Experiência turística em circuitos patrimoniais: uma abordagem intercultural Canadá-Brasil

June 8, 2017 | Autor: N. Weber Santos | Categoria: Canada, Turismo Cultural, Circuitos patrimoniais
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Experiência turística em circuitos patrimoniais: uma abordagem intercultural Canadá-Brasil Nádia Maria Weber Santos Luciana Gransotto

A experiência do lugar deve permitir a transmissão da história, mas também o envolvimento dos sentidos e emoções do visitante, a contribuição de sua própria memória. É então que a experiência turística permite também a aproximação intercultural e intergeracional, a partilha de uma memória comum, a criação de uma comunidade (Bibeau; Marcotte, 2011, p. 19)

Introdução

O encontro de culturas, em um cenário atual mundializado, se dá a partir da dinâmica da alteridade. O turismo1, considerado como um elemento de mediação social por manter ou restabelecer os laços de sociabilidade entre as pessoas que frequentam os mesmos lugares – especialmente em pessoas de diferentes culturas –, pode ser utilizado como estratégia de desenvolvimento intercultural. Tomando como ponto de partida uma pesquisa feita no Canadá2, onde as investigações se voltam para o turismo cultural, esse artigo propõe-se, como forma de reflexão, pesquisar a noção de intercultural no campo do turismo, propondo ainda sua articulação com as políticas culturais canadenses, o multi e o interculturalismo, como também com o conceito de transculturalismo. As sociedades que participam de políticas de integração cultural, como é o caso do Canadá anglófono com o multiculturalismo e a região de Quebec francófona com o interculturalismo, interessam-nos na medida em que reconhecemos, por meio das suas 1

Aqui a atividade do turismo está atrelada à cultura. Uma definição de turismo cultural, portanto, se faz necessária. É uma segmentação do mercado turístico que incorpora uma variedade de formas culturais, em que se incluem museus, galerias, eventos culturais, festivais, festas, arquitetura, sítios históricos, apresentações artísticas e outras que, identificadas com uma outra cultura em particular, fazem parte de um conjunto que identifica uma comunidade e que atraem os visitantes interessados em conhecer características singulares de outros povos (Dias, 2006, p. 39). 2 Investigação realizada nas cidades de Ottawa e Quebec, Canadá, entre os meses setembro e outubro de 2014, com financiamento do Projeto de Internacionalização da Pós GraduaçãoFAPERGS/UNILASALLE.

proposições – as quais intentam fomentar e gerenciar a diversidade cultural –, novas perspectivas e possibilidades relacionadas à negociação das relações interculturais dentro de um mesmo território. Perspectivas que não estejam necessariamente limitadas às políticas públicas pré-estabelecidas, mas que tomamos como inspiração. Relacionado a essas concepções está o conceito de transcultural, como um avanço na reflexão sobre as relações culturais. Escolhemos a temática dos circuitos patrimoniais de duas cidades canadenses para evidenciar uma das práticas do turismo que, a partir das experiências turísticas, pode contribuir de forma profícua para o fortalecimento das referências identitárias – em razão da valorização da diversidade cultural –, para as trocas simbólicas e as memórias atribuídas ao patrimônio3. Pensar o turismo como ferramenta para promover o diálogo intercultural seria uma das formas possíveis de negociação intercultural. Concordamos com a afirmativa de Deymard quando afirma que “a formação intercultural permite decifrar as diferenças entre culturas e contribui para a otimização de uma melhor gestão, melhores habilidades de negociação e comunicação”. Além disso, para esse mesmo autor, a interculturalidade também é tida como “a chave de decodificação para identificar e gerenciar os diferentes comportamentos relacionados ao perfil cultural de cada um”4. (Deymard, 2013, p. 64) O recorte do trabalho é feito pensando em um campo ainda pouco explorado cientificamente, o qual diz respeito às experiências turísticas em circuitos patrimoniais. Essas experiências possibilitam gerar encontros culturais e contribuir para a disseminação do conhecimento relacionado a questões sociais, históricas, econômicas e culturais do lugar que está sendo descrito e apresentado ao visitante, seja ele o turista, o imigrante ou o próprio citadino. Essa transmissão de conhecimento relaciona-se com a educação transdisciplinar, o que permite o autoconhecimento e a autotransformação, em um contexto onde é favorecido o diálogo intercultural nas sociedades contemporâneas. 3

Patrimônio é tratado aqui como sendo o Patrimônio Cultural. Quanto à definição do IPHAN: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. (BRASIL, 1988). Disponível em: 4 “la formation interculturelle permet de décrypter les divergences entre les cultures et contribue ainsi à l’optimisation d’un meilleur management, d’une meilleure capacité de négociation et de communication.” Além disso, a interculturalidade também é tida como “clés de décodage” pour identifier et gérer les différents comportement liés au profil culturel de chacun (...).”

Buscaremos esses elementos especialmente em dois campos distintos de experiências, ou seja, em duas cidades canadenses, Ottawa e Quebec, para refletirmos sobre os processos que se dão no âmbito turístico a partir das abordagens interculturais. Diante da possibilidade de colocar em paralelo realidades que são diferentes, mas que possuem, no âmbito da experiência turística, semelhanças no que tange à elaboração e à realização de atividades envolvendo a interpretação do patrimônio, disponibilizadas para os visitantes e mesmo para os citadinos, este estudo vai servir de base (teórica e empírica) para pesquisas realizadas no âmbito do turismo cultural na cidade de Porto Alegre (Brasil).5

