Experiências de comunicação e gênero na América Latina (Argentina, Brasil e México); perspectivas para o estudo interdisciplinar.

July 18, 2017 | Autor: Adriana Cedillo | Categoria: Comunicação, Género, Direitos Humanos, Comunicacao Social
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Experiências de comunicação e gênero na América Latina (Argentina, Brasil e México); perspectivas para o estudo interdisciplinar.

Adriana Cedillo Morales Moreira
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Resumo
Este ensaio é uma reflexão sobre os estudos de Comunicação e Gênero a partir de uma pesquisa documental sobre o diálogo destas disciplinas em três países latino-americanos (Argentina, Brasil e México) com o objetivo de colocar ideias que possam incentivar a contribuição e construção de estudos interdisciplinares, que por sua vez ponham em questão as formas de construir e representar o gênero desde a área comunicativa.
Palavras-chave: Gênero, Comunicação, América Latina.
Introdução
Os estudos de Gênero e Comunicação tem se desenvolvido nas últimas quatro décadas em diversos países do mundo, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. Na América latina, tem sido abordado a partir de inúmeros trabalhos interdisciplinares conjugados com áreas como os estudos culturais, estudos de mídia, etnografia, semiótica, comunicação política, entre outros, que dão a possibilidade de mostrar novos olhares ante as complexas, diversas e misturadas realidades latino-americanas. Assim também tem permitido criar inovadores paradigmas nas ciências sociais e possibilidades de mudança social, pois os estudos de gênero por si mesmos são uma disciplina que desde seu surgimento possibilitaram influir diretamente nas sociedades em âmbitos tão importantes como as universidades, a organização do trabalho, as manifestações culturais, os meios de comunicação ou os órgãos políticos dos países.
De 1970 até os dias atuais, o papel das mulheres latino-americanas tem tido mudanças muito significativas. Argentina foi pioneira ao ter a primeira mulher presidenta no mundo em 1974 quando María Estela Martínez de Perón era vice-presidente em 1974, seu marido o presidente Juan Domingo Perón morreu e cabia a ela ocupar o posto (EXAME, 2014.) No transcurso de quatro décadas seis mulheres tem governado na América Latina, Brasil, Nicarágua, Panamá, Chile, Argentina e Costa Rica. Por outro lado, o Mapa de Mulheres na Política (ONU, 2014) mostra que, da América Latina, somente Cuba, Equador e Nicarágua contam com 40 a 49,9% de mulheres nos Parlamentos, seguidos de países como México e Argentina com 35 a 39,9%; porém outros como Belize ou Haiti contam com apenas de 0.1 a 4.9%.
Esses dados são uma mostra de como tem mudado e está mudando o mapa de participação das mulheres na política nas últimas décadas, pois desde 1974 até 2014 a América Latina ganhou, embora que pouco, espaços que anteriormente não tinha, o que demonstra uma necessidade de realizar mudanças no papel da mulher na sociedade. O período citado coincide com o desenvolvimento dos estudos de gênero nesta região americana, que surgiram a partir do movimento feminista da década de 1960 e do Movimento de liberação das mulheres na França dos anos 70, aos que posteriormente incorporaram-se os estudos das masculinidades e LGBT.
Os estudos de gênero, cuja origem remonta ao movimento feminista da década de 60, procuraram evidenciar a diferença entre os gêneros e tornar manifesta a subordinação da mulher em muitos setores da sociedade, o que originou organizações para a discussão dos direitos das mulheres. Esses movimentos, de alguma maneira, realimentaram as transformações e facultaram a evolução desses estudos, possibilitando que o gênero feminino adquirisse visibilidade. Além disso, o reconhecimento de que a experiência da mulher enquanto leitora e escritora é diferente da experiência do homem provocou uma modificação significativa nos paradigmas de universalidade do masculino então vigentes. (ZINANI, 2006:254).

O presente trabalho é um ensaio crítico sobre o desenvolvimento dos estudos de Gênero e Comunicação a partir de uma pesquisa documental com respeito a três países latino-americanos, Brasil, México e Argentina, a fim de mostrar as particularidades e aportes de cada um deles nas áreas citadas, pois quando falamos da América Latina, é preciso compreender que não falamos de uma região homogênea, senão de um extenso território composto de múltiplas nações com especificidades próprias tanto culturais quando políticas, históricas e sociais.
