Experiências SIG na Arqueologia Portuguesa. Trabalhos finais do Seminário SIG em Arqueologia (2014).

July 24, 2017 | Autor: Hugo Rafael | Categoria: Bronze Age Archaeology, Prehistory, Roman Archaeology
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Índice Potencialidades e fragilidades de algumas metodologias SIG aplicadas ao estudo do Passado…………...…. 1 Marcos Osório Sepulcros megalíticos do concelho de Fornos de Algodres (Guarda): uma abordagem SIG…….………….… 21 Cláudia Sofia Marques O castro de Santa Olaia, o Baixo Mondego e as ferramentas SIG ………..……………..………………..…… 32 Hugo Rafael Um novo contributo ao Megalitismo em Penafiel. Os S)G enquanto instrumentos de prospecção e confluência de dados .………………………….…………………………………….…………….….....…… 48 Inês Soares Primeiro ensaio de SIG aplicado ao acampamento romano de Antanhol (Coimbra) …….…...….….…...…...78 João André Leitão Aplicação de ferramentas SIG – contributo para o estudo do território do Castro do Monte Padrão (Santo Tirso) ……….. ……………………………………………………………………….…..…………..…96 João Oliveira Aplicações SIG na investigação arqueológica no Concelho de Ourém ………………………..………..…….. 107 Jorge Venceslau Cabeço das Fráguas, uma abordagem SIG do santuário. A paisagem como ponto de partida para a análise de um sítio arqueológico…………..……………………………………..………………….……...… 123 Pedro Ramos O povoamento proto-histórico e romano em torno da Civitas Cobelcorum: uma experiência de aplicação SIG em Arqueologia…..…………………………………………………….……………………..…………… 141 Tiago Gil

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Potencialidades e fragilidades de algumas metodologias SIG aplicadas ao estudo do Passado Marcos Osório

Síntese

descritiva

dos

contributos deste seminário em 2014 O seminário SIG em Arqueologia do Mestrado de Arqueologia e Território do ano lectivo de 2013/2014 promoveu, uma vez mais, o ensino dos princípios básicos dos Sistemas de Informação Geográfica aplicados à Arqueologia e incentivou a realização de uma abordagem a um território por meio das principais ferramentas ensaiadas durante a componente curricular do seminário. A plataforma de trabalho utilizada foi o software Quantum GIS (versão 1.8.0 Lisboa ), por se destacar entre as soluções de Open Source existentes, pela sua fiabilidade operacional e pela constante actualização e disponibilização de novas aplicações no respectivo site. A versão 2.0 Dufour não foi adoptada de início, pois o seu lançamento ocorreu poucas semanas antes de começar o seminário, mas houve alunos que no final do semestre conseguiram migrar de forma satisfatória para a nova versão, produzindo cartografia nesta publicação já com o novo compositor de impressão, o que demonstra a facilidade de adaptação às actualizações do software por qualquer utilizador principiante. À data da publicação destes trabalhos finais foram já desenvolvidas as versões 2.2. Valmiera e 2.4 Chugiak , revelando o constante aperfeiçoamento deste programa informático, o que constitui um desafio para o ensino desta temática como seminário de Mestrado e para aqueles que tenham obtido o conhecimento das suas potencialidades por meio de versões anteriores. A desejada produção de um manual de utilização do QGIS, especificamente aplicado à investigação arqueológica, é também um objectivo ambicioso que fica limitado por este facto, pois obrigaria a uma actualização constante, com os consequentes gastos de tempo e recursos.

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Os alunos tomaram também contacto com as potencialidades do software GRASS (Geographic Resources Analysis Support System), dentro do ambiente QGIS, embora o tempo limitado do semestre tenha impedido a sua utilização mais alargada. Mesmo assim, encontram-se aqui expostos alguns exercícios realizados neste programa, de forma bem conseguida, tirando partido especialmente dos algoritmos r.walk, r.drain, r.watershed, r.los e do módulo nviz. Esta publicação reúne pois os mais recentes contributos deste seminário para a temática estudada, partilhando de novo com a comunidade mais alguns exemplos práticos de aplicações SIG em contexto arqueológico português. A liberdade dada aos alunos na escolha do tema de estudo proporcionou um variado leque de abordagens cronológicas e geográficas. Mas foi o nível de dificuldade e exigência proposto em cada trabalho individual que determinou as ferramentas a utilizar. Alguns restringiram-se ao manuseamento da informação espacial de natureza vectorial, enquanto outros procuraram desenvolver abordagens mais complexas com recurso ao máximo de aplicações conhecidas. Não obstante, todos mostraram a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos durante este semestre e, simultaneamente, proporcionaram contributos inéditos para os temas regionais estudados. Entre estes oito textos publicados encontram-se algumas abordagens que recorreram a novas ferramentas, não aplicadas no ano passado, que geraram outras conclusões e proporcionaram representações cartográficas bastante originais. Deixamos o nosso contributo e incentivo a esta publicação conjunta com uma reflexão introdutória que aborda fundamentalmente as potencialidades e as fragilidades da utilização dos SIG no estudo do Passado - uma problemática que muitas vezes foi recordada nos trabalhos dos mestrandos e que não deve ser desprezada nos conteúdos programáticos deste seminário.

Críticas à eficiência dos SIG na Arqueologia As inúmeras vantagens que decorrem da aplicação dos SIG à Arqueologia são hoje do conhecimento geral, encontrando-se esta metodologia cada vez mais difundida na investigação, sendo actualmente difícil identificar um estudo da paisagem em que os SIG não estejam presentes (Llobera, 2006: 111). Porém, este recurso tem sido largamente discutido no nosso meio, defendendo-se a integração coerente destas possibilidades tecnológicas sem se desviar dos princípios teóricos que norteiam o manuseamento e a interpretação da informação arqueológica. O utilizador dos SIG deve ter consciência de que estas ferramentas não estão isentas de problemas no processamento dos dados, havendo por isso quem questione se os computadores restringem ou impedem o correcto exercício da actividade e das suas práticas metodológicas, e devendo nós reflectir igualmente sobre as prováveis insuficiências e incongruências da sua aplicação ao estudo do Passado humano, questionando, ao mesmo tempo, a pertinência e a validade teórica das conclusões que daí se retiram (García Sanjuán et alii, 2009: 178). O aumento exponencial dos estudos que utilizam informação proveniente destas operações de arqueologia computacional tem gerado tensões com a teoria da arqueologia, direccionando a discussão para a importância da componente teórica nestes exercícios (Lock, 2009: 75). Como em outras áreas científicas, o arqueólogo que utilize os SIG carece de um corpo coerente de princípios de organização prévia e da formulação de hipóteses concretas sobre o tipo de problemas que pretende resolver, para que as abordagens SIG não se reduzam à mera produção de bonitos, mas insignificantes, mapas, aplicando recursos caros para responder a

questões pobres e irrelevantemente colocadas (Barceló e Pallarés, 1996: 313). É por isso natural que, desde o início da aplicação dos SIG na Arqueologia, tenha surgido abundante retórica contrária, criticando especialmente a falta da componente cultural nessas análises e a demasiada simplicidade das equações de correlação espacial. O alcance dos SIG não se pode resumir à introdução, ao armazenamento e à manipulação da informação geográfica, tendo em vista, em última instância, a sua representação num mapa digital, estático e bidimensional, sem preocupações analíticas ou de modelação (Lock, 2003: 173); nem se deve satisfazer com o mero tratamento desse abundante conjunto de dados espaciais, por meio de sobreposições e de comparações, de cálculos morfológicos ou de distância, ou de operações topológicas simples, para gerar apenas mais um volumoso conjunto de mapas (Barceló e Pallarés, 1996: 313). Por outro lado, na bibliografia da especialidade igualmente se reprova a demasiada ênfase que os SIG dão aos aspectos económicos, levando a um certo determinismo ambiental da actividade social (Idem: 313; Lock, 2009: 79), à semelhança dos modelos explicativos usados pela arqueologia processualista das décadas de 60 e 70, esquecendo a subjectividade mental, emocional, cultural e espiritual que influenciam as escolhas individuais. Os utilizadores acabam recorrendo frequentemente às variáveis ambientais que são de mais fácil representação cartográfica: como a topografia, a litologia ou a hidrologia (Barceló e Pallarés, 1996: 313), desprezando as outras componentes de informação mais complexas. É do consenso geral que o comportamento humano não se deve apenas a factores geográficos, sendo por isso mais imprevisível, mais difícil de modelar e de integrar nos estudos computacionais. A necessidade das análises espaciais darem também maior enfâse à escala humana tem sido

uma das reclamações pós-processualistas, em especial da corrente da fenomenologia da paisagem. Esta perspectiva defende procedimentos de apropriação da realidade envolvente através do corpo humano e dos seus sentidos (Tilley, 1994: 14), salientando algumas das fraquezas dos SIG, por exemplo, nos cálculos de visibilidade ou de deslocação (Lock, 2009: 79), como veremos adiante. Este cepticismo, patente em alguns investigadores, pode conduzir ao desinteresse geral pelas potencialidades dos SIG. Por isso, o desafio que se coloca ao utilizador destas ferramentas computacionais é o de construir de base os fundamentos da investigação e uma nova teoria das relações espaciais (Barceló e Pallarés, 1996: 313), não menosprezando os dispositivos veiculados aos modelos tradicionalistas da Nova Arqueologia, na construção das narrativas da vida passada, mas adoptando formas multifacetadas de integrar esses antigos modelos dentro das actuais expectativas da interpretação arqueológica. Visando este seminário a promoção do conhecimento sobre os recursos potenciais dos SIG na investigação arqueológica, não poderíamos ignorar as reflexões sobre algumas das debilidades destes processos informáticos, quando aplicados particularmente ao tempo recuado. Apesar das fragilidades, devemos mesmo assim olhar para estas ferramentas como valiosos dispositivos simplificadores de problemas que deparamos no trabalho de campo. A tendência de informatização da análise arqueológica não obriga ao abandono dos meios tradicionais de pesquisa, necessitando até da credibilização dos seus resultados por essa via. No processamento dos dados arqueológicos em ambiente SIG é natural depararmos com situações que merecem a validação pelos meios mais convencionais. Deste modo, lembrámos frequentemente os alunos da necessidade de alguma prudência no

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momento de extrapolar conclusões destes procedimentos computacionais. Felizmente, constatámos que eles souberam discutir, nos respectivos trabalhos finais, a pertinência dessas ferramentas, registando os aspectos mais vantajosos e, por outro lado, identificando as principais insuficiências sentidas, raramente caindo em interpretações simplistas, o que demonstra a sua reflexão crítica e a importância da discussão destas questões no âmbito do seminário.

Reflexão sobre as aplicações SIG mais comuns

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Os softwares QGIS e GRASS, utilizados neste seminário, dispõem de abundantes recursos capazes de elevados desempenhos na investigação arqueológica, mas iremos abordar apenas aqueles que foram preferencialmente utilizados nestes trabalhos e dos quais existe maior quantidade de referências bibliográficas sobre a sua eficiência aplicada à Arqueologia. Entre as várias possibilidades disponíveis, escolhemos os buffers, o diagrama de Voronoi, os heatmaps, as bacias de visão e os caminhos óptimos, que apresentam diferentes níveis de dificuldade e são frequentes nos estudos da especialidade, por serem geralmente os mais adequados às problemáticas abordadas. Também por isso estas ferramentas de análise arqueológica integram o programa deste seminário e são desenvolvidas na aula, em alguns casos práticos, reproduzidos depois pelos alunos nos seus trabalhos individuais. Iremos agora reflectir sumariamente sobre os seus proveitos e as suas insuficiências, avaliando se cumprem com rigor os fins propostos, tendo em consideração a experiência adquirida nesta prática metodológica. Esta discussão sobre a validade das operações SIG no estudo do Passado é apenas introdutória e carece de uma construção teórica mais

sustentada que não se pretende, nem se conseguiria, nestas curtas linhas.

O buffer Entre as aplicações mais elementares que os alunos utilizaram na análise da informação espacial vectorial encontram-se os buffers. São operações de reduzida dificuldade e bastante úteis sempre que se pretenda delimitar a área de influência de uma determinada ocorrência, definindo superfícies com distâncias de valor constante ao redor dos objectos, sejam eles pontos, linhas ou polígonos (Mano, 2012: 19), correspondentes, por exemplo, a sítios, vias de comunicação, cursos de água ou zonas de exploração mineira. Nos estudos tradicionais da Arqueologia Espacial a definição das áreas de influência dos sítios antigos era designada por site catchment analysis, propondo-se determinar as áreas de exploração dos recursos económicos disponíveis nas imediações (Vita Hinzi e Higgs, 1970: 5). O pressuposto teórico que fundamentava esta aplicação é que quanto mais longe da base estivessem os recursos, maior custo económico se empregaria para os rentabilizar, havendo um limite onde o gasto ultrapassava o retorno, sendo essa naturalmente a fronteira do território explorado por um sítio (Davidson e Bailey, 1984: 28). Podemos fazer essa estimativa tendo apenas em conta as balizas naturais do relevo e das linhas de água, mas elas podem não reflectir as verdadeiras fronteiras sociais e económicas de um núcleo habitado (Christopherson et alii, 1999). Essa orla de acção seria mais correctamente gerada através do cálculo do custo de marcha pelo terreno, com algumas variáveis dependentes da base económica das comunidades. Por exemplo, em sítios de agricultura sedentária a área de influência teria que resumir-se a 1 hora de caminhada, enquanto

Fig. 1 – Aplicação de buffers às capitais de civitates a oriente da serra da Estrela para quantificar as ocorrências existentes num raio de influência destes núcleos urbanos.

nas actividades de caça ela poderia estender-se até 2 horas (Vita Hinzi e Higgs, 1970: 7). Mas a forma mais simples de obter resultados, não tendo à disposição informação espacial complexa, é através da quantificação de uma determinada distância métrica, constante, em redor do elemento analisado (Christopherson et alii: 1999). No caso das ocorrências de tipo ponto, o buffer origina áreas circulares artificiais à volta dos centróides, definindo territórios com desenho bastante regular, no pressuposto de que o custo

de deslocação seria sempre homogéneo e contínuo. É natural que o desenho geométrico obtido pela distância euclidiana acabe por incluir áreas que naturalmente estariam fora e excluir outras que ficariam na influência dos sítios, ao contrário do que sucede de facto. A realidade física mostra que o terreno possui valores irrepetíveis e variáveis, para além das condicionantes próprias da vegetação e das linhas de água, gerando contornos bastante mais desiguais (Wheatley e Gillings, 2002: 144).

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Tendo os SIG a capacidade de realizar estas operações geométricas de forma rápida e simultânea, estes modelos teóricos acabam por ser aplicados sem uma avaliação crítica dos resultados, assumindo implicitamente que as comunidades mais antigas funcionavam apenas como meros optimizadores dos recursos (idem: 145). As apreciações negativas mais frequentes a este exercício referem também o elevado funcionalismo conceptual e a simplicidade desta modelação informática. Mas os mestrandos analisaram a sua pertinência ao utiliza-lo para atingir determinados resultados do seu estudo, quando não foi possível delimitar a área de influência de um determinado núcleo de povoamento através do cálculo da distânciacusto ou definir os seus limites naturais. Contudo, apesar destas insuficiências expressas, os SIG adicionaram considerável sofisticação a esta antiga metodologia, ao possibilitar, com celeridade e precisão, a criação de múltiplos buffers métricos em torno dos mesmos elementos morfológicos (Conolly e Lake, 2006: 210). Estas superfícies concêntricas poderão ser apresentadas em simultâneo e de forma muito versátil, com distintas tonalidades. Pode-se até especificar na respectiva tabela de atributos uma coluna com valores concretos de distanciamento para determinados pontos, criando buffers diferenciados, na mesma camada. A sua utilização é também vantajosa para analisar as vizinhanças dos sítios, avaliando a proximidade espacial de outras ocorrências de natureza distinta, ao destaca-los através de uma selecção por localização Santos, : -34). Esta operação determina as relações com outros dados espaciais adjacentes, de tipo arqueológico (habitats, necrópoles, rede viária, arte rupestre, etc.) ou geográfico (hidrografia, solos ou explorações mineiras): como por exemplo entre assentamentos populacionais e caminhos antigos ou entre unidades de povoamento rural e áreas de aptidão agrícola, que contribuam para a

compreensão da ocupação humana de um território. Por exemplo, na figura 1, usámos buffers com uma distância de 10 km, para sobressair diversos elementos que se encontravam na periferia dos centros urbanos romanos a oriente da serra da Estrela e constatámos que havia sempre um vicus na sua órbita (Osório, 2014 no prelo), além de nos permitir individualizar os habitats romanos assinalados no interior dessa área de influência. A aplicação deste exercício a um conjunto vasto de núcleos populacionais é igualmente um meio eficaz para avaliar as áreas de controlo territorial dessas comunidades, que numa malha de múltiplos buffers, permite até definir as morfologias de ordenamento e dispersão territorial desses centros.

