Experiências de Poder Local: o caso de Cabo Verde

June 1, 2017 | Autor: Gabriel Carvalho | Categoria: Politics, Cape Verde
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Experiências de Poder Local: o caso de Cabo Verde

José Luís Livramento

Começo por agradecer a grande oportunidade que a Conferência Episcopal de
Angola e São Tomé me concede para expor sobre um tema sempre presente no
debate político, económico e social, não só em Cabo Verde, mas em todo o
mundo democrático verdadeiramente preocupado com o bem – estar das
populações.

A colocação deste tema no âmbito da IV Semana Social Nacional sob o lema
"Democracia e Participação" demonstra, na minha modesta opinião, a
preocupação da Igreja Católica Angolana com a Doutrina Social comungada por
nós católicos num elemento essencial para a sua realização, o papel
institucional, no caso, o papel das autarquias como poder local.

Com efeito, torna-se hoje claro que, preocupar-se com o progresso das
comunidades locais, com o bem-estar das famílias, células base da
sociedade, significa, em primeira mão, questionar sobre o desempenho do
poder local, o poder de proximidade, na consolidação das democracias e no
desenvolvimento das Nações.

Cada país pode ter as soluções que o seu ambiente interno lhe proporciona
em termos de características territoriais, de concepção organizativa do
Estado dada pela Lei Fundamental, de dinâmica democrática e dos recursos
humanos, naturais e financeiros, mas há uma objectividade inegável: o
melhor caminho para a coesão nacional tem sede na descentralização e na
desconcentração do poder, permitindo às regiões, aos municípios e às
localidades um certo nível de auto-governação que potencie as suas
especificidades e a realização das suas motivações históricas.

A Nação Cabo-verdiana

CABO VERDE, A PRIMEIRA SOCIEDADE CRIOULA DOS TRÓPICOS

A Nação Cabo-verdiana tem cinco séculos e meio de existência (1460-2011). A
sua génese resultou, segundo Onésimo Silveira, de "uma interdependência e
uma afinidade de interesses, de razões e até de sangues" entre
colonizadores e escravos, uns, os senhores da terra, que se vêm abalados
pela crise económica, outros, os escravos trazidos da Costa Africana que se
vêm libertados da condição escravocrata, tudo em pleno século XVIII.

Ainda segundo Onésimo Silveira,"o novo tipo de relações que assim emerge,
vai gerar um processo de mobilidade social, tendo o mestiço como principal
protagonista … gerando nas ilhas de Cabo Verde a primeira sociedade crioula
dos Trópicos" para, a seguir rematar "os negros deixaram de ser africanos,
os brancos deixaram de ser europeus. A simbiose que desta forma florescia
era alma e essência de Cabo Verde e da cabo-verdianidade".

A POPULAÇÃO

A população de Cabo Verde, de acordo com o Censo de 2010, é de 491.575
habitantes, sendo Santiago a ilha mais populosa, concentrando 55,7% da
população e a menos populosa, a Brava, com 1,2%. No conjunto das dez ilhas,
a de Santa Luzia não é habitada e 62% da população vive em zonas urbanas e
os restantes 38% em zonas rurais.

A população é bastante jovem, concentrando a faixa dos zero aos trinta e
quatro anos 70,5% da população correspondentes a 346.357 habitantes e a
taxa média anual de crescimento foi, nos últimos dez anos, de 1,2%, sendo
que as ilhas turísticas do Sal e da Boavista cresceram, respectivamente, a
taxas anuais de 5,5 e 7,8%.

Há uma outra realidade que se prende com a emigração cabo-verdiana,
contabilizada acima dos 400.000 cabo-verdianos. Essa parte da Nação na
diáspora, considerada, muito justamente, como a 11ª ilha de Cabo Verde
contribui, incansavelmente, para o progresso económico, social, político e
cultural do país, com a aplicação das suas economias, com a ajuda aos
familiares, com o seu voto nas legislativas e presidenciais e com o avanço
da cultura, em que se destaca a música.

Repartição da População por ilha e por concelho, 2010


Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Censo de 2010

NÍVEL DE POBREZA AINDA ELEVADO

Apesar do esforço nacional com base em programas de luta contra a pobreza
financiados pelo Banco Mundial, a pobreza em Cabo Verde apresenta níveis
ainda elevados.

Com efeito, 26,6 % da população é considerada pobre, mesmo tomando um
limiar bastante baixo, no caso, estabelecido pelo INE, em 2007, nos 49.485
escudos per capita / ano, correspondentes a 4 124$00/mês e 137$50/dia.

" "1990 "2001 "2007/08 "
"Percentagem de "48,9 "36,7 "26,6 "
"pobres " " " "

Constata-se, pelo quadro, uma diminuição da pobreza nos últimos vinte anos,
quando a taxa estava nos 48,9%. Contudo, se tivermos em conta os Objectivos
do Millenium, fixados nos 18%, verificamos que os 26,6% ainda estão longe
deste valor.

Um aspecto muito questionável a nível mundial é a referência de 1 USD/dia
como despesa para se estabelecer o nível de pobreza, no caso, actualizado
para 137$00 / dia.

Tomemos o caso de Portugal, onde o nível de despesas estabelecido para um
mês, no mesmo ano de 2007, foi de 406 euros/mês (44 700 ECV).

Isto é, o que se tomou para um ano noutras paragens do subdesenvolvimento,
corresponde ao que se toma para um mês na medição da pobreza nos países
desenvolvidos! Mesmo assim, os resultados atingem taxas elevadas e seriam
muitíssimo piores se a referência fosse igualmente exigente!

Uma análise qualitativa leva-nos às seguintes conclusões:

Aumento relativo dos pobres no meio rural, com 72% dos pobres no campo e
28% no meio urbano.

