Experiências e estratégias de combate à discriminação por sexualidade - 2012

July 3, 2017 | Autor: Marcelo Daniliauskas | Categoria: Educação, gênero e diversidade sexual
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Experiências e estratégias de combate à discriminação por sexualidade 1 Marcelo Daniliauskas 23 Nada que diga respeito ao ser humano, à possibilidade de seu aperfeiçoamento físico e moral, de sua inteligência sendo produzida e desafiada, os obstáculos ao seu crescimento, o que possa fazer em favor da boniteza do mundo como de seu enfeamento, a dominação a que esteja sujeito, a liberdade por que deve lutar, nada que diga respeito a homens e às mulheres pode passar despercebido pelo educador progressista. Não importa com que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora. O nosso é um trabalho realizado com gente, miúda, jovem ou adulta, mas gente em permanente processo de busca. (FREIRE, 2007, p. 144).

A ideia desse texto não é trazer respostas prontas e absolutas sobre sexualidade, em particular relacionadas às pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transexuais (LGBT) e de como lidar com elas e com o preconceito e discriminação que as afligem em sala de aula, nas escolas e na sociedade. Nossa proposta é oferecer subsídios, referências e experiências para incentivar a curiosidade, a crítica e a criatividade para que cada um/a - de acordo com a posição em que ocupa na escola, na família e na sociedade, ao seu modo, e de acordo com o contexto social e cultural e dos desafios diante dos quais se encontra - trace suas próprias estratégias e ações para a promoção da igualdade e do acolhimento. Trata-se de um convite para a reflexão e para a ação por meio da superação do preconceito e da discriminação contra pessoas LGBT, mais comumente conhecido como homofobia 4. Ensinar exige... Saberes e práticas pedagógicas, perspectiva em direitos humanos e justiça social Antes de prosseguir com as discussões, conceitos e abordagens sobre sexualidade, bem como estratégias de desconstrução do heterossexismo, trataremos de alguns assuntos estritamente pedagógicos. A primeira vertente dessas práticas educativas à qual recorremos é a de Paulo Freire, mais especificamente em seu trabalho Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (FREIRE, 2007), seu último livro escrito em vida. Outros/as intelectuais se debruçaram sobre a temática da educação, escola, práticas

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Texto originalmente publicado no livro: (Contra)pontos: ensaios de gênero, sexualidade e diversidade sexual, o combate à homofobia - Guilherme Rodrigues Passamani (Org.) – Ed. UFMS, 2012. Revisado em 19/08/2015. 2 Doutorando em Sociologia da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP). 3 Agradecimentos especiais à Regina Facchini pelas contribuições para este texto. 4 O termo homofobia não diz respeito somente ao preconceito e discriminação contra homossexuais, sejam gays ou lésbicas e passou a incorporar outras expressões da sexualidade como bissexuais, travestis e transexuais. Desenvolveremos uma abordagem conceitual a esse respeito a partir da noção de heterossexismo.

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pedagógicas, mas este autor foi selecionado por ser bastante conhecido por profissionais da educação, assim como é bastante acessível ao público geral, inclusive estudantes. Seu tema central é a formação docente e a reflexão sobre a prática educativa em favor da autonomia dos/as educandos/as e alguns saberes fundamentais para sua realização. Um dos pontos fundamentais dessa obra de Paulo Freire é o inacabamento ou inconclusão do ser humano e de sua consciência sobre este fato. É por conta da inconclusão que nos inserimos em um permanente processo de procura, de curiosidade e nos reconhecemos enquanto presença original e singular no mundo: [...] mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que reconhecendo a outra presença como um “não-eu” se reconhece como “si própria”. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõem a responsabilidade. (FREIRE, 2007, p. 18).

É na consciência da inconclusão que o ser humano pode se transformar em ético e educável: nos reconhecemos como condicionados/as pela genética, cultura e sociedade, mas não somos determinados/as pelas mesmas, temos capacidade de problematizar essas condicionantes e de ir além e que nossa presença no mundo não se faz no isolamento. Freire afirma que a ética é algo indispensável à convivência humana e que entre seus imperativos estão o respeito à autonomia e à dignidade de cada um/a, ou seja, é contra as injustiças e as discriminações como as de classe, raça, gênero (podemos incluir aqui também a sexualidade). É pela necessidade de busca incessante de conhecimento que a educação se faz possível e que não há docência sem discência, não há educadores/as se não houver educandos/as. Para Freire a educação é uma especificidade humana, é uma forma de intervenção, pois lida com a curiosidade do ser humano, sua consciência de presença, análises e avaliações do que é o mundo e de como agir nele. Logo, a educação não deve ser mera transferência de conhecimento, mas a criação da possibilidade para a produção ou construção do conhecimento e indissociável de uma formação ética que sirva de parâmetro para nossas decisões e ações no mundo. Um dos deveres de um/a docente democrático/a é reforçar a capacidade crítica, a curiosidade e a insubmissão de educandos e educandas. Além de ensinar os conteúdos, deve ensinar o que o autor chama de “pensar certo”, que tem a ver com rigor metodológico e ético, sendo um pré-requisito que o/a docente não deve estar demasiadamente certo/a de suas 2

certezas, para permanecer aberto ao diálogo, ao conhecimento, ao novo e à mudança. Ainda chama a atenção dos perigos do preconceito e da discriminação: “faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero, ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia” (FREIRE, 2007, p. 36). Não há ensino sem pesquisa e vice-versa e um dos principais motores da educação é contribuir para que a curiosidade ingênua que surge de nossa busca permanente, consciente de nosso inacabamento, se transforme em curiosidade epistemológica para uma intervenção consciente e ética no mundo: Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 2007, p. 29).

