Experiencia emocional sobre a maternidade veiculada em blogs brasileiros

May 23, 2017 | Autor: Andreia Schulte | Categoria: Blogs, Psicanálise, Maternidade, Sofrimento Social, Experiência Emocional
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Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo organizadora)

ISBN: 978-85-86736-73-5

LEILA SALOMÃO DE LA PLATA CURY TARDIVO (Organizadora)

ANAIS DA 14a JORNADA APOIAR SAÚDE MENTAL E INTERDISCIPLINARIDADE: PROPOSTAS E PESQUISAS LABORATÓRIO DE SAÚDE MENTAL E PSICOLOGIA CLÍNICA SOCIAL DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CLÍNICA INSTITUTO DE PSICOLOGIA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2016

ANAIS DA XIV JORNADA APOIAR 8 DE DEZEMBRO DE 2016



Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo organizadora)

Catalogação na publicação Biblioteca Dante Moreira Leite Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Jornada Apoiar (14.: 2016 : São Paulo, SP) Anais da XIV Jornada APOIAR: saúde mental e interdisciplinaridade : propostas e pesquisas, realizada em 8 de dezembro de 2016 em São Paulo, SP / organizado por Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo. São Paulo : IP/USP, 2016. 1002 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978‐85‐86736‐73‐5

1. Psicologia clínica. 2. Psicologia Social. 3. Saúde mental. I. Título.

RC467

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EXPERIÊNCIA EMOCIONAL SOBRE A MATERNIDADE VEICULADA EM BLOGS BRASILEIROS: CONSIDERAÇÕES INICIAIS 39

Andréia de Almeida Schulte Sueli Regina Gallo-Belluzzo Tânia Aiello-Vaisberg

Resumo: A presente comunicação tem por objetivo apresentar reflexões teóricoclínicas sobre um campo de sentido afetivo-emocional, produzido interpretativamente em trabalho de pesquisa realizado sobre a experiência emocional de mulheres acerca da maternidade. Esse campo, intitulado “Conciliando atividades”, organiza-se ao redor da crença de que é possível dividir o tempo entre o cuidado dos filhos e o desempenho de atividades profissionais. Entretanto, há indícios de que deste modo, seja vivenciado sofrimento emocional importante sob forma de se sentirem sobrecarregadas e divididas. Ao final, são tecidas considerações sobre a necessidade de transformações sociais das práticas de cuidados às crianças, num sentido diverso da sobrecarga materna. Palavras-chave:

Mulheres;

Maternidade;

Experiência

emocional;

Método

Psicanalítico. O Problema de Pesquisa

A experiência da maternidade é vivenciada pelas mulheres de diferentes formas, pois, cada uma tem sua história, que está inserida em contextos intersubjetivos específicos. Nosso estudo da maternidade focaliza a associação entre maternidade e sofrimento, cuja relevância é constatada na clínica psicológica. Consideramos que esta associação pode ser pensada de dois modos: 1) como algo que aconteceria apenas em alguns grupos da população, como, por exemplo, entre mulheres pobres, entre mulheres negras, entre mulheres vítimas de violência doméstica ou 2) como opressão que, atravessando as classes sociais, atingiria a todas as mulheres, ainda que com algumas diferenças. Realizamos esta pesquisa à luz do segundo modo de articular a associação entre maternidade e sofrimento.

39 Pesquisa realizada com apoio financeiro sob forma de bolsa de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES

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Neste trabalho, abordaremos o sofrimento vivenciado pelas mães a partir de reflexões teórico-clínicas sobre um campo de sentido afetivo-emocional denominado “Conciliando atividades”, que fora produzido interpretativamente em trabalho de pesquisa acerca da experiência emocional de mulheres sobre a maternidade. A Pesquisa Realizada

O sofrimento vivido pelas mães em decorrência do contexto social em que estão inseridas vem sendo tomado como tema de estudo por outros autores (Araújo et al.,2014; Corbett, 2014; Granato & Aiello-Vaisberg, 2011; Jesus, Jucá & Barbosa, 2014; Rosseto, Schermann & Béria, 2014).

