Experiências formativas em arte dos Licenciandos em Pedagogia da UFC: influências da Pedagogia Tecnicista

September 29, 2017 | Autor: Luciane Goldberg | Categoria: Education
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ANDRADE, Francisco Ari; VIANA, Carlos Augusto Viana; JESUINO, Filipe de Menezes e SILVA, Renata Aquino da (Orgs). Educação brasileira: conceitos e contextos. Fortaleza: Edições UFC, 2014. (p. 224-238)

Experiências formativas em arte dos Licenciandos em Pedagogia da UFC: influências da Pedagogia Tecnicista Luciane Goldberg1 Arte não é apenas básica, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano. (BARBOSA, 2010, p. 4)

O presente texto vem refletir sobre a arte na formação do Licenciando em Pedagogia, tendo como ponto de partida o Histórico do Ensino da Arte no Brasil e as narrativas de vida dos estudantes sobre suas experiências formativas em arte compartilhadas na atividade Linha do Tempo2 realizada na disciplina de Arte e Educação do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará desde 2011. Quando se trata de experiências formativas em arte, ao resgatarmos as trajetórias de vida dos estudantes em formação, encontramos um eco de práticas que carregam marcas e traços das pedagogias tradicional, nova e tecnicista, especialmente na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, que permeadas pela história da educação no nosso país explicam o ensino de arte na escola formal hoje. Percebe-se a predominância de atividades de cunho tecnicista e aqui nos caberá uma breve análise dessa pedagogia, no que tange as consequências negativas desta para o ensino de arte na escola formal. Ao ser questionado sobre o que esperam da disciplina de Arte e Educação a maioria dos estudantes de pedagogia, além de trazerem traumas, já afirmando que não são criativos, que não sabem desenhar e que não sabem nada de arte, carrega a expectativa de aprender receitas de aulas de arte para ‘repassar’ para as crianças e isso se deve, logicamente, aos conhecimentos prévios que têm sobre a arte na escola, resultantes de sua própria vivência enquanto estudantes, pautados na instrumentalização e no utilitarismo, decorrentes de uma visão tecnicista de ensino ainda predominante nas escolas nos dias de hoje.

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Professora de Arte e Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), doutoranda em Educação Brasileira (UFC), mestre em Educação Ambiental e Graduada em Educação Artística/Artes Plásticas (FURG). 2 Para saber mais sobre a atividade Linha do Tempo acesse Goldberg (2012): http://ufc.academia.edu/LucianeGoldberg

ANDRADE, Francisco Ari; VIANA, Carlos Augusto Viana; JESUINO, Filipe de Menezes e SILVA, Renata Aquino da (Orgs). Educação brasileira: conceitos e contextos. Fortaleza: Edições UFC, 2014. (p. 224-238)

Tendo como ponto de partida suas experiências, muitos pensam que a aula de arte é aquele momento de pintar um desenho pronto ou fazer um desenho livre, além de fazer atividades nas datas comemorativas, como cartões para o dia das mães, se fantasiarem de índio no dia do Índio, dançar festa junina, etc. Ao propor que tragam as suas experiências formativas em arte e compartilhem com o grupo, são essas as vivências que encontramos em todas as narrativas, certamente por isso, o que eles esperam de uma disciplina de Arte e Educação na universidade, seja aprender receitas, modelos e técnicas semelhantes para replicar e reproduzir na escola, perpetuando o tecnicismo presente em suas histórias. Ao analisarmos mais de 300 narrativas de vida dos estudantes do curso de pedagogia é como se víssemos as mesmas cenas, as mesmas práticas artísticas repetidas de forma incessante. É preocupante e, por que não dizer, assustador, ver como pessoas tão diferentes, com idades e trajetórias de vida diferentes trazem experiências praticamente iguais quando se trata de arte na infância. É contrastante observarmos que a arte, elemento de potencial criativo, transformador e promotor de singularidade se converte na escola em atividades pontuais, de cópia, reprodução e repetição. Na escola narrada não existe espaço para a criação e a invenção, é preciso pintar dentro da linha, em um só sentido na cor imposta, um desenho que já vem pronto, e essa é a “aula de arte”!