Assim, este ensaio parte da história do surgimento dos estudos de gênero nos países estudados, para depois revisar os trabalhos recentes e os diversos paradigmas que abordam esta temática. Por conseguinte, busca-se também discutir as possibilidades que a Comunicação e o Gênero, através de um diálogo, podem trazer na criação de novas perspectivas e metodologias na América Latina nos tempos atuais, caracterizados pelas aceleradas mudanças culturais e científicas.

O desenvolvimento dos estudos de gênero. Argentina, Brasil e México no contexto latino-americano
A partir da década de 1970 surgiram os chamados estudos de gênero, pouco depois de que o Movimento de liberação das mulheres (Mouvement de Libération des Femmes) ganhou força na França e posteriormente em outros países, entre eles, os latino-americanos. O MLF foi o resultado do encontro entre dois processos, as ideias de Simone de Beauvoir quem colocou a consciência de desigualdade social entre os sexos e a definição das mulheres como "outro"; e do movimento estudantil de maio de 1968, do qual tomou a luta coletiva e a vontade de "mudar a vida", e adotou deste o estilo espetacular, provocador, alegre e insolente (PICQ, 2008:70.)
Este movimento foi uma das formas mais particulares do feminismo da segunda parte do século XX. As mulheres manifestavam a necessidade de criar novas formas de significar o gênero feminino no meio de algumas décadas (1950-1980) marcadas por processos e movimentos sociais em todo o mundo, na busca pelo respeito dos direitos sociais e políticos. Neste contexto, O MLM afirmava "o pessoal é também político". Com isso queria dizer que as relações pessoais e privadas –domésticas, mas também afetivas e sexuais- são por sua vez, relações sociais (PICQ, 2008:71.)
A perspectiva era radical: não se tratava de melhorar a condição das mulheres na sociedade, de obter mais direitos, mais igualdade, mas de mudar a sociedade já que se baseia na opressão e na exploração das mulheres. A utopia consistia em não aceitar a situação dada como uma realidade a qual tinha que se adaptar, senão afirmar que tudo é possível e que não tem que eleger nem renunciar. E o MLM retomava, por sua conta, o messianismo do movimento operário proclamando que "liberando-se, as mulheres, liberarão a humanidade inteira." (PICQ, 2008:71.)

Na América Latina o Movimento de Liberação das Mulheres teve várias experiências que depois derivariam nos estudos de gênero. No México, um grupo de trinta mulheres era o total do MLM, na cidade do México em 1975. Mas, dada sua capacidade de chamar a atenção e devido à realização da Conferência do Ano Internacional da Mulher (ONU) o movimento tinha uma autêntica presença. Um dos aspectos mais relevantes da década de 1970 foi o fato de que as mulheres reconheceram sua inferioridade social e se deram conta de que esta era uma condição coletiva (BARTRA, 1999: 214.)
O caso mexicano é um exemplo claro sobre o desenvolvimento dos estudos de gênero latino-americanos, precisamente porque surgiu na classe meia ilustrada, um setor social que podia impulsar o progresso desses estudos mediante palestras ou espaços universitários. Muitas destas primeiras feministas não conheciam os problemas que viviam outras mulheres, como estupro ou abortos clandestinos, porém tinham vivido o assédio sexual nas ruas e outras formas de discriminação (BARTRA, 1999.) Aos poucos o movimento cresceu e foi a base para posteriores ganâncias.
A Argentina não foi a exceção nas lutas feministas influídas pelo MLM surgido na França e caracterizou-se pela criação de movimentos muito bem organizados. Em 1970 foi fundada a União Feminista Argentina (UFA) que se converteria anos mais tarde junto com outras organizações na Frente pela Mulher (FLM) que tinha como alguns dos seus principais pontos o aborto legal e gratuito e pugnavam pela remuneração pelo trabalho da casa, potestade e manutenção compartida por mãe e pai, assim como o divórcio absoluto a petição de uma das partes (OLIVEIRA, 2008:4.)
Enquanto no mundo aconteceram muitos movimentos libertários na década de 1970, no Brasil os fatos eram distintos já que os tempos de grandes mudanças culturais deram-se na década de 1960 quando a música revolucionou-se com a Bossa Nova, a esquerda partidária, os estudantes e o próprio governo se radicalizaram, o que levou a um golpe militar em 1964 que transformou o Presidente da República num ditador. Os anos depois foram marcados pela repressão total da luta política, obrigando aos grupos de esquerda a irem para a clandestinidade e partirem para a guerrilha (PINTO, 2009:2.)