O Diagrama de Voronoi. O QGIS dispõe deste módulo de geometria vectorial, igualmente simples e de fácil execução, que visa a definição da posição intermédia entre um número mínimo de centróides, por onde se faz passar uma linha que assinala a sua fronteira equidistante. O modelo é habilitado para o cálculo de proximidade entre ocorrências arqueológicas, para determinar por exemplo qual o sítio mais próximo ou que áreas ficavam equidistantes de dois pontos. A sua aplicação na Geofísica e na Meteorologia, para examinar dados espacialmente distribuídos, ganhou a designação de Polígonos de Thiessen, em homenagem ao meteorologista Alfred Thiessen. A ferramenta, aplicável apenas a camadas de pontos, gera feições geométricas correspondentes ao campo de influência teórico dessas ocorrências (por exemplo um sítio arqueológico), com base no pressuposto de que o espaço teria maior probabilidade de pertencer ao núcleo habitado que ficasse mais próximo (Santos, 2006: 35).

Este método gera territórios essencialmente poligonais que podem representar, por exemplo, as áreas administrativas ou económicas de um centro populacional (Osório, 2013: 8). Não tendo sido pensado especificamente para as problemáticas arqueológicas, cedo foi empregue em situações particulares da investigação, por oferecer resultados substanciais para a compreensão da humanização de um território, definindo por exemplo a sua extensão, os seus limites e as suas relações espaciais, embora com forte enfâse nos modelos económicos e políticos, nos quais o impacto da decisão humana na definição das fronteiras é importante. Juntamente com a Teoria dos Lugares Centrais, os Polígonos de Thiessen gozaram de certa popularidade nos anos 80, tendo sido amplamente utilizados pelos estudos da Arqueologia Espacial processualista quando o alvo era definir a hierarquia de um conjunto de sítios, sem fronteiras explícitas ou conhecidas (Conolly e Lake, 2006: 212), ou compreender as redes de relações sociais entre distintas populações com base nas suas interações económicas (Lock, 2009: 79). Contudo, à semelhança de outros modelos teóricos aplicados na definição dos primitivos territórios, este também tem as suas fraquezas, menosprezando o papel que a topografia e a hidrografia desempenharam. Tal como outros métodos que postulam soluções pouco sofisticadas, discute-se hoje a real capacidade deste modelo na definição do espaço ocupado e explorado pelas primitivas comunidades. Uma das premissas óbvias para a fiabilidade dos seus resultados é que o cálculo deve incidir apenas sobre ocorrências contemporâneas, deixando de ter sentido se não sofreram ocupação na mesma altura (Renfrew e Bahn, 1993: 167). O outro problema deste exercício é o pressuposto de que as capitais políticas teriam também um poder equilibrado, sendo possível

estimar os limites entre elas, apenas com base na distância entre si. Em alguns casos, verifica-se que a fronteira natural nítida entre dois centros urbanos não é equidistante do núcleo populacional vizinho, mas fica colocada de forma descentrada, anulando frequentemente esta suposição teórica. Contudo, não tendo informações mais concretas à disposição, nem outros meios auxiliares, e querendo obter um diagnóstico preliminar sobre o padrão de ocupação humana de uma região, os Polígonos de Thiessen geram uma divisão do espaço físico que pode ser usada como substituto da área de influência dos núcleos habitados (Barceló e Pallarés, 1998: 20), e alguns mestrandos recorreram a eles para formular algumas reflexões sobre os seus territórios, dado que o QGIS permite a sua rápida execução. A análise arqueológica das fronteiras tem revelado sempre um cariz teórico na sua orientação inicial, com bastante trabalho de campo no seguimento. Contudo, poucos projectos têm sido concebidos para explorar e prospectar essas áreas fronteiriças, a posteriori. Sabendo que esta operação computacional não produz mais do que uma aproximação, ela possibilita o confronto entre o traçado geométrico e as realidades físicas locais, identificando as coincidências entre as extremas das áreas poligonais e as saliências orográficas ou as linhas de água, avaliando a probabilidade de estas constituírem as primitivas balizas territoriais. Foi isto mesmo que concluímos da sua aplicação às capitais de civitates da região a oriente da serra da Estrela (Fig. 2), onde determinados traçados obtidos são concordantes com os mais significativos acidentes orográficos da região, como as extensões orientais da serra da Gardunha ou a serra da Malcata, da mesma forma que se sobrepõem pontualmente aos traçados dos cursos de água, como no caso do rio Côa (Osório, 2014 no prelo). 7

Fig. 2 – Recurso ao Diagrama de Voronoi para definir os limites entre as civitates a oriente da serra da Estrela.

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A existência destas coincidências permite depositar alguma confiança no método e considerá-lo como uma ferramenta auxiliar na tentativa de definir, de forma rudimentar, os limites dos territórios dos núcleos populacionais antigos. Por outro lado, o exercício facilita também, tal como nos buffers, a quantificação da área adscrita a uma cidade, o número de sítios existentes ou as vias assinaladas no seu interior, que determinam a sua importância regional. São também proveitosas para estas abordagens as comparações entre as superfícies poligonais

de Thiessen e as áreas delineadas com outros modelos, como os buffers e as isocronas. O confronto entre os resultados dos diferentes procedimentos informáticos poderá afinar disparidades ou sobreposições, com vista ao objectivo principal que é o estudo dos territórios antigos.

O Heatmap Existe um plugin do QGIS habilitado para examinar a distribuição de um dado conjunto de

ocorrências, mas que, tal como o anterior, só pode ser gerado com informação de tipo ponto. A aplicação é também denominada de mapa de temperatura , dado que é frequentemente aplicada na Meteorologia para assinalar os pontos quentes . Mas, a partir da versão 2.0 Dufour do QGIS, este módulo passou a traduzir-se por Mapa de Densidade', termo que é muito mais apropriado à sua funcionalidade. Nesta operação é quantificada a intensidade de pontos através da estimativa de densidade Kernel – um método estatístico frequentemente usado nas Geotecnologias no cálculo de curvas de densidades, ponderadas pela distância em relação ao centróide. Neste procedimento é necessário especificar o raio de pesquisa em metros ou em unidades de mapa, determinando a distância em torno de um ponto no qual se fará sentir a sua influência. Os valores altos resultam em focos de concentração mais suaves, enquanto os valores menores permitem mostrar detalhes finos na variação das densidades (Conolly e Lake, 2006: 176-177). Mas quanto maior for o número de pontos agrupados, maior será a percepção dessa densidade. O resultado final é exibido numa superfície raster, através de uma cambiante de tonalidades por cada valor de pixel, pois este fenómeno espacial de interação social não pode ser expresso por meio de geometria vectorial, mas somente com uma variável espacial (Barceló e Pallarés, 1998: 22). Com este recurso podem-se delinear, por exemplo, cálculos da densidade de sítios arqueológicos, destacando as áreas de maior aglomeração em detrimento das zonas com menos ocorrências, e categorizar também distintos padrões de distribuição, seja de forma regular, aleatória ou concentrada (Conolly e Lake, 2006: 163; García Sanjuán et alii, 2009: 165 e 168). Uma crítica natural a este modelo aplicado à Arqueologia prende-se com as ilações erradas

que se retiram da análise destas densidades se não estiverem asseguradas condições idênticas nos atributos cronológicos ou tipológicos dos pontos representados. Paralelamente, quando os dados não constituem uma amostra homogénea por todo o território que se pretende estudar, os resultados serão também incompletos. Isto não é uma limitação da ferramenta computacional, mas deve-se à incapacidade do utilizador que concebeu o exercício sem o mínimo de rigor no levantamento prévio de toda a informação necessária e na classificação dos dados. Contudo, também se podem fazer cálculos de densidades com informação espacial não contemporânea, em situações que se pretende apenas determinar as áreas privilegiadas de ocupação na longa diacronia. Essa questão está presente, por exemplo, no mapa que produzimos com os assentamentos proto-históricos do Alto Côa, para definirmos as zonas de maior apetência habitacional, mesmo sabendo que estamos perante povoados de distintas cronologias, desde a Idade do Bronze/Bronze Final até à II Idade do Ferro (Fig. 3). Os resultados teriam outro alcance com a obtenção de datações mais finas para cada sítio, podendo replicar-se, posteriormente, novos cálculos de densidade para cada período de ocupação. A leitura obtida a partir destas superfícies cartográficas é muito mais clara para a avaliação da incidência das ocorrências do que a mera observação da distribuição dos pontos. Só este exercício permite determinar facilmente a variação na ocupação humana de um território, fazendo sobressair as zonas de maior presença em contraste com as áreas vazias, o que não seria possível com nenhum outro recurso informático. Estas análises de ocorrências pontuais permitemnos observar a distribuição de qualquer variável

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Fig. 3 – Mapa de densidade de ocupação do povoamento proto-histórico na região do Alto Côa.

que se queira representar, para além dos núcleos de povoamento, e auxiliam-nos a seleccionar as áreas de maior potencial de estudo, para promover aí pesquisas mais específicas. Por outro lado, estes focos de densidade podem ser cruzados com outros elementos, sobrepostos em camadas distintas, como por exemplo as vias (informação vectorial linear) ou os limites administrativos (informação vectorial poligonal), extraindo daí decorrentes conclusões para o estudo da primitiva ocupação de um território.

A bacia de visão

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Uma das operações mais utilizadas na investigação arqueológica, sobretudo nas abordagens que incidem em regiões relativamente amplas, é a elaboração das bacias de visão (viewsheds), sendo hoje bastante comuns nos estudos da Arqueologia da Paisagem

com o objectivo central de definir o território visível desde uma determinada posição. Estas simulações processam-se unicamente com base em cálculos sobre o raster de um Modelo Digital de Terreno, através de operações aritméticas de reclassificação dos valores de elevação de cada um dos pixéis dessa superfície topográfica (García Sanjuán et alii, 2009: 173). O resultado deste processo é uma nova superfície matricial cujas células apresentam apenas os valores 1 ou 0 (por isso é chamada de bacia de visão binária), representando respectivamente o terreno que é ou não avistado desde essa localização específica (Osório e Salgado, 2007: 16). Neste seminário tomou-se contacto com esta metodologia através do plugin Visibility Analysis do repositório do QG)S . Lisboa , bastante intuitivo e pouco complexo,

necessitando apenas de inserir as coordenadas do local de observação no menu, ou seleccioná-lo directamente, e determinar a sua elevação (Osório, 2013: 9). Relativamente a este último parâmetro é consensual dar-se o valor de 1,70 metros de altura, equivalente à estatura de um adulto, mas pode ser atribuída uma altitude artificial a partir do topo de alguma construção, seja um terraço ou uma torre, por exemplo. As novas versões 2.0 e 2.2 do QGIS já não disponibilizam uma actualização deste plugin, tendo sido substituído pelo módulo Viewshed analysis , ainda em versão experimental. Mas existem outras formas seguras de calcular estes campos visuais, nomeadamente por meio do software GRASS e dos algoritmos r.los (ver Mano, 2012: 29) ou r.viewshed (na versão mais recente do GRASS 7.0), necessitando de se atribuir as coordenadas do ponto de observação e a sua elevação, podendo ainda definir-se a altura do alvo e o alcance máximo de visibilidade, que condicionam fortemente a amplitude dos resultados (Osório e Salgado, 2007: 16). A mancha resultante permite assim categorizar as visibilidades e as intervisibilidades humanas dentro de um espaço circunscrito, confirmando se determinadas ocorrências contemporâneas eram avistadas desde o posto de observação, com maior rigor do que a observação directa no local e a análise empírica permitiriam, e se este também era divisado pelas comunidades residentes ao redor (Wheatley e Gillings, 2000: 2). Contudo, os cálculos de bacias de visão apresentam, naturalmente, diversas limitações teóricas e metodológicas bem sistematizadas no trabalho de Wheatley e Gillings (2000), pois a visibilidade é muito mais complexa do que a sugerida por uma simples bacia de visão binaria. Primeiramente, o rigor destes exercícios é muito condicionado pela informação espacial utilizada na criação do MDT de base, podendo resultar incongruências entre os resultados digitais e a visibilidade obtida pela observação in loco.

Quanto menor o intervalo altimétrico entre as curvas de nível da superfície interpolada do MDT, maior será a fiabilidade do resultado. Em Portugal, a cartografia de maior precisão provém dos serviços do Instituto Geográfico do Exército, conferindo intervalos mínimos de 10 metros. Mas esta informação não é disponibilizada gratuitamente, e é cara, tendo nós recorrido a outras fontes, no âmbito do seminário. Por outro lado, qualquer utilizador destas tecnologias aplicadas ao estudo do Passado sabe da limitação que advém do facto da paisagem da Antiguidade não poder ser determinada a partir da actual, especialmente pela ausência nestes cálculos da componente da cobertura vegetal e de outras barreiras visuais existentes no terreno, que teriam indiscutivelmente um efeito decisivo nos padrões de visibilidade e invisibilidade (Wheatley e Gillings, 2000: 2). Alguns investigadores como Marcos Llobera têm proposto algoritmos para colmatar esta limitação metodológica, estimando a visibilidade potencial de determinadas áreas na presença de vegetação (Llobera, 2007). Este autor refere ainda outras variáveis essenciais que não são tidas em conta nestes exercícios, como sejam a direcção da fonte luminosa do campo de visão e o efeito da refracção atmosférica. Paralelamente, não deve ser esquecido que o ambiente óptico também varia conforme os vários ciclos diurnos, sazonais e climatéricos, porque a visibilidade não é constante. Assume-se frequentemente que todos os sítios abarcados por uma bacia de visão seriam capazes de avistar o posto de observação. Mas alguns trabalhos apresentam dúvidas relativamente à questão da visibilidade que se obtém do posto de observador ser equivalente à inversa (Lock, 2009: 80), o que tem implicações importantes para os estudos onde a reciprocidade visual é crucial. Por isso, há quem defende a distinção entre a bacia de visão projectiva de um determinado local e a

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Fig. 4 – Bacia de visão do povoado proto-histórico de Alfaiates e caminhos antigos envolventes.

correspondente bacia de visão reflexiva (Wheatley e Gillings, 2000: 7). Experiências feitas em determinados sítios arqueológicos mostram que algumas ocorrências só eram visíveis porque havia um conhecimento prévio da sua existência e da sua localização (Idem: 6). Finalmente, uma outra crítica feita às análises computacionais de visibilidade é que elas são estáticas. A realidade mostra, pelo contrário, que a visibilidade varia de forma subtil com o movimento, mesmo em pequenas distâncias. Os últimos estudos desenvolvidos relativamente a esta problemática têm procurado conduzir as aplicações SIG para além das tradicionais modelações socio-ecónomicas, rumo a uma certa humanização da paisagem, sabendo que esta adquire significado através das próprias 12

actividades humanas, tal como sucede com a visão (Lock, 2009: 81). As análises de visibilidade feitas em ambiente SIG raramente privilegiam os restantes órgãos sensoriais, ignorando assim a importância que a sua combinação acarreta para a percepção da paisagem (Conolly e Lake, 2006: 233). Contudo, não obstante as insuficiências e as fragilidades das metodologias existentes, as viewsheds são o melhor meio de apropriação da primitiva visibilidade de um sítio e são verdadeiramente essenciais para a percepção do inter-relacionamento dos assentamentos arqueológicos, especialmente daqueles que detêm boa posição altimétrica (García Sanjuán et alii, 2009: 172). Esta simulação dispensa a observação presencial do investigador pois, embora essa vista seja

irrepetível, não pode ser transferida para o registo cartográfico de forma exacta. Estes exercícios são igualmente fundamentais na simulação da visibilidade que se obtinha do topo de construções que actualmente estão arruinadas, algo que seria impossível de reproduzir de forma não virtual. Respondendo às críticas que consideram insuficiente a percepção do alcance visual de um sítio obtido apenas de um único posto de observação, tem sido preconizada a realização de múltiplos cálculos desde várias posições do assentamento arqueológico (por exemplo, ao longo de um circuito amuralhado ou nas extremidades de um promontório), e não exclusivamente do ponto mais central (como aconteceu na Fig. 4). Este recurso alternativo visa potenciar o modelo, aproximando-o do campo de visão dinâmico de um observador, bastando que se reúna o somatório dessas análises individuais, numa só superfície raster, por meio de operações de álgebra de mapas. Paralelamente, pode-se obter a mancha de visibilidade comum a distintos postos de observação, dispersos por um vasto território, recorrendo ao cálculo da visibilidade acumulada Wheatley, : . Este método é eficaz para verificar que áreas eram avistadas, simultaneamente, por maior número de observadores, pois elas constituiriam referências visuais para uma população ou áreas primordiais de controlo estratégico. Na investigação arqueológica pode-se igualmente cruzar as superfícies de visibilidade com outros elementos assinalados nesse território, sejam as necrópoles, as áreas mineiras, a arte rupestre, as linhas de água ou os caminhos, para determinar até que ponto eles eram vigiados desde um determinado sítio, tal como aconteceu com a bacia de visão que realizámos no povoado proto-histórico de Alfaiates. Nesse mapa pudemos determinar quais os traçados viários antigos da região que eram avistados do alto do relevo (Fig. 4).