De acordo com Freire, somos todos curiosos por conta de nossas incessantes inquietações, mas essa curiosidade ingênua deve ser reforçada, estimulada e transformada em curiosidade espitemológica. Para tanto deve passar por um processo de critização, deve se dar por um processo metodológico rigoroso para se aproximar ou se afastar do objeto do conhecimento, questionar, comparar, analisar, avaliar, comunicar, confrontar opiniões, pontos de vista e assim por diante. A curiosidade epistemológica não é superior à curiosidade ingênua e não há rupturas, mas superação, transformação. Logo, a ingenuidade é necessária e deve ser levada em conta, o que existe é uma mudança de qualidade, que deve contribuir para entender o mundo, o nosso contexto próximo e também o mais geral, problematizá-lo para podermos intervir com criatividade e ética no mundo e dar nossa contribuição. O/a educador/a tem grande responsabilidade nesse processo, pois com base em sua competência profissional - que inclusive lhe confere autoridade - deve possuir uma curiosidade epistemológica em permanente desenvolvimento e fazer o mesmo com os/as educandos/as. Isso possibilita que educandos/as se apropriem dos conteúdos e conhecimentos, fortaleçam sua curiosidade e capacidade crítica e criativa, que tenham sua realidade, experiência, dignidade e identidade respeitadas, de forma ética e não discriminatória. Possibilita, ainda, manter a curiosidade acesa e promover um ambiente educacional de abertura, escuta, diálogo, respeito e finalmente de exercício da liberdade e da autonomia.

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A curiosidade epistemológica se aplica tanto aos conhecimentos do/a próprio/a educador/a, no sentido de conhecer melhor o que já sabe e estar aberto ao novo, quanto à reflexão sobre si e sobre suas práticas e métodos pedagógicos, incluindo a perspectiva ética. Freire afirma: “como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha” (FREIRE, 2007, p. 95) e “minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junto a certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei.” (FREIRE, 2007, p. 135). Realizar a tarefa de transformar a curiosidade ingênua em epistemológica passa pelo que Paulo Freire chama de pensar certo, tanto para a compreensão e análise crítica quanto para se comunicar com o/a outro/a: A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a intelegibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e aquém comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico. (FREIRE, 2007, p. 38).

Outras características do pensar certo e da prática da educação são: pensar certo é fazer certo, unindo teoria e prática, tanto nos conteúdos quanto na ética, nos métodos; é o exercício da humildade, generosidade e amorosidade; no reconhecimento do inacabemento próprio e alheio; é ensinar no e pelo fazer; desenvolver uma consciência crítica de condicionantes e obstáculos, suas razões de ser, e estimular a alegria e esperança para superálos, pois a história condiciona, mas não determina e não impede a intervenção do ser humano. “A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho” (FREIRE, 2007, p. 79). Paulo Freire ressalta que “detalhes” muitas vezes ignorados ou pouco valorizados, como o gesto do/a professor/a e outros pormenores do cotidiano, podem ter grande valor enquanto formadores ou incentivo para o/a educando/a. Por outro lado, sublinhamos que o contrário também é verdadeiro, um simples gesto pode ter proporções desestimulantes e marcar negativamente estudantes. Ainda ressalta o valor dos sentimentos, emoções, desejos e da insegurança, que ao ser superada pela segurança, se torna coragem.

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Como já foi dito, aceitação e respeito são fundamentais para ensinar, mas para sua concretização é necessário saber escutar para então poder falar com. Para escutar não se pode discriminar, caso contrário não é possível escutar ou entender o/a outro/a. Outro ponto relevante abordado por Freire é o que remete à tensão entre autoridade e liberdade. Sobre o tema, fala em autoridade coerentemente democrática, no sentido de que a autoridade é fundada na competência e na generosidade para possibilitar e contribuir com o exercício do aprendizado da liberdade e da responsabilidade. O autoritarismo ou a licenciosidade são extremos indesejáveis, mas o equilíbrio entre eles fortalece a autonomia: “no fundo, o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia” (FREIRE, 2007, p. 94). Diz ainda que “a liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado” (FREIRE, 2007, p. 106). Freire destaca também a importância da luta pelos direitos e pela dignidade de educadores/as, tão importante quanto o respeito à dignidade de educandos/as, e parte da prática docente. Indo além, podemos pensar na melhoria da qualidade das condições do trabalho docente e um ambiente escolar mais agradável e seguro para todos/as, condicionantes que devemos superar para realizarmos o processo educativo de forma mais satisfatória. Outros exemplos de vertentes educacionais que vão para além do ensino de conteúdos e que buscam a promoção e exercício da justiça, respeito, solidariedade e participação democrática são: educação para direitos humanos e educação para justiça social. Para Maria Victoria Benevides (2010), a educação em direitos humanos, para além do ensino de conteúdos, inclusive os sobre direitos humanos em si, deve promover uma cultura de respeito à dignidade humana, por meio de atitudes, práticas e vivência de valores como liberdade, justiça, igualdade, solidariedade, cooperação, tolerância e paz. A formação em direitos humanos deve contemplar o aprendizado: para a vivência do valor da igualdade em dignidade e direitos para todos e propiciar o desenvolvimento de sentimentos e atitudes de cooperação e solidariedade; para o desenvolvimento da capacidade de se perceber as consequências pessoais e sociais de cada escolha, ou seja, o exercício da responsabilidade; para a mudança das práticas e condições da sociedade que violam ou negam os direitos humanos; e para a formação de personalidades autônomas, intelectual e afetivamente, sujeitos de deveres e direitos, capazes de julgar, escolher, tomar decisões e 5