Revisitando as noções de Intercultural

Para tratarmos das ligações entre turismo e intercultural, é necessário revisitar algumas noções contemporâneas acerca da palavra intercultural. Segundo Anctil (2014), o seu conceito refere-se a uma realidade sociológica que abre espaço para a diversidade cultural. Atrelados ao significado intercultural estão os conceitos de "interculturalidade" – abordada no sentido de reflexão sobre o significado dado ao pluralismo cultural – e o "interculturalismo", que se refere a uma ideologia política ou de estado. (Anctil, 2014, p. 117) A noção de interculturalidade para Damázio (2008, p. 77), diferentemente da multiculturalidade, refere-se não somente ao encontro de duas culturas que se mesclam e se integram. Ela “alude a um tipo de sociedade em que as comunidades étnicas, os grupos sociais se reconhecem em suas diferenças e buscam uma mútua compreensão e valorização”. O termo intercultural compreende “inter” e “cultural”, significando “entre” e “cultura”. Para Deymard (2013), ele se inscreve em uma operação complexa de comunicação, havendo encontro e relação com o outro indivíduo de identidade cultural diferente em um mesmo espaço social. O autor também se refere ao termo como o “conjunto de A investigação intitulada “Itinerário histórico-cultural nos becos e ruas no final do século XIX: imaginário social e memória da cidade de Porto Alegre” está sendo realizada por uma das autoras deste artigo, mestranda do PPG em Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle/Canoas. A pesquisa intenta, principalmente, propor (nova) categoria de análise, percepção e conceituação para os Itinerários históricoculturais e terá como produto final a elaboração de um itinerário histórico-cultural, considerando a temática dos becos e ruas de Porto Alegre no final do século XIX. 5

processos psíquicos, relacionais etc, gerados pelas interações das culturas, em uma relação de trocas recíprocas e em uma perspectiva de salvaguarda de uma relativa identidade cultural de parceiros em relação”6. (Deymard, 2013, p. 16) Para Camilleri (1993), trabalha-se a palavra intercultural a partir do momento em que há a preocupação com as dificuldades da comunicação entre indivíduos de culturas diferentes. Para essa autora, instigar a percepção de uma outra cultura – concebendo-a como legítima – é o primeiro passo para a questão do reconhecimento. O intercultural, se bem conduzido, induz o indivíduo a reflexões sobre a cultura do outro, tirando-o de uma atitude de imersão e conduzindo-o a uma atitude de emersão, ou seja, ele sai da posição meramente contemplativa e introspectiva e passa a dialogar e a interagir com o outro. Dito de outro modo, estamos lidando com a cultura na forma de um “diálogo com os outros e consigo mesmo, e [sendo assim] suscetível de se transformar, em consequência. [...] Isso confirma, então, que o intercultural é um lugar de criatividade, permitindo passar da cultura como produto à cultura como processo” (Camilleri, 1993, p. 50).

Turismo como mediador cultural: contribuições para as relações interculturais

O turismo é um fenômeno mundial, sendo que economicamente é um vetor de desenvolvimento e, socialmente, ele contribui para o crescimento pessoal, a partir da relação de alteridade que se estabelece no território do outro. Sobre esse cenário e sobre essas condições, Deymard (2013) refere que a abordagem intercultural no turismo faz sentido e é coerente, tendo em vista o atual sistema globalizado. Corroborando com essa premissa e, em razão da sua pluridisciplinaridade, o que o torna complexo, Onghena (2003) diz que o turismo pode ser mais bem compreendido se o aproximarmos dessa visão intercultural, a partir de uma dinâmica de interação entre pessoas de culturas diferentes. Essa relação pode contribuir para a formação de um turismo sustentável e promover o diálogo intercultural em qualquer que seja a cultura em que estivermos imersos ou a qual estivermos visitando. Esse diálogo, tendo o turismo como um instrumento de promoção do intercultural, leva o indivíduo a uma melhor compreensão das diferenças culturais, fazendo-o reconhecê-

“ensemble de processus psychiques, relationnels, etc. générés par les interactions de cultures, dans un rapport d’échanges réciproques et dans une perspective de sauvegarde d’une relative identité culturelle des partenaires en relation”. 6

las e propiciando um poder maior de comunicação e interação com o outro. Se o turismo cultural partilha a diversidade humana, também auxilia no desenvolvimento da identidade. Identidade aqui, entendida como um fenômeno que emerge da dialética entre indivíduo e sociedade, através de uma troca simbólica, levando o primeiro a experimentar um sentimento de pertencimento em relação a esse social em que se insere, propiciando a coesão de um grupo, que se identifica, se reconhece e se classifica como de iguais ou semelhantes – sejam os cidadãos/citadinos, sejam os turistas/viajantes. (Santos e Gransotto, 2014) A relação do estrangeiro – e aqui nos referimos ao “outro”, seja ele o turista ou imigrante – com os atores sociais da comunidade (representantes da cultura e do patrimônio) intensifica as percepções com relação ao território. As lembranças e recordações criadas a partir dessa vivência permanecem na memória e contribuem para a construção da identidade. As práticas do turismo, também responsáveis pela difusão da cultura local, têm sido repensadas a partir do viés da interpretação do patrimônio, para que haja uma outra forma de ‘exploração’ turística. Elementos de sensibilização e aproximação com a cultura material e imaterial reforçam as questões de conservação e valorização do patrimônio. Com isso, pode-se dizer junto com Laplante (2006, p. 150) que “as verdadeiras interações entre turistas [e imigrantes] e a população do território visitado são consideradas como muito desejáveis por alguns dos interessados, em particular por parte dos promotores do turismo social e cultural”.7 Caune (2014), quando fala em mediação cultural, aqui representada pelo turismo, diz que esta seria uma maneira de colocar em relação (colocar em dialética, em diálogo) coisas diferentes que estão separadas, por meio de uma capacidade concreta de agir, mas também a partir das relações que estão na ordem do simbólico, do imaginário e do imaterial. Assim, interessa-nos perceber que o turismo cultural é capaz de promover interações, como uma ferramenta mediadora e incentivadora da relação intercultural. Mais ainda, por meio de atividades turísticas8 voltadas ao patrimônio, como é o caso dos circuitos patrimoniais, que serão abordados mais adiante, o turismo contribui para a difusão da história, o que colabora para a valorização e permanência das memórias. 7

« les interactions véritables entre touristes et la population du territoire visité sont considérées comme très souhaitables par certaines catégories d'intervenants, et particulièrement par les promoteurs du tourisme social et culturel. » 8 Tratamos aqui as atividades turísticas como um processo de interações contínuas entre comunidades diferentes que ocupam espaços distintos socialmente construídos e que, por apresentar essa diversidade,

Em entrevista realizada com o sociólogo do trabalho do Institut National de La Recherche Scientifique (INRS) de Quebec, Mircea Vultur9, depreendeu-se, segundo seu ponto de vista sobre as relações interculturais, e que interessa ao olhar da presente reflexão, que “o turismo cultural em uma perspectiva internacional faz a promoção de uma memória histórica”. E, ainda, referente aos itinerários e circuitos patrimoniais, ele afirma que “[...] estes deveriam ser compreendidos como atividades dinâmicas do turismo local, que fariam com que os imigrantes pudessem aderir à consciência civil”. (Vultur, 2014, entrevista)