Por tudo isto, apesar das naturais críticas, as análises da antiga visibilidade são o mais valioso contributo dos SIG para a Arqueologia da paisagem (Wheatley e Gillings, 2000: 2) e, por conseguinte, continuam a ser concebidas em todo o tipo de abordagens ao Passado humano.

O caminho óptimo Um dos exercícios mais difíceis deste seminário, utilizado com alguma regularidade pelos estudos arqueológicos que utilizam os SIG, é o cálculo dos caminhos óptimos. A definição dos percursos mais fáceis para as comunidades antigas ou o cálculo do território controlado através do tempo de marcha são temas aliciantes na investigação sobre a Passado. Ambos casos partem do pressuposto que determinados factores físicos dificultam o movimento e que percorrer uma certa distância tem irremediavelmente um custo, podendo este ser medido em gasto de energia ou em tempo despendido (por exemplo os frequentes 15, 30 ou 60 minutos definidos a partir dos núcleos habitados) (Davidson e Bailey, 1984: 28; Conolly e Lake, 2006: 214). Para proceder a qualquer simulação da deslocação humana pelo terreno deve-se calcular a fricção que essa superfície produz, com os parâmetros previamente estabelecidos, que posteriormente será utilizada como base para a análise da superfície de custo a partir do principal sítio escolhido para essa modelação. O algoritmo que gera esse raster soma o custo acumulado do percurso desde o ponto de origem até às células adjacentes, procurando repetidamente a célula mais próxima com menor valor, até que cada um dos pixéis tenha um determinado índice de custo mínimo acumulativo (García Sanjuán et alii, 2009: 176). Este método é usado com bastante sucesso na Arqueologia, mas o QGIS não possui uma ferramenta específica que o desenvolva. Somente acedendo ao GRASS é possível a sua

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Fig. 5 – Caminho óptimo entre os povoados da Idade do Ferro de Alfaiates e do Sabugal Velho.

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reprodução cabal, por meio de dois algoritmos. Se o terreno for pouco irregular, o custo do movimento é isotrópico, ou seja é praticamente igual em todas as direcções. Nesses casos usa-se o módulo r.cost que não tem em consideração as diferenças entre as subidas e as descidas. Mas para o cálculo ser mais correcto, sempre que se verifiquem grandes diferenças de altimetria, deve-se usar o algoritmo r.walk, que é anisotrópico, variando conforme a direcção que se tome num declive (Pellini, 2005-2006: 210). A superfície matricial resultante é bastante complexa, onde cada pixel expressa os valores de atrito do terreno que foram definidos previamente pelo investigador (García Sanjuán et alii, 2009: 176). O processamento de um caminho óptimo faz-se com o módulo r.drain, sobre esta superfície de

custo acumulado pré-definida (que possui implicitamente um ponto de origem), sendo apenas necessário inserir as coordenadas do ponto de chegada. Em alguns casos não temos um destino concreto, mas queremos representar os caminhos que irradiavam em todas as direcções. Nesta situação sugere-se um interessante exercício utilizado na definição das redes de escoamento de fluidos e dos caudais hidrográficos, denominado como Modelo de Acumulación de Desplazamiento Óptimo (MADO) (Fábrega-Álvarez, 2006: 8). Para esse efeito, a ferramenta do GRASS que se deve aplicar é o r.terraflow (Osório, 2013: 11), cujo resultado é uma superfície matricial com múltiplos traçados de saída, delineados pelo fluxo natural desde o centro de propagação.

Contudo, apesar da eficácia de todos estes modelos de simulação do primitivo movimento humano, os investigadores levantam algumas dúvidas, nomeadamente nos parâmetros de resistência aplicados no cálculo da superfície de fricção . Esta camada matricial é construída essencialmente com os declives, que é a principal variável para determinar a facilidade de circulação no terreno, juntamente com as linhas de água (García Sanjuán et alii, 2009: 176). O peso que as vertentes exercem no custo de marcha é indiscutível, tendo em conta que a partir dos 30% de inclinação a circulação torna-se inviável (Christopherson et alli, 1996), mas só em terrenos cuja orografia tenha considerável impacto no comportamento humano podem ser usadas isoladamente. Nas regiões de orografia suave esta não é a maior condicionante na escolha de um percurso, mas muitos outros factores como a vegetação, os afloramentos rochosos e as estruturas agrárias deveriam ser contemplados, e não o são porque essa informação não está disponível ou simplesmente não existe para a Antiguidade (García Sanjuán et alii, 2009: 176). Temos defendido, por isso, a integração dos dados relativos aos leitos de cheia da Reserva Ecológica Nacional (REN), que é uma variável fundamental para estes cálculos (Osório e Salgado, 2012: 90), porque essas áreas sempre constituíram pontos de difícil transposição e de densa cobertura vegetal, tendo sofrido pouca alteração ao longo dos séculos. Acresce ainda que é uma informação de fácil aplicação, cedida pelas entidades oficiais, em formato vectorial. Outra crítica feita aos investigadores que têm trabalhado na análise do movimento humano é a excessiva ênfase na criação dos caminhos. Estes são vistos muitas vezes como o próprio objecto arqueológico que se pretende traçar, classificar e hierarquizar, em vez de conduzir as abordagens para a caracterização geral do território em termos de mobilidade.

Por outro lado, na linha das críticas oriundas da fenomenologia da paisagem, verifica-se que não é feita qualquer tentativa de integrar aspectos sociais e emocionais nestas medições, nem de avaliar o impacto das morfologias viárias no caminhante ou a interação deste com a paisagem envolvente (Llobera, 2000: 68). Uma vez mais, a forte ênfase atribuída ao meio físico envolvente produz um variado leque de explicações meramente ecológicas para os padrões de movimento. O cálculo dos caminhos óptimos ancestrais sofre, nestas condições, de grande determinismo ambiental (FábregaÁlvarez, 2006: 7). As vias têm sido, de modo simplista, traçadas pelos terrenos menos acidentados, especialmente pelos vales, o que manifesta uma certa previsibilidade do comportamento humano, implícita nestes estudos. Ao mesmo tempo, as análises das superfícies de custo incorrem no erro do princípio economicista da minimização do esforço, segundo o qual, a circulação dos indivíduos visa estritamente a poupança de tempo e despesa na deslocação, o que nem sempre está na origem de um itinerário (Pellini, 2005-2006: 212). Estes modelos demonstram assim uma grande incapacidade para relacionarem a estrutura espacial das vias com outros factores comportamentais que repelem ou atraem o movimento humano (Llobera, 2000: 69 e 72), como sejam, por exemplo, as zonas funerárias, os espaços de maior sacralidade ou as áreas periféricas e desconhecidas das extremas territoriais (Pellini, 2005-2006: 210). Por fim, verifica-se também que muitas destas abordagens não se detêm na análise diacrónica dos itinerários humanos e não associam as diversas alterações sociais ocorridas com as consequentes mudanças viárias (Llobera, 2000: 68). Esquecem-se que os trajectos não são estáticos, mas sofrem de mutação, extinção ou reanimação. 15

Mas apesar de tudo o que tem sido escrito, a definição de corredores óptimos entre pares de pontos continua a ser a ferramenta ideal para traçar os percursos mais directos e cómodos entre várias ocorrências e, em último grau, para definir a primitiva rede viária de uma região, ao longo do tempo. A sistemática aplicação deste método gera múltiplas propostas viárias, talvez desconhecidas, que podem corresponder a corredores efectivamente utilizados, hoje apagados ou pouco visíveis. Estas estimativas são particularmente proveitosas nos períodos mais recuados, dos quais possuímos menor informação sobre a rede de caminhos utilizada. Torna-se pois necessário voltar ao terreno e ver se existe correspondência física com o modelo virtual. Sempre que isso acontecer será certamente um trajecto ancestral. Foi o que fizemos, neste caso, com o cálculo do traçado óptimo entre os povoados protohistóricos de Alfaiates e do Sabugal Velho, definindo o melhor percurso entre eles (Fig. 5) e obrigando naturalmente ao confronto desta modelação informática com a realidade existente, onde se verificou perdurarem algumas veredas deste possível velho corredor de circulação e certos topónimos viários associados. Uma possível aplicação destes traçados obtidos pelos SIG é o seu confronto com outras ocorrências viárias cartografadas na região (como as pontes, as calçadas, os miliários, as estalagens, etc… , para verificar se eles se sobrepõem ou não, e determinar uma maior antiguidade desses percursos. Estes traçados são também proveitosos para conferir com as manchas de povoamento e as áreas de exploração económica, com o fim de caracterizar esse mesmo território. Quando sobrepomos estes corredores óptimos ao mapa actual e verificamos que eles atravessam as povoações existentes, isso pode sugerir que o aglomerado teve origem na 16

passagem desses itinerários, podendo, nalguns cas os (que devem ser atestados documental e arqueologicamente), ter sido primitivos pontos de paragem, de abastecimento ou de muda de cavalos (Osório e Salgado, 2012: 92).

Podemos

confiar

nos

SIG

aplicados ao Passado? Mesmo tendo em consideração que os SIG não são uma metodologia arqueológica, mas apenas uma técnica auxiliar (Barceló e Pallarés, 1996: 314), sabemos o que eles possibilitam e o progresso que facultam à investigação arqueológica. Em primeiro lugar, pela sua capacidade de armazenamento coeso da múltipla informação georreferenciada que produzimos, depois pela interligação que facilitam entre a informação geográfica e os seus vários atributos, e por fim pelas suas incontáveis possibilidades de representação e análise com reduzido esforço, tempo e conhecimento técnico, como nenhum outro sistema de processamento consegue (Salgado, 2005: 2). O futuro dos SIG na actividade arqueológica adivinha-se brilhante por constituir uma das melhores soluções disponíveis, hoje em dia, para qualquer estudo de um território ou de uma estação arqueológica (García Sanjuán et alii, 2009: 176). Os sistemas de informação geográfica conduziram a investigação arqueológica para um patamar mais elevado, em particular na sua vertente de análise das realidades humanas ocorridas no espaço, mas também ao longo do tempo. Essa preocupação constante da Arqueologia espacializar as ocorrências na diacronia, encontrou nos recursos tecnológicos dos SIG, o campo ideal para se expandir. A sua afirmação neste meio deve-se naturalmente ao enorme potencial de adaptação

dos SIG ao estudo do passado. Tal como as unidades estratigráficas de uma sondagem arqueológica, os layers dispõem na perfeição a sequência e a independência da informação, separada por níveis ocupacionais. Os alunos de Mestrado compreenderam que não desenvolveram esta competência informática apenas para criar mapas de simbologia colorida, mas para usar esta plataforma de fácil consulta, edição e análise na reflexão e na optimização de dados espaciais provenientes da investigação ou da actividade profissional. Este passo em frente no progresso das metodologias de representação e pesquisa da informação arqueológica não foi em vão, desde que não seja tomado como um fim, mas como um desencadear de novas hipóteses para regressar ao campo, aos sítios e aos artefactos, com as metodologias e as práticas específicas que sempre caracterizaram a nossa disciplina. A abordagem SIG pode adiantar-se à pesquisa de campo, como pode rematar essa mesma actividade, nunca se remetendo para o objectivo principal da investigação. Uma forma de minimizar as fragilidades decorrentes do uso destes modelos de simulação e cálculo das áreas de influência, das densidades das visibilidades ou do movimento humano será conseguida concebendo metodologias mais sofisticadas do que as tradicionais. O pensamento teórico deve pois ser o motor destes procedimentos computacionais, construindo uma salutar relação entre a Arqueologia e a Tecnologia, de forma a amplificar ao máximo as suas capacidades. Devem também discutir-se com regularidade estas problemáticas sobre as insuficiências dos SIG, de forma a se poder conduzir estas aplicações na Arqueologia para além de uma mera rotina mecânica de análise e poder explorar todo o seu potencial analítico disponível (Lock, 2009: 83; García Sanjuán et alli, 2009: 178). Será com o desenrolar destas reflexões teóricas, a par dos constantes desenvolvimentos informáticos,

que se alcançarão novos âmbitos de aplicação científica. Este trabalho colectivo dos alunos do Mestrado de Arqueologia e Território, do ano 2013/2014, constitui um prémio para os que se empenharam no domínio destas ferramentas e se disponibilizaram a realizar um estudo sério. As suas reflexões e representações cartográficas irão certamente ser objecto de atenta leitura por aqueles que desenvolvem investigação nestes mesmos territórios e por muitos outros interessados neste vertente de estudo. Assim, este esforço de ensino e divulgação dos SIG aplicados à Arqueologia em Portugal terá a devida compensação através deste trabalho partilhado.

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SEMINÁRIO SIG EM ARQUEOLOGIA

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Apresentação dos trabalhos finais

Sepulcros megalíticos do concelho de Fornos de Algodres (Guarda): uma abordagem SIG Cláudia Sofia Marques

Introdução No seguimento do trabalho realizado para a disciplina de Espaços e Sociedades, consagrado ao conjunto dolménico do distrito da Guarda, apresento aqui a análise espacial efectuada a dois desses sepulcros megalíticos: os dólmens da Matança e do Cortiçô, localizados ambos na freguesia de Fornos de Algodres. Uma análise que cobrisse a totalidade do distrito egitaniense, que se estende por uma área superior a 5500 km², não era conciliável com o curto espaço de tempo disponível. Optámos por cingir o estudo a um dos seus concelhos, que demonstrasse a potencialidade da aplicação de ferramentas SIG no âmbito da Arqueologia Préhistórica. A metodologia adoptada teve por base a recolha dos dados presentes nas diversas produções bibliográficas relativas a esta temática. Afiguravase imprescindível obter um corpo de informação relevante, a partir do qual se pudesse realizar um leque diversificado de análises, com rigor e verossimilhança, e foi precisamente esta necessidade que levou à escolha de Fornos de Algodres, um município bem estudado do ponto de vista arqueológico. Justificada a escolha desta unidade administrativa em particular, importa reflectir sobre o tema desenvolvido, o fenómeno megalítico. As questões inerentes a esta problemática são bastante complexas. O papel desempenhado por estas manifestações arquitectónicas no seio das comunidades pré-históricas, não só como exteriorização das suas crenças espirituais mas também como marco político e social, não é simples de explicar, seja pela ausência de documentos escritos que asseverem o corpus simbólico que lhe está subjacente, seja pelo próprio sistema de valores a que o investigador, condicionado pelo tempo em vive, está subjugado.

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Tive a oportunidade de explorar algumas destas questões com este trabalho, que passo a apresentar.