Uma distribuição da pobreza com grandes desequilíbrios regionais, tendo a
Praia 11.6% de pobres e Santa Catarina do Fogo 59%.

Uma ligação clara da pobreza com a estrutura da família, com o desemprego e
habilitações escolares, pois:

- As famílias lideradas por mulheres contribuem com cerca de 33%, contra
21% das famílias lideradas por homens.

- Quanto mais velho for o chefe de família, mais dificuldades de
subsistência tem a família. Na realidade, 32% das famílias pobres são
chefiadas por pessoas com idades compreendidas entre os 50 e os 59 anos.

- As famílias mais numerosas, com sete ou mais filhos, são as que lideram
os índices de pobreza no país (cerca de 44%).

- As pessoas sem instrução são as mais pobres, 41%. As que têm ensino
básico representam 25% dos pobres, as do ensino secundário 9.8% e as do
médio ou superior representam apenas 1.2% dos pobres.

- Os desempregados (39.2%) e os trabalhadores por conta própria do sector
agrícola (46%) são as classes mais pobres do país.

DESIGUALDADES SOCIAIS EM ALTA

Cabo Verde possui um rendimento per capita próximo dos quatro mil dólares e
está classificado pelas Nações Unidas como País de Desenvolvimento Médio.

Contudo, há indicadores que demonstram a prevalência em Cabo Verde de
grandes desigualdades sociais, outro problema grave merecedor da máxima
prioridade nas medidas de política gerais.

As desigualdades sociais, medidas pelo Índice de Gini, que varia de 0 a 1,
sendo 0 o mínimo de desigualdade e 1 o máximo, apresentam os seguintes
resultados:

"1988/89 "1990/91 "2001/02 "2007/08 "
"0,43 "0,50 "0,53 "0,47 (0,505 no RDH 2009, "
" " " "PNUD) "

Uma das causas destes números está na forte concentração de recursos. No
pico mais elevado, 2001/02, os 10% mais ricos detinham 47% dos recursos,
restando para os 10% mais pobres, apenas 1%.

Tomando o índice de desigualdades do Relatório de Desenvolvimento Humano
2009 das Nações Unidas, encontra-se um valor 50,5 pontos num máximo de 100.
Nesse relatório, os mais ricos têm uma taxa de consumo de 40,6%, enquanto
os mais pobres têm 1,9%.

ELEVADA TAXA DE DESEMPREGO

A taxa de desemprego passou de 17% em 2000 para 20,9% em 2009.

Os inquéritos do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) em 2007 (QUIBB
2007) e do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) em 2008
mostram que essa realidade é ainda muito pior para a juventude, onde o
desemprego ultrapassa a barreira dos 40%, chegando a 46,2% nas zonas
urbanas.

A própria taxa média de desemprego situa-se muito acima dos 25% quando não
há os empregos sazonais.

Por nível de instrução, cerca de 50% dos desempregados tem o ensino
secundário completo, 43% dos desempregados têm o EBI e 4% possui curso
superior.
O PODER POLÍTICO

Politicamente, Cabo Verde é um Estado de Direito Democrático, com uma
moderna Constituição, que consagra, entre um leque variado de liberdades
económicas, políticas, sociais e culturais, o multipartidarismo e a defesa
dos direitos e liberdades fundamentais.

O regime costuma ser designado de parlamentarismo mitigado pois, embora com
vastos poderes próprios e de fiscalização governativa, emana da sua
composição a designação do governo com fortes poderes, cujo Primeiro –
Ministro é o Chefe do Executivo. O Parlamento possui uma representatividade
actual de três partidos, o Partido Africano da Independência de Cabo Verde
(PAICV), ex-partido único, o Movimento para a Democracia (MpD) nascido com
o advento do multipartidarismo em 1990 e a União Cabo-verdiana Independente
e Democrática (UCID), criado na clandestinidade na emigração ainda no
período de partido único.

As próximas eleições legislativas que definirão um novo quadro parlamentar
e um novo governo para o período 2011-2016, estão marcadas para 6 de
Fevereiro de 2011. Tanto o MpD, como o PAICV já governaram, nesta II
República, 10 anos cada.

A eleição do Presidente da República, figura constitucional considerada com
poucos poderes, foi, na última revisão da Constituição de 2010, afastada
de, pelo menos, seis meses das eleições legislativas para evitar uma grande
correlação política entre as duas. A próxima eleição presidencial deve,
assim, ocorrer no próximo mês de Outubro.

A génese do Poder Local em Cabo Verde

UM PODER LOCAL NASCENTE COM A COLONIZAÇÃO

O comércio levou, desde muito cedo, a Coroa Portuguesa a estabelecer um
sistema de cobrança de impostos e de controlo de entradas e saídas de
mercadorias, começando pelas transacções entre a ilha de Santiago e a Costa
Ocidental Africana.
Isto exigiria uma organização administrativa mínima centralizada na figura
do Capitão - donatário que, a um passo, acumularia as funções políticas de
feitor ou rendeiro com as de representatividade dos moradores na sua
participação na vida comunitária através da Câmara.

Assim, o primeiro município cabo-verdiano seria estabelecido logo em 1475,
na Ribeira Grande de Santiago, com acesso somente a brancos, situação que
viria ser alterada em 1546, ao tornar-se abrangente da condição de morador,
incluindo os negros.

Com a expansão da vida social e económica às outras regiões e ilhas, a
Coroa foi nomeando agentes designados de Corregedores, Almoxarifes,
Feitores que, na sua actividade de cobradores de imposto e de controlo do
comércio externo, ao interferir com os interesses dos moradores iria gerar,
com o tempo, as primeiras disputas entre o Poder Local e o Poder Central.