Das consequências históricas do tecnicismo da Educação Artística A arte na educação afeta a invenção, inovação e difusão de novas ideias e tecnologias, encorajando um meio ambiente institucional inovado e inovador. Estarão esses senhores e senhoras interessados em inovar suas instituições? Estarão interessados em educar o povo? (BARBOSA, 2010, P. 2-3).

Para chegarmos ao que podemos evidenciar como consequências da Pedagogia Tecnicista nas experiências formativas em arte dos licenciandos em Pedagogia da Universidade Federal do Ceará, que resultam na visão do ensino de arte como atividade, técnica, reprodução e cópia, presente na formalização da disciplina de Educação Artística na escola com a LDB 5.692/71 e nos dias de hoje, é preciso refletir sobre o contexto histórico em que se originaram tais tendências e metodologias.

ANDRADE, Francisco Ari; VIANA, Carlos Augusto Viana; JESUINO, Filipe de Menezes e SILVA, Renata Aquino da (Orgs). Educação brasileira: conceitos e contextos. Fortaleza: Edições UFC, 2014. (p. 224-238)

Segundo Barbosa (2010) a matéria “Artes” tornou-se obrigatória nos currículos escolares não como uma conquista dos arte/educadores brasileiros, mas “de uma criação ideológica de educadores norte-americanos que, sob um acordo oficial (Acordo MECUsaid), reformulou a educação brasileira” (p. 9) em 1971, que culminou na elaboração da Lei Federal 5.692 de Diretrizes e Bases da Educação (p. 10). Sendo o período marcado pelo regime da ditadura militar, poderia a arte na escola promover a crítica, a sensibilidade e a transformação? Nossa escola estava voltada para a profissionalização e formação de mão-de-obra para a indústria, parte do projeto de “modernização nacional”, pautada na objetividade, na organização racional, no utilitarismo e na aprendizagem instrumental, o chamado “aprender a fazer”. Saviani (2008) contextualiza historicamente o surgimento da pedagogia tecnicista ao lema positivista “Ordem e Progresso”, com foco no desenvolvimento econômico do país, que se deu a partir do estreitamento dos laços do Brasil com os Estados Unidos e a abertura para a instauração de empresas internacionais em solo brasileiro. Importam-se as empresas e, junto com elas seu modelo organizacional que pela “demanda de preparação de mão-de-obra para essas mesmas empresas associada à meta de elevação geral da produtividade do sistema escolar levou à adoção daquele modelo organizacional no campo da educação”, (p. 367-368):

Difundiram-se então, ideias relacionadas à organização racional do trabalho (taylorismo, fordismo), ao enfoque sistêmico e ao controle do comportamento (behaviorismo) que, no campo educacional, configuraram uma orientação pedagógica que podemos sintetizar na expressão “pedagogia tecnicista” (SAVIANI, 2008, p. 369).

Com base na obra minuciosa de Saviani (2008) podemos trazer algumas características da Pedagogia Tecnicista para nossa análise das influências desta pedagogia no ensino de arte presente ainda hoje, observadas nas narrativas de vida dos estudantes de Pedagogia, como a eficiência, a racionalidade e a produtividade que resultam de uma visão de educação pautada no reprodutivismo:

Com base no pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advoga a reordenação do processo educativo de maneira que o torne objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico. Se no artesanato o trabalho era subjetivo, isto é, os instrumentos de trabalho eram dispostos em função do trabalhador e este dispunha deles segundo seus desígnios, na produção fabril essa relação é invertida. Aqui, o trabalhador que se deve adaptar ao

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processo de trabalho, já que este foi objetivado e organizado na forma parcelada. Nessas condições, o trabalhador ocupa seu posto na linha de montagem e executa determinada parcela do trabalho necessário para produzir determinados objetos. O produto é, pois, uma decorrência da forma como é organizado o processo. O concurso de ações de diferentes sujeitos produz assim um resultado com o qual nenhum dos sujeitos se identifica e que, ao contrário, lhes é estranho (SAVIANI, 2008, p. 382).