Em 1975, celebrou-se a I Conferência Internacional da Mulher, no México e a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou para os próximos 10 anos, a década da mulher. Enquanto isso acontecia, no Brasil realizou-se uma semana de debates sobre "O papel e o comportamento da mulher da realidade brasileira". Pouco depois, sugiram as primeiras manifestações de mulheres no Brasil enquanto que as exiladas, principalmente em Paris, criaram ligações com o feminismo europeu (PINTO, 2009:3.)
Neste contexto, foi também na década de 1970 quando o feminismo e os estudos culturais se encontraram, principalmente na Inglaterra devido a que as preocupações do movimento feminista atingiam as investigações voltadas para os meios de comunicação. As pesquisas pioneiras encontravam-se principalmente no Center for Contemporary Cultural Studies (CCCS) com o chamado Grupo de Estudos da Mulher, localizado em Birmingham (PRATES, 2008:4.)
Prates (2008) relata que o surgimento de novas temáticas gerou dificuldades ao interior da Universidade de Birmingham. As noções de subjetividade colocadas contra as teorizações universalistas deixaram muitos pesquisadores machucados e enfurecidos naquele período (PRATES, 2008:6). Um exemplo disso é documentado nas palavras de Stuart Hall, um dos precursores dos estudos culturais (cit. em PRATES, 2008), ao abordar sua saída de Birmingham no final dos anos 70:
A questão do feminismo foi muito difícil de levar por duas razões. Uma é que se eu tivesse me oposto ao feminismo, teria sido uma coisa diferente, mas eu estava a favor. Ser alvejado como "inimigo", como a figura patriarcal principal, me colocava numa posição contraditória insuportável. É claro que as mulheres tiveram que fazer isso. Tinham que me calar, essa era a agenda política do feminismo. Se eu tivesse sido calado pela direita, tudo bem, nós todos teríamos lutado até a morte contra isso. Mas eu não podia lutar contra minhas alunas feministas. (...) Era hora de partir (Hall, 2003, cit. em PRATES, 2008: 7).
Apesar das dificuldades, os estudos culturais e o feminismo eram bastante próximos, ao ser abordagens que surgiram fora da Academia (nos contextos sociais, educacionais e políticos), pois ambos dedicavam as suas pesquisas no âmbito de grupos oprimidos e marginalizados; portanto, foram alvos de críticas ao declarar não existir conceitos e teorias que dessem conta dos seus objetos (ECOSTEGUY, REJANE, 2010:41.)
Na América Latina os estudos culturais tiveram uma influência significativa da escola inglesa, porém foram desenvolvidos com as suas particularidades e com certa demora. Existem similaridades num corpo teórico-metodológico da análise cultural que emerge nos anos 80 em países latino-americanos, o qual surge da influência do movimento inglês. Isso ajuda a esclarecer posicionamentos assumidos por intelectuais latino-americanos num conjunto de trabalhos em relação a um debate internacional efervescente que vem ocorrendo no último período, bem como permite mostrar sua contribuição particular aos impasses, questionamentos e críticas ao desenvolvimento dos estudos culturais (ESCOSTEGUY, 2010:47.)
Em meados da década de 80, a configuração da pesquisa em comunicação revela nítidos sinais de mudança, que têm origem não somente em deslocamentos internos ao próprio campo, mas, também, num movimento mais abrangente das ciências sociais como um todo. O debate sobre a modernidade, o horizonte marxista vigente na época e a questão da globalização obrigaram a repensar a trama teórica vigente. "Os deslocamentos com os quais se buscará refazer conceitual e metodologicamente o campo da comunicação virão do âmbito dos movimentos sociais e das novas dinâmicas culturais, abrindo, dessa forma, a investigação para as transformações da experiência social" (MARTÍN-BARBERO, 1992, p. 29 cit. em ESCOSTEGUY, 2010:48).

É neste âmbito dos estudos culturais onde insertaram-se vários estudos de gênero mais tarde na América Latina, embora que não de forma tão abrangente como na Europa. No caso do pensamento feminista (ou sobre as mulheres) são escassos os aportes que tem-se realizado na América do sul. Algumas investigadoras como Heloísa Buarque de Holanda o Nelly Richard, buscaram incrementar os escritos e as pesquisas sobre esta "perspectiva fundamental nos estudos culturais" (Reguillo, 2004: 7 cit em SILVA, 2004:8.)