Pode-se concluir que o poder local em Cabo Verde nasceu com uma íntima
ligação à vida quotidiana das populações, numa identidade Câmara –
comunidades que só viria a ser posta em causa no período salazarista com a
organização administrativa do Estado Novo ao criar a figura de
Administrador de Concelho.

Aí a autonomia das Câmaras que tão bons resultados tinha dado,
nomeadamente, nos períodos críticos como nas fomes e nas secas, cedeu o
lugar à administração central, cuja gestão seria uma apêndice dos
interesses longínquos da então metrópole colonialista.

O Poder Local no Cabo Verde Independente

DOIS MOMENTOS DISTINTOS

Na Primeira República, período que vai de 5 de Julho de 1975, data da
independência nacional, a 13 de Janeiro de 1991, data da realização das
primeiras eleições legislativas multipartidárias, conheceram-se dois
momentos do Poder Local, ambos centralizadores e de partido único:

Um longo período até Julho de 1989 em que o quadro herdado da época
colonial pouco muda na sua essência centralizadora, pois a Lei
Constitucional viria a consagrar, como em vários países independentes
saídos de lutas de libertação nacional, no seu célebre artigo 4º, a
subordinação de toda a Organização do Estado ao Partido Único, o então
PAIGC, depois PAICV.

Esta lógica doutrinária do centralismo democrático iria influenciar a
redacção do artigo 88º da citada lei constitucional "os órgãos do poder
local fazem parte do poder estatal unitário", sendo, nessa sequência,
instituídos os Concelhos Municipais e o Delegado do Governo.

Outro momento aconteceu em 1989, portanto, já com os grandes ventos da
Perestroika e da Glasnost de Gorbachev que levaria, no mesmo ano, à queda
do Muro de Berlim e, mais tarde, ao desmembramento da ex - União Soviética.
Um pacote de leis foi aprovado, tais como a Lei nº 47/III/89 – Bases das
Autarquias Locais, a Lei nº 48 48/III/89 – Normas para as Eleições
Municipais, todas de 13 de Julho e o Decreto – Lei nº 52 – A/90 de 4 de
Julho que determinou o funcionamento e a organização dos municípios.

Mesmo assim, os resultados da reforma foram bastante mitigados, deixando-se
de fora o multipartidarismo nas eleições municipais e admitindo-se somente
a participação do então partido único e de grupos de cidadãos, ao mesmo
tempo que a autonomia municipal marcava passo com a manutenção do figurino
do Delegado do Governo e do Concelho Municipal.

Esta tentativa do partido único em manter as eleições autárquicas
circunscritas à participação de grupos de cidadãos e não à democracia
pluralista, iria desencadear o início de grandes discussões e de
iniciativas políticas na sociedade cabo-verdiana que teriam como resultado
a queda do já citado artigo 4º da Constituição a 28 de Setembro de 1990
(Lei Constitucional nº 2/III/90) e o início do actual regime de Estado de
Direito Democrático.

A MUDANÇA

A mudança deste quadro só viria com a Segunda República, período iniciado a
13 de Janeiro de 1991 com as eleições legislativas pluripartidárias ganhas
pelo Movimento para a Democracia com uma maioria qualificada e que, pela
profundidade das reformas políticas, económicas e sociais desencadeadas
desde então, é tido como marco fundador do regime democrático.

A consagração constitucional

O Poder Local, mereceu, na nova Constituição, aprovada em 1992 e com
revisões em 1999 e 2010, logo no seu artigo 2º (Estado de Direito
Democrático), número 2 "A República de Cabo Verde reconhece e respeita, na
organização do poder político, a natureza unitária do Estado, …, a
existência e a autonomia do poder local e a descentralização democrática da
Administração Pública".

Um elemento concepcional de base é a defesa do Estado Unitário, o que
inviabiliza, através da Lei Fundamental, certas formas de descentralização
política conducentes, por exemplo, a uma federação política, facto que não
é alheio às preocupações trazidas pelas características territoriais de
Cabo Verde como país pequeno, insular e arquipelágico, bem como pela
história das ilhas.

O Título VI, DO PODER LOCAL consagra princípios que vão desde a natureza
das autarquias como representantes das populações na respectiva área
territorial, a sua autonomia (face à administração central, patrimonial e
financeira), até às categorias (a base são os municípios, mas deixa a
possibilidade de autarquias de grau superior ou inferior) e a organização
das autarquias (uma assembleia deliberativa eleita e um órgão executivo
colegial responsável perante a assembleia).

O Título VII, DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, consagra princípios como "A
Administração Pública é estruturada de modo a prestar aos cidadãos um
serviço eficiente e de qualidade, obedecendo, designadamente, aos
princípios da solidariedade, da desconcentração, da descentralização, …"

O Estatuto dos Municípios

A Lei nº 134/IV/95 de 3 de Julho regula o funcionamento e a organização dos
municípios. Organizado em oito capítulos, estabelece como princípios gerais
a autonomia administrativa, financeira (especificada na Lei das Finanças
Locais, Lei nº 79/VI/2005, de 5 de Setembro), patrimonial, normativa,
organizativa, independência, especialidade, descentralização,
desconcentração, acção popular, iniciativa popular, liberdade de
associação, liberdade de geminação e cooperação (regulamentada por Lei),
entre outros.

A representatividade de toda a comunidade, incluindo apátridas

O Código Eleitoral plasmado na Lei nº 92/V/99 de 8 de Fevereiro (revogou as
Leis nºs 112, 113, 116, 117, 118/IV/94 de 30 de Dezembro, foi modificado
pela Lei nº 118/V/2000 de 24 de Abril, Lei nº 17/VII/2007 de 22 de Junho e
Lei nº 56/VII/2010 de 9 de Março) fixa uma representatividade plena da
comunidade residente, ao estabelecer como tendo o direito de voto (artigo
418, capacidade eleitoral activa):

- Os cidadãos cabo-verdianos recenseados no território nacional.
- Os estrangeiros e apátridas recenseados no território nacional,
residentes há mais de três anos.
- Os cidadãos lusófonos nos mesmos termos que os cidadãos nacionais.