História das investigações

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As referências mais antigas aos sepulcros megalíticos de Fornos de Algodres remontam ao século XVIII, mais concretamente a 1733, ano da dissertação apresentada por Martinho Mendonça de Pina à Academia Real da História Portuguesa (Pina, 1733). Estas alusões iriam ser posteriormente reproduzidas nos textos de F.A. Pereira da Costa (Costa, 1868) e A. Pinho Leal (Leal, 1875). Mas só na última década do século XIX, os dólmens da Matança e do Cortiçô começaram a ser alvo de uma abordagem mais científica, aquando das primeiras expedições de José Leite de Vasconcelos por terras da Beira. Em 1896, este arqueólogo efectuou algumas escavações ao dólmen da Matança, tendo aí recolhido um cristal de quartzo em forma de núcleo, duas placas de granito (que interpretou como tampas de vaso, tendo uma delas se perdido no decurso do inventário deste espólio), cinco fragmentos de cerâmica grosseiros, e ainda, nas proximidades do monumento, um machado de pedra polida. Elaborou também a planta deste monumento, embora não a tenha publicado (Vasconcelos, 1927). No ano seguinte estuda o dólmen do Cortiçô, onde exumou três pontas de seta em sílex, e um machado de pedra polida (Vasconcelos, 1927). Todo este espólio foi enviado para o Museu Etnográfico Português, actual Museu Nacional de Arqueologia, do qual foi fundador. Nas décadas de 30, 40, 50 e 60 são muitos os trabalhos que se referem aos dólmens da Matança e Cortiçô, contudo sem nada a acrescentar às investigações antecessoras (Almeida, 1942; Coelho, 1948; Cortez, 1952; Leite, 1965). De entre estes investigadores merece especial menção o casal alemão Georg e Vera

Leisner, que incluem as plantas destes monumentos na sua monumental obra Die Megalithgráber Der Iberischen Halbinsel. Der Westen, volume dedicado ao megalitismo na área ocidental da Península Ibérica (Leisner e Leisner, 1956-59). Já em 1966, também Irisalva Moita os refere no seu inventário de sepulcros megalíticos da Beira Alta (Moita, 1966). No final da década de 80 e início da de 90, os monumentos da Matança e do Cortiçô são alvo de intervenções de restauro e valorização, sob a coordenação de Domingos Cruz, e aos quais se efectuaram estudos marcadamente científicos. Do primeiro foram exumadas pontas de seta, um micrólito em sílex, um ídolo de azeviche, uma conta de colar de anidrite, alguns fragmentos cerâmicos, e dois cristais de quartzo (Cruz, Cunha e Gomes, 1988-89). Do segundo recolheram-se micrólitos, na sua maioria trapezoidais, uma conta de colar em xisto talcoso, alguns fragmentos cerâmicos, e dois machados de pedra polida (Cruz e Vilaça, 1990).

Contexto geográfico O concelho de Fornos de Algodres localiza-se no limite leste do distrito da Guarda, na região Centro e sub-região Beira Interior Norte (de acordo com a actual divisão administrativa do território nacional). Subdivide-se em dezasseis freguesias: Algodres, Casal Vasco, Cortiçô, Figueiró da Granja, Fornos de Algodres, Fuinhas, Infias, Juncais, Maceira, Matança, Muxagata, Queiriz, Sobral Pichorro, Vila Chã, Vila Ruiva e Vila Soeiro do Chão, compreendendo uma área total de 131,5 km². Hidrograficamente é banhado pela bacia do rio Mondego e afluentes, do qual se destaca o rio Dão. Geologicamente, o concelho inscreve-se numa área de substrato granítico, sobretudo granitos calco-alcalinos. No plano geomorfológico apresenta duas zonas distintas, como se poderá verificar no ponto 5 deste trabalho. A região a norte do rio Mondego

caracteriza-se pelo extenso planalto da Nave, delimitado a oeste pela Ribeira do Carapito, encontrando-se a uma altitude média que ronda

os 600 e os 700 metros de altitude. Já a região a sul do rio Mondego caracteriza-se por relevo pouco acentuado e altitudes mais baixas.

23 Fig. 1 – Buffers de 200 metros em torno dos dólmens da Matança e Cortiçô.

Os sepulcros megalíticos de Fornos de Algodres

figura serpentiforme na laje de cabeceira, e gravuras do tipo covinha num fragmento de esteio localizado à entrada do monumento. Apresenta ainda um esteio totalmente insculturado (Cruz, Cunha e Gomes, 1988-89).

I. Dólmen da Matança Também conhecido como Orca de Corgas da Matança , o dólmen da Matança é constituído por uma câmara sepulcral de planta poligonal com cerca de quatro metros de diâmetro, apresentando nove esteios, também eles medindo sensivelmente quatro metros de altura, e a laje de cobertura. Não foram encontrados vestígios que indiquem a presença de um corredor de acesso. A nível construtivo, salientase a existência de fossas para a colocação dos esteios, e ainda a presença de um contraforte, feito em pedras, colocado exteriormente. No plano artístico, este dólmen apresenta uma

II. Dólmen do Cortiçô A 2,5 km do dólmen da Matança está o dólmen do Cortiçô. É composto por uma câmara sepulcral de planta poligonal, com cerca de quatro metros de diâmetro, nove esteios, medindo cerca de três metros de altura máxima, e a laje de cobertura. Apresenta corredor de acesso do qual restavam quatro esteios, que mediria originalmente cerca de cinco metros de comprimento e dois metros de altura. Foi ainda possível identificar vestígios do átrio que daria acesso ao monumento. A nível construtivo, salienta-se que o monumento assenta directamente no substrato rochoso. Apresenta também um contraforte, exteriormente. No plano artístico, este dólmen possui pinturas em dois dos seus esteios, executadas a cor vermelha, com motivos antropomórficos e circulares. Possui também insculturas do tipo covinha na laje de cobertura (Cruz e Santos, 2011).

24 Fig. 2 - Mapa de declives do concelho de Fornos de Algodres.

Fig. 3 - Modelo 3D da vista Noroeste do Castro de Santiago

Análise espacial Apresenta-se de seguida a aplicação das ferramentas SIG às problemáticas específicas inerentes aos dólmens da Matança e do Cortiçô. Esta análise tem como objectivo responder a algumas questões que se colocavam no estudo destes sepulcros, mas pretende também exemplificar as potencialidades da utilização dos softwares Quantum GIS e GRASS na investigação arqueológica, neste caso particular da Arqueologia Pré- Histórica.

1. Proximidade a cursos de água Naturalmente, a água sempre foi um factor determinante e condicionante na fixação de populações. Vital à existência humana, a sua importância para as sociedades arcaicas leva a que adquire muitas vezes, senão sempre, uma dimensão mística, que se reflecte no seu sistema de crenças. Por este motivo, não é incomum encontrarmos espaços funerários nas imediações de cursos de água. No entanto, os estudos que se têm efectuado aos sepulcros megalíticos no nosso país parecem não revelar uma ligação evidente entre os monumentos megalíticos e as linhas de água. Importava por isso verificar se os dólmens de Fornos de Algodres se inscreviam nesta realidade. O mapa de relevo apresentado foi obtido no software GRASS, através do módulo

r.shaded.relief , sobreposto ao MDT da Aster GDEM. As coordenadas dos dólmens foram obtidas a partir da georreferenciação (ferramenta georreferenciador de um mapa publicado aquando das intervenções de restauro do monumento da Matança (Cruz et alii, 1988-89: est. II). Porque apresentavam um ligeiro desvio, procedeu-se à sua correcção a partir da ortofotografia (Bing Aerial View). Para averiguar a proximidade destes monumentos a cursos de água realizei um buffer de 200 metros em torno de cada sítio (Fig. 1) e verificou-se que a linha de água mais próxima aos dólmens da Matança e do Cortiçô é a Ribeira de Ludares, afluente do rio Dão (que é, por sua vez, afluente do rio Mondego), que nasce nos montes contíguos à povoação do Cortiçô, correndo na direcção Nordeste-Sudoeste. Verifica-se no mapa que nenhum dos dólmens se encontra a menos de 200 metros desta ribeira, o que vai de encontro à realidade mais comumente verificada para a maior parte desta tipologia de sepulcros.

2. O espaço dos vivos Na tese de doutoramento de Vítor Oliveira Jorge, consagrada aos sepulcros megalíticos do norte de Portugal, pode ler-se: «… nas culturas primitivas os mortos fazem parte da comunidade dos vivos, intercambiam permanentemente com eles de maneira tranquilizante ou assustadora,

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por outras palavras, são uma presença actuante com um lugar bem especificado na coerência de todo o social.» (Jorge, 1982: 112). O estudo dos espaços funerários infere a procura de um espaço dos vivos , quase sempre nas suas imediações. Para esta análise pondera-se o castro de Santiago, por ser o único povoado do período homólogo que se encontra relativamente próximo a estes sepulcros (Fig. 2). O castro de Santigo localiza-se na freguesia de Figueiró da Granja, no topo norte do cabeço do Crasto. As suas coordenadas foram obtidas numa publicação referente aos trabalhos de escavação efectuados neste sítio (Valera, 1997).

A sua localização parece denotar preocupações claramente defensivas, estando implantado num tor granítico, beneficiando dos declives bastante acentuados a toda a volta, como se pode verificar no mapa da figura 2 (realizado no software GRASS, com o módulo r.slope . Uma primeira análise para confirmar se existiria ou não ligação entre o Castro de Santiago e os dólmens da Matança e do Cortiçô consistia no cálculo das bacias de visão. O plugin Visibility Analysis permite-nos efectuar esses cálculos, determinando qual a área avistada a partir de um determinado ponto, a uma altura pré-definida (Observer Height).

26 Fig. 4 – Múltiplas bacias de visão a partir do Castro de Santiago.

Antes de expor estes cálculos, e para que melhor para sul- sudeste a situação se inverte, passando se compreendam as bacias de visão, construí um a ter uma área de visualização bastante mais modelo 3D da área em que se inscrevem os abrangente. dólmens e o Castro de Santiago, realizado no software GRASS através do módulo nviz Fig. Um outro estudo que se pode realizar neste 3). âmbito é o cálculo das superfícies de custo, que Voltando às viewsheds: para o castro de Santiago nos permite auferir o custo de deslocação a partir realizei quatro bacias de visão, a partir de quatro de um ponto pré-definido, sobre um modelo de pontos distintos do sítio, definido pelo traçado fricção elaborado a partir dos declives e linhas de amuralhado, definindo uma altura de observador água (no software GRASS, módulo r.walk . de 1,80 metros, correspondente à estatura média de um individuo (Fig. 4). Importa referir que não existe para este castro nenhum vestígio que possa indicar a presença de uma torre, e os estudos elaborados para este castro não permitiram determinar a altura original das muralhas identificadas (Varela, 1997). De facto, a excelente implantação do Castro de Santiago dota-o de grande domínio visual sobre a paisagem envolvente, sobretudo para leste. Nas vertentes setentrional e poente, a visibilidade do povoado é limitada pela área planáltica onde se inscrevem os dólmens da Matança e Cortiçô, incluindo a bacia da ribeira de Ludares, cujo rebordo apresenta altitudes ligeiramente maiores. Por esse motivo, os dólmens estariam fora da área de visão do castro (Fig. 4). Por outro lado, estas bacias de visão vão de encontro aos resultados das campanhas de escavação realizadas neste sítio, que indicam que o núcleo populacional beneficiaria dos grandes penedos e afloramentos graníticos nos quadrantes norte e leste, construindo muralhas apenas na zona sul. Naturalmente, os penedos impediam uma melhor Fig. 5 – Superfície de custo e caminhos óptimos desde o Castro de Santiago até aos dólmens da Matança e Cortiçô. visualização do território, enquanto

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Com base nesta superfície podemos também calcular os caminhos óptimos entre dois pontos (módulo r.drain . Neste caso apresenta-se a superfície de custo e os caminhos óptimos a partir do Castro de Santiago, até aos dólmens da Matança e do Cortiçô (Fig. 5). Podemos ver que mesmo a superfície percorrida

pelos caminhos óptimos acarretaria bastante esforço, especialmente o caminho percorrido até ao dólmen da Matança. Estes cálculos, a par dos resultados obtidos com as bacias de visão, parecem indicar que não existiria ligação entre os sepulcros megalíticos e o Castro de Santiago. Mas então, onde seria o espaço dos vivos da

28 Fig. 6 – Corredores de irradiação dos dólmens da Matança e do Cortiçô.

comunidade, ou comunidades, que erigiram estes sepulcros? Um último exercício aplicável a estes vestígios é o MADO (realizado no software GRASS, módulo r.watershed , que determina corredores de irradiação, a partir de um determinado ponto, sobre uma superfície de custo. Neste caso elaborei duas superfícies de custo, uma por cada dólmen, e os respectivos MADO s, que se apresentam em conjunto (Fig. 6). Os traçados de comunicação obtidos por este cálculo parecem direccionar-se tendencialmente para sul, onde se inscreve a freguesia de Algodres. Na verdade, nesta freguesia foram identificados alguns vestígios pré-históricos que podem denunciar a existência de povoados. Um dos sítios encontra-se na chamada Quinta da Assentada , localizada numa vertente, conhecida localmente por Barroca, nos limites sudeste do planalto da Nave, em contacto com a plataforma do Mondego. O sítio foi implantado num planalto que culmina num conjunto de penedos e afloramentos graníticos, a partir dos quais o declive se torna mais íngreme. Deste sítio foram exumadas pontas de seta, pedra polida, elementos de moagem, cerâmica manual (alguma da qual decorada), e indústria lítica talhada, em especial lâminas, lamelas e lascas. Sensivelmente a 250 metros acima deste sítio, também na Barroca, está a Quinta do )nferno , implantada numa vertente bastante declivosa. O local em particular encontra-se num planalto delimitado por uma linha de água que corta a vertente diagonalmente. Daqui recolheu-se uma lasca de utensílio de pedra polida em anfibolito, alguma cerâmica manual, um movente, e um segmento de lâmina de sílex retocada (Valera, 1994). Curiosamente, para aí se dirigem alguns dos traçados com maiores valores acumulados. A serem de facto povoados pré-históricos, julgo poder afirmar que seria bastante plausível que os sepulcros megalíticos da Matança e do Cortiçô

tivessem sido construídos pelas comunidades aí presentes.

Considerações finais A aplicação das ferramentas SIG aos sepulcros megalíticos de Fornos de Algodres permitiu retirar alguns resultados interessantes, em especial a eventual ligação dos dólmens da Matança e do Cortiçô aos (possíveis) povoados da freguesia de Algodres. Por outro lado, foi possível excluir possibilidades, ao verificar que seria praticamente impossível haver alguma ligação entre os dólmens e o Castro do Santiago. Naturalmente, a escassez de vestígios para o período cronológico abrangido por este estudo em muito condiciona os resultados, contudo julgo que as possibilidades e vantagens da aplicação dos softwares SIG no âmbito da Arqueologia Pré- Histórica ficam aqui bem patentes. Por fim, não posso deixar de referir a grande mais-valia deste seminário para a minha formação pessoal, dado que indubitavelmente enriquece, em muito, a investigação científica, pelo que espero, no decurso do meu percurso académico e profissional, poder aplicar e desenvolver os conhecimentos adquiridos.

