição punitiva ao Benin de 1897 por Rafael Gonzaga de Macedo Imagens:

Figura 1 Pablo Picasso, Les Demoiselles d’Avigon 1907, óleo sobre tela, 243,9 x 233, 7 cm. Nova Iorque, The Museum of Modern Art, Adquirido através do legado de Lillie P. Bliss

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Muitas pessoas devem conhecer ou já ouviram falar da obra seminal Les Demoiselles d'Avignon (figura 1) de Pablo Picasso. Essa obra foi realizada em 1907 e é considerada a peça inaugural do movimento cubista. Alguns meses antes de produzir a tela que lhe rendeu muita fama e admiração, Picasso visitou o Musée d’Ethnographie du Trocadéro em Paris e se deparou com máscaras e esculturas africanas, oceânicas e mesmo ibéricas “primitivas” que lhe deram inspiração para Demoiselles. Naquele museu, o artista não apenas olhou para aquelas peças, mas deixou que elas as olhassem de volta, abrindo, dessa forma, novas perspectivas estéticas que revolucionaram a História da arte da Europa e fundamentou as vanguardas e o modernismo europeu até pelo menos metade do século XX. É realmente uma história fascinante, pois a maneira como a vanguarda artística – Picasso incluído nela – percebeu a “plástica negra” (para usar um termo daquela época) deu a ela as potencialidades que faltavam à estética ocidental de subverter a si mesma e transformar as formas plásticas e a visão e, por consequência, transformar, também, todas as coordenadas do pensamento. Porém, hoje não falaremos de coisas tão belas, embora não menos importantes para conhecer a história da história da arte ocidental. Para ser bem preciso, nossos olhos se voltarão para exatos dez anos antes da fatídica visita de Picasso ao Musée d’Ethnographie du Trocadéro. Momento que antecede a chegada de muitos objetos africanos à Europa, quando jovens artistas corriam para lojas de antiguidades e, por muito pouco dinheiro, compravam máscaras vindas das Áfricas e substituíam suas reproduções empoeiradas de Apolo de Belvedere nos ateliês por esculturas de bronze do Benin, máscaras bambaras ou dans. Todas as coisas belas que a cultura proporciona também produzem, num efeito de contradição inerente ao nosso mundo, terríveis barbáries. E isso pode ser constatado desde o Egito antigo até os belos palácios vitorianos londrinos, construídos, direta ou indiretamente, por meio da riqueza produzida pelas mãos de homens escravizados ou operários humilhados pela miséria. Pode-se apreciar tais obras e reverenciar os líderes e poderosos que as determinaram ou, pelo contrário, sem perder de vista sua beleza, olhar por outro viés, identificando e trazendo à luz aqueles que também foram responsáveis, mas por razões de poder e riqueza foram esquecidos nos velhos livros de História 2

Universal. Afinal, para que Picasso conhecesse as máscaras oceânicas ou africanas nos museus ou para que jovens artistas como Derain ou Vlaminck pudessem compor suas coleções com tão pouco dinheiro, foi preciso que essas peças chegassem à Europa. O objetivo desse texto é contar uma das histórias que demonstram como a Europa foi inundada pelas artes africanas no último quarto do século XIX e início do XX. Esta história, entre tantas outras, é conhecida como Expedição punitiva ao Benin em 1897 (figura 2) e tem como testemunho a foto acima. O chamado Império do Benin já existia desde o século XV e ocupava uma vasta região no coração da atual Nigéria. Sua capital era uma imponente cidade fortaleza, protegida por fossos e largas muralhas de barro, e era chamada de Benin City. O Império do Benin não era um Estado inocente, ou uma presa fácil para os impérios europeus. Na verdade, grande parte da sua história é indissociável da maneira como se estabeleceu as relações entre africanos e europeus entre o século XV e o início do XIX, pois ao mesmo tempo em que as potencias europeias estabeleciam feitorias e enclaves nas regiões litorâneas da África, o Império do Benin adaptava-se às demandas europeias e se tornara, devido a isso, um Estado exportador de mão de obra escravizada para as colônias no Novo Mundo. Essa configuração entre a África e a Europa vai perdurar até o século XIX, quando os europeus deixaram de ocupar somente o litoral para adentrar no coração do continente africano. Antes dessa mudança, porém, as relações entre os impérios africanos e europeus corresponderam a uma profunda reorganização econômica, demográfica e cultural, refletindo na criação de novas rotas comercias, parceiros e objetivos. Também significou o aparecimento ou o desenvolvimento de grandes Estados imperiais africanos, como o próprio Benin, o Ashanti ou N’Gola, que cresciam conforme atendiam aos interesses econômicos das potências europeias de então. Esses impérios africanos passaram a existir no contexto político e econômico do período de grandes exportações de escravizados para as colônias europeias no Novo Mundo. Estados como o Império do Benin passaram a fazer o que todo Estado costuma fazer: estabelecer tributos e subjugar povos vizinhos a partir de um centro imperialista, ora escravizando estes povos para exportação ora para sua própria produção agrícola. Porém, com o passar dos séculos e com as mudanças econômicas e culturais que a Europa vivia no contexto da chamada Segunda Revolução Industrial, em meados do século XIX, as coisas começaram a mudar. Os domínios litorâneos ingleses, por 3

exemplo, começaram a ser pressionados pela presença de outras nações imperialistas, como os franceses, belgas e alemães, que disputavam mercados para seus produtos industrializados e matérias-primas a fim de abastecerem suas indústrias. O contexto de expansão dos domínios europeus, de enclaves litorâneos para o interior da África, coincide com a publicação do romance Coração das Trevas (1889) de Joseph Conrad. Nesse romance, Conrad tece uma ficção sobre Charles Marlow, um inglês empregado como capitão de um barco a vapor de uma companhia belga e que tinha como trabalho percorrer um extenso e “obscuro” rio africano (muito provavelmente Conrad tinha em mente o rio Congo, pois esse se encontrava sob o domínio do rei Leopold II da Bélgica) em direção ao coração do continente com o propósito de comercializar marfim. O mais impressionante, contudo, não são as artimanhas do Império Britânico para ocupar e anexar boa parte da atual Nigéria sob sua “bem intencionada” administração colonial, mas o fato de que, ao mesmo tempo em que anexavam os territórios no interior do continente, abrindo rotas comerciais que sugavam as riquezas da África, como ouro e marfim, a preços ínfimos, os colonizadores também confiscavam artefatos culturais dos povos dominados e enviavam para a Europa como uma amostra tanto da superioridade moral europeia quanto do primitivismo dos povos colonizados. Na ocasião da expedição punitiva ao Benin de 1897, foram confiscadas mais de duas mil peças de bronze, criadas desde o século XIII. Após a venda em leilão, as peças foram distribuídas entre vários museus europeus e norte-americanos, sem contar aquelas que foram parar nas mãos de colecionadores. Assim, em 1907, quando Pablo Picasso visitou o Musée d’Ethnographie du Trocadéro, é provável que ele tenha se deparado.

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Figura 2 - Membros da expedição punitiva ao Benin de 1897 no Benin posam diante de objetos pilhados

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Figura 3. Parte dos aposentos reais incendiada após o cerco de Benin-City. Nesta foto vemos três oficiais britânicos da Expedição Punitiva com diversas peças de bronze e marfim espalhados pelo chão. Fotografia de Reginald Granville (Pitt Rivers Museum, Oxford).

com algumas peças que compõe essa história.

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