Para poder ser eleito para os órgãos dos municípios (artigo 419, capacidade
eleitoral passiva), a mesma lei estabelece:

- São também elegíveis, os estrangeiros e apátridas com residência há mais
de cinco anos.
- Os cidadãos lusófonos nas mesmas condições que os cidadãos nacionais.

O legislador, apesar de querer uma representatividade plena e integradora,
preceitua uma diferença de participação entre o cidadão lusófono, o
nacional de qualquer Estado membro da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (Estatuto do Cidadão Lusófono, Lei nº36/V/97 de 25 de Agosto) e
os estrangeiros e apátridas, estabelecendo para estes, três anos para poder
votar e cinco anos para poder ser eleito e colocando o lusófono em pé de
igualdade nas duas circunstâncias com o cidadão nacional.

Tal diferenciação estará no reconhecimento de uma cultura comum cimentada
entre a lusofonia e que levará a uma rápida integração comunitária e a
exigência de uma espécie de estágio sociocultural para os estrangeiros com
níveis de exigência diferenciados para o voto e para ser eleito.

Outro elemento esclarecedor é o de que, para as eleições autárquicas, os
cabo-verdianos na emigração não votam.

Já para as eleições legislativas e presidenciais, votam os cabo-verdianos
emigrantes, mas os estrangeiros e apátridas não votam nem podem ser
eleitos, facto que diz bem da concepção política da natureza das autarquias
quanto ao elemento representatividade territorial, abrangendo um conceito
de moradores.

Os níveis do Poder Local

Apesar de a lei reconhecer a possibilidade da existência de autarquias
supra e infra - municipais, Cabo Verde possui tão-somente os municípios
como base autárquica.

Até então, existem 22 municípios, criados ao longo dos tempos com o
seguinte quadro:

"DIVISÃO ADMINISTRATIVA TERRITORIAL – CONCELHOS "
"1975 (14) "1991(15) "1993 (16) "1996 (17) "2005 (22) "
"Ribeira "Ribeira "Ribeira "Ribeira "Ribeira Grande –"
"Grande "Grande "Grande "Grande "SA "
"Paul "Paul "Paul "Paul "Paul "
"Porto Novo"Porto Novo "Porto Novo "Porto Novo "Porto Novo "
" " " " " "
"S Vicente "S Vicente "S Vicente "S Vicente "S Vicente "
" " " " " "
"S Nicolau "S Nicolau "S Nicolau "S Nicolau "Tarrafal de São "
" " " " "Nicolau "
"Sal "Sal "Sal "Sal "(Lei nº "
" " " " "67/VI/2005 de 9 "
"Boavista "Boavista "Boavista "Boavista "de Maio) "
" " " " "Ribeira Brava "
"Maio "Maio "Maio "Maio " "
" " " " "Sal "
"Tarrafal "Tarrafal de "Tarrafal de "Tarrafal de " "
"Santa "Santiago "Santiago "Santiago "Boavista "
"Catarina "Santa "Santa "Santa " "
"Santa Cruz"Catarina "Catarina "Catarina "Maio "
"Praia "Santa Cruz "Santa Cruz "Santa Cruz " "
" "Praia "Praia "Praia "Tarrafal de "
"Fogo " "São Domingos"S Domingos "Santiago "
" "S Filipe "(Lei nº "São Miguel "Santa Catarina "
"Brava "Mosteiros "96/IV)93 de "(Lei nº "de Santiago "
" "(Lei nº "31 de "11/IV)96 de "Santa Cruz "
" "23/IV/91 de "Dezembro) "11 de "Praia "
" "30 de " "Novembro "S Domingos "
" "Dezembro) "S Filipe " "Ribeira Grande "
" " "Mosteiros "S Filipe "de Santiago "
" "Brava " "Mosteiros "(Lei nº "
" " "Brava " "63/VI/2005 de 9 "
" " " "Brava "de Maio) "
" " " " "São Lourenço dos"
" " " " "Órgãos "
" " " " "(Lei nº "
" " " " "64/VI/2005 de 9 "
" " " " "de Maio) "
" " " " "São Salvador do "
" " " " "Mundo "
" " " " "(Lei nº "
" " " " "65/VI/2005 de 9 "
" " " " "de Maio) "
" " " " " "
" " " " "S Filipe "
" " " " "Mosteiros "
" " " " "Santa Catarina "
" " " " "na Ilha do Fogo "
" " " " "(Lei nº "
" " " " "66/VI/2005 de 9 "
" " " " "de Maio) "
" " " " " "
" " " " "Brava "



Estatuto dos eleitos locais

O membro ou titular de órgão electivo de autarquia local é considerado pelo
Estatuto dos Titulares dos Cargos Políticos como exercendo um cargo
político, logo, regulado pela Lei nº 85/III/90 de 6 de Outubro e pela Lei
nº 28/V/97 de 23 de Junho, Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos
Políticos.

Nesta última lei, são regulados o estatuto remuneratório, estabelecendo
para o Presidente da Câmara um vencimento mensal correspondente a 80% do
vencimento do Presidente da República (o mesmo que um Secretário de Estado
ou Deputado e menos que um Ministro que vence o correspondente a 85%) e
para o Vereador profissionalizado o correspondente a 95% do Presidente da
Câmara e outros subsídios como abonos para despesas de representação (15%
do vencimento) e de comunicação (10% do vencimento).

Existe o Estatuto dos Eleitos Municipais, Lei nº 14/III/91 de 30 de
Dezembro, que estabelece um conjunto de normas específicas ao exercício do
eleito municipal como Direitos e Deveres, incompatibilidades e subsídio de
reintegração, entre outras.