capazes de exigir que tanto os seus direitos quanto os dos/as outros/as sejam respeitados e cumpridos. Deve formar cidadãos e cidadãs para a solidariedade e participação democrática. (BENEVIDES, 2010). Atualmente, muitas políticas públicas de combate ao heterossexismo e outras discriminações têm sido discutidas e desenvolvidas no âmbito dos direitos humanos. Outra perspectiva que pode colaborar para nossa reflexão e prática é a da educação para justiça social, que tem por objetivo: possibilitar que as pessoas desenvolvam ferramentas críticas e analíticas para entender a opressão e sua própria socialização dentro de um sistema opressivo e desenvolver sentimento de agência 5 e de capacidade para romper e mudar padrões e comportamentos opressivos em si mesmas, nas instituições e nas comunidades das quais fazem parte. (ADAMS, BELL e GRIFFIN 2007, p. 2).

Avançando nas teorias e práticas de Freire, tanto a possibilidade de educação em direitos humanos quanto em justiça social apontam para articulações, interconexões e estratégias comuns a todas as formas de discriminação e opressão, para então superá-las: Também partilhamos [...] da visão que a erradicação da opressão depende da luta contra todas as formas de opressão e que articulações entre diversas pessoas possibilitam estratégias mais promissoras para um enfrentamento sistemático das opressões. E ainda, apoiamos fortemente teorias e práticas que demonstrem a interconexão entre as diferentes formas de opressão e que sugiram estratégias comuns para enfrenta-las coletivamente (ADAMS, BELL e GRIFFIN 2007, p. 5)

Com base em experiências concretas foram sistematizados alguns elementos para nortear práticas pedagógicas em justiça social: 1. O equilíbrio entre elementos emocionais e cognitivos no processo de aprendizagem: facilitação com enfoque na integridade das pessoas, nas normas da sala de aula e nas regras de comportamento do grupo. 2. O conhecimento e apoio pessoal (das experiências dos/as próprios/as estudantes) ao mesmo tempo enfatizando o que há de sistêmico (as interações entre os grupos sociais): facilitação com enfoque no aqui e agora da sala de aula e de como nesse espaço se define e se desenvolve o sistêmico ou o abstrato a partir do concreto, utilizando exemplos da vida real. 3. Observação das relações sociais em sala de aula: facilitação que contribui para que os/as participantes possam nomear os comportamentos que surgem em dinâmicas de grupo, no processo de compreensão/análise do grupo e exercício do aperfeiçoamento das comunicações interpessoais, sem culpabilizações ou julgamentos mútuos. 5

Agência nesse contexto significa o sentimento de poder agir e conseguir promover mudanças no mundo, de forma crítica, reflexiva, responsável e ética.

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4. Utilizar reflexões e experiências como ferramentas de aprendizagem a partir dos/as próprios/as estudantes: facilitação que toma por base a visão de mundo e experiências dos/as estudantes como ponto de partida para o diálogo e a para elaborar problematizações. 5. Valorização da consciência crítica, do crescimento pessoal e da mudança como resultados do processo de aprendizagem: facilitação que equilibra diferentes estilos de aprendizagem e sua explícita organização em torno de objetivos relacionados à conscientização social, ao conhecimento e à ação social, levando em conta que esses três objetivos mudam de acordo com os interesses e possibilidades dos/as estudantes. (ADAMS, BELL e GRIFFIN, 2007, p. 32-33).

O objetivo dessa reflexão sobre teorias e práticas pedagógicas é mostrar que, inclusive nos debates estritamente educacionais, temos elementos que justificam e indicam caminhos e possibilidades para tratar do tema sexualidade e da superação do preconceito e discriminação na direção da promoção da igualdade, da dignidade humana e da participação igualitária. Como foi discutido o mundo e nossa realidade não são determinados, apesar de condicionados. Trazemos esse debate para reavivar certos “saberes exigidos para o ensinar”, tanto para preparar uma discussão sobre sexualidade e superação do heterossexismo, como também para estimular a curiosidade epistemológica de profissionais da educação, alunos/as, pais e mães. A educação e a escola passam por um período tão centrado em conteúdos e burocracias, que se não nos detivermos na reflexão sobre nossa inconclusão, nossas práticas, alegrias e esperanças, não haverá abertura de espírito nem espaço concreto para trabalhar, não importa qual seja o tema ou disciplina, de forma rigorosamente crítica e ética. A burocracia da organização escolar impregna e engessa o cotidiano, as práticas pedagógicas e as aulas, influencia a todos/as que convivem na escola, assim como as mentalidades e corações. Esse é um convite para repensarmos e agirmos sobre esse processo de burocratização e fortalecer a convivência humana, a gestão participativa na escola, para podermos ter mais espaço para realizarmos nossa criatividade, liberdade, solidariedade, cooperação e autonomia. Ainda que não tenhamos conhecimento sobre um assunto, não podemos ignorar o que é importante para o ser humano e a partir de uma curiosidade mesmo que ingênua, podemos exercer nossas capacidades de: curiosidade epistemológica; respeito à autonomia e dignidade; escuta e diálogo; pesquisa; revisão de nossos pensamentos, posturas e práticas; identificação das injustiças e discriminações; e de busca de meios para intervir no seu enfrentamento.