Multi, inter e transculturalismo

Nesta seção, serão abordadas brevemente as questões referentes ao multi e interculturalismo10, do ponto de vista da política cultural em si, e, por outro lado, o transculturalismo, a partir de uma perspectiva transcultural – em que há, segundo Bernd (2006), a reciprocidade nas relações culturais. Países como o Canadá, que refletem, discutem e criam políticas para gerenciar a diversidade, estão mais abertos às tentativas de integração de culturas. É sabido que a convivência entre diferentes culturas em uma mesma sociedade é complexa. O aumento dos fluxos migratórios acaba gerando discussões que levam à criação de políticas públicas na tentativa de assegurar e gerenciar a diversidade cultural. Para além disso, pensar as trocas e intercâmbios das relações culturais contemporâneas é refletir outras possibilidades de integração. No campo de atuação do gerenciamento da diversidade existem duas políticas culturais canadenses que pensam modelos de organização das diferenças culturais, o interculturalismo e o multiculturalismo. Na busca pela interpretação do novo cenário globalizado, está a ideia de transculturalismo, em que há a renovação das culturas que dialogam mas que não perdem a sua identidade. A justificativa de articular o turismo ao campo das políticas culturais e ao tornam-se atraentes para o conhecimento do outro – o turista, aquele que viaja para conhecer novos locais, para descansar, para espairecer em um ambiente diferente daquele onde tem sua moradia” (Dias, 2006, p. 1) 9 Entrevista em 16/10/2014, concedida a Luciana Gransotto. INRS. Quebec, Canadá. 10

E transculturalismo refere-se às transformações que se dão a partir da interação de duas culturas.

transculturalismo se dá a partir de atividades como os circuitos patrimoniais, que contribuem e servem de ferramenta para informação, comunicação e interação para a promoção do diálogo intercultural. Segundo Imbert (2014), o multiculturalismo e o interculturalismo do Canadá se fundam sobre a capacidade de ‘acomodar’ a diversidade cultural em um contexto inclusivo de direitos dos indivíduos. O multiculturalismo, tido como a multiplicidade ou pluralidade de culturas dentro de um mesmo território, é também tratado, como é o caso do Canadá, como uma política de Estado, inscrito na Constituição Canadense desde 1971 (Mendonça, 2010). A mesma autora acredita que foi a partir desse momento que houve, mesmo que minimamente, o reconhecimento oficial de que o Canadá é um país formado por grupos e indivíduos de diferentes origens culturais, geográficas étnicas e linguísticas. O multiculturalismo se aplica em uma sociedade canadense majoritariamente de língua inglesa, que “não necessita impor aos que chegam uma língua de comunicação, pois o inglês é dominante e, como eles [os imigrantes] querem participar ativamente e economicamente da sociedade de acolhimento, terão [obrigatoriamente] de dominar esta língua.”11 (Imbert, 2014, p. 30). O mesmo autor aponta que, por outro lado, a província do Quebec tem a maioria da sua população francófona, ou seja, de língua francesa, dentro de um Canadá de maioria anglófona. Dessa forma, no interculturalismo quebequense impõe-se a língua francesa como idioma de trabalho dos imigrantes e de escolarização das crianças. Significando a interação das culturas, baseada principalmente no contato a partir do diálogo, o interculturalismo é também a política cultural do Quebec, criado como um avanço das críticas ao multiculturalismo, principalmente no que diz respeito às diferenças culturais. Para o interculturalismo elas têm valor intrínseco. Imbert afirma que o interculturalismo de Gérard Bouchard12 é criado como “um mecanismo de participação ativa e de reconhecimento mútuo em uma dualidade onde há uma maioria linguística cultural,

“n’a pas besoin de imposer aux arrivant une langue de communication, car l’anglais domine et ils veulent participer activement et économiquement à la société d’accueil, ils devront maîtriser cette langue”. 11

12

Gérard Bouchard foi co-presidente da comissão Bouchard-Taylor sobre as práticas de acomodação (accomodements raisonables, em francês) ligadas a diferenças culturais, no Canadá.

aquela dos francófonos do Quebec.”13 Diferentemente, é o multiculturalismo, “concebido como uma multiplicidade sem maioria”14. (Imbert, 2014, p. 30-31) Identificam-se, dos sete elementos constitutivos do interculturalismo quebequense, aqueles que se mostram relevantes para as reflexões do turismo como um mediador que favorece a prática intercultural: “ [...] ênfase na integração através de um contrato moral com o princípio da reciprocidade; promoção de interações; o desenvolvimento de uma cultura comum, como um encontro da diversidade, feita de valores e de uma memória compartilhada e nutrida de contribuições combinadas da maioria e de minorias, em um respeito mútuo [...]”15(Bouchard, apud Piché, 2012, p. 392, grifo nosso) Tentando proteger-se da dominação econômica e cultural anglófona e, ao mesmo tempo buscando assegurar a sobrevivência e a convivência dos diferentes povos no seu território, Mendonça (2010) refere que o Quebec, assumindo-se oficialmente como intercultural, adota outras políticas além daquelas estabelecidas no multiculturalismo (as quais referem-se à tolerância e à aceitação das diferenças). A “interculturalidade representa, nesse caso, um ‘sentimento’ de solidariedade entre os habitantes da província, de maneira a facilitar a mobilização de todos em momentos de crise” (Mendonça, 2010, p. 187). Para Bernd (2006), apesar de o reconhecimento de várias práticas culturais ter sido muito positivo, os modelos de organização das diferenças culturais ainda se mostram insuficientes diante do crescimento do trânsito, das mesclas e dos intercâmbios entre diferentes culturas e comunidades. A autora sugere refletirmos o conceito de transculturalismo, o qual se associa a “objetivos intelectuais de interpretação das fricções entre culturas diversas com diferentes estatutos e de transferências culturais” e vinculado a uma realidade pós-moderna em que há “trocas, intercâmbios, perdas e ganhos nas passagens de uma cultura a outra, gerando produtos culturais outros que 13

« un mécanisme de participation active et de reconnaissance mutuelle dans une dualité òu il y a uns majorité linguistique et culturelle, celle des francophones du Quebec ». 14

« conçu comme une multiplicité sans majorité. »

« [...] l’accent sur l’intégration passant par un contrat moral avec le principe de réciprocité; la promotion des interactions; le développement d’une culture commune comme rencontre de la diversité, faite de valeurs et d’une mémoire partagée et nourrie des apports conjugués de la majorité et des minorités, dans le respect de chacune [...]”. 15

trazem as marcas indeléveis tanto da cultura de origem quanto da cultura de chegada”. (Bernd, 2006, p. 4-5). Para Lucchesi e Malanga (2011, p. 75), a ideia de transculturalismo também está ligada à “renovação das culturas, que se modernizam e dialogam entre si em busca de uma identidade supranacional, sem perder a sua identidade constituída em sua origem”. As autoras ainda dizem que o transculturalismo ou a transculturalidade relacionam-se com o “processo de renovação científico que caracteriza a transdisciplinaridade” (Lucchesi; Malanga, 2011, p. 75).