A transparência / accountabilty no exercício de funções

A Lei nº 1399/IV/95 de 31 de Outubro, Controlo Público da Riqueza dos
Titulares de Cargos Políticos, estabelece a obrigatoriedade de apresentação
junto do Supremo Tribunal de uma declaração de interesses, património e
rendimentos, no início de funções (actualizada no início de cada ano em
funções) e no término de funções.

A declaração pode ser consultada, a requerimento por escrito, num prazo
estipulado no artigo 6º da citada lei ou a todo o tempo por motivo que seja
considerado de relevante interesse público.

A divulgação pública do conteúdo das declarações é permitida nos termos
previstos no artigo 8º também da citada lei.

Avaliação das virtudes e ganhos do poder local em Cabo Verde

Todos os actores políticos em Cabo Verde, com mais ou menos crítica,
reconhecem os grandes avanços conseguidos pelo poder local,
nomeadamente:

ESTABILIDADE E DEMOCRATICIDADE

As eleições municipais foram sempre realizadas no período legalmente
previsto e obedecendo a um quadro democrático.

Conheceram, na sua fase inicial, a participação de cidadãos sem filiação
partidária, de independentes que governaram municípios como S Vicente,
Paúl, Ribeira Grande, Maio e Sal. Infelizmente, essa movimentação de forças
apartidárias foi conhecendo um gradual declínio e, hoje, só o Município do
Sal é governado por uma força independente, embora fortemente apoiada por
um dos partidos políticos.

DESENVOLVIMENTO DE PROXIMIDADE

Os municípios cabo-verdianos têm desempenhado um importante papel na defesa
dos interesses das comunidades locais, sendo seu porta-voz nas principais
reivindicações de participação equilibrada no desenvolvimento nacional e
obreiro nas condições básicas de vida como o emprego, água e energia,
qualificação do meio, habitação, educação, saúde e promoção social.

Nalgumas áreas, chegam a ser os promotores directos como i) na educação e
formação, no domínio dos jardins-de-infância, transporte escolar,
subsídios, formação profissional, vagas e bolsas de estudo nas
universidades e escolas profissionais, ii) na saúde, no domínio da criação
e gestão das unidades sanitárias de base, ambulâncias e assistência
medicamentosa, iii) no urbanismo, com os planos urbanísticos, cadastro,
loteamentos e licenças de construção, iv) no saneamento, equipamento social
e requalificação urbana, com a recolha do lixo, construção e gestão de
cemitérios, mercados, matadouros, creches e lares e arruamentos, v) na
habitação social com a reparação e construção de habitações para
carenciados, vi) na cultura e desporto com a promoção de grupos culturais
locais, construção de placas desportivas e dinamização de modalidades a
nível local e vii) na acção social com programas de protecção social aos
grupos mais vulneráveis como crianças, idosos e portadores de deficiência,
de combate à pobreza, de apoio à juventude, integração de emigrantes, entre
outras.

Fica na memória do povo cabo-verdiano o grande papel dos municípios na
década de noventa na promoção dos liceus municipais que viriam, depois, a
ser assumidos pelo Estado, bem como a sua dinâmica nas tarefas do
desenvolvimento local através das parcerias seja com o governo no plano da
cooperação internacional, seja com municípios amigos no plano da cooperação
descentralizada.

A cooperação descentralizada, nas suas vertentes geminação e acordos de
cooperação municipal, para além de ter proporcionado meios complementares
de intervenção aos municípios, permitiu projectar a nossa democracia local
além fronteiras.

TRANSPARÊNCIA NA GOVERNAÇÃO MUNICIPAL

Outro facto a realçar, é o nível de corrupção que, existindo aqui e acolá,
não atinge, no entanto, níveis alarmantes na gestão municipal.

Com efeito, seja pela postura dos autarcas na defesa da boa governação,
seja pela prevenção institucional através de programas de fiscalização, as
notícias de actos de corrupção cinjam-se a casos pontuais de pouca monta,
prontamente entregues ao poder judicial.

Evolução recente, a Lei – quadro da Descentralização

A aprovação recente de uma Lei – Quadro da Descentralização é um marco
importante para o Poder Autárquico em Cabo Verde.

Apesar da descentralização via municípios ser uma realidade desde as
primeiras eleições autárquicas livres de 1992, a recente adopção da Lei nº
69/VII/2010 de 16 de Agosto que estabelece o quadro da descentralização
administrativa, bem como o regime de parcerias público - privadas de âmbito
regional, municipal ou local, representa um passo importante para a
descentralização em Cabo Verde, independentemente de se estar de acordo ou
não com as suas opções.

Começa por definir "descentralização administrativa" como todo o processo
pelo qual atribuições administrativas e inerentes poderes de opção e/ou
execução e controlo são conferidos a centros institucionalizados mais
próximos das populações locais beneficiários da acção administrativa, no
quadro da Constituição e das leis e regulamentos emanados dos órgãos de
soberania competentes.

Logo nos princípios gerais reafirma que "O Estado reconhece a existência e
autonomia do poder local e a descentralização democrática da administração
pública" para, de seguida descrever " A descentralização tem por finalidade
assegurar o reforço da coesão nacional e promover a eficiência e a eficácia
da gestão pública, assegurando os direitos dos administrados".

Este enquadramento essencial à percepção do valor da descentralização em
Cabo Verde tem ainda um elemento complementar importante ao estabelecer o
"Dever de descentralizar" por parte da administração central, mas também,
ao lembrar o "Princípio da unidade do Estado".