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Sexualidade, heterossexismo, preconceito e discriminação: impactos na escola e na educação Para contribuir com a superação de uma consciência ingênua, senso comum, na direção de uma consciência epistemológica e com capacidade de intervenção, abordaremos alguns conceitos e questões que consideramos importantes para o debate sobre sexualidade. Jeffrey Weeks (2003) define sexualidade como: [...] uma construção histórica, que reúne uma série de diferentes possibilidades biológicas e mentais, e formas culturais – identidade de gênero, diferenças corporais, capacidade de reprodução, necessidades, desejos, fantasias, práticas eróticas, instituições e valores – as quais não necessariamente estão relacionadas dessa forma, e em outras culturas de fato não estão. Todos os elementos constituintes da sexualidade têm como base o corpo e a mente, e aqui não estou tentando negar os limites colocados pelos processos biológicos e mentais. Mas as capacidades do corpo e da psique adquirem sentido/significado somente em meio a relações sociais. [...] precisamos aprender a ver que a sexualidade é algo que é produzido pela sociedade por meio de caminhos complexos. Que ela é resultado de uma diversidade de práticas sociais que dão significado às atividades humanas, de definições sociais e auto-definições, de lutas entre aqueles que têm o poder de definir e regular e daqueles que resistem. A sexualidade não é dada, ela é produto de negociação, luta e agência humana. (WEEKS, 2003, p. 7; 19).

O que Weeks aponta nessa definição é que não existe uma sexualidade natural de fato, pois o que entendemos por sexualidade possui elementos biológicos, psicológicos e culturais. Além disso, seu significado se estabelece e se transforma ao longo do tempo, de acordo com o contexto histórico e social, em um embate entre definições sociais e auto-definições do que significa sexualidade e suas expressões. O que se considera sexualidade, o que é considerado certo e errado nas suas práticas, expressões, formas de conjugalidade e de família constantemente muda. Como bem descreveu Weeks, são processos que estão em constante negociação, luta e resistência em sua definição. Mais importante do que definir sexualidade é entender o lugar que ela ocupa na vida das pessoas, da sociedade, nos discursos e também nas discriminações. Weeks ressalta, ainda, que a sexualidade é plural ou diversa, por isso fala-se em pluralidade ou diversidade sexual. Assim, quando nos referimos à sexualidade neste texto, está implícita a sua multiplicidade. Se considerarmos as contribuições de Paulo Freire sobre a importância de entender a realidade social, temos que levar em conta a sexualidade que existe, tanto as leituras socialmente mais difundidas quanto aquelas que pessoas e grupos fazem de

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sua própria sexualidade, independentemente de estarmos de acordo ou não, mas o que é de fato vivido pelos seres humanos e tratar do tema de forma crítica, respeitosa e ética. A perspectiva que utilizamos sobre educação em justiça social, com base em vários/as autores/as, aponta que há um processo em que determinadas características, como gênero, sexualidade, classe, raça/etnia, são hierarquizadas, no sentido que são classificadas em legítimas e ilegítimas, boas ou ruins e consequentemente são socialmente valorizadas ou desvalorizadas. Características tidas como valorizadas acabam sendo socialmente privilegiadas. Já as pessoas com características tidas como desvalorizadas sofrem preconceito, discriminação, sanções e punições, com base na justificativa de serem “ilegítimas” ou por não ter seu valor devidamente reconhecido, em igualdade. Para entender a diferença entre preconceito e discriminação, recorremos a Roger Raupp Rios (2009): Por preconceito, designam-se as percepções mentais negativas em face de indivíduos e de grupos socialmente inferiorizados, bem como representações sociais conectadas a tais percepções. Já o termo discriminação designa a materialização, no plano concreto das relações sociais, de atitudes arbitrárias, comissivas ou omissivas, relacionadas ao preconceito, que produzem violação de direitos dos indivíduos e dos grupos (RIOS, 2009, p. 54).

Estabelecer essa diferenciação é importante, pois se trata de níveis distintos, tanto em relação às práticas sociais e pedagógicas que devemos recorrer para superação do heterossexismo quanto ao impacto que isso gera na vida das pessoas e da sociedade. Por exemplo, uma pessoa que tenha um determinado preconceito, pode nunca externalizá-lo, nunca tratar o/a outro/a de forma diferente, mesmo não aceitando, não concordando; pode não contribuir para uma cultura de desvalorização do/a outro/a e de certas características. Se esse tipo de mentalidade preconceituosa for além e se traduzir em práticas discriminatórias, estas limitam, cerceiam e impedem a realização plena da igualdade, da dignidade e da participação integral na vida da sociedade pelo/a considerado/a diferente. Em relação à discriminação por sexualidade, Rios conceitua o heterossexismo: A idéia de heterossexismo [designa] um sistema em que a heterossexualidade é institucionalizada como normal social, política, econômica e jurídica, não importa se de modo explícito ou implícito. Uma vez institucionalizado, o heterossexismo manifesta-se em instituições culturais e organizações burocráticas, tais como a linguagem e o sistema jurídico. Daí advém, de um lado, superioridade e privilégios a todos que se adequam a tal parâmetro e de outro, opressão e prejuízos a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e até mesmo a heterossexuais que 9

porventura se afastem do padrão da heterossexualidade imposto (RIOS, 2009, p. 62-63,).