Heloísa Buarque de Holanda, expõe que o pensamento feminista emerge como novidade no campo acadêmico e impõe uma tendência teórica inovadora e de forte potencial crítico e político. Parafraseando a Edward Said, considera que os estudos feministas, assim como outro tipo de estudos étnicos e anti-imperialista, promovem uma deslocalização radical da perspectiva que se assume nas análises considerando aos grupos marginalizados e dando voz àqueles que normalmente estavam excluídos dos domínios políticos e intelectuais. (SILVA, 2004:8.)
Neste sentido, pensar sobre os estudos sobre as mulheres, que posteriormente converteram-se nos estudos de gênero, seria pensar no desenvolvimento deles não somente como a integração de novas disciplinas nas ciências sociais, senão como o resultado de uma luta política, pela reivindicação de direitos. Portanto, na América Latina, é preciso entender as particularidades destes estudos, compreender a mestiçagem da mulher latino-americana, no seu sentido de identidade. Sobre este aspecto, algumas das formulações mais consistentes que se tem realizado, são as que tem integrado o pensamento feminista com o pós-colonial, este é o caso de algumas autoras chicanas. Gloria Anzaldúa é um dos casos que reivindica a nova mestiçagem que está surgindo já não simplesmente étnico, senão articulando o étnico, o econômico e o cultural. Trabalhou com a ideia dos subalternos, dos marginalizados e de todos aqueles que não participam do festim do capitalismo transnacional (SILVA, 2004:8.)
Podemos perceber que os aportes de Anzaldúa estão construídos no sentido de mudar a forma de ver o feminismo nos Estados Unidos o qual parecia ser uma visão muito homogênea que não conseguia dar conta da heterogeneidade das mulheres, especialmente das chicanas. Anzaldúa trouxe, a partir de seu lugar de escritora chicana às margens do cânone, intervenções das mulheres feministas de cor, lésbicas, judias e mulheres do Terceiro Mundo, entre outras, para o centro do debate feminista norte-americano, até então dominado pela miopia das feministas consideradas brancas, anglófilas, heterossexuais, protestantes e de classe média (AVILA, 2005: 3.)
Com a irrupção dessas vozes histórica e estruturalmente reprimidas ou sem espaço, a discussão sobre a diferença se desloca do plano de uma dicotomia de gênero (a diferença entre homens e mulheres, entre masculino e feminino) e caminha rumo à exploração das diferenças entre as mulheres e no interior das mulheres –tônica que marcou principalmente as preocupações intelectuais e práticas militantes feministas na década de 1980, revelando o reconhecimento de que o campo social está atravessado por várias camadas de subordinação que não podem ser reduzidas unicamente à questão de gênero (AVILA, 2005: 3.)
O caso das mulheres chicanas, é emblemático para compreender a necessidade de construir conhecimentos próprios de cada região, ainda falando sobre a América Latina porque os processos de mestiçagem, de diversidade, de colonização, de organização política e social são específicos de cada país que compõem esta região. Portanto, a seguir, estuda-se os olhares a partir do qual tem sido desenvolvido os estudos de gênero e comunicação em três países da região latino-americana.

Estudos recentes e perspectivas para o futuro
Brasil
O Brasil já tem uma bagagem bastante significativa sobre os estudos de Gênero e Comunicação, porém neste ensaio só serão mencionados alguns deles a fim de exemplificar de forma geral os campos de desenvolvimento desses estudos neste país. O principal centro de estudos de gênero é o Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Universidade Estadual de Campinas, o qual integra atividades de pesquisa, de natureza acadêmica, congrega especialistas que desenvolvem estudos no âmbito de diferentes tradições disciplinares, contemplando temas variados, abordados a partir de diversas perspectivas teóricas. Este grupo trabalha com linhas de pesquisa como sexualidade, história das ciências, curso da vida-educação, distribuição de justiça, mídia, teorias feministas e perspectivas disciplinares, demografia da família, difusão de conhecimentos associados à problemática do gênero (UNICAMP, 2014).