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O castro de Santa Olaia, o Baixo Mondego e as ferramentas SIG Hugo Rafael

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Introdução O monte, ou outeiro, de Santa Olaia foi palco de ocupação humana desde o Neolítico, passando pela Idade do Ferro e Época Romana até à Época Medieval. A sua implantação representa, para a região, uma posição estratégica em relação à área envolvente, aproveitada pelas comunidades que o habitaram, para viver em segurança e para realizar as suas actividades económicas: olaria, metalurgia ou comércio. Numa região certamente muito diferente da que seria durante a Pré e Proto-história, não só devido a transformações naturais mas, talvez mais importante, por acção do homem, é possível retirar diversas conclusões a partir da aplicação de ferramentas SIG sobre a realidade actual, e com base nas informações disponíveis para a época. Seja através da elaboração de mapas de relevo, de declives, apresentação das supostas áreas inundáveis ou da simulação das bacias de visão (viewshed), com as condicionantes acima referidas, os resultados, apesar de interessantes, poderão não reflectir a realidade da época. Tentarei apresentar, o mais pormenorizadamente possível, a localização geográfica no contexto do Baixo Mondego, assim como a posição estratégica e privilegiada do povoado em relação a esse meio envolvente, tentando, ao mesmo tempo, relacioná-la com as actividades económicas, principalmente o comércio marítimo e fluvial, desenvolvidas durante a sua época mais importante, em termos de ocupação: a Idade do Ferro. Para a elaboração deste trabalho toda a minha análise partirá do castro de Santa Olaia, ponto central e principal, assim como tentarei dar maior destaque à ocupação fenícia (Idade do Ferro), por ser, para além da mais importante, a época mais documentada, mais conhecida e da qual resultou o mais importante conjunto de espólio exumado, assim como estruturas habitacionais,

das quais se conservam, ainda, no local restos de diversos muros. Na elaboração dos mapas no programa Quantum GIS, e apesar do castro de Santa Olaia se localizar no concelho da Figueira da Foz, quase no limite com o concelho de Montemor-o-Velho, decidi anexar também o referido concelho de Montemor-o-Velho, assim como o de Soure, a fim de ter uma visão mais alargada da região envolvente. Para isso, individualizei os três concelhos a partir da shapefile com os limites administrativos nacionais, que serviu de base à elaboração dos diversos mapas. Contiguamente a Santa Olaia localiza-se o monte do Ferrestelo, separado do outeiro de Santa Olaia por um pequeno vale, conhecido por ''poço'', onde se pensa ter existido um porto fluvial que servia o sítio, principalmente até ao século II ou I a. C. (Alarcão, 2004). Estes montes estão intimamente ligados, não só em termos arqueológicos e ambientais, mas também em termos habitacionais, até porque, seria no monte do Ferrestelo que existiria água potável. Outro aspecto que liga estes montes tem a ver com as classificações atribuídas, de sítio classificado e monumento natural , referindose a ambos como «montes de Santa Olaia e Ferrestelo». Por estas razões, o monte do Ferrestelo será referido, por diversas vezes ao longo deste trabalho, assim como a sua cobertura florística. É ainda importante referir o nome de António dos Santos Rocha, notável arqueólogo natural da Figueira da Foz, que no final século XIX (1894), descobriu as ruinas do castro de Santa Olaia e aí efectuou intensos trabalhos arqueológicos, durante cerca de 14 longos anos, conquistando

«os maiores triunfos para si e para a ciência arqueológica» (Guerra, 1959). Por fim, sublinhar que para a disciplina de Espaços e sociedades deste Mestrado, foi apresentado outro trabalho de análise sobre este mesmo castro, numa perspectiva diferente, acompanhando todos os seus períodos de ocupação, as suas actividades e os tipos de espólio exumado, e que poderá ser visto como um complemento a este mesmo trabalho.

Contexto geográfico O nome do outeiro, ou monte, de Santa Olaia, e consequentemente do castro, tem origem na igreja construída durante o século XVI, no seu cume, e consagrada a Santa Eulália, popularmente designada, durante centenas de anos por Santa Olaia ou Santa Ovaia (Rocha, 1971). Localiza-se na zona centro de Portugal, distrito de Coimbra (a cerca de 25 Km), concelho de Figueira da Foz (a cerca de 13 Km) e Freguesia de Santana (a cerca de 4 Km), o que pode ser comprovado pelos mapas abaixo apresentados efectuados a partir da cartografia do Google Streets no programa Quantum GIS (Fig. 1). Dista apenas cerca de 3 Km, tanto de Maiorca, como da vila de Montemor-o-Velho, junto à intersecção entre a estrada nacional 111 e a autoestrada 14, na margem direita do rio Mondego, a cerca de 1 Km de distância, e é propriedade da Quinta da Foja. Possui as seguintes coordenadas: º Ne º O (as coordenadas Gauss na carta militar Portuguesa 239 são M- 149, 96215 e P 335, 95957).

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Constitui-se como um pequeno monte de baixa altitude, com uma cota média de 20 m, constituído de calcário margoso apinhoado, formado durante o Cretácico, há cerca de 144-65 milhões de anos, implantado no chamado sector setentrional da Orla Meso-Cenozóica Ocidental, que, em parte, corresponde à porção emersa da margem continental oeste de Portugal, «entre as chamadas serras de Maiorca e de Montemor (Pereira e Paiva, 1987). Segundo Rivas-Martinez, este monte localiza-se na «região mediterrânica, sub-região oeste mediterrânica, super-província ibero-atlânticamediterrânica, província Luso-Extremadurense, sector marginal costeiro» (apud Freitas e Paiva, 1989). A área ocupada assume uma forma elipsoidal, não muito extensa, com orientação ONO-ESE, numa área de cerca de 160 m de comprimento por 35 de largura, em que o monte, para além de uma localização privilegiada em termos de navegabilidade, e controlo do estuário do Mondego, possuía também a vantagem do controlo visual sobre o território envolvente, como mais à frente se confirmará. Como já antes referido, a região será hoje certamente muito diferente da que seria durante as épocas de ocupação humana, tendo assumido grande destaque não só a acção do homem, mas também as diversas transformações na costa marítima e no estuário do rio Mondego provocadas pelo ambiente. Sendo assim, localiza-se em pleno coração dos campos agrícolas do baixo mondego, (principalmente de arroz mas também de milho), que assinalam o limite norte da orizicultura nacional. No entanto, a especificidade das características do terreno calcário do monte cria um enorme contraste, em termos de vegetação, entre os montes e os campos de cultivo 34

Fig. 1 – Mapa de localização, com a área assinalada em destaque.

circundantes, surgindo, este monte, quase como um oásis que se destaca na paisagem.

Santa Olaia e o Baixo Mondego: A sub-região do Baixo Mondego, na qual se insere o castro de Santa Olaia, é uma ampla região que se caracteriza pelas baixas altitudes, relevos suaves, pelo que, desde sempre, seria relativamente fácil uma pequena elevação se destacar na paisagem e assumir uma posição privilegiada e de vantagem em relação ao restante território. Na área dos três concelhos, as maiores altitudes encontram-se para oeste, na serra da Boa Viagem, com 257 metros, e a sudeste, na serra de Sicó, que atinge os 548

metros de altitude. Na região envolvente a Santa Olaia, como se verifica no mapa de perfil do terreno (Fig. 2), as altitudes praticamente não ultrapassam os 70/80 metros. O mapa de altimetria elaborado ajuda a ter uma ideia mais abrangente e mais concreta da altitude da região. Após individualizar a área dos três concelhos limítrofes abrangida pelo MDT, efectuei uma escala de altimetria com um mapa de cores personalizado, em que os azuis correspondem apenas à altitude até os 15 metros. Para a elaboração deste mapa foi tido em linha de conta que estas áreas abaixo dos 15 metros (a cor azul) se encontrariam inundadas nesse período

Fig. 2 – Perfil topográfico da região.

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cronológico, o que converteria Santa Olaia numa ilha (Fig. 3). Tendo em conta que, segundo diversos autores, poderiam existir períodos em que a baixa-mar permitiria o acesso por terra, pelo menos a partir do monte do Ferrestelo, a opção pelos 15 metros, pareceu-me correcta. Esta escolha foi influenciada pela leitura do trabalho de seminário de 2013 de Daniela Simões (Simões, 2013), e de alguns outros artigos por si referidos (Cunha e Almeida, 2008; Rossa 2001, apud Silva, 2004: 133; Daveau, 1995 apud Arruda, 1999-2000,), mas também da análise a uma shapefile identificativa dos aluviões do Mondego, que extraí da página web do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), que ao

Fig. 3 – Mapa de altimetria.

se sobrepor ao mapa personalizado de altitude (Fig. 4), permitiu verificar que existe uma correspondência entre a área central azul do mapa, com altitudes até aos 15 metros, e a referida shapefile. Ainda no seguimento desta problemática, e a fim de ter uma visão mais real da extensão de território, que à época, estaria inundado, optei por criar uma nova shapefile de polígonos, onde tentei reproduzir, o mais fielmente possível, toda essa área abaixo dos 15 metros. 36

Fig. 4 – Mapa de altimetria com sobreposição da shapefile dos aluviões do Mondego do SNIRH.

Seguidamente sobrepus essa nova shapefile sobre dois mapas diferentes (Figs. 5 e 6), entre os quais um mapa de relevo sombreado, com um factor de exagero de valor 3, e que também aproveitei para lhe sobrepor as shapefiles da hidrografia, e da bacia de visão, para a elaboração de dois outros mapas que apresento mais à frente. Assim temos, em situação inundável, toda a costa marítima, o que não constitui uma surpresa, à excepção de uma área central que corresponde ao Cabo Mondego, onde se localiza a serra da Boa Viagem, e todo o território central dos concelhos, que coincide com o curso do rio Mondego, bem como dos seus principais afluentes, numa elevada percentagem de território, como sendo o reflexo das baixas altitudes desta região. As formações rochosas do Baixo Mondego assentam sobre metassedimentos que se desenvolveram durante o Pré-câmbrico e o Paleozóico, no entanto as formações mais importantes são as formadas durante a era Mesozóica (Fig. 7). O último período de formação da terra da Era Mesozóica é precisamente o Cretácico, durante o qual se terão formado os calcários que constituem o monte de Santa Olaia. Estes

Fig. 5 – Shapefile da área i u dá el so reposta ao mapa dos concelhos.

calcários chamam-se de margosos por serem constituídos por carbonato de cálcio e argilas em idênticas proporções, cuja sedimentação de partículas argilosas em simultâneo com a deposição do carbonato, foi favorecida pelas condições naturais da região. Localizam-se no centro de uma vasta zona sedimentar, que se estende desde Coimbra até à Figueira da Foz, e que possui uma cobertura sedimentar formada durante o meso-cenozóico, constituída por rochas detríticas e carbonatadas.

É também possível encontrar formações rochosas do período Jurássico, tanto nas arribas do Cabo Mondego, como na região de Montemor-o-Velho (Fig. 7). A ocupação de Santa Olaia, ao longo de milhares de anos e por diferentes povos, acompanhou as diversas alterações ambientais e paisagísticas, assim como as inovações técnicas alcançadas pelos seus povoadores, que se reflectiram nos seus modos de vida e na forma como interagiam com outros habitantes da região e com a própria natureza.

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Fig. 6 – Shapefile da área inundável sobreposta ao mapa de relevo sombreado.

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Se pudéssemos perceber como seria, efectivamente, a paisagem e os recursos naturais que existiriam, seria mais fácil entender o funcionamento destas sociedades, e como se relacionavam, uma vez que a sua vida estaria dependente da natureza e dos recursos naturais. No monte de Santa Olaia o Homem encontrou as condições ideais para aqui se estabelecer durante milhares de anos. A ocupação mais antiga que se conhece recua ao Neolítico, da qual resultou abundante espólio, mas não foram encontradas as respetivas estruturas que provem com clareza uma ocupação efectiva do sítio. Depois é conhecida a sua ocupação durante a Idade do Ferro, visto não terem sido encontradas evidencias de uma ocupação durante a Idade do Bronze, e que foi a sua época mais notável e de maior esplendor. A prová-lo estão as estruturas habitacionais postas a descoberto, bem como o vasto espólio exumado, principalmente, a grande quantidade e enorme qualidade das cerâmicas importadas de origem fenícia, grega e cartaginesa (Pereira e Paiva, 1987), de grande perfeição técnica.

Por fim, da época romana e medieval restam apenas alguns alicerces de muros desta última ocupação, e existem, ainda hoje, muitas interrogações acerca do famoso castelo de Santa Olaia, que alguns investigadores colocam no monte do Ferrestelo e outros num monte das redondezas. Portanto, as condições seria m de tal ordem, que segundo Santos Rocha «muitos séculos depois de os povoadores já não existirem, ainda os rudes guerreiros da Idade Média aproveitavam o lugar como um ponto estratégico» (Rocha, 1971). Das diversas condições favoráveis à sua ocupação, é possível identificar algumas que se relacionam essencialmente com a localização e condição natural do monte e que respondem a uma importante questão: por que razão um pequeno outeiro de baixa altitude manteve tão longa diacronia de ocupação, e por povos tão distintos como foram os indígenas, os fenícios ou os romanos? São elas o controlo visual, a topografia do local, a estratégia económica ou de defesa, bem como o controlo de um grande estuário em comunicação directa com o Oceano Atlântico. Em primeiro lugar, o facto de este monte ter sido durante centenas de anos uma pequena ilha, pelo menos durante largos períodos, «banhada regularmente de todos os lados pelas águas do mar» (Rocha, 1971), o que já constituía por si só um importante factor de defesa, além dos acidentes geográficos naturais, como as escarpas rochosas, que formam uma barreira natural e que protegem o povoado impedindo ou dificultando o acesso. A excepção situa-se na zona norte, em que a falta de protecção natural foi compensada com a construção de uma «sólida muralha, junto da laguna, nos terrenos de aluvião» (Pereira, 1994). A estes somamos o facto de se localizar à entrada do estuário de um grande rio, o Mondego, à data amplamente navegável, servindo como meio de comunicação privilegiado, para incursões em regiões mais

Fig. 7 – Mapa das eras e períodos de formação das rochas.

interiores, assim como para o transporte de minério desde a Beira interior até ao castro, isto durante a ocupação fenícia. No entanto a localização privilegiada do outeiro, foi ao mesmo tempo, e ao longo dos tempos, um factor igualmente prejudicial, que o colocou sempre numa situação de fragilidade e dependência perante as diversas obras recentes realizadas no local, quer no assoreamento do rio, quer na importante ligação rodoviária entre Coimbra e Figueira da Foz, desde a antiga estrada Real às atuais Estrada Nacional 111 e Auto-estada 14, que lhe passam a poucos metros de distância. O facto de se localizar numa zona de transição entre influências fluviais e marinhas, coloca o monte numa posição de fragilidade no âmbito das alterações climáticas e da subida do nível das

águas do mar, que levaram a alterações drásticas, quer na linha de costa, quer na bacia hidrográfica do Mondego, sendo a mais visível a constituição dos chamados aluviões. Estes povos não estariam dependentes apenas do rio Mondego, embora este fosse o maior e mais importante curso de água, uma vez que os seus afluentes (rios, ribeiros e canais) constituem uma verdadeira teia hidrográfica, por onde seria possível navegar até outras terras da região centro, e, possivelmente, estabelecer contactos com outros povoados mais interiores, como Aeminium, Conimbriga ou o crasto de Soure, dos quais se conhecem alguns paralelos em termos de materiais exumados. Para além das relações com estes povoados e outros localizados na Beira interior, existiam

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de influência orientalizante: local destacado na paisagem e à entrada de estuários de grandes rios, facilitando o seu processo de «exploração dos recursos locais» (Arruda, 2005), numa actividade relacionada com «transacções comerciais de metais e produtos manufacturados» (Pereira, 1994). No entanto, saber ao certo como se processaram todas as alterações na zona costeira, é de elevada dificuldade, uma vez que decorreram de um intenso dinamismo, que dificulta as análises efectuadas, e que levou, por exemplo a que, após um recuo das águas, desde o final do século XIX, o nível médio do mar tenha subido cerca de 20 centímetros (Dias, 2004). Fig. 8 – Rede hidrográfica, com o Mondego em destaque, sobreposta à shapefile do relevo sombreado.