Experiências turísticas

Das dinâmicas contemporâneas da diversidade cultural, emerge maior demanda justamente pela experiência turística e cultural no território do outro. Esse território, pensado como o lugar onde se constrói o diálogo intercultural, é determinado pela relação entre turistas, citadinos, nativos e imigrantes. (Lacarrieu, 2006) O mesmo autor diz que a partir desse diálogo surgem as “comunidades turísticas”, nas quais os membros envolvem-se em diferentes atividades turísticas, gerando certa cumplicidade, em uma relação multipolar de forma a ultrapassar as fronteiras materiais e simbólicas e dos encontros e visitas efêmeras. Nas últimas décadas houve um grande interesse, dentro do campo do turismo cultural, pela visita e pelo conhecimento do patrimônio imaterial. O lugar do outro passa a ser privilegiado como um lugar para pensar as memórias e valorizar a própria identidade, em uma operação de trocas simbólicas. Aproximamo-nos da ideia de lugares simbólicos a partir do ponto de vista de Correa (2012), quando ele os remete às manifestações espaciais da cultura, que para ele são impregnadas de significados políticos, religiosos, étnicos ou mesmo estando associadas ao passado, dotando-as de uma singularidade, distintas qualitativamente dos demais lugares caracterizados por uma diferenciação quantitativa. Constata-se, a partir das reflexões de Lacarrieu (2006), que a noção de patrimônio imaterial, através da qual é possibilitado o acesso às representações e práticas culturais dos indivíduos envolvendo diversas visões de mundo – distantes ou próximas – , é também um excelente suporte para refletir as articulações entre turismo cultural e patrimônio cultural.

Incluímos aqui um outro elemento para se pensar essa relação: o fenômeno da interculturalidade que se dá a partir das experiências em um ambiente onde o patrimônio se apresenta como um atrativo. O mesmo autor evidencia, ainda, dois cenários em que o turismo cultural pode vir a atuar. O primeiro é vislumbrado a partir da chamada ‘indústria do lazer’, cujas funções da cultura e do patrimônio convertem-se em simples bens de consumo, colocando-os em risco pela banalização e pela instigação à degradação do patrimônio (pelo mau uso). Em contraste, o segundo cenário é observado a partir do encontro entre culturas, por exemplo, em um circuito turístico, onde se pode ‘preparar’ o terreno para uma compreensão mais ampla e, assim, minimizar quaisquer riscos ao patrimônio, evitando também conflitos e tensões entre os diversos campos patrimoniais e suas políticas de preservação.

Circuitos patrimoniais: experiência turística e trocas simbólicas

Para Lanquar (2010), uma política turística intercultural passa pela criação de itinerários culturais. Essa assertiva se baseia, segundo ele, na criação da Carta dos Itinerários Culturais, elaborada pelo ICOMOS (International Council of Monuments and Sites), quando esta afirma que os itinerários são uma verdadeira síntese de valores materiais e imateriais e desempenham um papel importante para o diálogo intercultural, compreensão e tolerância. Integram, também, os laços econômicos, podendo ser um recurso turístico para o desenvolvimento sustentável. Uma definição de Itinerários Culturais, segundo Carreño (2002), implica um processo de investigação científica, em que constam critérios de autenticidade e de continuidade de trocas culturais. A contribuição também se volta para o patrimônio, sendo percebido como um elemento dinâmico, possível de ser transmitido às gerações futuras. É a partir da interpretação do patrimônio, favorecendo as trocas simbólicas e em um contexto de igualdade, que se lança a primeira justificativa para trabalhar os circuitos patrimoniais das cidades de Ottawa e Quebec, em um contexto de abordagem intercultural. Trazemos aqui o termo circuito patrimonial e não itinerários culturais por duas razões principais. A primeira é o fato de que, para ser considerado um itinerário cultural, a partir do ICOMOS, é necessário que haja um processo de reconhecimento da atividade seguindo critérios rígidos, definidores. Dessa maneira evita-se qualquer confusão

conceitual. Um exemplo de itinerário cultural é o Caminho de Santiago de Compostela. A segunda justificativa se dá pelas próprias características e organizações práticas e teóricas das palavras circuito e patrimonial. Nota-se que os termos voltados a essa temática ainda estão sendo discutidos por pesquisadores para que se possa melhor delimitar cada atividade, seja ela um circuito, um itinerário de interesse turístico, uma rota ou um trajeto. Os circuitos patrimoniais são vias de espaços comunitários. Também chamados de percurso de interpretação/ de visita ou circuito comentado, fundamentam-se nas noções de uma atividade com a ideia ligada a um “trajeto, [um] caminho, itinerários, [uma] trilha, rotas, [e/ou] marchas” (Soulier, 2011, p. 4-5). 16 Os circuitos resultam de uma proposição científica e educativa centrada em seus visitantes, de forma a oferecer as informações proporcionando prazer e, ao mesmo tempo, conhecimento do que estão a observar nos espaços dos ‘outros’. O mesmo autor sublinha que fornecer uma documentação histórica sobre o patrimônio exposto, atualizando a memória coletiva, é a principal intenção de um circuito. Dessa forma, os circuitos de interpretação do patrimônio levam a uma consciência identitária, elevando assim as dimensões sociais e memoriais de uma comunidade. Com isso, pode-se dizer que os circuitos são uma ferramenta para o despertar da sensibilização para o acesso e conservação do patrimônio, a partir da transmissão da história e da memória coletiva. “O visitante passa a um estatuto de iniciado, percorrendo e explorando um circuito. Ele interioriza conhecimentos, ou seja, ele vive uma experiência individual integrando e retendo um conteúdo após um processo de subjetivação.” (Soulier, 2011, p. 8)17 Diferentes lógicas conceituais, estratégias e maneiras de pensar e elaborar o circuito, seja ele desenvolvido para fins educativos ou de lazer,

tornam-no uma atividade

complexa. Propor formas diferentes de identificação, a fim de que os seus visitantes – turistas estrangeiros, imigrantes ou o próprio citadino – se reconheçam e/ou se diferenciem é uma das propostas dessa atividade.