As consequências dessa pedagogia atingem a educação como um todo e se tornam prejudiciais ao ensino de arte na escola ao propor sua formalização com base em concepções objetivas e racionais, que discriminam a subjetividade, a singularidade e a formação sensível do indivíduo em detrimento da operacionalização, da padronização, da mecanização, da tecnicidade e da especialização do conhecimento. É como se a educação perdesse sua ‘alma’ formativa da emancipação dos sujeitos. Se o foco está no produto final, pouco importa o processo e as relações que se operam entre professor e estudante – é como se ambos estivessem lá para cumprir apenas com uma função, com uma atividade pontual, mecânica e reprodutiva em uma grande máquina, sem a dimensão do todo, sem um objetivo maior, como bem ilustrou Charles Chaplin em “Tempos Modernos”. É aqui que a escola se transforma em uma empresa, em uma fábrica, transpondo a burocracia, o instrumentalismo, a planificação e gerando a fragmentação: O magistério passou, então, a ser submetido a um pesado e sufocante ritual, com resultados visivelmente negativos. Na verdade, a pedagogia tecnicista, ao ensaiar transpor para a escola a forma de funcionamento do sistema fabril, perdeu de vista a especificidade da educação, ignorando que a articulação entre escola e processo produtivo se dá de modo indireto e por meio de complexas mediações. Além do mais, na prática educativa a orientação tecnicista cruzou com as condições tradicionais predominantes nas escolas bem como com a influência da pedagogia nova, que exerceu poderoso atrativo sobre os educadores. Nessas condições, a pedagogia tecnicista acabou por contribuir para aumentar o caos no campo educativo, gerando tal nível de descontinuidade, de heterogeneidade e de fragmentação que praticamente inviabiliza o trabalho pedagógico (SAVIANI, 2008, p. 383384).

Apesar de termos vivido, quando se trata de arte e educação, anteriormente à pedagogia tecnicista, um período muito rico fora da escola formal, entre os anos 40 e 60, sob a influência das ideias de John Dewey, Viktor lowenfeld, Herbert Read, Franz Cizek - o apogeu da ‘livre expressão’ na arte e o reconhecimento da arte infantil e da criança como um ser que possui potencialidades criadoras, que deve se expressar livremente, sem a intervenção repressora do adulto - é na formalização do ensino de arte na escola, nos anos 70 que se iniciam muitos dos estigmas e problemas que temos até

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hoje. Tínhamos um histórico de arte e educação não-formal, experimental e com bases idealistas, com uma preocupação na formação integral. Muitas dessas práticas e ideologias encontravam diálogo com a Pedagogia Nova, no entanto, não havia muito espaço para a arte na escola formal: “Na pedagogia Nova, ainda assim, a arte não era considerada área essencial no currículo. Consistia em atividade complementar ou consumatória do que era considerado o verdadeiro conhecimento: o lógico-racional” (MEIRA, 1991, p. 19). A experiência das Escolinhas de Arte no Brasil representa um marco histórico para a formação das primeiras bases conceituais para o ensino de arte no nosso país, trazendo a liberdade de expressão, a experimentação lúdica e o respeito às potencialidades

criativas

da

criança

como

elementos

importantes

ao

seu

desenvolvimento emocional e afetivo. Apesar de se preconizar que a criança deveria ser livre para criar e se expressar, o professor precisava ter grande conhecimento na área de arte e de psicologia para compreender como a criança se desenvolve e proporcionar espaço para seu desenvolvimento artístico. No entanto, muito do que foi desenvolvido e experimentado foi mal interpretado na escola formal, levando ao estigma da aula de arte como lazer, como espontaneísmo sem proposta pedagógica, como o “qualquer coisa”:

A noção equivocada da livre-expressão aplicada ao ensino formal tem levado à banalização do ato criador e a atitudes de “laissez-faire” pedagógico. Confunde-se o atendimento que é dado nas escolinhas com espontaneísmo e com o tipo de orientação que é dado às crianças pequenas, como regra geral para as demais etapas. Graças às escolinhas, no entanto, é que se criou, no país, uma nova postura em relação à arte infantil, ao caráter peculiar da aprendizagem em arte e à necessidade de se buscar várias alternativas de ensino para corresponder às diferenças individuais e culturais (MEIRA, 1991, p. 20).