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ainda na região mais litoral, diversos outros povoados que também se relacionavam com Santa Olaia, como o crasto de Tavarede, os Chões ou os Pardieiros (Vilaça, 2008). Outra vantagem importante deste sítio tem a ver com a riqueza da sua fauna e a facilidade com se encontraria alimento, o que segundo alguns autores, entre os quais Santos Rocha, aqui seria relativamente fácil, quer através da caça, da pesca e da mariscagem (Rocha, 1971). A água é essencial à vida do Homem. Sendo assim, o monte do Ferrestelo completa este lote de vantagens, uma vez que a água potável abundava neste monte contiguo, tornando ainda mais forte e importante a ligação entre ambos os montes. Deste modo, estes montes conjugavam dois importantes factores para a sobrevivência dos povos: protecção e alimento. Por todas estas razões, o monte de Santa Olaia parece ter sido criado à medida da ocupação humana, e principalmente para a presença fenícia, uma vez que possui todas as características encontradas em outras ocupações

Para além das condições atrás referidas, outro factor importante para a defesa e sobrevivência dos povos que aqui viveram, tem a ver com o campo de visão sobre o território envolvente. Neste aspecto o sítio possui um campo de visão alargado, quase em todo o redor, à excepção de um pequeno corredor a norte, conforme se constata através do mapa da viewshed, efectuado no QGIS, sobre o MDT dos concelhos de Figueira da Foz, Montemor-o-Velho e Soure (Fig. 9). Para a elaboração da bacia de visão a partir de Santa Olaia, foi definida uma altura de 2 metros para o observador. Após a sua conclusão sobrepus o novo raster ao mapa de relevo sombreado. Dificilmente uma pessoa atingiria tal altura, no entanto, não nos é possível saber em que condições seria feita a observação do território circundante. Certo é que das estruturas encontradas no local, algumas correspondem a alicerces de muros com consideráveis dimensões (de referir que as estruturas no local estão datadas da Idade do Ferro e da Época Medieval), que poderiam corresponder a edifícios de dois pisos e aproveitados como local de vigia ou a uma

Fig. 9 – Bacia de visão, a partir de Santa Olaia, sobreposta à shapefile de relevo sombreado.

pequena torre ou torreão, construído propositadamente para o efeito. Pelo menos da época medieval, e segundo Santos Rocha, existiria um castelo, o famoso castelo de Santa Olaia, localizado no monte do Ferrestelo, enquanto em Santa Olaia se localizaria, precisamente, um pequeno torreão (Rocha, 1971). Com certeza que os resultados são passíveis de não gerar consenso, uma vez que ao longo dos últimos milhares de anos a paisagem sofreu inúmeras alterações naturais ou por acção do homem, como antes referido, e a bacia de visão

poderá não corresponder à realidade da época de ocupação, dado que os mapas que servem de suporte à elaboração da bacia de visão são, obviamente, recentes e não reflectem a realidade de outros tempos. No entanto, e apesar dessas alterações na paisagem, é ainda possível verificar, actualmente, a vista privilegiada obtida a partir do topo do monte, sobre os atuais campos agrícolas, apesar do excesso de árvores e outra vegetação que ocupou toda a área, dificultando a visão. Seguidamente, sobre o mapa com os limites administrativos dos três concelhos e a bacia de

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visão, sobrepus três novas shapefiles cada qual com um buffer de 10, 15 e 20 Km, apenas com o intuito de se saber a que distâncias se concentrava a maior área avistada do topo do relevo (Fig. 10). É sem surpresas que se observa, ser num raio de até 10 Km, que se concentra essa maior área avistável, que no entanto não se estende para norte. Outra situação curiosa é o facto de, entre os 10 e os 15 Km, quase toda a área avistada se cingir praticamente a sudeste, o que poderá ser explicado, entre outros factores, pela localização, a oeste, da serra da Boa Viagem, que atinge uma altitude máxima de 257 metros. Também me parece que, tanto para norte como para sul, ao atingir os 15 Km de distância, a altitude aumenta um pouco, para valores entre os 60 e 80 metros.

A ausência de visibilidade para norte, pelo meu conhecimento actual do terreno, também se poderá explicar com o facto de se verificar um ligeiro aumento de altitude nessa direcção, acompanhando a via rodoviária, no sentido Montemor-o-Velho. Uma alteração importante e que, com certeza, contribui para alterar os resultados, tem a ver com a falta de cobertura florística, em grande parte da zona envolvente, à semelhança da existente nos montes, tanto no de Santa Olaia como no do Ferrestelo, e que, com certeza, hoje altera o campo de visão, dificultando ou favorecendo, é impossível, hoje de saber. Estes montes possuem uma flora completamente diferente da vegetação típica da região, uma vez que a sua cobertura florística é,

Fig. 10 – Bacia de visão de Santa Olaia, sobre shapefile dos concelhos, à qual foram sobrepostos buffers de 10, 15 e 20 Km.

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Fig. 10 – Bacia de visão de Santa Olaia, sobre a shapefile dos concelhos, à qual foram sobrepostos buffers de 10, 15 e 20 Km.

maioritariamente, de características mediterrânicas, apesar de se localizarem numa zona de transição entre a floresta mediterrânica e atlântica, mas onde se nota já uma forte influência atlântica. Este tipo de vegetação poderá ter abrangido uma grande área, por toda a região, hoje desconhecida e muito afectada, não apenas pelo recuo do mar ou tempestades costeiras, mas também pelas acções humanas. O avanço constante do assoreamento levou a que os portos da região, tivessem que se mudar

para zonas cada vez mais exteriores, como exemplo, o porto localizado entre Santa Olaia e Ferrestelo, foi a partir do século II ou I a. C., possivelmente, transferido para a zona de Maiorca (Alarcão, 2004). A respeito desta questão, é importante referir que durante a Idade Média existiriam diversos portos na região, uma vez que, segundo Jorge de Alarcão, a zona de Santa Olaia era denominada de Angliata, que poderá ter derivado de Anguluata, com o sentido de «local onde havia muitos ancoradouros» (Alarcão, 2004), o que

Fig. 11 – Mapa de uso e capacidade de solos.

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atesta a importância do local. Assim, as transformações ao nível da própria paisagem, como o desaparecimento da vegetação acima descrita, levaram a que hoje toda a zona envolvente esteja vocacionada para a produção agrícola, aproveitando os terrenos anteriormente inundáveis, que faziam parte do estuário do Mondego, os chamados aluviões do Mondego . Estima-se que, entre os solos que fazem parte da bacia hidrográfica do Mondego, cerca de 32% sejam de uso agrícola, principalmente arroz e milho, e 64% de uso florestal, o que comprova a fertilidade e importância económica para a região. Outra transformação importante tem a ver, exactamente, com os aluviões, territórios que há milhares de anos se encontrariam inundados, ocupados pelas águas marítimas e/ou fluviais, e onde se depositaram sedimentos, que

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contribuíram para a fertilidade dos terrenos, e que pelo recuo das águas do mar se encontram hoje a descoberto. A comprovar esta situação temos a existência de uma abundante quantidade de valvas de moluscos, num raio de alguns quilómetros em redor de Santa Olaia (Rocha, 1971). Sobre esta temática foi efectuado um mapa, a partir da informação vectorial da Carta de Capacidade de Uso de Solos do Instituto do Ambiente (Fig. 11), onde facilmente se conclui da riqueza dos mesmos, e se comprova que grande percentagem dos solos que englobam os concelhos da Figueira da Foz, Montemor-o-Velho e Soure, são de classe A, ou seja, solos com poucas ou nenhumas limitações, sem riscos de erosão e susceptíveis de uma utilização agrícola intensiva e variada, como são conhecidos os campos agrícolas do baixo Mondego. Uma vez mais, a concentração principal destes solos de melhor qualidade abrange os concelhos que confinam na bacia sedimentar do Mondego, assim como os seus principais afluentes. Ao sobreporlhe a shapefile identificativa dos aluviões do Mondego, retirada do site do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, (SNIRH), verifiquei que esta coincide com a bacia do Mondego, onde se concentra a maior percentagem de solos classe A (Fig. 12). Estes solos, também classificados pelo tipo de fluvissolos (Fig. 13), caracterizam-se por serem solos geneticamente jovens, azonais em depósitos aluvionares, ou seja, são solos que possuem

Fig. 12 – Mapa de uso e capacidade de solos, com a shapefile alu iões do Mo dego so reposta.

características diferentes dos que existem na região envolvente, formados sobre leitos de aluvião. São fluvissolos êutricos de pH (em

H2O)> 5,7 e que também podem ser associados a fluvissolos calcários, com uma classe de permeabilidade alta (Feijó et alii, 2011). Assim se confirma a relação directa entre o antigo estuário do Mondego e a fertilidade dos terrenos, que o recuo das águas deixou a descoberto, e transformou em férteis campos agrícolas. É uma relação em cadeia, que parte do estuário do rio Mondego, para a formação dos aluviões, após o recuo do mar, e por fim a formação dos fluvissolos, dependentes do rio, que durante milhares de anos ocupou estes territórios, para a sua elevada fertilidade.

Durante a Proto-história, tanto a linha da costa como os estuários dos grandes rios seriam consideravelmente diferentes do que são na actualidade. Suzanne Daveau concluiu que «tendo o mar penetrado muito para o interior ao longo dos vales, que os rios tinham profundamente escavado durante o período glaciárico. Construíram-se assim grandes estuários, verdadeiros braços de mar, que são hoje em boa parte preenchidos pelos aluviões» (Daveau, 1995 apud Arruda, 2000). Por aqui facilmente se conclui que grandes áreas do litoral correspondem na verdade a costas de

Fig. 13 – Mapa dos tipos de solos.

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emersão, zonas que durante milhares de anos se encontravam debaixo de água. Foi o recuo do mar e, consequentemente, dos rios, que permitiu a formação dos aluviões e consequentemente dos fluvissolos. Durante a Idade do Ferro, toda a vida económica era dominada pelo rio Mondego e pelas jazidas de minério oriundas da Beira Interior. Após uma observação à carta de minas, podemos constatar que a região envolvente a Santa Olaia é pobre em minérios. Como dito anteriormente, este minério, principalmente estanho e ouro, era trazido por via fluvial através do Mondego desde a Beira Interior, até Santa Olaia, onde era depois transformado e exportado pelos fenícios aproveitando a ligação privilegiada entre o rio Mondego, o Oceano Atlântico e seguidamente o Mediterrâneo. Da ocupação fenícia, foram localizadas duas grandes áreas dedicadas à actividade metalúrgica, uma no planalto superior, outra na zona ribeirinha, esta com cerca de 1000 m2 de área, com diversas estruturas de combustão, divididas em sete tipologias. Juntamente com o numeroso espólio cerâmico, podemos imaginar a fervilhante ocupação sofrida, assim como a grande importância que os fenícios terão dado a este povoado.

Conclusão

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A área alvo deste estudo foi ao longo de milhares de anos palco de inúmeras transformações, operadas quer pelo Homem quer pela natureza, que a sua localização, entre um ambiente fluvial e marítimo, não favoreceu. A paisagem transformou-se, o povoado seguiu essas transformações, e a aplicação das ferramentas SIG sobre a paisagem actual leva a que tiremos as nossas conclusões, as conclusões de hoje, e não de um passado do qual se tem muito pouco conhecimento. No entanto, após a produção dos mapas, verifico que diversas conclusões se encaixam e se

relacionam, levando a pensar que, talvez, essas mesmas conclusões não sejam assim tão erradas. A bacia de visão poderá não ser a mais correta, não só pelas alterações ao nível da cobertura vegetal, mas também pela erosão sofrida ao nível dos solos das planícies ou das pequenas elevações, principalmente após o desaparecimento dessa mesma cobertura que protegia o solo. Em termos de conclusões que se relacionam, os casos mais flagrantes dizem respeito ao antigo estuário do Mondego. A área inundável, abaixo dos 15 metros, que coincide com área de formação dos aluviões e, consequentemente, com a área de formação dos fluvissolos, leva a pensar que, talvez, as principais transformações se terão operado ao nível da paisagem visível, mas que o solo ainda preserva marcas originais de tempos passados.

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Um novo contributo ao Megalitis o e Pe afiel. Os SIG enquanto instrumentos de prospecção e confluência de dados Inês Soares

Introdução Os SIG enquanto ferramentas de armazenamento, análise e reprodução de dados, caracterizam-se por sistemas usados no tratamento de informação geográfica. Têm como funcionalidade a produção de mapas baseados em dados geográficos previamente armazenados de modo a serem utilizados em múltiplas análises espaciais. Uma análise que pode ter em conta a sobreposição de distinta informação em numerosas camadas. Assim sendo, o trabalho que se segue surgiu de modo a aplicar os conhecimentos adquiridos ao longo do último semestre, na temática dos SIG aplicados na Arqueologia. Tornou-se assim possível elaborar um trabalho assente na aplicação destas ferramentas ao território e aos monumentos, tendo por base a pouca informação bibliográfica que existe sobre a região em estudo, na tentativa de produzir novos contributos sobre a alçada de instrumentos possuidores de uma linguagem inovadora. A temática a ser abordada e analisada remete ao fenómeno megalítico do Entre Douro-Sousa e Tâmega, o actual território do Concelho de Penafiel. Este fenómeno pouco estudado na região em causa aparenta uma notável potencialidade, a contar pelo imenso número de monumentos existentes e apesar da falta de prospecções intensivas. Infelizmente o cenário destes monumentos é degradante e praticamente todos os enterramentos descritos sofreram e sofrem violações, impactos agrícolas ou mesmo destruição com base na readaptação/reaproveitamento ou por via de construções.

Objectivos e problemática do tema

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Os dados obtidos no século passado são muito limitados. A falta de escavações, de prospecções e de salvaguarda do património arqueológico é

colossal. Estes monumentos são um dos muitos patrimónios que se encontram pelo país fora à mercê do tempo, do desgaste e da destruição do homem. É neste seguimento que a organização deste trabalho irá assentar em três pontos essenciais. Primeiro, uma breve caracterização do actual Concelho de Penafiel tendo como base a sua implantação geográfica, geológica e os respectivos recursos naturais. Segue-se a exposição dos monumentos com a descrição dos seus posicionamentos no território. E por fim será executada a análise do conjunto ou de cada monumento isolado, de acordo com as ferramentas SIG. Após abordados os dados essenciais de acordo com os instrumentos SIG serão formuladas as devidas conclusões.

O território 1. Geografia e geologia: potencialidades naturais.

as

Portugal é mediterrâneo por natureza, atlântico por posição (Pequito Rebêlo, 1929: 55 apud Ribeiro, 1945: 58)

Nesta breve caracterização, o espaço deverá à partida ser observado sem contar com quaisquer divisões políticas recentes que, em nada auxiliam o entendimento das dinâmicas das comunidades pré-históricas. Todavia, subjacente aos limites propostos neste trabalho, tonou-se essencial e necessário optar por uma região irreal mais restrita, uma vez que seria demasiado extenso estudar e observar todo o noroeste peninsular. Assim sendo, o actual território de Penafiel, organizado segundo uma política jurídicoadministrativa recente , é o espaço seleccionado para o estudo que se segue, destinado às dinâmicas do fenómeno megalítico. A escolha desta região, e não de outra do noroeste peninsular, surgiu após a leitura de um

artigo de António Cunha Leal (1987/88) que invoca ao caracter monumental presente nesta faixa nortenha, assim como relembra a falta de estudos capacitados para produzirem mais conhecimentos sobre o fenómeno megalítico em terras do Norte. O moderno território penafidelense localiza-se na província do Douro Litoral, pertence ao distrito do Porto (Fig. 1) e situa-se concretamente «entre os rios Sousa e Tâmega, estendendo-se de norte para sul, em cuja extremidade encontra o Douro» (Jorge, 1982: 520). Faz parte da cadeia de relevos do Maciço Antigo primário que ocupa mais de metade do território português e é formado por rochas eruptivas metamórficas e sedimentares antigas, é ainda uma região sujeita à circulação de massas de ar marítimo (Varela, 1983: 228). Apresenta em predominância os Cambissolos1 «derivados da meteorização dos granitos e condicionados, na sua utilização, pelas condições do relevo». Nesta zona observam-se também representados os xistos, principalmente do Câmbrico e do Pré-câmbrico (Varela, 1983: 230). É uma região fértil, rica em recursos naturais com vários afluentes hidrográficos e grande proximidade às minas de ouro (de exploração romana2) da serra de Banjas e Valongo (Soeiro, 2005:9). Esta área é dominada por uma grande densidade populacional, caracteriza-se ainda pela abundância de chuvas (Ribeiro, 1945: 202) e por ser uma zona típica de Pinheiro Bravo (Ribeiro, 1945: mapa III) e cultivo predominante do milho e da Oliveira (Idem: mapa IV).

1

«Solos de textura arenosa, caracterizados por uma profunda meteorização da rocha-mãe, os granitos» (Varela, 1983: 230). 2

«A romanização manifestou-se em todo o território

Português por uma profunda transformação das paisagens e modos de viver» (Ribeiro, 1945: 86).