“Parcours d’interprétation/ de visite ou circuit commentés” “chemins, itinéraires, sentiers, routes, marches”. 16

“Le visiteur passe d’un statut d’initié en parcourant et en explorant un circuit. Il intériorise des connaissances, c’est à dire qu’il vit une expérience individuelle en intégrant et en retenant un contenu après un processus de subjectivation.” 17

Como ferramenta para comunicação intercultural, os circuitos possibilitam concretizar a relação de diferentes culturas em um processo de transferência e recepção: a interação, contato físico com o território e a comunicação direta com outras pessoas e a percepção, do outro e de si. Desta forma, podem atenuar os possíveis efeitos discriminatórios. “O sentimento de pertencimento territorial é reavivado através das referências identitárias e memoriais atribuídas ao patrimônio.” (Soulier, 2011, p. 5)18

Circuito na cidade de Ottawa (Ontário, Canadá)

Em Ottawa, o circuito pesquisado foi o Circuit patrimonial de la Basse Ville (Circuito Patrimonial da Cidade Baixa) que faz parte do projeto Circuits pédestres du patrimoine d’Ottawa, sob coordenação de Michel Prévost, chefe arquivista da Universidade de Ottawa, e desenvolvidos pelo ROPFO (Reagrupamento de organismos do patrimônio franco-ontariano), hoje chamado de Réseau du patrimoine franco-ontarien.19 O circuito explora a Cidade Baixa da cidade e está intrinsicamente ligado à história arquitetônica da cidade, onde o patrimônio francófono está presente, sendo ainda muito importante para a constituição do Patrimônio de Ottawa. Realizado em torno de duas horas a pé, o roteiro20 passa por quinze pontos históricos, os quais retratam uma época em que os franceses instalaram-se na Cidade Baixa de Ottawa – mais precisamente durante a construção do Canal Rideau e do Parlamento, em 1860 –,

“Le sentiment d’appartenance territorial est ravivé par des références identitaires et mémorielles attribuée au patrimoine.” 18

19

As informações relacionadas a esse circuito foram escritas com base na entrevista realizada por e-mail pelas autoras e dirigida ao responsável pela criação dos circuitos patrimoniais d’Ottawa, Michel Prévost, chefe arquivista da Universidade de Ottawa, em setembro de 2014. Com a colaboração e orientação geral de Prévost, existem três circuitos que foram elaborados através da atuação e participação de estudantes e sob a supervisão de uma profissional, a mestre em história, Sylvie Jean. Apesar dos circuitos não estarem disponibilizados nos centros de informações turísticas da cidade de Ottawa, eles encontram-se em formato pdf no Réseau du Patrimoine fraco-ontarien. “En fait, je suis le plus grand distributeur de ces dépliants car à titre d’archiviste en chef de l’Université d’Ottawa, j’offre plusieurs visites guidées de ces circuits pour le personnel de l’Université, des diplômés de l’Université d’Ottawa, retraités en action qui regroupent plus de 1000 membres, des sociétés d’histoire et du patrimoine.” (Michel Prévost, 2014, Entrevista) “De fato, eu sou o maior distribuidor destes folhetos, pois como chefe arquivista da Universidade de Ottawa eu ofereço diversas visitas guiadas destes circuitos para o pessoal da Universidade, diplomados da Universidade de Ottawa, aposentados na ativa, que reúnem mais de 1000 membros, sociedade de história e do patrimônio.” 20

As informações a seguir baseiam-se no descritivo de um dos circuitos, disponível em formato pdf, e podem ser acessadas na sua totalidade, incluindo outros pontos de referência, informações e mapas, no site http://www.rpfo.ca/. O trajeto foi seguido pelas autoras em setembro de 2014.

local que se tornou uma presença franco-canadense marcante, revelando as influências desse povoado nos traços da arquitetura, no estilo de vida, na religião e em seus rituais. A história é recontada ao longo do percurso desse circuito, que passa por lugares que mudaram de funções com o passar do tempo, mas que deixaram marcas físicas visíveis e traços – quase imperceptíveis ao caminhante desavisado – ao longo do percurso. Várias casas e mansões estão no itinerário, como La Maison Flavien-Rochon. Tipicamente franco-canadense, é uma das casas mais antigas da cidade. Modesta em sua aparência, mas rica na história, é exemplo de casa onde antigos trabalhadores viveram antes da Confederação. O nome se deve a seu proprietário, Flavien-Rochon, marceneiro e escultor da Basílica de Nossa Senhora de Ottawa. Outra mansão importante que faz parte do circuito é La Maison Valade do ano de 1864. A casa, em que residia um dos primeiros médicos de Ottawa, é tipicamente quebequense de estilo neoclássico com uma varanda branca original no primeiro andar, sendo designada nos anos 90 como propriedade histórica de grande valor patrimonial. La Basílica-Cathédrale Notre-Dame d’Ottawa, outro componente deste circuito, foi construída no lugar da antiga Capela Saint-Jacques, elevada à Basílica em 1879, e teve também o seu interior considerado como monumento histórico em razão de sua rica ornamentação. Entre os antigos colégios de Ottawa, estão dois que também fazem parte deste percurso: (1) Le deuxième édifice du collège de Bytown ou de l’Académie La Salle (o segundo edifício do colégio de Bytown ou Academia La Sale), uma construção de 1852 que teve as suas funções como colégio até 1856 – deslocado para o local da atual Universidade de Ottawa. O edifício já serviu como quartel militar, teatro, escola francófona La Salle (dirigida por irmãos franceses, Irmãos das Escolas Cristãs, os lassalistas) e hoje é o Centro Canadense de Gestão. E (2) L’École Guigues, chamada de a Escola Central, símbolo da resistência dos francófonos em Ontário, deflagrando alguns movimentos de luta, dentre eles a Bataille des Dames ou Bataille des épingles à chapeau (Batalha das Damas ou Batalha dos alfinetes para chapéu). L’Hôtel Martineau (datado de 1872), atualmente com uma construção moderna anexada ao edifício, abrigando escritórios comerciais, foi o hotel cujo proprietário, Eugène Martineau, era um comerciante que foi prefeito de Ottawa por dezesseis anos. Demais pontos históricos do circuito: La Façade de La Maison Fer-Blanc, La Maison Alphonse-Rochon, La plaque du premier hôpital de Bytown, L’Archevêché ou L’ancien Palais Épiscopal, La Chapelle du Couvent Notre-Dame-Du-Sacré-Coeur de La Rue