Entretanto, consideramos merecer

destaque o trabalho de Badinter (1985), que se debruçou sobre o drama das mães francesas em diferentes épocas, no contexto de estratégia investigativa forjada para defender a tese de que o amor materno não corresponde a fenômeno natural. Constata a autora, usando métodos históricos, que, no século XVIII, as mulheresmães40 das classes favorecidas não mantinham contato com seus filhos até os cinco anos de idade, pois estes eram entregues às amas de leite e posteriormente a preceptores. No contexto apontado pela autora francesa, o crescente índice de mortes entre crianças não parecia ser um fato que demandasse estudo ou investigação. Podemos compreender, por meio de uma leitura não literal, o quanto aquelas mulheres não estavam dispostas a se encarregarem de cuidados diretos de crianças, embora provavelmente constrangidas a engravidar, numa época em que não se dispunha de anticoncepção eficaz. Elas não tinham escolha, ou eram casadas e engravidavam, se não apresentassem patologias ligadas à capacidade reprodutiva, ou eram solteiras, eventualmente freiras. Em outra obra, Badinter (2010) menciona uma mobilização social, no fim do século XVIII, para que as mulheres voltassem a cuidar pessoalmente dos filhos e os amamentassem, propagando um retorno do instinto maternal e aliando a maternidade ao divino.

Tal movimento visava,

certamente, o aumento de taxas de natalidade, por meio de revalorização da vida familiar. Nota-se neste momento que o estado francês se demonstra preocupado 40 Usamos este termo no mesmo sentido que Corbett (2014), para sinalizar que as mães são, antes de mais nada, pessoas, mulheres.

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com altos índices de mortes na primeira infância, condição que busca solucionar por meio do incentivo da dedicação integral ao filho. Com o propósito de garantir a sobrevivência das crianças, a primeira etapa da vida passou a ser a mais importante. Esse momento havia sido negligenciado pelos pais, quando entregavam seus filhos a amas, e apresentava maior taxa de mortalidade. O amor materno passou a ser exaltado como um valor, ao mesmo tempo natural e social, favorável à espécie e à sociedade. Ao fazer esse relato histórico, Badinter defende a tese sobre a origem cultural do amor materno. Rogoff (2005) apresenta a mesma tese, estudando diversidade cultural numa outra época. Esta autora mostra diferentes caminhos para cuidar de crianças e propiciar seu desenvolvimento em variadas comunidades. Um estudo sobre a família brasileira, realizado por Scott (2012), conclui que a “nova família”, fruto das mudanças histórico-sociais, também exigia uma “nova mulher” para configurar a “família conjugal moderna”, aquela em que a vontade dos indivíduos seria respeitada, incluindo a escolha dos cônjuges, conforme ideais do amor romântico. Neste contexto, a “nova mulher” seria uma mãe dedicada, que não delegaria a atenção aos filhos para terceiros. Estamos, portanto, diante de achados que indicam a valorização social da mãe dedicada a seu filho. As pesquisas atuais sobre a maternidade têm focalizado, principalmente, recortes específicos referentes às problemáticas da sociedade contemporânea, como pudemos constatar percorrendo a base Scielo, em artigos publicados entre 2010 e 2015, a partir dos descritores “mãe, maternidade, mulher e sofrimento”. Encontramos aí vários estudos que abordam a maternidade a partir de diferentes abordagens, dentre as quais pesquisas realizadas em várias áreas de conhecimento, tais como Educação Física, Enfermagem, Medicina, Psicologia, Saúde Coletiva e Serviço Social. Esta revisão aponta que, no cenário atual de pesquisas acerca da maternidade, a Psicologia conta com pesquisas voltadas às expectativas da maternidade e ao vínculo da mãe com seus filhos (Cabral & Levandowski, 2011; Moreira & Rasera, 2010), aos conflitos vivenciados pelas mães (Corrêa & Serralha, 2015; Langaro & Pretto, 2015) e, por fim, ao tema de mulheres que abriram mão da maternidade (Patias & Buaes, 2012). Notamos, desse modo, o interesse da Psicologia por questões relacionais e vinculares, mas não especificamente para a 237 ANAIS DA XIV JORNADA APOIAR 8 DE DEZEMBRO DE 2016