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Fig. 1 – Enquadramento geográfico e administrativo do Concelho de Penafiel na Carta de Portugal Continental (1:500.000).

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É um espaço marcado por montanhas, vales e planícies, o território de Penafiel alberga cordilheiras que marcaram os pontos predilectos de ocupação humana desde o Neolítico até ao período Medieval, como nos diz Simão Ferreira: «Cinco Kilometros distante da actual cidade de Penafiel, para o lado nascente, sobre a freguesia de Santo Adrião de Canas de Duas Egrejas, está o nome de Perafita – e por cima o monte da Lagoa, de onde se avistam as cotas do Porto a distancia de quarenta Kilometros. Para o lado de Entre-os-Rios desce uma cordilheira, como contraforte desta serra, e vae terminar na freguesia de Santo Estevão de Oldrões, onde passa a estrada real nº36 de Guimarães a Entre-os-Rios, e n esta cordilheira está o Castello de Penafiel de Canas» (Ferreira, 1875: 5). Actualmente, o concelho de Penafiel encontra-se subdividido em 28 freguesias e é rodeado pelos rios Tâmega (a leste), Sousa (a oeste), Douro e Mau (a sul), Cavalum (a norte) assim como, por

uma série de pequenos afluentes entre os quais se destacam a Ribeira de Lagares (a sudeste) que nasce em Pleno Monte Mozinho3, a Ribeira de Matos e a Ribeira da Laje (a sudoeste) as duas com nascente nos limites das freguesias de Duas Igrejas e Luzim, e por fim a Ribeira da Bufa na parte norte do concelho, como se verifica no mapa da Figura 2. Todo o território englobado pelos actuais limites do Concelho de Penafiel encontra-se fortemente ocupado desde tempos neolíticos, como mais à frente será possível observar esta forte diacronia humana que tem subjacente.

2. O Neolítico entre Sousa–Douro e Tâmega Localização actual dos monumentos e o fenómeno megalítico 3

Importante estação arqueológica de cronologia romana e de tradição castreja.

Será desde logo importante salientar que face aos limites propostos para esta abordagem, não ocorrerá a explicação sucinta de cada monumento megalítico, todavia, de acordo com os objectivos propostos inicialmente serão enumerados os principais monumentos segundo o enquadramento cronológico do Neolítico. Deste período da Pré-história são 36 os monumentos que actualmente constam no PDM

Fig. 2 – Divisão administrativa do Concelho de Penafiel.

e no Site do Portal de Informação Geográfica 4 da Câmara Municipal de Penafiel, na aba do património, sítios arqueológicos. Bibliograficamente foi possível atestar outros prováveis locais que pela toponímia ou por relatos orais asseguram a presença de mais monumentos neste território. Os 36 sítios que constam no Site Portal de Informação Geográfica da Câmara Municipal encontram-se distribuídos por 11 das 28 freguesias que constituem o concelho (Fig. 3). São monumentos enquadrados no fenómeno da arquitectura megalítica e da arte rupestre. «No fim do Neolítico e no começo da época do Bronze, um fermento de vida local levedou neste perdido ocidente, com os construtores de dólmens, cuja área se calca, com notável exactidão, sobre o que podemos considerar a fachada atlântica da Península… Mas as relações desta cultura são menos com o centro da Ibéria ou com o Levante mediterrâneo do que com outras finisterras atlânticas – a Bretanha, o País de Gales, a Irlanda, a Escócia – prelúdio de uma vocação de remotos caminhos do mar. E por alguma razão da terra, mais poderosa que inexplicáveis coincidências, estes mesmos litorais serão os últimos redutos da ocupação céltica fortemente marcada na

4

Portal de Informação Geográfica. In Câmara Municipal de Penafiel. Disponível em Url: http://sig.cmpenafiel.pt/sigpenafiel.net/.

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religião e nos usos dos povos do Oeste peninsular» (Ribeiro, 1945: 160-161). Nestes locais identificam-se conjuntos megalíticos ou monumentos individuais que, de acordo com a sua implantação topográfica, se encontram tal como nos refere Vítor Oliveira Jorge (1982: 520-536), ramificados em dois grandes conjuntos: o primeiro localizado na cordilheira que liga a Serra da Boneca ao Monte Mozinho e o segundo confinado entre as serras de Luzim e Perafita. Na verdade aparentam ser dois conjuntos dos quais pouco sabemos, pois nenhum dos 36 locais foi sujeito a escavações, à excepção de umas mamoas junto do Monte Mozinho que, segundo nos alega Vítor Oliveira Jorge, foram submetidas a escavações pelo Instituto de Antropologia da Faculdade de Ciências do Porto, nos anos 30 do século passado, embora os resultados nunca tenham sido publicados (Jorge, 1982: 520).

podium seja o que resta de um tumulus megalítico» (Leal, 1987/88: 82). Segue-se a necrópole de Santa Luzia (Fig. 3), que consta de duas mamoas (situada nos limites das freguesias de Canelas e Eja). Nas imediações das anteriores observa-se o conjunto megalítico da Plaina do Loureiro que actualmente consta de 9 monumentos, mas a possibilidade de ter maiores dimensões não se encontra descartada (situa-se nas freguesias de Figueira e Portela). É interessante ainda observar no mapa da Figura 7 que este conjunto se localiza junto à nascente do Rio Mau. De seguida constam os cinco monumentos que actualmente compõem a necrópole da Tapada da Silveira (Ordins, Lagares). A poucos quilómetros encontramos a necrópole da Cruz da Giesteira composta por três monumentos (Freguesia de Valpedre). Ainda nas proximidades encontra-se a necrópole do Alto do Convento das Freiras (entre

Fig. 3 – Mamoa 2 da Necrópole de Santa Luzia.

Fig. 4 – As Pegadinhas de São Gonçalo de Luzim.

Destes sítios constam respectivamente a Mamoa de Pegureiros: achado isolado na Freguesia de Canelas, provavelmente onde se encontra actualmente a «Capela de S. Pedro de Pegureiros, no ponto mais alto do esporão norte da Serra da Boneca, a uma altitude absoluta de 496 m e implantada num podium circular com cerca de 27 m de diâmetro, formado por terra e pedras de dimensões médias, sendo possível que o referido

as freguesias de Figueira e Valpedre). Consta também a mamoa de Castilhão (localizada nas freguesias de Peroselo, Oldrões). É nesta sequência que se desencadeia o conjunto megalítico de Luzim, composto pela necrópole da Tapada de Sequeiros, as gravuras rupestres da Tapada de Sequeiros (também conhecidas como Pegadinhas de São Gonçalo: Fig. 4), pelas gravuras rupestres de Lomar e pelo extraordinário e importante menir de Luzim (Fig. 5) (os

monumentos encontram-se nos limites da freguesia de Luzim). Segue-se o conjunto megalítico do Chocal, composto por três monumentos (freguesia de Vila Cova); ainda as mamoas da Brenha (freguesia de Santa Marta e Croca); e por fim o dólmen da Portela (Fig. 6), também conhecido como Anta de Santa Marta ou Forno dos Mouros (freguesia de Santa Marta, Penafiel), que é Monumento Nacional desde 1910 e conjuntamente com o menir de Luzim formam os monumentos mais importantes destes 36 mencionados. «As antas, com differentes nomes, teem sido muito estudadas e investigadas em França, )nglaterra e outros paizes. … A uma dolmen que existe perto de Penafiel, chamam os povos d estes logares forno de mouros, porque para o povo e seu genesis historico, que ainda sabe pela tradição, é a conquista dos mouros, e a eles attribue tudo. … Um dos specimens d estes menires, pedras quadradas que ainda se conservam no concelho de

Estes monumentos, tal como o nome indica – mega + líticos - correspondem a estruturas de grandes dimensões construídas por enormes blocos de pedra que, com o tempo, foram adquirindo um significado concreto junto de um horizonte cultural cuja expressão máxima é uma arquitectura funerária e religiosa. Esta expressão cultural, designada de fenómeno megalítico, de certa forma identifica-se com o período Neolítico, não sendo, contudo, improvável a sua construção ou reutilização em épocas posteriores (Leal, 1897/88: 37). Diz-nos César Parcero Oubiña e Felipe CriadoBoado que no período anterior a 4500-5000 a.C., não há grandes registos no que se concebe aos vestígios de assentamentos ou sepulturas monumentais. É essencialmente no período que decorre entre 4500-2700 a.C., que se observa este grande desenvolvimento da arquitectura megalítica (Oubiña et alii, 2012: 5). Esta manifestação funerária e cultural em grande

Fig. 5 – Menir de Luzim.

Fig. 6 – Dólmen da Portela.

Penafiel, é o marco de Luzim, na freguezia d este nome. Perto d este marco, para o lado do sul, houve muitos outros, que foram arrancados dos seus mamillos e postos pelos montes visinhos a marcar sorttes de matto. Em algus mamillos apparecem carvões, indicio de serem memorias sepulchraes d aquella época, e os cadáveres consumidos por combustão. … » (Ferreira, 1875: 12-15).

número é acompanhada de uma pequena quantia de assentamentos humanos conhecidos e pouco dominados. É uma arquitectura que abrange duas tipologias diferenciadas, por um lado é composta pelos menires, e por outro pelos dólmens, ambos os monumentos com uma forte componente religiosa e fúnebre. 53

Fig. 7 – Localização dos monumentos megalíticos na região de Penafiel.

A existência de menires é a grande novidade no Megalitismo nortenho, todavia, este fenómeno começou a ser estudado apenas nos anos 70 do século passado (Silva, 2003: 269). Anteriormente a estas datas apenas se conheciam alguns achados (poucos) e algumas referências provenientes de prospecções de estudiosos como Martins Sarmento (Silva, 2003: 270). 54

Com avanço de alguns projectos de investigação5, foi-se alterando um pouco a ideia de que o Norte era relativamente pobre neste tipo de fenómeno. Contudo, é necessário estudar mais afincadamente esta região que, como nos

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Por exemplo o Projecto de Estudo da Serra da Aboboreira (Amarante, Baião) ou o Projecto da Serra de Campelos, Lousada.

diz Eduardo Silva, tem estado «adormecida» (2003: 275). Em verdade, é de salientar-se que nestas sociedades, os construtores dos monumentos foram, como lhes chama Vítor Oliveira Jorge, «autênticos arquitectos paisagistas» que «construíram uma paisagem cultural, marcada pela memória colectiva, pontuada pelos túmulos dos antepassados a quem decerto prestavam culto» (Jorge, 1987: 285). Reforçando estas palavras, Orlando Ribeiro já nos dizia, quase quarenta anos antes, que «as construções de pedra imprimem na paisagem, quási por toda a parte, uma das mais fundas marcas humanas» (Ribeiro, 1945: 143). O espaço, enquanto meio físico da acção humana, é também um meio social, construído pelo homem para o homem, e o ambiente cultural, a paisagem do período do Neolítico e da Idade do Bronze, reflecte um espaço enquanto meio pensado e simbólico que se manifesta na interacção entre a arqueologia ambiental, a paisagem social e a paisagem imaginada (CriadoBoado, 1999: 6). O sociólogo J. William Lapierre disse que «quanto mais uma sociedade é constrangida a inovar, mais ela tende a organizar o seu sistema político» (apud Leal, 1887/88: 37). Este momento cronológico e o fenómeno megalítico subjacente apresentam-se como a ocasião de «crescente domesticação, a expressão de uma nova economia, momento de uma nova relação da sociedade com a natureza caracterizado por uma transformação sistemática e progressiva». É uma época de fissura radical com a ordem cultural, assente num processo de modificação e exploração do espaço físico e do corpo social (Criado-Boado, 1999: 34). Esta nova forma de estar no mundo, representada pelo aparecimento da arquitectura monumental, implica uma nova maneira das comunidades se relacionarem com a natureza. A paisagem social deste período é a expressão e materialização prática deste universo conceptual.

«A arquitectura é uma tecnologia de construção da paisagem social que mediante dispositivos artificiais domestica o mundo físico introduzindo monumentos arquitectónicos no espaço natural para ordena-lo segundo referencias culturais, mas também controlando e impondo a percepção do meio por parte do individuo que o usa» (Criado-Boado, 1999: 34-35). Felipe Criado-Boado diz-nos que estamos perante a primeira arquitectura artificial feita para dominar o espaço e superar o tempo, «um dispositivo, a tecnologia mediante a qual se expressaram e construíram novas formas de representação do espaço, adaptadas a um novo padrão de racionalidade», «a domesticação do pensamento inaugura o processo de aculturação da natureza» (Idem, 1999: 34-35). Voltando ao caso específico do concelho de Penafiel sabemos portanto que estes monumentos nunca foram sujeitos a intervenções e são pouquíssimos os dados relativos à sua existência, porém, tendo por base a capacidade de manuseio das ferramentas SIG adquirida durante deste seminário de Mestrado, foi possível acrescentar mais algumas conclusões ao pouco que tem sido feito. É ainda de referir que no Museu Municipal de Penafiel encontra-se o escasso espólio deste período, provavelmente associado a alguns destes monumentos, resume-se a 4 micrólitos, 3 lâminas, 4 machados e 3 enxós.

3. Ferramentas SIG: Uma abordagem paisagista 3.1. Heatmap: concentração de monumentos A maior concentração de monumentos megalíticos localiza-se na zona sudoeste do concelho junto ao conjunto megalítico do Loureiro, como é possível verificar na Figura 8. Actualmente, este conjunto consta de nove monumentos. Vítor Oliveira Jorge indicou apenas sete casos (1982: 532-534). Mas a possibilidade

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deste conjunto ter abrigado maior número de enterramentos, não é de todo descabida. Sabemos que outrora foram feitas menções a muitas mamoas nas redondezas do monte do Loureiro, nomeadamente no sítio da Tapada do Dr. Baltar e no Lugar de Casal da Avó, freguesia de Eja. Este conjunto, para além de ser o que possui maior número de monumentos, encontrase também muito próximo das mamoas de Santa Luzia e de São Pedro de Pegureiros. A segunda maior concentração observada corresponde aos monumentos junto ao conjunto megalítico de Luzim, localizado na parte leste do concelho. Este conjunto consta actualmente de um menir, de gravuras rupestres e de cinco mamoas. Vítor Oliveira Jorge assinalou a existência de sete mamoas (1982:526-527) e nos anos 70 do século XIX, Simão Ferreira remete-nos para a existência de mais menires: «Um dos specimens d estes menires, pedras quadradas que ainda se conservam no concelho de Penafiel, é o marco de Luzim, na freguezia d este nome. Perto d este marco, para o lado do sul, houve muitos outros, que foram arrancados dos seus mamillos e postos pelos montes visinhos a

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marcar sorttes de matto. Em algus mamillos apparecem carvões, indicio de serem memorias sepulchraes d aquella época, e os cadáveres consumidos por combustão» (Ferreira, 1875: 1215). Por fim, um terceiro aglomerado de monumentos identifica-se na zona ocidental do concelho, remetendo para a necrópole da Tapada da Silveira. Este conjunto megalítico e o da Cruz da Giesteira formam actualmente os monumentos pré-históricos mais próximos do castro do Monte Mozinho que, aliás, é referido desde cedo como local de ocupações préhistóricas. A possibilidade da área entre o conjunto da Cruz da Giesteira, o Monte Mozinho e o conjunto da Tapada da Silveira ter albergado mais monumentos e poder ser um só conjunto concentrado nesta região deve ser tida em conta. Na área nordeste do concelho concentra-se ainda um quarto conjunto composto pelas mamoas da Brenha e do Chocal.

Fig. 8 – Heatmap das áreas de maior concentração de monumentos funerários.

3.2 Substrato geológico dos monumentos megalíticos Esta região, como já referi, pertence ao Douro Litoral e esta implantada no Maciço Antigo. Ao longo das distintas fases geológicas foi materializando várias camadas sedimentares. A Era Paleozóica faz-se representar em minoria no concelho de Penafiel, todavia sob três distintos sedimentos (Fig. 9): o Silúrico (S) em pequena percentagem na freguesia de Lagares, sem

nenhum monumento associado, até agora conhecido; o Ordovícico também numa percentagem limitada, presente no sul do concelho, na freguesia de Canelas; e o Complexo Xisto grauváquico em maior representatividade essencialmente nas freguesias de Canelas e Capela. Sobre os sedimentos do Complexo Xisto grauváquico é possível observar-se a implantação de um monumento megalítico, a mamoa de Pegureiros. Porém, como já anteriormente referi,

Fig. 9 – Carta Geológica de Penafiel com os monumentos megalíticos.