Outro elemento prende-se com as "Atribuições e competências" das Autarquias
Locais, começando-se pelo princípio geral de que "dentro dos limites
previstos na lei", constitui suas atribuições "tudo o que respeita aos
interesses próprios, comuns e específicos das populações respectivas
designadamente em matéria de " e passa a enumerar os sectores tradicionais
de equipamento social, ambiente, água e saneamento básico, educação,
habitação, até à "cooperação internacional descentralizada".

A regionalização é um tema fracturante em várias partes do globo, gerando
um processo mais ou menos longo até ao necessário consenso para a sua
realização. Essa regionalização pode ser meramente administrativa ou
atingir a regionalização política, no caso, levando à partilha do poder
político sob diversas formas e níveis, dando origem, a regiões autónomas ou
a um Estado federado.

Em Cabo Verde o tema está na agenda há algum tempo, havendo vozes isoladas
que defendem a regionalização política. Constitucionalmente, mantém-se o
quadro confinado à regionalização administrativa.

É interessante que a referida lei ao estabelecer que "às Regiões
Administrativas incumbe, quando estejam criadas, assegurar o planeamento, a
realização e a gestão nos respectivos territórios, de investimentos
públicos de interesse regional respeitante às suas atribuições …" esteja já
numa antecâmara para uma regionalização administrativa em Cabo Verde, país
pequeno, insular e arquipelágico, portanto, para uns, demasiado pequeno
para ser subdividido e, para outros, bastante descontinuado para ser
reagrupado.

Outros temas de interesse têm a ver com a institucionalização da Acção
Popular, da possibilidade de delegação de atribuições ou tarefas
administrativas nas OSC (Organização da Sociedade Civil) e as parcerias
público – privadas de âmbito regional, municipal ou local.

PROGRAMA DE DESCENTRALIZAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO

A boa fé da lei é explicitada ao nela se prever um programa de
descentralização com base nos instrumentos, capacitação de quadros das
Autarquias Locais, plano de gestão da descentralização autárquica e unidade
de seguimento das políticas autárquicas.

Outro facto digno de registo foi, na sequência da aprovação da Lei – quadro
da Descentralização, a submissão à Assembleia Nacional de uma "Proposta de
Lei que estabelece o regime jurídico de organização e funcionamento dos
municípios e suas associações, bem como o quadro de competências" que,
abreviadamente designado de Estatuto dos Municípios, iria substituir o
Estatuto dos Municípios de Julho de 1995.

Tal proposta não seria sequer discutida pelo facto de ser uma lei
estruturante incompatível com um tempo de final de legislatura. Esta
proposta contemplava algumas soluções, nomeadamente, de melhoria da
governação municipal que apresentarei mais à frente.

Avaliação das deficiências do poder local em Cabo Verde

Neste capítulo, também se observa uma sintonia na necessidade de um
permanente aprofundamento da descentralização e da desconcentração do
Estado a favor do poder local, havendo vozes que reivindicam um outro
caminho, o da regionalização política.

Tal significaria o aparecimento de regiões autónomas com estatuto próprio,
com autonomia política dentro do Estado, um Estado pequeno, insular e
arquipelágico como o de Cabo Verde!

O consenso político, expresso na última revisão constitucional de 2010, tem
apontado no sentido de se confinar os limites constitucionais à esfera do
poder local, excluindo o poder político regional no quadro do que se usa
chamar de "federação artificial" por não traduzir, acima de tudo, uma
vocação histórica das ilhas.

Mesmo as históricas regiões de Sotavento e de Barlavento nunca tiveram
qualquer consequência política ou administrativa, sendo, objectivamente,
uma demarcação geográfica.

Não sendo a regionalização política uma necessidade geral identificada pela
Nação, existem outros mais ou menos relevantes:

A MANIPULAÇÃO DO VOTO

Por altura das eleições, as acções de compra de votos multiplicam-se sob
diversas formas como ofertas de materiais de construção, de lotes de
terreno, de bolsas de estudo, de dinheiro e de ajudas diversas, tendo como
contrapartida, muitas vezes, a votação de uma família completa no corruptor
político.

Esta é uma mancha grave na democracia cabo-verdiana, protagonizada por
actores políticos que, não fazendo um combate consequente contra a pobreza
e o assistencialismo, ainda o utilizam para a manipulação eleitoral.

O RETROCESSO DA DESCENTRALIZAÇÃO
Há governos que desrespeitam o voto popular das eleições locais, ao
considerarem da oposição os municípios governados por partidos ou
independentes que não são da sua esfera política.

A legitimação pelas urnas perde, neste caso, o respeito do poder central,
passando os munícipes a sofrerem descriminações no acesso aos investimentos
e recursos nacionais, chegando – se ao ponto de se promover associações
cuja finalidade é a de curto circuitar as citadas câmaras nas relações com
as comunidades locais.

A criação e consequente apoio dessas Associações Paralelas, de cariz
meramente partidário, gerindo avultados recursos públicos, constituem
violações gravíssimas à autonomia e às competências das autarquias locais
reconhecidas constitucionalmente.

Por outro lado, e na mesma onda de actuação, a Associação Nacional dos
Municípios, um elemento fundamental de afirmação da dinâmica dos municípios
na promoção do desenvolvimento local, foi, de acordo com avaliações
próprias, secundarizada enquanto parceira estratégica no reforço do poder
local em Cabo Verde.

Essa situação gera um sentimento generalizado em como, tanto a democracia
local, como os avanços conseguidos em matéria de desenvolvimento local,
poderão estar em causa a médio prazo se não houver um recuo nessa prática
inconstitucional de secundarização do voto popular a nível concelhio, o
mesmo voto que legitima o governo, embora numa escala nacional.

A POUCA DINÂMICA NA REFORMA DO ESTADO

Outra forma de perda de dinâmica da descentralização reside nas
insuficiências da Reforma do Estado, sector merecedor de boas intenções,
mas que, na prática, pouco avança em termos de partilha do poder
administração central / poder local.