Dito de outra forma, nossa sociedade em geral pressupõe que todas as pessoas deveriam ser heterossexuais, mas essa ideia, não condiz com a realidade. E qualquer pessoa que não seja ou não aparente ser heterossexual também está sujeita à discriminação. A conceituação do heterossexismo enfatiza um sistema e suas questões estruturais, trata de instituições, normas sociais, culturais, políticas, pedagógicas que privilegiam heterossexuais, desvalorizam e discriminam qualquer outra expressão da sexualidade. Nessa direção, uma estratégia correntemente utilizada merece nossa atenção, trata-se daquela que se baseia no discurso de aceitação do “diferente”. Tratar a diversidade sexual por meio da chave de aceitação do diferente nos coloca algumas armadilhas. A primeira delas é a de que ao enfatizarmos o “diferente” sexualmente (gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais dentre outros) ao invés da diversidade, podemos reforçar a ideia de que há um “normal” (heterossexual). A segunda armadilha, decorrente dessa, é a de que, ao não considerarmos o/a outro/a como igual, construímos uma “aceitação”, mas como se fosse uma concessão, um favor, o que não deixa de ser uma desvalorização e não promove o reconhecimento da igualdade, do respeito e da dignidade do/a outro/a, tomado em sua totalidade, como um ser humano integral e com plena dignidade. No que diz respeito às implicações do heterossexismo na educação e na escola, Ian Macgillivray (2004) compreende que as instituições escolares majoritariamente transmitem a mensagem de que todos/as são ou deveriam ser heterossexuais, enquanto "o padrão de normalidade". Esse padrão, por sua vez, é expresso nos currículos e nas práticas escolares. As pessoas LGBT e suas perspectivas estão ausentes nesses processos educacionais, o que caracterizaria um privilégio para pessoas heterossexuais. A escola acaba sendo um ambiente hostil com consequências físicas e emocionais para o desenvolvimento das pessoas LGBT, inclusive para seu desempenho e aprendizado escolar. Tomemos como exemplo o bullying, injúria ou assédio, físico ou verbal. Passar por tais experiências faz com que estudantes frequentem menos as aulas, abandonem a escola, passem por problemas de sociabilidade e de relacionamento com o/a outro/a, podendo se tornar mais vulneráveis ao abuso de drogas e até mesmo ao suicídio. Além disso, o heterossexismo reforça o sexismo por promover padrões rígidos de gênero. Para embasar essa discussão, Macgillivray (2004) trata da escola e de sua função social em relação aos princípios democráticos e de justiça social. Por um lado, o governo não 10

deveria privilegiar certos/as cidadãos/ãs em detrimento de outros/as no acesso aos processos políticos e às instituições sociais. Por outro, certas liberdades básicas são condições institucionais indispensáveis para o exercício de outras liberdades, como a liberdade de pensamento e de associação, necessárias para assegurar a liberdade de consciência e liberdades políticas. Traduzindo para o contexto escolar, todos/as estudantes têm o direito de participar igualmente nas discussões de relevância social e política. No entanto, a impossibilidade desses/as alunos/as se assumirem publicamente em igualdade interfere na livre expressão, no reconhecimento mútuo, na formação de grupos, no estabelecimento de amizades significativas e de relações íntimas, inclusive nas possibilidades de ações políticas e formação de grupos educacionais. Macgillivray ainda aponta a responsabilidade do Estado e da escola em garantir um ambiente seguro, de preservação da integridade física e psicológica de estudantes que passam grande parte do tempo e muitos anos de suas vidas em instituições escolares. Se a educação é obrigatória, inclusive o Estado pune legalmente seu descumprimento, ele e a escola devem também assegurar a integridade dos/as aluno/as, tanto por eles/as quanto por seus/suas responsáveis. Esse tema ganha maior relevância no contexto atual em que aumenta o número de anos obrigatórios de ensino e se discute a educação em tempo integral, logo necessitamos de um pensamento crítico e práticas concretas de como lidar com a promoção de um ambiente seguro e que estimule o convívio ético e democrático. Dicas, práticas e experiências para a superação do heterossexismo na educação Até este ponto demonstramos que na pedagogia temos teorias e práticas que justificam o enfrentamento de opressões e que fornecem elementos para identificar, reconhecer e buscar meios de superação para as desigualdades e discriminações, seja na escola ou na sociedade como um todo. Procuramos oferecer algumas ferramentas teóricas para refletir sobre e reconhecer as expressões das desigualdades que tomam por base a sexualidade, trazendo elementos para examinar criticamente o heterossexismo e seus efeitos na escola. A partir dessas discussões o objetivo é que cada um de nós, de forma crítica e criativa, elaboremos nossas próprias estratégias e experiências de superação das diversas formas de opressão, entre elas o heterossexismo. E que façamos isso de acordo com a posição que cada um/a de nós ocupa na sociedade ou no sistema de ensino, levando em conta nossas possibilidades e a realidade social que nos cerca. 11