Grande parte das práticas equivocadas tiveram origem na formalização da arte na escola como atividade obrigatória a partir da LDB 5.692/71. Havia professores de arte formados pela Escolinha de Arte do Brasil (EAB) que poderiam atuar nas escolas agregando a visão da Educação Através da Arte, mas o governo exigia formação universitária para ocupar os cargos nas escolas formais, levando à criação da Licenciatura Curta em Educação Artística nas Universidades Federais, curso com duração de 2 anos que objetivava a formação de um profissional polivalente, que abrangesse teatro, dança, música, artes visuais, desenho e desenho geométrico. Como poderia um professor com formação de 2 anos abarcar as 4 áreas? Segundo Barbosa

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(2010), se trata de um absurdo epistemológico pensar que se pode formar em dois anos um professor em tantas disciplinas artísticas. Foi uma grande luta do Movimento de Arte-Educação, nos anos 80, para que as Licenciaturas Curtas polivalentes em Educação Artística se tornassem as Licenciaturas Plenas com as devidas especializações: o profissional de arte não é polivalente. Até hoje temos resquício dessa prática polivalente nas escolas, pois o espaço dedicado à arte pela 5.692/71 se converteu em uma disciplina semanal com carga horária ínfima, que atenderia à concepção tecnicista da lei, pensar a arte na escola como uma “atividade”. Sendo somente uma disciplina, qual área seria a favorecida? Logicamente deveria ser a área de formação do professor que ocuparia o cargo, no entanto, acaba se exigindo desse professor que atue em todas as áreas de forma polivalente. Por que na área de arte podemos obrigar um professor que não tem formação específica ministrar a disciplina? Este foi outro esvaziamento: se é uma atividade, se é para o lazer, se pode qualquer coisa, pode ser também com qualquer professor:

Um contínuo processo de mediocrização da experiência estética e artística está se processando na escola. O motivo mais evidente é a exigência compulsória de arte nos currículos sem uma preparação adequada de professores através dos cursos de licenciatura (BARBOSA, 1984, p. 18).

Desta forma, é importante lançar um olhar crítico sobre os eventos históricos no campo da arte na escola, de forma a identificar as influências ainda presentes nas práticas atuais, pois independente dos avanços do movimento de Arte/Educação erigido nos anos 80, que empenha desde então uma luta permanente pela arte como conhecimento, o que ainda se vê hoje, em pleno séc. XXI, nas escolas da educação básica, na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, são técnicas e metodologias que remontam o tecnicismo dos anos 70 que: Apesar de uma trajetória conceitual curta, a concepção de ensino da arte como atividade cristalizou no ensino de arte diferentes práticas pedagógicas, que encontramos, ainda hoje, nas escolas brasileiras, tais, como: (1) cantar músicas da rotina escolar e/ou o canto pelo canto; (2) preparar apresentações artísticas e objetos para a comemoração de datas comemorativas; (3) fazer a decoração da escola para as festas cívicas e religiosas; entre outras. Isenta de qualquer conteúdo de ensino, a concepção de ensino da arte baseada exclusivamente no “fazer artístico” contribuiu muito para relegar a arte a um lugar inferior na educação escolar (SILVA & ARAÚJO)

É preocupante observar as marcas da Pedagogia Tecnicista na escola de hoje e como isso reverbera no ensino de arte de forma negativa. Toda a carga de atividades

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advinda dessa pedagogia está pautada na reprodução e na cópia. A arte vista como uma “atividade” pode ser qualquer coisa, pode ser um desenho livre, pode ser pintar um desenho pronto na capa da prova, pode ser colar algodão no papai-noel, pode ser pintar o cartão do dia das mães e pode não ser exatamente ‘nada’. As palavras criação, expressão, invenção, diferente, singular estão fora do ambiente escolar formal. Dos relatos dos estudantes e dos materiais que compartilham: seus cadernos de desenho, livros didáticos, suas pinturas de desenhos prontos, fotografias das apresentações artísticas nas datas comemorativas resta uma sensação de desconforto e, ao mesmo tempo de indignação, por constatar que ao relegarmos a arte a esse tipo de atividade mecânica, limitada, reprodutivista, estamos impedindo o desenvolvimento da sensibilidade, da criticidade, da capacidade de expressão artística essenciais para o desenvolvimento pleno de cada um. Afinal, a que projeto de educação, a que projeto de futuro estamos submetendo nossas crianças? Identificar essas práticas nas suas próprias vidas em diálogo com a história da educação no nosso país leva a um entendimento crítico e político a respeito da escola e do que ela vem promovendo em arte. Devemos então reproduzir tais práticas ou, de posse desse desvelamento, buscar novas formas de educação?