Na área da mídia, o Núcleo atualmente conta com duas pesquisas, uma voltada para as disciplinas da etnografia e o teatro; uma outra no campo da análise dos estudos cinematográficos. A primeira é "História social e etnografia das relações de gênero no teatro e no campo intelectual brasileiro 1940, 68" que iniciou em 2006, o qual visa prosseguir a investigação no âmbito da história social, da sociologia da cultura e da etnografia das relações de gênero. O segundo projeto em andamento é "Circuitos cinematográficos: imagens, movimento e duração constituintes da sexualidade e das políticas de gênero na atualidade" que parte da análise da dinâmica de produção-exibição de uma cinematografia inicialmente denominada de gay e lésbica (década de 90) e que, na última década em muitos lugares passou a se auto-denominar "queer". (UNICAMP, 2014.)
Por outro lado, Ecosteguy (2008) realizou um levantamento da produção científica sobre Gênero e Comunicação no Brasil de 1992 a 2002, que deu como resultado a identificação de 65 trabalhos nesta área. Apesar de ainda tímida, a presença dessa temática vem ganhando força no campo. (ECOSTEGUY, REJANE, 2008:14.)
Uma das linhas encontradas neste levantamento foram os estudos focados na mensagem, que na América Latina tiveram muito desenvolvimento na década de 1970 e que estudaram-se posteriormente nas análises de telenovelas. A temática era abordada buscando demonstrar que os assuntos e os valores dominantes nesse tipo de literatura feminina atuavam como reforçadores de um protótipo de feminilidade, baseado no cumprimento de papéis tradicionais: mãe, esposa e dona de casa (CHARLES, 1996 cit. em ECOSTEGUY, REJANE, 2008:15.)
Também de acordo com essa pesquisa, a temática vinculada às relações de gênero surgiu em 1998. Um dos trabalhos dessa linha é uma dissertação de Ligia Maria Moreira Dumont (UFRJ, 1998): O imaginário feminino e a opção pela leitura de romances de série, onde a autora realiza uma pesquisa utilizando a etnometodologia e a técnica de história de vida para observar se os efeitos preconizados por tal literatura estariam se processando (ECOSTEGUY, REJANE, 2008:18.)
Outros trabalhos relevantes são os que pela primeira vez empregaram o masculino como objeto de estudo. O primeiro deles é de Diario Girdano Calda (USP, 1998), O velho e o novo na moda masculina: o processo de difusão da inovação no segmento clássico, o qual parte do pressuposto de que "o masculino clássico" é o segmento que incorpora mais lentamente a inovação, e faz um estudo que se propõe a reconstruir a genealogia dessa tendência, chamada de "novo costume". O segundo é de Flailda Brito Garborggini Siqueira (USP, 1999), um estudo sobre a representação masculina na publicidade televisiva chamado O homem no espelho da publicidade: reflexão e refração da imagem masculina em comerciais de TV nos anos 90. Trata-se de uma análise dos elementos do discurso publicitário, a partir da teoria semiótica. (ECOSTEGUY, REJANE, 2008:19.)
Também a pesquisa documental de Ecosteguy (2008) revisou 1665 trabalhos de comunicação (2000-2002), dos quais 36 vinculam-se à temática de gênero. Nestas produções científicas, o destaque foi para a mídia impressa, com treze trabalhos. Na área da mídia audiovisual contou nove. Quatorze trabalhos não foram enquadrados em nenhum tipo de mídia específico. No entanto, do subconjunto de 22 que focaram a mídia audiovisual e impressa, destaca-se a temática das representações do feminino em diferentes esferas na mídia (ECOSTEGUY, REJANE, 2008:22.).
Finalmente, o estudo aborda o desafio que implica realizar pesquisas de Comunicação e Gênero no Brasil, pois é ainda um campo pouco estudado. Porém, os exemplos anteriores são uma mostra do muito que é possível gerar a partir desta perspectiva interdisciplinar já que a comunicação é um tópico de forte presença social, nos meios de comunicação e como parte das relações cotidianas das pessoas. Portanto, colocar o gênero nos trabalhos de comunicação pode contribuir à realização de trabalhos mais completos, que permitam mapear o universo, por exemplo dos receptores das mensagens ou nos discursos a partir dos quais se constroem estereótipos de gênero na mídia.