Rideau, La Plaque du Premier Édifice du Collège de Bytown, La maison-Mère des Soeurs de la Charité d’Ottawa et L’Hôpital Général, La Maison Foisy, L’Institut canadien-français, La Façade de La Maison De Fer-Blanc (1904-1913). Os outros dois circuitos elaborados pelo ROPFO, Circuit Patrimonial de La Paroisse Sainte-Anne e Circuit Patrimonial de La Côte-de-Sable, também demarcam a presença francófona na construção e consolidação da cidade. Apontam a importância do reconhecimento do patrimônio existente para que esse seja preservado, tendo em vista o processo de reurbanização e modernização de algumas regiões após a Segunda Guerra Mundial, levando edifícios antigos à demolição. A preocupação de quem elaborou esse circuito, dos membros do ROPFO, é conscientizar o próprio citadino (que muitas vezes não conhece e que assim não consegue transferir o conhecimento) da importância do patrimônio, do que ele foi e do que ele ainda é, e que faz parte da história e das memórias da cidade. Entendemos que a figura francófona inserida na arquitetura urbana de Ottawa, porém, não se faz presente apenas através do seu passado, nas histórias narradas sobre as casas e prédios preservados. Há também a ressignificação desses espaços que se dá pela reestruturação ou reapropriação do território, demarcado concreta e simbolicamente, fortalecendo e ou recriando a relação daquele que percebe. Por exemplo, no Circuit patrimonial de la Basse Ville, um antigo convento de educação para meninas francófonas, Couvent Notre-Dame-du-Sacré-Coeur21, fundado em 1849 pelas Irmãs de Caridade de Ottawa e demolido no ano 1972, permaneceu apenas com a sua capela chamada de La Chapelle du Couvent Notre-Dame-Du-Sacré-Coeur. Pela sua grandiosidade em ornamentos e pela carga simbólica trazida de outros tempos, foi considerada um monumento histórico de interesse nacional, sendo deslocada em 1987 para o Musée de Beaux Arts, como forma de proteção. Ali, dentro de um museu de Belas Artes, que inclui a arte contemporânea, permanece guardada parte de uma história da cidade, revisitada hoje por turistas e todos aqueles que têm a sensibilidade de apreciar, e que remete a esse passado, através de elementos culturais e, portanto, simbólicos, como a música, a ambientação e a ornamentação religiosa. Fazendo parte da

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As informações a seguir, referentes aos três circuitos do projeto Circuits pédestres du patrimoine d’Ottawa, foram baseadas no descritivo dos circuitos, disponível em formato pdf, e podem ser acessadas na sua totalidade, incluindo outros pontos de referência, informações e mapas, através do site http://www.rpfo.ca/

composição do circuito patrimonial, esse passado adquire a significação memorial e histórica da francofonia em Ottawa. E já no Circuit Patrimonial de La Côte-de-Sable, está Le Pavillon Tabaret de l’Université d’Ottawa, antigo Collège de Bytown, instalado na Côte-de-Sable em 1856, o qual é precursor da Université d’Ottawa e hoje abriga a administração da instituição. O pavilhão Tabaret é considerado um símbolo da universidade, a qual concentra um expressivo número de estudantes de vários lugares do mundo, onde os estudos são feitos em língua inglesa e língua francesa, constituindo-se em uma das formas de reafirmar a política cultural multicultural do Canadá. Tal espaço, por meio deste outro circuito, dá continuidade ao projeto maior do RPFO, que é de revisitar os espaços patrimoniais e históricos francófonos na capital do país.

Circuito na cidade de Quebec (Quebec, Canadá) Nesta seção será apresentado um pequeno resumo do circuito educativo chamado “Les visages de Québec – peuplement et immigration” (As faces de Quebec – povoamento e imigração).22 A CCNQ, La Comission de La Capitale Nationale (Comissão da Capital Nacional do Quebec)23, desenvolveu um programa chamado Découvrir la capitale nationale. São onze circuitos pedestres feitos pela cidade de Quebec, guiados e apresentados de forma lúdica e educativa, voltados principalmente aos estudantes e aos imigrantes, mas também ao público em geral, incluindo os turistas. Os circuitos, que têm duração entre 2,5 e 5,5 horas, propõem-se a visitar lugares de memória e evidenciar a trajetória dos diferentes povos que fizeram parte da história de Quebec. (Bernard, 2014) 22

As informações relacionadas a esse circuito foram escritas com base na entrevista elaborada pelas autoras e dirigida à responsável dos conteúdos dos circuitos educativos Découvrir la capitale nationale, da CCNQ, Andréanne Bernard, em outubro de 2014. A partir daqui, quando mencionada, será a entrevista concedida às autoras em 23/10/2014. O texto tem o apoio da documentação histórica disponível no site da Comission Nationale de la Capitale http://www.capitale.gouv.qc.ca/ “Créée en 1995 par l'Assemblée nationale, la Commission de la capitale nationale du Québec s'acquitte d'une triple mission à l'égard de la capitale : contribuer à son aménagement et à son embellissement, en faire la promotion, par un programme varié d'activités de découverte et de commémoration, et conseiller le gouvernement du Québec sur la mise en valeur de son statut.” Criada em 1995 pela Assembleia National, a Comissão da Capital Nacional do Quebec cumpre uma missão tripla no que diz respeito à capital: contribuir para o seu desenvolvimento e seu embelezamento, para promovê-la através de um variado programa de atividades de descoberta e de comemoração e aconselhar o Governo do Quebec melhoria do seu estatuto. 23