Dos prejuízos e consequências da pedagogia tecnicista para a formação: inovação ou perpetuação? Expor uma aprendizagem artística que inclua tais tipos de atividades é pior do que não dar aprendizagem alguma. São atividades pré-solucionadas que obrigam a criança a um comportamento imitativo e inibem sua própria expressão criadora; esses trabalhos não estimulam o desenvolvimento emocional, visto que qualquer variação produzida pela criança só pode ser um equívoco; não incentivam as aptidões, porquanto estas se desenvolvem a partir da expressão pessoal. Pelo contrário, apenas servem para condicionar a criança, levando-a a aceitar, como arte, os conceitos dos adultos, uma arte que é incapaz de produzir sozinha e que, portanto, frustra seus próprios impulsos criadores. (DUARTE JÚNIOR, 2002, p. 133).

A título de esclarecimento, a atividade “Linha do Tempo: narrativas de vida e experiências formativas em arte” tem como objetivo oportunizar aos estudantes o resgate dos processos formativos em arte, através das narrativas de suas vidas, a fim de levá-los à reflexão sobre seu próprio processo de formação artística, suas fragilidades e precariedades para, a partir daí, compreenderem o histórico do ensino de arte no país e a

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importância deste ensino para a formação humana, bem como a responsabilidade do educador em arte na sociedade, seja na licenciatura em arte (em qualquer uma das áreas), seja na formação polivalente do pedagogo (GOLDBERG & BEZERRA, 2012). Quando pedimos aos Licenciandos de Pedagogia que façam um relato de suas experiências formativas em arte vemos um pânico geral estampado em seus rostos e a frase “eu não tenho nada de arte na minha vida”, ou eu “não sei fazer nada, não sei desenhar, pintar, dançar, etc”. Quando eles começam a mexer, pesquisar, recolher documentos, imagens, fotografias eis que surgem memórias, lembranças e atividades da época da escola, especialmente da infância. Para a surpresa de muitos, as histórias são muito parecidas quando se trata da experiência artística escolar, há uma repetição exaustiva de atividades em praticamente todas as narrativas e isso começa a gerar uma percepção muito significativa sobre o que foi, o que é e o que tem sido a arte na escola: um apanhado de atividades iguais, repetitivas, soltas, sem importância, sem fundamento e planejamento, ou seja, praticamente padronizadas. Essa constatação contrasta com a atividade anterior realizada na disciplina de Arte e Educação, quando juntos criamos definições para a arte e nestas constam importantes elementos constitutivos da arte, como a liberdade, a expressão, a subjetividade, a criação, a inventividade, a crítica, a formação, entre outros. Quando chegamos ao final das apresentações da Linha do Tempo de todos os estudantes, fazemos uma leitura das atividades compartilhadas e nos perguntamos: onde esteve a arte na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental? Como desconstruir essas práticas tem sido um grande desafio, pois só há uma disciplina obrigatória de Arte e Educação (64h) no currículo de Pedagogia da FACED – UFC e escassez de docentes no quadro de professores para ministrar outras disciplinas, no caso, optativas na área. Para desconstruir o ‘velho’ e pensar em criar algo ‘novo’ é preciso todo um processo de apropriação da área de arte num diálogo com a escola e a melhor forma de propor essa interlocução foi partir das trajetórias de vida de cada um, trazer os estudantes para o centro da disciplina e tornar suas narrativas nosso objeto de estudo. Entendendo o que vivenciaram compreenderão a influência dessas atividades para a definição de arte que carregam e, consequentemente, para as práticas futuras em sala de aula quando estiverem atuando. A metodologia proposta pela atividade Linha do Tempo, que objetiva estudar a História do Ensino da Arte no Brasil tem se mostrado muito eficiente para o entendimento das influências históricas na educação hoje, como a identificação de