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compreensão dos sofrimentos, de que ora nos ocupamos. Entretanto, vale salientar que sua leitura indica que em variadas situações a maternidade se associa a sofrimento da mulher. O estudo da experiência de ser mãe justifica-se pela perspectiva segundo a qual a maternidade, na contemporaneidade, apresenta duas formas de ser concebida. A primeira diz respeito a ser fonte de profundas gratificações, conhecidas pessoalmente por muitas mulheres, indiretamente por outras que não a vivenciam e pelos homens. A segunda, está relacionada a sofrimento, decorrente da complexidade do viver em nossa sociedade. Esse é exatamente o nosso interesse de investigação: a associação entre maternidade e sofrimento social. Metodologia

Esta pesquisa se organiza, metodologicamente, como estudo qualitativo, na medida em que se volta para o estudo de sentidos de experiências e atos humanos, compreendidos como fenômenos que se dão de modo vincular e socialmente contextualizados (Ambrósio, Aiello-Fernandes & Aiello-Vaisberg, 2013). No que tange à nossa proposta, adotamos o referencial psicanalítico, mais precisamente a psicanálise dramática e intersubjetiva proposta por Bleger (1963/1984), a partir da qual definimos experiência emocional, enquanto conduta, como sendo um modo de habitar, dramática e concretamente, campos de sentido afetivo-emocional. O conceito de conduta forjado por Bleger (1963/1984) é a consideração de toda e qualquer manifestação do ser humano, seja quando esta acontece no plano simbólico, no plano corporal ou no plano da ação sobre o meio ambiente. A psicanálise pode ser rigorosamente definida como a mais abrangente abordagem do acontecer humano partindo de uma perspectiva psicológica. Desse modo, a conduta se insere em variados contextos sociais. Logo, a experiência emocional, como outros produtos das condutas, pode ser investigada em outros contextos e não apenas no consultório do analista, como o estudo de produções humanas, tais como temos realizado em estudos de nosso Grupo de Pesquisa PUC-Campinas/CNPq Atenção Psicológica Clínica em Instituições: Prevenção e Intervenção: filmes (Arós & AielloVaisberg, 2009; Ferreira-Teixeira, Gallo-Belluzzo & Aiello-Vaisberg, 2014), músicas 238 ANAIS DA XIV JORNADA APOIAR 8 DE DEZEMBRO DE 2016



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(Aiello-Fernandes et al, 2014), blogs (Visintin & Aiello-Vaisberg, 2015); memoriais (Riemenschneider & Aiello-Vaisberg, 2011), entre outros. Como buscamos dialogar com pesquisadores de outras linhas teóricas e metodológicas, apresentaremos nosso uso da pesquisa qualitativa e sua articulação com o método psicanalítico por meio de procedimentos investigativos (Ambrósio, Aiello-Fernandes & Aiello-Vaisberg, 2013). Operacionalizamos este estudo por meio de um desdobramento que compreende três tipos de procedimentos investigativos, a saber: 1) procedimento investigativo de levantamento e seleção do material, 2) procedimento investigativo de interpretação do material e 3) procedimento investigativo de interlocuções reflexivas. Ressaltamos que nos dois primeiros procedimentos utilizamo-nos do método psicanalítico, cultivando a atenção flutuante e a associação livre. Entretanto, no terceiro procedimento, suspendemos seu uso em prol da realização de um trabalho teórico-intelectual de cunho crítico e reflexivo. O primeiro procedimento, equivalente à coleta de dados, concretizou-se com uma busca, via Google, por postagens em blogs brasileiros, utilizando a entrada “experiência da maternidade”, que atendessem aos seguintes critérios: 1) consistirem em postagens escritas por pessoas que se identificavam como mães; 2) consistirem em escritos da autoria de pessoas não renomadas/populares e sem apoio financeiro e 3) consistirem em postagens publicadas durante um período de tempo de um mês aleatoriamente escolhido. A aplicação destes critérios de seleção visou o contato com manifestações de mulheres, de modo a permitir o descarte dos conselhos de especialistas bem como da publicidade. Por outro lado, optamos por sortear um período de tempo para evitar a introdução inadvertida de qualquer outro viés.