A responsável pelos conteúdos dos circuitos educativos do programa, a historiadora e museóloga Andréanne Bernard, diz que, em parceria com o Ministério da Cultura e de Comunicações de Quebec, o circuito Les visages de Québec – peuplement et immigration24 foi pensado a partir de duas temáticas principais, as quais se complementam: a primeira é a relevância da imigração na história da cidade de Quebec e a segunda é cooperação das comunidades culturais em desenvolvimento. O objetivo geral desse circuito é “promover a compreensão intercultural e permitir uma melhor integração sociedade de acolhimento.”25 (Bernard, 2014) O trajeto que compõe o circuito percorre locais que evidenciam a passagem dos povos fundadores de Quebec através da arquitetura, como o edifício do Hôtel du Parlement. Na Rue d’Auteuil estão dispostos os diversos bustos que representam a recente imigração (dos anos 1960 a 2000). As marcas de apropriação do território pelas diferentes comunidades culturais são encontradas em lugares como Morrin Center, antiga Literary and Historical Society of Quebec (Sociedade Literária e Histórica de Quebec – fundada por comunidades escocesas e inglesas), hoje um centro cultural, com uma biblioteca anglófona e que guarda os traços da presença inglesa na cidade, com as visitas guiadas com mediadores em trajes tradicionais ingleses; a Croix celtique, uma cruz esculpida, presente da Irlanda ao Quebec; a Maison Vanfelson, residência de nobre arquitetura estilo francesa e habitada por Antoine Vanfelson, do qual um dos descendentes está na origem de uma importante linhagem de homens da lei que se estende por aproximadamente 150 anos; a Cathédrale Holy Trinity, primeira catedral anglicana construída fora das ilhas Britânicas; e as Ursulinas de Quebec, um antigo convento, que é a mais antiga instituição norte-americana de ensino para mulheres. Hoje, ela abriga um museu (Museu

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Segundo Bernard (2014), este circuito substitui um outro chamado Québec, 400 ans d'immigration do ano de 2006. A historiadora Louise Côté fez a pesquisa e a escrita desse antigo circuito, sob a supervisão da gerente de projeto da CCNQ, Suzanne Aubé (antiga conselheira pedagógica). Em 2010, o circuito Les visages de Québec nasce com os mesmos objetivos do Québec, 400 ans d'immigration. Andréanne Bernard cria a nova rota, que contou com uma parceria com o Museu das Ursulinas, assim como contou com a concepção de um jogo interativo disponibilizado durante o itinerário. O historiador David St-Pierre reformulou os conteúdos de Louise Cotê sob a supervisão de Bernard. A última atualização do roteiro foi feita em 2013 por Julie Payer, especialista em patrimônio e turismo. O circuito está ligado muito mais ao programa educacional do Ministério da Educação do Quebec, em particular através da ampla área de aprendizagem “Cidadania e Vida Comunitária”. (As informações acima são traduções e versões das autoras a partir da entrevista mencionada na nota 19.) 25

“Favoriser le rapprochement interculturel et de permettre une meilleure intégration à la société d’accueil”

das Ursulinas) e um centro cultural, além de ser uma escola para crianças (mista – de meninas e meninos, embora em prédios diferentes). O circuito reforça o sentimento de pertencimento do lugar e de uma comunidade a partir do momento que em um conjunto de aspectos é compartilhado coletivamente. Dessa forma disponibiliza-se um ambiente favorável para “compreender a identidade não como um conceito fixo e excludente, mas como algo recriado individual e coletivamente e alimentado continuamente por influências tanto interiores quanto exteriores” (Barros, 2014, p. 56).

Considerações finais

Pareceu-nos importante refletir a questão do intercultural como uma operação que se dá na relação entre culturas de forma comunicativa e interativa, direta e verbal, e que também se faz em um campo simbólico, ou seja, em um espaço de troca que é do outro que está em relação (citadino/turista/imigrante/visitante/local). As reflexões que se elaboraram também são decorrentes da articulação entre as políticas culturais do Canadá, o multi e o interculturalismo, assim como as noções do transculturalismo, com a participação relevante que o turismo pode ter como ferramenta para comunicação e, consequentemente, uma melhor e mais saudável convivência entre os grupos distintos. Turismo e patrimônio são tidos em boa parte como elementos de proteção das identidades e da diversidade cultural. O artigo buscou, assim, apresentar e discutir sucintamente a experiência turística em circuitos patrimoniais como possibilidade de maior aproximação intercultural por meio das negociações simbólicas estabelecidas entre turistas-viajantes, imigrantes e a comunidade receptora. Pode-se dizer que os circuitos, quando relacionados ao patrimônio, reafirmam-se como atividades que partilham a história e transmitem a memória, pois se dão no tempo, no espaço e possibilitam o diálogo entre a comunidade local e o turista (tanto quanto com o imigrante). “As relações temporais, espaciais e humanas se produzem ao criar e ao percorrer um sítio [lugar], onde a memória e a consciência coletiva habitam esse lugar e seus residentes”. (Soulier, 2011, p. 5, tradução nossa). Os campos exploratórios da pesquisa, a partir de um contexto do intercultural, tiveram dois cenários propícios para as reflexões a respeito das experiências turísticas. Um deles foi o circuito patrimonial de Ottawa, que traz a questão da existência de um patrimônio

francófono na Basse Ville, em uma cidade bilíngue pertencente ao Canadá anglófono. Outro foi o circuito patrimonial/educativo da cidade de Quebec, território francófono, evidenciando a presença marcante dos imigrantes na história da cidade. No primeiro caso, de Ottawa, traçar um itinerário, demarcado territorialmente pela presença francesa no espaço canadense, é dar ao participante do circuito, em um primeiro momento, a possibilidade de percepção da história a partir do contato com os traços e marcas registrados nos detalhes de uma arquitetura singular, diante dos outros bairros da cidade. A forma de interpretação do patrimônio leva à imagem do que foi o outro: aquele que chegou, instalou-se, viveu e deixou suas marcas na espacialidade urbana, como nas mansões, nos colégios, nas catedrais, nos hospitais. Em um segundo momento, o circuito possibilita a ressignificação dos espaços que se tornaram patrimônio da cidade, considerando um elemento importante: a forte presença francófona ainda hoje dentro de uma região anglófona. Aproximamos aqui o conceito da política do interculturalismo, quando esse afirma que é preciso assegurar a sobrevivência e a convivência dos diferentes povos no seu território. Nessa política as diferenças culturais têm valor intrínseco, embora esta experiência se dê em uma comunidade regida pelo multiculturalismo, pois estamos falando da capital do Canadá. É na experiência turística em um circuito patrimonial que o turista e o imigrante passam a interagir com o espaço do outro, conhecendo a história referida na temática e também reconhecendo a si mesmo. Quando há a interação, o lugar do outro passa a ser privilegiado como um lugar para pensar as memórias e valorizar a própria identidade, em uma operação de trocas simbólicas. A partir daí, junto com Bernd (2006), podemos vincular o circuito como um exercício ligado à perspectiva do transcultural quando, “ao estabelecer um diálogo entre as comunidades culturais, inaugura caminhos de reciprocidade nas relações culturais, garantindo-se com isso a fertilidade das trocas” (Bernd, 2006, p. 5). Contribuindo com essa premissa, Rees (2002) afirma que os circuitos e itinerários, como propulsores de novas formas de conhecimento, importam, sobretudo, para que possamos nos reconhecer como grupos culturais distintos, mas com coesão entre as respectivas identidades, assim como pelos interesses compartilhados. Eles nos possibilitam revalorizar nossa identidade e nossos princípios como indivíduos tanto como sujeitos pertencentes a uma coletividade. No segundo caso, o de Quebec, o circuito Les visages de Québec – peuplement et immigration aborda justamente a relação dos imigrantes com a cidade, fazendo dessa