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concepções, abordagens, práticas, tendências, metodologias de ensino de arte na escola. É estudar o ‘macro’, a história do ensino de arte no Brasil a partir de uma perspectiva ‘micro’, a minha história de vida, o eu situado dentro do contexto histórico:

A importância da atividade das linhas do tempo está exatamente em estudar a história da arte e de seu ensino no Brasil não como algo que estava fora, mas como algo presente na trajetória de cada um. Esse mergulho no passado artístico nos proporcionou uma visão crítica muito mais profunda que qualquer outra metodologia que pudesse ser aplicada. Pudemos problematizar nossas próprias vivências com a arte e notar que toda a nossa trajetória é apenas um pequeno reflexo de como a arte e educação se desenvolveu no nosso país. Estudante de Pedagogia 1.

A disciplina tem contribuído para o desenvolvimento de uma consciência crítica a respeito da arte na escola, o que podemos observar claramente nos relatos dos estudantes nas suas análises críticas – trabalho escrito que entregam ao final contemplando uma análise geral das apresentações, uma análise individual e uma análise à luz dos teóricos que discutem a História do Ensino de Arte no país. É um começo, mas ainda é muito pouco, pois após o desvelamento das influências históricas, dos estigmas e traumas decorrentes das narrativas de vida é preciso lançar, projetar, pensar o futuro: “ok, eu sei o que não devo mais fazer, mas o que então devo fazer”? Essa perspectiva de continuidade da disciplina não levará à famosa receita de sala de aula, mas de posse do entendimento da área de arte e de sua importância para a educação, outras práticas e vivências tornam-se necessárias para que o licenciando tenha contato com a arte e passe a pensar pedagogicamente como trabalhar. Boa parte dos estudantes participantes da atividade “Linha do Tempo” nos 2 últimos anos esteve na escola há pouco tempo atrás, são jovens estudantes universitários, recém advindos do Ensino Médio, tendo em torno de 18 a 22 anos, ou seja, nasceram nos anos 80 ou 90. Não deveriam trazer em sua bagagem aprendizagens artísticas derivadas de novos olhares e práticas provenientes do Movimento de Arte educação que teve seu início nos anos 80? No entanto, quando nos debruçamos sobre o material compartilhado nas linhas do tempo, temos um susto, não por ingenuidade quanto ao tipo de experiência ou atividade compartilhada, mas pela frequência, quantidade e repetição das mesmas

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atividades em quase todas as narrativas. Tal constatação é reveladora de uma realidade ainda precária que não nega sua história:

A arte continua ainda a ser encarada, no interior da escola, como um mero lazer, uma distração entre as atividades “sérias” das demais disciplinas. Frequentemente delega-se também ao professor de arte a incumbência de “decorar” a escola e os “carros alegóricos” para as festividades cívicas [...]. Neste sentido, é totalmente inócua a disciplina, já que toda a estrutura física, burocrática e ideológica da escola está organizada na imposição de valores e no cerceamento da criatividade (DUARTE JÚNIOR, 2002, p. 131-132).

Na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental prevaleceram nos relatos as atividades de desenho ou pintura livre, desenho geométrico, modelos prontos para colorir ou preencher (algodão, sementes, material reciclável), modelagem em massinha, confecção de cartões e atividades variadas em datas comemorativas (com modelos já prontos: dia do índio, dia dos pais e das mães, festas juninas, etc.), pintura das “capas de prova”, cópias de toda ordem, etc. O relato de alguns estudantes, em suas análises da Linha do Tempo ilustra evidente para todos os participantes:

Ao assistir às apresentações dos meus colegas percebi que a minha realidade não era muito diferente da que muitos deles viveram. As atividades artísticas desenvolvidas estavam voltadas para datas comemorativas, confecção de cartões para o dia das mães, apresentações nos eventos da escola, dentre outras. Eram atividades sem objetivos específicos, sem propósitos pedagógicos. Havia certa descontinuidade e homogeneidade (repetição, reprodução, cópia). Estudante de pedagogia 2.