Tais cuidados resultaram no levantamento de um total de 10 postagens

efetuadas durante o período fixado. O segundo procedimento, em outras pesquisas conhecido como resultados, é relativo à interpretação do material, operação que temos definido como criação/encontro de campos de sentido afetivo-emocional (Ambrosio & AielloVaisberg, 2014). Neste momento, tomamos como guia as recomendações ou palavras-de-ordem de Herrmann (1979). Essas são: “deixar que surja”, que corresponde a impressionar-se emocionalmente; “tomar em consideração”, que nos 239 ANAIS DA XIV JORNADA APOIAR 8 DE DEZEMBRO DE 2016



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remete ao que se destacou, permitindo o surgimento de associações livres de ideias e a emergência de emoções e, por fim, “completar a configuração de sentido”, que corresponde a criar/encontrar o que denominamos campo de sentido afetivoemocional. Finalmente, realizamos o procedimento investigativo de interlocuções reflexivas, que consiste em uma etapa investigativa, durante a qual tem lugar uma retomada do pensamento conceitual e teorizante, tendo em vista considerar ideias, teorias e pensamentos que possam auxiliar na compreensão das interpretações que formulamos. Nesta etapa abandonamos a atenção flutuante e a associação livre de ideias, para uma retomada crítica de nossas interpretações à luz de contribuições de outros autores. Interpretações e Reflexões Seguindo os procedimentos investigativos, criamos interpretativamente o campo de sentido afetivo-emocional denominado “Conciliando atividades”. Este campo é organizado ao redor da crença de que seria possível cuidar dos filhos e manter-se profissionalmente ativa. Evidências de condutas emergentes deste campo podem ser encontradas nos trechos a seguir:

Admiro e acho as mulheres que deixam carreiras promissoras em prol da família muito corajosas, mas definitivamente, eu não tenho essa coragem. Eu poderia optar em contratar uma babá ou em parar de trabalhar fora, o que definitivamente não fazia parte dos meus planos. Ficar com os avós também não era opção, pois todos moram no interior. Optei pela escolinha consciente, segura da minha decisão. (...) Escolhi um lugar onde acreditei que minha filha estaria bem cuidada e acolhida, e tinha total consciência de que ninguém no mundo cuidaria dela do jeito que eu cuidaria. Isso é mais um fator que quem volta a trabalhar precisa aceitar. As coisas não serem feitas exatamente do nosso modo, não significam que elas estarão mal feitas. Claro que ter o suporte de uma empresa que me permite certa flexibilidade de horários, fazer home office vez ou outra, que respeita os colaboradores como seres 240 ANAIS DA XIV JORNADA APOIAR 8 DE DEZEMBRO DE 2016



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humanos e entende as necessidades das mulheres que também são mães ajuda absurdamente! Existem formas de lidar com isso (...) - Um deles é viver os momentos junto as crianças intensamente, aproveitar todos os minutos e segundos.