um lugar simbólico por representar diversas culturas que fizeram e ainda fazem parte da história da cidade de Quebec, em uma relação de troca. Desfazem-se também alguns estereótipos.

No final, o circuito permite conhecer os povos fundadores de Quebec, bem como algumas comunidades culturais e certos personagens importantes que povoaram Quebec ao longo dos séculos. Objetivo de segunda ordem: desfazer um mito (principalmente mantido em Montreal) de que a cidade de Quebec é homogênea, branca e francesa.26 (Bernard, 2014, entrevista) Coexistência de culturas estrangeiras e identidades diferentes em um mesmo território, assim como reconhecimento da diversidade cultural, associado à ideia de coesão social e à representação de uma sociedade que não discrimina as minorias: princípios que fazem parte da política do multiculturalismo canadense e que também estão presentes no circuito pesquisado. Por outro lado, percebe-se a passagem do multicultural para o intercultural, a partir do momento em que se coloca como um dos principais propósitos do circuito a integração e interação das diversas culturas com a cultura francófona. Dessa forma há a tendência de consolidar laços de pertencimento do imigrante e do turista com a cultura local. Retoma-se Soulier (2011), quando diz que os circuitos são como uma ferramenta de comunicação intercultural e que o sentimento de pertencimento territorial é reavivado através das referências identitárias e memoriais atribuídas ao patrimônio. O circuito de Quebec foi pensado também como forma de cooperação das comunidades culturais em desenvolvimento. Ou seja, é a busca pelo conhecimento e renovação das culturas que dialogam, percebem o todo e as suas relações com as partes. Dessa forma, trazemos aqui novamente a ideia do transculturalismo, pensando na possibilidade de tratar as experiências turísticas como experiências transculturais que instiguem novas percepções e que criem subsídios e espaço para outros diálogos interculturais. Para Oliveira (2006), quando o turismo é capaz de gerar encontros entre culturas diferentes, a diversidade e a intensidade dos impactos econômicos e socioculturais são

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« En bout de piste, le circuit permet de connaître les peuples fondateurs du Québec de même que certaines communautés culturelles et certains personnages marquants qui ont peuplé Québec au cours des siècles. Objectif de second ordre : défaire un mythe (surtout entretenu à Montréal) selon lequel la ville de Québec est homogène, blanche et française. »

produzidos. A partir desse momento criam-se condições favoráveis para a compreensão e entendimento, possibilitando até a realização de uma interlocução genuína entre o turista-viajante e o nativo-residente. O mesmo autor ressalta que a “procura por experiências verdadeiras e pela autenticidade, que destaquem as diferenças e mantenham a identidade, a alteridade ou mesmo uma ilusão fantasiosa desta, alimenta os processos vinculados à produção de capital simbólico e cultural”. (Oliveira, 2006, p. 9) As experiências no campo canadense, vivenciando as atividades turísticas voltadas ao patrimônio, como no caso dos circuitos praticados – mencionados anteriormente –, possibilitaram revisitar as noções e as articulações do intercultural com o turismo. Essas questões estão contribuindo significativamente para abordagens que se direcionam ao campo brasileiro, mais especificamente relacionadas à elaboração e à criação de itinerários histórico-culturais de Porto Alegre, tema de outra pesquisa em andamento, conforme mencionado na introdução desse texto. O estudo possui duas principais vertentes. A primeira relaciona-se com o reconhecimento e a delimitação do conceito de itinerário histórico-cultural, pensada como uma das novas abordagens e categorias de interpretação do patrimônio e da história. Essa questão está vinculada também ao processo de elaboração de um itinerário, através do entendimento de suas etapas e procedimentos. A segunda vertente trata de estudar o imaginário social da cidade de Porto Alegre em um período específico da história e, a partir daí, aplicá-lo como temática ao itinerário histórico-cultural que será criado como produto final do trabalho. A pesquisa na área dos circuitos patrimoniais no campo canadense, portanto, é de suma importância para que se criem subsídios para uma melhor compreensão acerca da articulação estabelecida entre os itinerários e circuitos relacionados à história e às memórias da cidade, dentro de um contexto do turismo cultural. A questão intercultural, presente nos dois circuitos canadenses pesquisados, serve-nos como elemento referencial significativo para pensarmos a relação do visitante – seja ele turista, citadino ou estrangeiro – com o passado e em relação ao outro. Apesar de o objetivo deste trabalho não se concentrar no aprofundamento das discussões a respeito das políticas culturais canadenses – sobre seus aspectos e o quão efetiva elas se apresentam atualmente –, pretendeu-se refletir como o turismo pode cooperar para que haja um intercâmbio harmonioso e quiçá profícuo entre as diferentes culturas e suas histórias. Esse fato contribuirá positivamente para a prática da interculturalidade, multiculturalidade ou transculturalidade, sejam elas aplicadas nas

políticas públicas (no caso de países como o Canadá) ou em práticas para a promoção turística. A cidade, seja Ottawa, Quebec e trazemos aqui também a cidade de Porto Alegre, apresenta-se

como

um

território-cenário

atrativo:

diversidade,

receptividade,

reciprocidade, interculturalidade. Um circuito patrimonial como “experiência coletiva e turística que faz as interações com o outro e com o espaço físico transformarem-se e transporem-se ao que existia: surgem novas histórias, imagens e imaginários” (Santos e Gransotto, 2015, prelo).

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