Apesar da Lei - quadro de Descentralização representar um avanço na
estruturação legal da problemática, só a sua regulamentação ditará, na
prática, o seu futuro impacto nas relações poder central / poder local.

Dos três níveis de poder local, subsiste ainda o de base municipal, ficando
a questão da regionalização via autarquias regionais na gaveta do
esquecimento.

Apesar da consciência da especificidade territorial que caracteriza Cabo
Verde, a descontinuidade não tem merecido uma resposta diferenciada, mas
sim, uma lógica política e estratégica projectada a partir do centro e para
um território supostamente homogéneo.

Assim, o sistema de planeamento, falhando na regionalização do plano, põem
de costas voltadas os níveis macro e micro – territórios, resultando em
perdas de importantes sinergias que poderiam trazer uma forte contribuição
das regiões ao desenvolvimento nacional.

A experiência da desconcentração do Estado através das direcções regionais
tem-se revelado pouco eficiente, limitando-se a ser um reprodutor do modelo
burocrático central, com pouco enquadramento nas especificidades e
potencialidades locais.

Outro elemento que contribui para o duplo falhanço do modelo de planeamento
em vigor prende-se com a realidade ilha subdividida em vários concelhos,
sendo casos típicos, as Ilhas de Santiago (9 concelhos), S Antão (3
concelhos) e Fogo (3 concelhos). Essa realidade, com cada município a ser
uma ilha dentro da ilha, põe de lado elementos integradores em sectores
como o ordenamento do território, as infra-estruturas, os equipamentos
sociais ou mesmo os recursos humanos.

A FRACA DESCONCENTRAÇÃO PELOS PRÓPRIOS MUNICÍPIOS

Esta fraca dinâmica da movimentação em direcção a uma maior
proximidade na resolução dos problemas comunitários também é apanágio
dos próprios municípios, cuja tímida desconcentração, através da
criação de delegações municipais, tem produzido um sentimento de
abandono em certas zonas, originando até movimentos pró –
autonomização municipal.

Há sérios riscos de várias comunidades, pela via da frustração,
engendrar processos do género, com resultados na coesão territorial de
um país pequeno, dividido em ilhas e ainda por cima, subdividido num
mosaico de municípios.

AS DEFICIÊNCIAS NA GESTÃO MUNICIPAL

Constata-se grandes lacunas na gestão municipal, umas de natureza
institucional, outras, por deficiências internas.

A nível institucional pode-se apontar lacunas como a não aprovação da
Polícia Municipal, deixando as câmaras sem um importante instrumento
de persuasão no cumprimento das decisões e posturas municipais, ao
mesmo tempo que a Polícia Nacional fica sem um complemento na garantia
da tranquilidade e uso dos bons costumes nas comunidades.

Por outro lado, a concentração dos poderes, a fraca transferência de
recursos financeiros e a ausência de sinergias poder central / poder
local através de contratos programas, deixam os municípios de mãos
amarradas na resolução dos problemas básicos das comunidades, desde a
reabilitação das inúmeras casas degradadas, até às ofertas de lazer à
juventude no âmbito do desporto, da cultura e das boas práticas
sociais.

Mas o descontrolo organizativo e falhas na formação dos recursos
humanos a nível interno tem levado, em muitos casos, a um serviço de
pouca qualidade prestado aos munícipes, sendo de realçar as imensas
reclamações vindas dos emigrantes, vítimas da burocracia, da lentidão
e pouca vontade dos serviços que demandam e que, pelo pouco tempo de
estadia, exigiria celeridade e tratamento personalizado.

FINANÇAS LOCAIS MITIGADAS

Uma das grandes e permanentes reivindicações dos municípios é a
melhoria das suas finanças locais, seja pela via de uma maior
participação na cobrança de impostos, seja pelo aumento das
transferências via orçamento do Estado.

Impostos como o da contribuição predial já configuram receitas
autónomas dos municípios, mas estes querem mais, como os direitos de
passagem de infra-estruturas como energia e telecomunicações, assim
como a participação em impostos cobrados na sua área de jurisdição.

Algumas lacunas como, por exemplo, quem e como financiar a iluminação
pública tem colocado um problema de segurança e bem-estar nas
localidades.

OS CUSTOS DA CAPITALIDADE DA PRAIA

Apesar do reconhecimento, há muito adquirido, da Praia, capital do
país, precisar de um estatuto especial que responda às suas
necessidades e desafios, as boas intenções ainda não passaram do
papel, com resultados desastrosos para a cidade no enfrentar da
pressão da população extra que recebe dos outros centros
populacionais, bem como na perspectivação do seu desenvolvimento
enquanto cidade capaz, não só de atrair e receber investimentos e
eventos internacionais que a projectarão no mundo, mas também de
proporcionar maior bem-estar aos seus residentes em termos de
requalificação urbana, ordenamento do território, saneamento,
equipamentos sociais, habitação, acesso ao rendimento e capacitação
profissional dos jovens.

Desafios e perspectivas para o poder local em Cabo Verde

Penso que os próximos tempos serão cruciais para o poder local em Cabo
Verde, corrigindo falhas e comportamentos existentes por um lado e,
por outro, aprofundando o sistema num quadro de um Estado adulto,
estável e promotor da descentralização. Impõe-se, nestes termos:

REGIONALIZAR O PAÍS

Não havendo uma solução constitucional para a regionalização política,
resta a regionalização administrativa na base da criação das
autarquias supra municipais, no caso, a autarquia regional. Este
deverá ser um próximo passo consistente com as dinâmicas históricas
estabelecidas entre os diversos pontos do país e com o perfil das suas
potencialidades económicas.

Como decisão política, vai aprofundar a descentralização,
responsabilizando, em primeiro lugar, as populações pelo seu padrão de
desenvolvimento a nível regional, salvo nas atribuições soberanas do
Estado.