O que se pode constatar na grande maioria das apresentações é que a arte era encarada pela escola como uma atividade em que os alunos deveriam fazer a reprodução de modelos prontos e realizar atividades sem continuidade, que não desenvolviam o processo criativo e a imaginação dos alunos. Estudante de pedagogia 3. Como resultado da experiência da atividade Linha do Tempo, podemos citar algumas aprendizagens importantes, como: (a) desmistificação do conceito de arte: a arte está no cotidiano, não é algo distante ou inalcançável; (b) a arte começa geralmente na infância, mas é abandonada ao longo do tempo; (c) as principais influências na formação artística são a família, a escola e a igreja; (d) há um grande preconceito social

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e histórico com a arte na educação; (e) arte na escola se resume a atividades pontuais, impostas, restritas às datas comemorativas ou a serviço das demais disciplinas (arte como atividade e como técnica – Educação Artística); (f) presença de traumas: professores castradores, competição e comparação, repressão. A atividade vai além do próprio conteúdo a ser estudado, transbordando as quatro paredes da sala de aula, permitindo o desenvolvimento da “heteformação”: conhecer o outro, tornar o grupo mais homogêneo, firmar laços e da “autoformação”: oportunidade de autocrítica e autoavaliação (PINEAU, 2000). Esse exercício reflexivo permite o planejamento do futuro e o desenvolvimento da autonomia, pois a atividade toda é centrada no estudante. Uma grande consequência positiva do trabalho com as narrativas de vida no que tange a arte em suas vidas é a possibilidade de continuidade, o exercício leva à vontade de retomar, de recomeçar e de vivenciar arte e é comum muitos estudantes passarem a fazer arte cotidianamente, voltam a desenhar, dançar, pintar ou criam coragem para se lançarem em experiências artísticas completamente novas. A criticidade que se dá pela compreensão do histórico do ensino da arte permite identificar e conhecer que práticas, metodologias, princípios são esses? De onde vêm? Por que se perpetuam? Quais as consequências? Tal perspectiva é essencial para um educador que ser quer libertador ou libertário, na perspectiva dialógica de nosso estimado educador Paulo Freire. Quando me responsabilizo com o futuro eu me responsabilizo com mudança e me pergunto: – que professor (a) quero ser?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. 8. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.

____. Arte-educação: conflitos/acertos. São Paulo: Max Limonad, 1984. BRASIL, LDB. Lei 5692/71/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 05 de agosto de 2013.

DUARTE JÚNIOR, J. F. Fundamentos Estéticos da Educação. 7. ed. Campinas: Papirus, 2002.

ANDRADE, Francisco Ari; VIANA, Carlos Augusto Viana; JESUINO, Filipe de Menezes e SILVA, Renata Aquino da (Orgs). Educação brasileira: conceitos e contextos. Fortaleza: Edições UFC, 2014. (p. 224-238)

GOLDBERG, Luciane Germano & BEZERRA, Larissa Rogério. Linha do tempo: Narrativas de vida e experiências formativas em arte. In: Congresso Nacional da Federação dos Arte-Educadores do Brasil - Arte/Educação: Corpos em Trânsito, XXII, São Paulo, 2012. Anais. São Paulo: Instituto de Artes / Universidade Estadual Paulista.

GOLDBERG, Luciane Germano, OLINDA, Ercília Maria Braga de, BEZERRA, Larissa Rogério. Narrativas de experiências formativas em arte: a linha do tempo de estudantes universitários. Congresso Internacional de Pesquisa (Auto) Biográfica CIPA. V. Porto Alegre, 2012. Anais. PUC - São Leopoldo: Casa Leiria, 2012.

MEIRA, Marly. Construindo trajetórias. In: _____ (org.). Educação para crescer. Porto Alegre: Secretaria da Educação e Cultura do Rio Grande do Sul, 1992.

PINEAU, Gaston. As histórias de vida em formação: gênese de uma corrente de pesquisa-ação-formação existencial. In Educação e Pesquisa. V. 32, no 02, maio/agosto, 2006, p. 329-343.

SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 2. ed. Campinhas: SP: Autores Associados, 2008. (Coleção memória da educação).

SILVA, Everson Melquiades Araújo e ARAÚJO, Clarissa Martins de. Tendências e concepções do ensino de arte na educação escolar brasileira: um estudo a partir da trajetória histórica e sócio-epistemológica da arte/educação. 30ª Reunião da Anped, 2007.

Disponível

3073--int.pdf

em:

http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/grupo_estudos/ge01-

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