México
No caso mexicano existem diversos programas que incorporam o gênero em comunicação, um deles é o de Investigação Feminista da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), que é um projeto de incorporação das propostas teóricas e epistemológicas que vai do fenômeno contemporâneo à investigação e docência com um enfoque interdisciplinar, assim como à geração de conhecimentos em diferentes disciplinas e problemas de investigação desde a perspectiva de gênero (UNAM, 2014.) Este último aspecto é relevante porque os estudos desenvolvidos neste grupo de pesquisa trabalham com a categoria analítica Perspectiva de gênero, que seria definida como todas aquelas metodologias e mecanismos destinados ao estudo das construções culturais e sociais próprias para os homens e as mulheres, o que identifica o feminino e o masculino (CHAVEZ, 2004:179.)
A maioria dos projetos que se trabalham na área da comunicação deste programa feminista, estão a cargo da pesquisadora Aimée Veja Montiel que atualmente trabalha o papel da mídia na problemática social da violência de gênero com o estudo La responsabilidade de los médios de comunicación em la erradicación de la violencia contra las mujeres y niñas (A responsabilidade dos meios de comunicação na erradicação da violência contra as mulheres e crianças). Outros trabalhos da pesquisadora são Big Brother and the violence of gender against Women (Big Brother e a violência de gênero contra a mulher), Eliminando fronteras: identidades de género frente a la televisión (Eliminando fronteiras: identidades e gênero frente à televisão) e El derecho de las mujeres a la comunicación: la transversalización de la legislación de medios con perspectiva de género (O direito das mulheres à comunicação: a transversalidade da legislação de meios com perspectiva de gênero.)
Outro que sobressai na área é o estudo "Know How y ciudadanía:potencial de las nuevas tecnologias para la comunicación y la acción de las mujeres en el siglo XXI" (Know How e cidadania: potencial das novas tecnologias para a comunicação e a ação das mulheres no século XXI) de Felix Martínez (2009), o qual aborda uma discussão global sobre um dos fenômenos que incidem em todos os espaços da vida cotidiana: a revolução tecnológica e suas repercussões nas formas da comunicação. O conjunto dos artigos ajudam a entender os aparentes mistérios das sociedades da informação e do conhecimento, e delineia rotas de ação para tomar decisões e pensar na conformação de novas cidadanias para os homens e as mulheres.
Diferentemente do Brasil, o México ainda não tem um levantamento sobre a produção científica em Comunicação e Gênero, e portanto, o presente ensaio poderia considerar-se um trabalho incompleto sobre os estudos mexicanos realizados neste campo, o qual representaria um desafio para quem deseje articular um banco de dados sobre este tema, mas que para estudos posteriores seria de grande utilidade. Finalmente, é importante mencionar que os estudos mexicanos aqui discutidos são principalmente focados em áreas sociais e também políticas, ao estudar temas como a violência de gênero na mídia ou a participação cidadã.

Argentina
Na Argentina sobressai a recente criação da Rede de Observatórios de Comunicação e Gênero, a qual surgiu de um encontro organizado pelo Centro de Comunicação e Gênero da Universidade Nacional de La Plata em busca de novas perspectivas nos trabalhos interdisciplinares nestas áreas. Estes grupos de estudos trabalham a partir da ideia de que o gênero pode se entender como uma construção sociocultural histórica que define e dá sentido à sexualidade, conforma um sistema de poder que se realiza por meio de operações complexas, através de normas, tradições, práticas, valores, estereótipos que se produzem e reproduzem nos discursos públicos, circulantes nas instituições sociais e que habilitam, limitam e/ou restringem as práticas.
Esses estudos destacam-se pela criação de metodologias que buscam aprofundar o olhar nos estereótipos da mulher como significante social, cultural e político, sem descuidar da análise sobre as construções em torno das sexualidades. Assim, estão baseados na ideia de que o gênero é sempre uma construção relacional, portanto, a observação e a análise das representações sobre mulheres e feminidade supõem uma mirada das sexualidades construídas no discurso midiático (ROSALES, 2013:67.)
Pensar desde o diálogo entre a comunicação e o gênero não somente implica fornecer a mirada crítica em relação com os sentidos hegemônicos que reproduzem os meios massivos, senão também orientar o olhar sobre as práticas de produção comunicativa, de planejamento e de gestão da comunicação em distintas organizações e nos espaços de formação e capacitação em comunicação (ROSALES, 2013:68.)