Como decisão administrativa, vai aproximar as decisões e soluções dos
administrados, tornando mais eficiente a Administração Pública pela
via da desconcentração e descentralização.

Como decisão económica, significa a regionalização do plano, com
consequências em mais e melhor investimento e na cultura de
resultados, num quadro de uma constelação geradora de mais emprego,
rendimento e bem-estar na região ou ilha, que explore de forma sadia
as suas vantagens comparativas, mas convergentes com a competitividade
económica e coesão social do país.

MELHORAR O DESEMPENHO DAS AUTARQUIAS LOCAIS

Urge melhorar a capacidade institucional dos municípios para que
possam desempenhar um papel mais activo na dinamização das economias
locais, na promoção do emprego e na concepção e execução de políticas
de proximidade no combate à pobreza e na inclusão social, desportiva e
cultural.

MELHORAR AS FINANÇAS LOCAIS

No domínio financeiro, o espírito constitucional em matéria de
organização do Estado não é compatível com a lógica de municípios
apêndices do poder central, mas antes, de complementaridade na
prossecução do bem comum.

Sem melhores finanças locais, não há moral para exigências de melhor
desempenho dos municípios, não há descentralização que resulte!

Torna-se, assim, essencial a meu ver, aumentar o volume de
transferências do orçamento do Estado dos actuais 11% para um mínimo
de 17%, melhorar a participação das autarquias nas receitas
tributárias como contrapartida às novas responsabilidades a consignar
pela descentralização e retomar a modalidade de contratos-programa
como elemento de delegação de competências do poder central aos
municípios, tudo, num quadro de respeito pelos direitos e obrigações
de todas as partes, visando uma boa base para a eliminação da
discricionariedade nas relações poder central / poder local.

ALTERAR O SISTEMA ELEITORAL AUTÁRQUICO

Tanto a governabilidade dos executivos municipais, como a acção
fiscalizadora das assembleias municipais precisam de um novo impulso.

Uma das soluções possíveis será a manutenção da eleição do Presidente
da Câmara, mas deixando à sua responsabilidade a formação do executivo
municipal, isto é, a proposta de nomeação e de exoneração a qualquer
tempo dos vereadores e a introdução de figurinos como moções de
censura ou de confiança para reforçar a fiscalização política da
assembleia municipal.

DESCONCENTRAÇÃO DOS SERVIÇOS MUNICIPAIS

Os próprios municípios têm-se esquecido da desconcentração dos seus
serviços, muito importante em territórios como os de Cabo Verde
marcados pela dispersão populacional. As poucas iniciativas sob a
forma de delegações municipais acabam por ser um reprodutor da má
prestação na sede, agravada pela ínfima delegação de competências.

Essa situação tem gerado descontentamentos que levam, na base de um
sentimento de abandono, a reivindicações de criação de mais
municípios. Com efeito, os munícipes são obrigados a deslocações
frequentes às sedes dos municípios, resultando em considerável perda
de tempo pois a burocracia e a má prestação de serviço impedem um
atendimento célere e eficiente.

Por outro lado, constata-se a não utilização da internet como meio
informativo e de prestação de serviços, facto que poderia suavizar a
necessidade de deslocações e acelerar os processos.

Urge estimular os municípios para uma maior desconcentração dos
serviços municipais, colocando-os mais próximos das comunidades
municipais e dos munícipes.

DESENVOLVIMENTO DE ECONOMIAS LOCAIS.

O aproveitamento das potencialidades locais passa pela aplicação do
conceito dos municípios como "território - projecto".

O processo "território – projecto" deve começar por identificar os
eixos de desenvolvimento que valorizam as especificidades e a
identidade local para depois identificar os parceiros, capacitar e
motivar os intervenientes, lançar as acções em concertação e
organização em rede local e controlar os resultados.

ESTATUTO ESPECIAL DA PRAIA

A Praia já não aguenta esperar mais pelas realizações no quadro do seu
estatuto especial. Com efeito, depois de muitas peripécias, a
Assembleia Nacional não chegou, sequer, a analisar a questão, deixando
um vazio legal para a solução de uma problemática reconhecida por
todos os quadrantes políticos como carente de urgente solução.

Urge criar as condições para que a Praia desempenhe a exigente função
de capital do país, trazendo uma melhor qualidade de vida aos
residentes, com uma adequada requalificação urbana, segurança e lazer
e apoiando a sua internacionalização de modo a se transformar numa
cidade de bem-estar e atractiva para investimentos e eventos
internacionais.

Em conclusão, o poder local em Cabo Verde tem feito um caminho
estável, mas com muitas preocupações no presente quanto à sua evolução
no quadro da democracia cabo-verdiana. Entre acusações de não
reconhecimento e respeito pela sua legitimidade pelo voto, com sufoco
e ultrapassagens pelo poder central através de associações
politizadas, subsiste uma realidade inultrapassável: o poder local, no
caso, os municípios, já demonstrou a capacidade de realização das
populações em termos de democraticidade e de desenvolvimento de
proximidade, sendo um pilar insubstituível no futuro da Nação.

Além disso, Cabo Verde, como ficou demonstrado, possui problemas que
demandam soluções transversais a toda a sociedade, como pobreza,
desemprego, desigualdades sociais e assimetrias regionais e,
sobretudo, demandam soluções institucionais na base da união de
esforços entre o poder central e local.

O percurso só tem uma solução: a correcção dos desvios que tentam o
seu bloqueio, o aprofundamento e consolidação das suas competências,
devidamente acompanhado das respectivas transferências financeiras e,
não menos importante, o avançar da descentralização, num primeiro
momento, com a criação das regiões administrativas, isto é, das
Autarquias Regionais.
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