O campo de sentido afetivo emocional “Conciliando atividades” aponta para uma experiência emocional em que ser mãe torna-se uma tarefa complexa, pois coexistem aspirações de conciliar uma carreira profissional com os cuidados dos filhos que, em decorrência de condições sociais existentes, que discutiremos a seguir, geram sofrimento à mulher, ao marido e aos filhos. As mulheres se mostram preocupadas com o bem-estar de seus filhos e felizes com a maternidade, mas também manifestam interesse e aspirações de ascender em sua carreira profissional, tanto por realização pessoal, como por necessidade financeira, pois seu salário é importante no orçamento doméstico. Conciliar essas duas tarefas gera sofrimento, pois a mulher pode se sentir frustrada tanto com sua carreira profissional, que pode não se desenvolver como planejara, ao descartar oportunidades que conflitariam com o exercício da maternidade, como pode se sentir frustrada com a maternidade, culpada por não se dedicar aos filhos como acredita que deveria fazêlo. Estudo que realizamos entrevistando mães de classe média baixa (Gallo-Belluzzo et al, 2015), que não trabalham, também revelou a vivência de sofrimento por se sentirem muito solicitadas, sós e desamparadas nas tarefas materna e doméstica. Mesmo quando relatam que seu companheiro é mais solidário, ele não pode resolver o sofrimento pela sobrecarga e exaustão da mulher, pois não pode solucionar completamente um problema que é social e não apenas familiar ou conjugal. Afinal, as expectativas sociais atribuem à mulher a responsabilidade de acompanhar os filhos nas atividades escolares, de cuidarem de sua saúde, de acompanharem ao médico, de cuidarem de sua higiene. Provavelmente, a responsabilidade quase que exclusiva da mulher de cuidar dos filhos deve-se a uma transposição social e cultural das suas capacidades biológicas de dar à luz e amamentar. Ao ser defendida por alguns autores, tais como Bowlby e 241 ANAIS DA XIV JORNADA APOIAR 8 DE DEZEMBRO DE 2016



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Winnicott, essa atribuição toma força e acentua a culpa de mulheres que abandonam a vida profissional para dedicar-se exclusivamente aos filhos. Entretanto, é importante ressaltar que a capacidade de cuidado não é assegurada ou determinada por faculdades biológicas. Ademais, toda e qualquer afirmação que parte de uma ordem biológica para falar de algo construído socialmente, deve ser questionada (Chodorow, 1978/1990). A nosso ver, cabe aqui lembrar de colocações de Hollway (2006), quando aborda a questão de que as mães realizariam suas atividades maternas de forma satisfatória a partir dos cuidados recebidos em sua própria infância. Ora, tal ponderação deixa evidente que seria possível aos homens, que foram igualmente cuidados quando meninos, usar essa base relacional para exercer esta atividade de cuidar de crianças. Assim, é preciso salientar que a continuidade da espécie humana se dá com o evento da maternidade e com os cuidados dedicados às crianças, para que estas cresçam, preferencialmente, de modo saudável. Deste modo, ter filhos representa muito além da satisfação pessoal de casais, trata-se da continuidade da sociedade, da presença humana no planeta. Logo, os cuidados dispensados às crianças não devem ser tratados como um assunto privado, seguindo a ordem de “quem pariu que embale”, mas devem ser considerados uma questão social da mais alta relevância. Afinal, as mulheres, por se verem responsabilizadas constantemente pelo cuidado de crianças, podem encontrar dificuldade para a realização de suas potencialidades e, a longo prazo, desistirem massivamente da maternidade. Logo, pensamos que uma solução seria a sociedade proporcionar condições para que a parentalidade seja uma tarefa compartilhada comunitariamente e que ela deixe de ser considerada, quase inteiramente, uma responsabilidade da mulher-mãe (Gottlieb, 2012; Hollway, 2006). Outra mudança relevante seria a implicação do pai no cuidado infantil, não como mero ajudante, mas sim como cuidador ativo. Em alguns países, como na Alemanha, o pai pode se ausentar do trabalho por um ano juntamente com a mãe, havendo o mesmo período de licença maternidade e paternidade41. É evidente que o fato dos salários das mulheres corresponderem a menos de setenta por cento dos salários dos homens (Banco Mundial, 2003) tem seu 41

https://www.destatis.de/DE/ZahlenFakten/GesellschaftStaat/Bevoelkerung/Geburten/Geburten.html

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papel, já que ganhando menos, ocupando posições mais baixas na hierarquia profissional, será primeiramente a mãe a parar suas atividades se a criança precisar de atenção parental, ou seja, a mulher-mãe é, ainda, mesmo com várias mudanças sócio históricas, considerada a maior responsável pelo cuidado de crianças - cerne da injustiça e desigualdade que tanto causa sofrimento. E, no contexto contemporâneo, em que a família é composta somente pelos pais e seus filhos, ela exerce tal cuidado quase que inteiramente sozinha, conciliando-o com suas outras atividades, como uma forma de dar continuidade à sua vida para além da exclusividade da maternidade.

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