Um primeiro passo é estar aberto/a para aprender melhor o que já se sabe ou aprender com o novo, bem como para rever de forma crítica e rigorosa o modo como pensamos e nossas práticas. Afinal o que sabemos sobre sexualidade? E sobre a sua pluralidade? O que sabemos sobre as expressões e discriminações em relação à sexualidade no entorno que nos cerca? Para isso é preciso tanto pesquisar quanto saber ouvir e falar com. A internet é um importante meio de pesquisa para os/as estudantes, profissionais da educação e para as famílias. Podemos buscar o que acontece na nossa escola, no nosso bairro, na nossa cidade, estado ou país. Podemos tanto entrar em contato com textos, publicações, leis, políticas desenvolvidas, podemos dialogar com outras pessoas, entidades, órgãos e gestores/as públicos/as e saber sobre políticas existentes, criar redes, articulações e conhecer experiências de superação de opressões - não é diferente em relação ao tema da sexualidade. Obter informações e criar grupos de debates em redes sociais e listas de discussão tem sido um recurso bastante utilizado, inclusive pela possibilidade de participação anônima no caso de recearmos a exposição pública. Devemos pesquisar o que existe de conhecimento especializado, legislação e políticas públicas e também saber sobre movimentos sociais e experiências de enfrentamento do heterossexismo. Podemos conhecer melhor a realidade social em relação à pluralidade das expressões da sexualidade e às discriminações que ocorrem em nossa sala de aula, na escola, na nossa comunidade, em nossas famílias. Núcleos de pesquisa universitários são uma fonte bastante útil de pesquisa. Alguns exemplos de núcleos que trabalham com o tema sexualidade e que possuem publicações em diversas áreas do conhecimento são: o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (http://www.clam.org.br/), Núcleo de Estudos de Gênero Pagu (Unicamp) (http://www.pagu.unicamp.br/) e o Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS) (http://www.nigs.ufsc.br/). Nesses sites podemos encontrar tanto notícias, artigos, pesquisas, vídeos, anúncios de curso e eventos e links para outros websites de interesse. Pesquise se nas universidades da sua cidade ou de seu estado existem núcleos de pesquisas e publicações. Exerça o diálogo e converse com os/as profissionais, que podem informar sobre experiências de combate ao heterossexismo em sua região. Se possível, busque formar parcerias, fazer convites para palestras, organizar seminários ou até mesmo cursos.

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Conheça e aprenda com o Movimento LGBT 6. Os movimentos sociais têm como um de seus objetivos identificar as desigualdades e buscar meios de superação para as mesmas. Verifique se há alguma organização LGBT na sua cidade ou arredores, entre em contato com seus/suas participantes, que podem dar seus depoimentos, contribuir com suas experiências, tirar dúvidas, colaborar com palestras, cursos ou até mesmo intervir para resolver situações concretas de discriminação. Você pode começar pelo site da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas,

Bissexuais,

Travestis

e

Transexuais

(ABGLT)

(http://www.abgltbrasil.blogspot.com.br/), que além de trazer uma série de informações sobre políticas e pesquisas LGBT, disponibiliza uma lista de organizações filiadas e parceiras nos diversos estados. Outras organizações LGBT trabalham especificamente com jovens: o Projeto Purpurina (https://goo.gl/y0JzVL) e o E-Jovem (https://goo.gl/fejuzG). Esses grupos podem indicar se há algum grupo local ou mesmo dar suporte, tirar dúvidas a distância. O Purpurina surgiu partir do Grupo de Pais de Homossexuais (GPH) (https://goo.gl/elwndn), ou seja, também há grupos de ajuda e suporte para pais e mães com filhos/as LGBT e um outro grupo é o Mães pela Diversidade (https://goo.gl/lZFl3H). A atuação desses grupos indica que quando os/as responsáveis respeitam e apóiam seus/suas filhos/as, estes/as têm maior autonomia e liberdade, são menos expostos/as a chantagens e coerções e os/as próprios/as responsáveis podem contribuir com o trabalho e atividades sobre sexualidade nas escolas. Conheça a legislação existente, que pode diretamente ou indiretamente ser utilizada no enfrentamento ao heterossexismo. Pesquise o que há de legislação, geral e na educação, sobre promoção da igualdade em relação à sexualidade. Muitos textos da lei tratam de nãodiscriminação por orientação sexual ou não-discriminação de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Em uma pesquisa em um munícipio, por exemplo, encontramos artigos de não-discriminação na lei orgânica da cidade e no estatuto dos/as funcionários/as públicos/as, sendo que, neste caso, se um/a servidor/a público/a discriminar alguém por sua sexualidade está sujeito a uma advertência e, caso haja reincidência, pode ser demitido/a, mesmo se concursado/a, incluindo profissionais da educação. É preciso conhecer as leis para usá-las. Muitos municípios e estados têm adotado leis contra a discriminação por conta da sexualidade, promovido um dia oficial de combate à homofobia ou permitindo que travestis e

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Uma recomendação de leitura é o livro Na trilha do arco-íris: Do movimento homossexual ao LGBT de Júlio Simões e Regina Facchini (2009).