Em 2014 uma das principais realizações foi a tipificação legal dos conceitos Violência Simbólica e Violência Midiática, o que indica que os estudos argentinos são vanguardistas na América Latina ao colocar como foco de estudo a violência que a mídia produz nas suas representações do gênero, e vão além quando conseguem criar uma regulamentação legal. Estes trabalhos foram publicados no eBook Red de Observatorios, Experiencias en Comunicación y Género: continuidades, rupturas y perspectivas en la coyuntura actual (Rede de Observatórios, Experiências em Comunicação e Gênero: continuidades, rupturas e perspectivas na conjuntura atual) que faz um recorrido pelos principais avanços em matéria legislativa acerca do tema de discriminação e proteção dos Direitos das Mulheres, como a lei 26.485 de Proteção Integral para prevenir, sancionar e erradicar a violência às mulheres.

Considerações finais
Os trabalhos de Gênero e Comunicação na Argentina, Brasil e México, embora que poucos, tem aberto uma nova perspectiva para a área comunicativa tanto no âmbito acadêmico quanto no social e político. Ao revisar os recentes estudos neste campo disciplinar encontram-se pesquisas que passam pela etnografia, a análise das construções sociais, a crítica do papel da mídia nas representações de gênero, a participação cidadã, entre outros. Portanto, partindo dos exemplos aqui apresentados, é possível afirmar que o campo da comunicação tem um corpus imensamente compatível com os estudos de gênero, pois os processos de comunicação, ao serem protagonizados por pessoas, incluem o gênero de forma transversal.
Incorporar a perspectiva de gênero nos trabalhos de comunicação é, sem dúvida, uma vantagem porque permite especificar os estudos realizados a partir das ciências da comunicação. Assim também, para aqueles que, na América Latina, creem na ciência como uma possibilidade de cambio e crescimento social, como um caminho na busca da equidade e da justiça, o trabalho do Gênero e Comunicação gera um leque de oportunidades no sentido de criar novos paradigmas no desenvolvimento das sociedades atuais, que em constante mudança, põem em jogo os velhos padrões institucionais e de gênero.
E, sem dúvida, o papel da comunicação nesses processos é de grande importância porque são nas relações humanas, nos meios de comunicação e nos seus usos sociais e políticos onde se constroem significados sobre os gêneros, por exemplo, nas formas estereotipadas da mulher, os homossexuais ou transexuais que, em muitos casos ao ridicularizar, coisificar ou dar atributos de inferioridade social, produz formas de discriminação.
Finalmente, é possível concluir que o caminho para os estudos de Comunicação e Gênero na América Latina, parece ser largo. Neste ensaio apresentamos apenas alguns exemplos na Argentina, Brasil e México que se bem fazem aportes bastante interessantes para este campo que parece ser ainda novo, não conseguem abranger todos os temas ou regiões que poderiam ser estudados a partir destas disciplinas. Faltaria também fazer um recorrido mais minucioso, neste sentido, por esses e todos os outros países que compõem a extensa e diversa região latino-americana para avaliar o panorama com maior clareza.
Referências
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CHÁVEZ C. J. Perspectiva de Género, 2004, Plaza y Valdés, España, 179 p. 
ECOSTEGUY A. C. D, Cartografias dos estudos culturais, uma versão latino-americana, Autêntica editora, Belo Horizonte, Brasil, 2010, 47-48.
ECOSTEGUY A. C. D (org.), Comunicação e gênero, aventura da pesquisa, Edipucrs, 2008, 14-22p.
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NOTAS P.P., Presentan un libro sobre violencia mediática em Argentina, 2 de setembro de 2014, "disponível em" http://notas.org.ar/2014/09/02/libro-digital-violencia-mediatica-argentina/ acesso em 09 de setembro de 2014 18:20:05.
PAGU, UNICAMP, Pesquisas, "disponível em" http://www.pagu.unicamp.br/node/5 acesso em 08 de setembro de 2014 13:15:01.
PICQ F., El hermoso pos-mayo de las mujeres (The Beautiful Post-May for Women), Universidad Paris Dauphine Dossiers Feministes, 12 2008, 69-77p.
PINTO, C. R. J., Feminismo, História e Poder, Revista de Sociologia Política, vol. 18 n. 15-23 de jun 2010, 36p.
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SILVA V. E., La comunicación en los geoestudios sobre las mujeres: trazado de un mapa difuso, Arcibel, Sevilla, 2004, 8p.
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