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transexuais utilizem nos documentos públicos, inclusive de identificação como carteirinhas e boletins escolares, o nome pelo o qual se auto-denominam (nome social) e não o nome com o qual foram registrados/as. Por exemplo, existe um levantamento realizado pelo governo federal sobre legislações estaduais e municipais: http://goo.gl/lkJO5i. Busque saber, na sua cidade ou estado, se há políticas para LGBT. Converse na secretaria de educação e veja se desenvolvem algum trabalho sobre o assunto. Outras secretarias que costuma tratar do tema são secretarias de: cidadania ou participação social, direitos humanos, saúde, assistência social, cultura ou juventude. Em alguns lugares existe um Conselho LGBT ou de Diversidade Sexual, o tema é ou pode ser tratado no Conselho de Direitos Humanos. Além do poder público, cada vez mais os sindicatos de professores/as têm participado do debate e promovido experiências sobre diversidade sexual. Informe-se no sindicato local e regional, busque parcerias e apoios para projetos a serem desenvolvidos nessa área ou aproveite para divulgar projetos em andamento na sua escola. No âmbito do governo federal, que inclusive promove políticas locais nas cidades, há dois órgãos de referência: a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) (http://www.sdh.gov.br/) e o Ministério da Educação (MEC) (http://portal.mec.gov.br/). A SDH conta com a Coordenação Geral de Promoção dos Direitos LGBT (http://goo.gl/EXJVxi) e com o Conselho Nacional LGBT (http://goo.gl/GnGXpp). Um importante serviço oferecido pela SDH é o Disque 100 (http://goo.gl/KRbwSe), por meio dessa ouvidoria é possível fazer denúncias, inclusive anônimas, sobre violação de direitos humanos e discriminações, incluindo os que têm como vítimas pessoas LGBT, que tenham ocorrido em qualquer cidade do país. A SDH apura os casos em parceria com órgãos estaduais e municipais para buscar resolver o problema. Em 2011 foi lançado um relatório sobre a violência homofóbica no Brasil por meio das denúncias no Disque 100 (http://goo.gl/pNG1hy). Na estrutura do MEC existe a Secretaria de Educação Continuada, Diversidade e Inclusão (SECADI) (http://goo.gl/rOzmJ), que conta com um Grupo de Trabalho sobre diversidade sexual e educação. No site da SECADI encontramos pesquisas e publicações 7 sobre diversidade sexual e políticas que desenvolvem nessa área, sendo que algumas podem

7 Destaque para as publicações: Diversidade Sexual na Educação: Problematizações sobre a homofobia nas escolas (http://goo.gl/gfBuQ) e Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos (http://goo.gl/6zF9P).

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ser solicitadas por escolas ou secretarias de educação e outras podem ser propostas por meio de projetos que são financiados pelo MEC através de editais (http://goo.gl/8ZCQE). Ainda sobre políticas públicas, existem concursos como o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos (http://www.educacaoemdireitoshumanos.sdh.gov.br/) e o Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero (http://igualdadedegenero.cnpq.br/). Os conteúdos podem ser utilizados para conhecimento e para serem trabalhados em classe. Podemos incentivar que professores/as, alunos/as participem. Escolas, secretarias de educação e de direitos humanos de estados e municípios, bem como organizações LGBT têm realizado concursos locais ou podem passar a promovê-los. Além de conselhos de diversas ordens, outros espaços importantes tanto para discutir quanto para participar da elaboração de políticas públicas na área de diversidade sexual são: a Conferência Nacional LGBT, a Conferência Nacional de Educação e a Conferência Nacional de Direitos Humanos. Essas conferências acabam por promover encontros nos níveis municipal, regional e estadual e culminam em um encontro nacional para sistematizar as propostas realizadas. As conferências locais envolvem profissionais da educação, gestores/as públicos e movimentos sociais, permitindo troca de conhecimentos, experiências e parcerias. Além disso, se constituem como um importante momento de reconhecimento de sujeitos que têm interesse nesse tema, pois qualquer cidadão/a pode participar. Ainda nos eventos locais, muitas vezes a sociedade civil ou o poder público utilizam as propostas de políticas sugeridas nas conferências para incorporá-las nas ações de municípios e estados. As conferências resultam em documentos oficiais que servem de sugestão e parâmetro de políticas públicas, que podem ser utilizados para cobrar que os governos realizem essas diretrizes. Podem, ainda, servir de inspiração para realizar ações nas escolas, dar ideias de por onde começar a fazer algo, ou podem ser utilizados como material para conhecimento próprio ou para discussão nas escolas, com os pais e mães, nas comunidades, pois trazem pesquisas e justificativas da importância de trabalhar a diversidade sexual na educação. Dentre os documentos frutos dessas conferências destacamos: Programa Nacional de Direitos Humanos III (BRASIL, 2010) (http://goo.gl/XZ3NeQ); Programa Brasil Sem Homofobia (BRASIL, 2004) (http://goo.gl/iBSSfd); Plano Nacional LGBT (BRASIL, 2009) (http://goo.gl/TNPGqs); e os Anais da Conferência Nacional de Educação 2011 (BRASIL, 2011) (http://goo.gl/N724W). 15

Chamamos a atenção sobre os anais da Conferência Nacional de Educação (CONAE), pois nesta conferência foram discutidas propostas que servirão de base para as políticas educacionais do Plano Nacional de Educação a ser concretizado ao longo dos próximos 10 anos, e contém importantes diretrizes sobre diversidade sexual e educação. Os Anais da Conferência Nacional LGBT de 2011 (BRASIL, 2011) (http://goo.gl/FFli4U) subsidiarão a elaboração do próximo plano nacional de promoção da cidadania e direitos LGBT e contêm diretrizes para a educação. Outro importante documento é o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2007) (http://goo.gl/FCa2p), que também contempla o respeito à orientação sexual. Em suma, todos esses documentos justificam a discussão e a promoção da superação do heterossexismo nos diversos níveis de ensino 8. Voltando a questões da realidade social e do concreto na escola e na sala de aula, é importante saber quais são as questões que afligem lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. É preciso também que haja espaço e abertura para que esses temas surjam. É muito comum que, ao realizar atividades sobre discriminação por sexualidade, surjam divergências e conflitos. É fundamental ouvir as opiniões discordantes, inclusive para promover o conhecimento epistemológico, para saber quais são os argumentos e por meio de trabalhos que utilizem conteúdos e práticas, que trabalhem com o racional, mas também com mentalidades, sentimentos, emoções para a superação de discursos e atitudes discriminatórios e autoritários. É importante ter conhecimento, segurança e competência com bases pedagógicas, em direitos humanos ou justiça social. Pesquisas que analisem a realidade escolar podem ser de grande valia. Uma sugestão nessa direção é o Estudo qualitativo sobre a homofobia no ambiente escolar em 11 capitais brasileiras (http://goo.gl/nwdLZ), realizada com apoio do Ministério da Educação, que aborda a percepção e conhecimento sobre o diversidade sexual e homofobia entre gestores/as, professores/as e estudantes, além de verificar se há políticas sendo realizadas e apresenta algumas recomendações para a superação do heterossexismo. Uma pesquisa desse tipo pode servir como ponto de partida para entender a realidade de distintos lugares, de diferentes sujeitos e conhecer as formas como lidam com o assunto.

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Sobre os documentos, políticas e espaços de participação para a promoção dos direitos humanos, com ênfase ao combate do heterossexismo na educação, sugerimos a leitura da dissertação Relações de gênero, diversidade sexual e políticas públicas de educação: uma análise do programa Brasil sem homofobia (DANILIAUSKAS, 2011) (http://goo.gl/lnTsz).

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Além das práticas educativas realizadas em sala de aula, quanto maior o envolvimento de outras pessoas - um projeto que envolva vários professores/as, tenha apoio da diretoria/coordenação pedagógica, conte com a participação de responsáveis e da comunidade, tenha suporte por parte da secretaria de educação ou de movimentos sociais maiores são as chances de um trabalho mais eficiente e duradouro. O espaço de escuta e de fala garantido e sem retaliações deve partir da sala de aula, da realidade mais concreta e ir tomando corpo em todo cotidiano da escola. Em se tratando de promoção da pedagogia da autonomia, de direitos humanos e de justiça social, consideramos fundamental realizar uma gestão democrática da escola em sentido amplo, criar ou fortalecer espaços de debates e encaminhamentos de como a escola deve ser e de suas principais questões, em suma, o que é importante para nossa própria comunidade escolar. Alguns exemplos nessa direção são: revisar coletivamente o Plano Político Pedagógico; criar ou fortalecer grêmios estudantis e utilizar o espaço do conselho escolar para debater e definir estratégias de combate às opressões. A participação ativa da comunidade nas principais decisões da escola pode melhorar a qualidade do convívio nesse espaço. Isso fortalece tanto o aprendizado das disciplinas quanto o aprendizado ético, o exercício de tomar decisões, de exercer a responsabilidade e a democracia com ética, a solidariedade, a cooperação e constituindo possibilidades de concretização da liberdade e da autonomia. Referências bibliográficas ADAMS, Maurianne; BELL, Lee; A.; GRIFFIN, Pat. Teaching for Diversity and Social Justice. 2a Edição. Routledge, 2007. BENEVIDES, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se trata? 2000. [Transcrição de palestra]. Disponível em http://goo.gl/agUlM. Acesso em 31/08/2012. BRASIL. Anais da Conferência Nacional de Educação (Conae 2010). Brasília:MEC, 2011. _____. Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem Homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra gltb e promoção da cidadania homossexual. Brasília, 2004. _____. Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3. Brasília: SEDH/PR, 2010. _____. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. 17

_____. Secretaria de Direitos Humanos / Conselho Nacional LGBT. Anais da 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos para LGBT. Brasília, 2011. _____. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT. Brasília, 2009. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 36ª Edição, 2007 (Coleção Leitura). MACGILLIVRAY, Ian K. Sexual orientation and school policy: a practical guide for teacher, administrators, and community activits. Rowman & Littlefiel Publishers. 2004. REPROLATINA. Estudo qualitativo sobre a homofobia no ambiente escolar em 11 capitais brasileiras. [Relatório Técnico], 2011. Disponível em: http://goo.gl/KeObe1. Acesso em 31/08/2015. RIOS, Roger Raupp. Homofobia na Perspectiva dos Direitos Humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In.: JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, 2009. SIMÕES, Júlio Assis; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2009. WEEKS, Jeffrey. Sexuality (Key Ideas). 2a. Edição. Routledge, 2003.

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