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é provável que a capelinha construída em 1666 esteja situada sobre o podium circular que resta do túmulo megalítico que ali existiu. Sendo este o único monumento implantado nesta área do Complexo Xisto grauváquico, seria importante perceber desde logo o material subjacente à sua construção. No caso de esta mamoa ter sido construída por blocos e pedras graníticas, iria implicar desde o princípio uma organização cultural, e um sentido de inovação do espaço. Tentei encontrar este monumento pelas coordenadas que a plataforma web SIG da Câmara Municipal de Penafiel fornece. Porém, nesse local referenciado é à partida muito improvável que lá se localizasse o monumento. É um sítio de fisionomia topográfica em vale e nada aplanado. A cerca de 80 metros do local, no topo de monte, local também improvável, mas plano, encontra-se a capela de São Pedro de Pegureiros, que em verdade assenta sobre um podium com cerca de 27 metros de diâmetro. Em conclusão, provavelmente Cunha Leal está correcto ao afirmar que a capela foi edificada no local da mamoa e o podium é que dela resta (1987/88: 82). Na Era do Holocénico desenvolve-se o Maciço antigo e por sua vez os complexos de granito, que nesta região se fazem representar pelas Rochas Eruptivas, Hercínicos, Granitóides Ante Vestefalianos - Granitos Alcalinos (Y2), e Granitóides Pôs- Estefanianos - Granitos calco alcalinos (Y3). É sobre os sedimentos graníticos que se localizam a grande maioria dos monumentos, como é possível observar no mapa da Figura 9. Todos eles são construídos à partida em granito. Apenas nos chegou uma breve menção de um «dólmen formado por fortes blocos de ardósia existente no lugar de Santa Maria do Banho, freguesia do Pinheiro» (Abílio Miranda [1955] - Terra de Penafiel. O Penafidelense. Vol. 4, apud Jorge, 1982: 521). Este monumento não existe actualmente e a hipótese de ter sido mesmo um dólmen é muito questionada e «é pouco provável que … fosse

um dólmen, até porque a região em questão é exclusivamente granítica» (Leal, 1987/88: 61).

3.3. Capacidade dos Solos: conexões com o habitat É importante analisar a implantação dos monumentos, não apenas relativamente ao substrato rochoso, mas também em comparação com a capacidade dos solos. «The archaeologist needs to take fertility and management of the soil into account in his consideration of the economy and way of life the people he is studying, and he needs to understand it in order to interpret material remains whose distribution and condition may have been affected by soil processes. The soil scientifics needs to draw upon the time-scales, the history of land use and the evidence of past soil conditions which can be provided by archaeology. Soil science and archaeology together contribute to the study of the landscape ans its population» (Susan Limbrey, Soil Science and Archaeology apud Anta et alii, 1998: 65).

De acordo com o mapa da Figura 10, os monumentos megalíticos de Penafiel encontramse todos em solos de Classe F, solos não agrícolas. A relação dos monumentos megalíticos com os solos e com a comunidade construtora parece vincular-se, porém este vínculo deverá sobretudo ser estabelecido entre as comunidades construtores e as estruturas megalíticas ou as comunidades construtores e os solos. Segundo alguns estudos elaborados na Galiza, por investigadores como Criado-Boado, Bello Diéguez ou Vásquez Varela, as estruturas megalíticas não têm que se encontrar necessariamente nas proximidades dos habitats. Grande parte das mamoas galegas encontramse até localizadas sobre solos medíocres , solos de fraca capacidade para aproveitamento económico (Vásquez Varela et alii, 1983: 47), situação bastante semelhante àquela que podemos observar em Penafiel.

E digo semelhante e não igual porque o pouco que se conhece nestas terras de Sousa e Tâmega remete apenas para o mundo dos mortos, não se conhecem, ainda, os habitats. Este tipo de solos de Classe F encontra-se normalmente em zonas de relevo acentuado por serem áreas ricas em afloramentos rochosos e, como tal, propícias à extracção de matéria-prima (Idem, 1983: 48). Com isto «Não podemos dizer que a associação dos megalíticos - maus solos seja uma associação determinada por motivações do tipo económico e de aproveitamento da capacidade de produção de alimentos do

espaço» (Idem, 1983: 48), antes dizer que esta associação é talvez apenas consequência da estreita relação e correspondência entre megálitos e condicionantes geológicas/matériaprima. Neste seguimento, seria um estudo aliciante analisar a relação das mamoas com os solos que estão nas suas imediações, por haver a possibilidade de «serem os solos nas imediações das mamoas, as zonas habitadas e ocupadas pelas comunidades construtoras» (Idem, 1983: 48).

59 Fig. 10 – Carta da capacidade de solos de Penafiel com a implantação dos monumentos megalíticos.

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Fig. 11 – Carta da Capacidade dos Solos com buffers aos monumentos megalíticos e às linhas de água.

Nos mapas da Figura 11 estabeleci duas relações através do cálculo de dois buffers com proposições distintas. Primeiro criei um buffer de 1000 metros à volta de todos os monumentos megalíticos, agregando os resultados de proximidade. Conclui deste mapa, à semelhança de Felipe Criado-Boado nos monumentos da Galiza, que os monumentos megalíticos de Penafiel aparecem, independentemente do lugar onde se situam, também em zonas muito próximas a terras de capacidade agrícola e aptas ao cultivo. Observando o buffer de 1000 metros verifica-se que todos os monumentos estão a cerca de 1 km das zonas com solos de Classe A e C - solos férteis e aptos à sua ocupação e habitação. Com a criação de outro buffer de 500 metros aos rios, percebi que para além das terras serem férteis, todas as zonas aptas à agricultura possuem nas proximidades bons recursos hídricos. «A maior capacidade de sustentação do território, relacionada com as boas condições dos solos favorece uma constante ocupação do mesmo» (Vásquez Varela et alii, 1983: 49). Não sabemos se era nas terras actualmente de Classe

A e C que se situavam as zonas de habitação dos construtores dos megálitos, mas sabemos que a distribuição destas populações estaria fortemente vinculada com as terras aptas a suportar a actividade e ocupação humana (Idem, 1983: 50), «nas zonas onde as características dos solos não permitem nenhum tipo de aproveitamento intensivo e rentável, não se assentaram comunidades megalíticas» (Idem, 1983: 50). É contudo de ter em conta que as principais dificuldades num estudo da relação de distribuição dos monumentos funerários pelos

tipos de solos, deriva das características do próprio solo. Se entendermos o solo como um complexo vivo, evolutivo e condicionado por factores climáticos, faunísticos e geológicos, existe a hipótese dos solos terem sofrido alterações ao longo dos milénios que «nos separam do fenómeno megalítico». Destes factores apenas o geológico permanece intacto, a vegetação e o clima podem ter sofrido alterações que influenciaram de alguma forma a sustentabilidade dos solos (Bello Diéguez et alii, 1982: 115). Porém, em verdade, não é apenas no concelho

Fig. 12 – Implantação dos monumentos megalíticos dos concelhos envolventes a Penafiel, na Carta da Capacidade dos Solos.

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de Penafiel que se verifica a localização dos enterramentos em solos de Classe F. No mapa da Figura 12 procedi à recolha das coordenadas WGS 84 de todos os monumentos megalíticos que constam do Portal do Arqueólogo6, nos concelhos circundantes a Penafiel (Lousada, Paços de Ferreira, Paredes, Gondomar, Castelo de Paiva, Cinfães, Baião, Marco de Canavezes e Amarante), ou seja, sendo esta uma divisão administrativa contemporânea, tive como objectivo observar a área envolvente ao actual concelho de Penafiel, onde a grande referência territorial que poderia existir na Pré-história é o rio Douro, porque muitos dos seus afluentes ainda hoje no Verão são facilmente transitáveis. As excepções actuais devem-se à construção de barragens, como por exemplo a Barragem do Torrão, que transformou o Tâmega em rio de grandes dimensões nesta região. Porém, antes da construção dessa barragem (em 1989), sei por relatos da população local que o rio era facilmente percorrido a pé em algumas zonas e alturas do ano, nomeadamente no verão. Actualmente o espaço encontra-se intensamente modificado, por isso é que este estudo deve ser integrado dentro de um ambiente cultural, dentro da realidade conceptual que cada cultura faz do espaço, como Felipe Criado-Boado no diz devemos «pensar culturalmente o espaço» Criado-Boado, 1988). Assim, nesta sequência em que considero o rio Douro como a grande marca deste território, introduzi os monumentos megalíticos sobre a Carta da Capacidade dos Solos e verifiquei, a norte do Douro, que salvo os monumentos dos actuais concelhos de Paços de Ferreira e Paredes que se encontram em solos de Classe A ou muito próximos deles, todos os monumentos dos restantes concelhos situam-se em solos de Classe F e alguns próximos a solos de Classe C. Entre estes monumentos destacam-se o conjunto da 6

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Portal do Arqueólogo. In IGESPAR. Disponível em Url:

http://arqueologia.igespar.pt/

Serra de Lustosa, Campelos no Concelho de Lousada, e o grande conjunto da Serra da Aboboreira em Baião, Amarante e Marco de Canavezes. Nos actuais concelhos a sul do Douro: Castelo de Paiva e Cinfães, acontece exactamente o mesmo: existem monumentos em solos maioritariamente de Classe F e alguns bastante próximos de regiões de solos de Classe C, A+C e A+F (Fig. 12). Os enterramentos neste espaço aparecem do mesmo modo que Felipe Criado-Boado descreve para a região do norte de Espanha: «independentemente do lugar onde se situam, em zonas muito próximas a terras de trabalho agrícola e terras aptas a cultivo» (Criado-Boado et alii, 1981: 26).

3.4. Corredores óptimos O cálculo dos corredores óptimos tem por base alguns factores fisicos que influenciam e determinam a «facilidade de deslocação no espaço». Para atingir esta concretização é preciso usar três variáveis que são determinantes para o resultado desta ferramenta. As três fontes de dados fundamentais são a orografia, a hidrografia (o curso dos rios e ribeiros) e a ocupação do solo: esta última muito difícil de obter para estudos de épocas muito recuadas (Osório e Salgado, 2011: 90). Ao empregarmos estas fontes através das ferramentas do software GRASS, procedemos a uma análise espacial raster por meio do «cálculo de potenciais ligações viárias … designadas como corredores óptimos». (Osório e Salgado, 2011: 90). Deste modo, como ponto de partida na metodologia MADO (Modelo de Acumulación de Desplazamiento Óptimo) que compreende a aplicação de um cálculo usual nos estudos de Hidrografia, sobre a qual é estabelecido um ponto de partida mas nunca de chegada (Osório e Salgado, 2011:91), apliquei estas ferramentas

Fig. 13 – Cálculo do MADO a partir dos monumentos megalíticos.

aos monumentos de Penafiel com destaque apenas do caminho máximo de acumulação. Baseada nos monumentos megalíticos conhecidos em Penafiel e a partir de um conjunto de monumentos ou de um ponto intermédio entre eles, calculei a direcção de escoamento , de modo a compreender a relação dos sítios préhistóricos com os pontos de diacronia humana, com os actuais caminhos rurais e com as diferentes áreas de capacidade de solos. Estes

corredores óptimos propostos têm a vantagem de serem aleatórios , ou seja não foram condicionados. Deste modo, no mapa da Figura 13, após ter calculado os corredores óptimos, sobrepu-los na Carta da Capacidade dos Solos e como seria lógico de prever, os corredores escorrem todos na direcção das áreas agrícolas de solos de Classe A e C, nas imediações dos recursos

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Fig. 14 – Cálculo do MADO dos monumentos megalíticos sobre a diacronia humana.

hidográficos, como já tinha detectado no buffer de 500 metros da Figura 11. Mais uma vez, exprime a lógica dos estudos galegos que localizam os habitats em solos de boas condições e capacidade de sustentação, nas imediações das mamoas, e que podem portanto nesta região portuguesa corresponder às zonas ocupadas e habitadas pelos construtores (Vásquez Varela et alii, 1983: 48). São solos essencialmente implantados em zonas de menor altimetria relativamente aos monumentos funerários. 64

Em seguida, na Figura 14, efectuei a relação dos corredores óptimos com o mapa da diacronia humana da região. Verificou-se que os dois corredores feitos a partir de dois pontos na necrópole da Tapada da Silveira assumem direcções opostas, terminando ambos nas proximidades de sítios da Idade do Ferro e de Época Romana. O mesmo acontece com a necrópole do Alto do Convento das Freiras onde o caminho termina quase sobreposto a um sítio romano. Ainda no caso do conjunto de Luzim observam-se três corredores efectuados individualmente com

Fig. 15 – Sobreposição do cálculo do MADO aos caminhos rurais da região.

coordenadas diferentes, destacando-se os traçados com o máximo de acumulação que, à excepção do caminho feito a partir do menir de Luzim7, os outros dois executados a partir das mamoas, terminam nas redondezas de sítios romanos e da Idade do Ferro. Em conclusão destas observações verificamos que algumas comunidades da Idade do Ferro e do período romano tinham preferência por solos férteis e capacitados para o sustento. Não sabemos a cronologia dos monumentos funerários em análise, pois como já foi dito nenhum deles foi sujeito a escavações nem a análises cronológicas. A possibilidade destes monumentos terem sido construídos ou reocupados em épocas posteriores aos períodos 7

A localização exacta da necrópole da Tapada da Silveira, da necrópole do Convento das Freiras, do menir de Luzim e respectivo conjunto megalítico pode ser revista no mapa da Figura 7.

do Neolítico ou Calcolítico, entendidos entre a Idade do Bronze e a Época Medieval é uma hipótese bastante válida, assim como é válida a possibilidade de estes locais da Idade do Ferro e romanos, terem reocupado espaços antes habitados por comunidades do Neolítico, Calcolítico ou da Idade do Bronze. Na região em estudo sabe-se que a mamoa 2 da necrópole da Cruz da Giesteira, descrita no levantamento dos anos 80 efectuado por Cunha Leal (1987/88), após ter sido cortada por um caminho, que permitiu a sua leitura estratigráfica, forneceu no estrato 3 (camada de «vegetal antigo, corresponde ao nível em que se encontraria o terreno quando o monumento foi edificado») um fragmento cerâmico «que pelas suas características parece pertencer ao mundo dos vasos característicos da Idade do Bronze, o que colocaria este monumento como bastante tardio» (Leal, 1987/88: 61).

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E é neste seguimento que a hipótese destes monumentos poderem estar correlacionados com períodos posteriores é tão válida quanto alguns corredores de acumulação óptima terminarem nas proximidades de sítios da Idade do Ferro ou de Época Romana. E para rematar esta abordagem da ferramenta MADO, correlacionei os corredores óptimos com os caminhos rurais existentes actualmente em Penafiel, nas proximidades dos dois maiores conjuntos megalíticos da região (Fig. 15). Como fonte para o traçado destes caminhos rurais utilizei um raster obtido no site da Câmara Municipal de Penafiel, no qual consta a localização dos monumentos e as vias de comunicação rurais do concelho, tendo sido devidamente incorporado no projecto através da ferramenta matricial do Georreferenciador . Posteriormente desenhei os caminhos das imediações dos conjuntos de Luzim e do Loureiro num novo shapefile e só depois sobrepus a estes caminhos rurais os corredores óptimos, para tentar entender se existia alguma correlação. Como é possível observar no mapa da Figura 15, no conjunto de Luzim não existe correlação entre os caminhos rurais e os corredores óptimos. No conjunto do Loureiro parece existir uma pequena sincronia, mal definida, entre o corredor de acumulação óptima e um dos caminhos que aparenta acompanha-lo transversalmente.

3.5. Viewshed

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Por via da ferramenta Visibility Analysis", efectuei a análise das bacias de visão dos 36 monumentos megalíticos. Através deste modelo calculei a área que é visível de cada um dos monumentos e o resultado deste cálculo é uma mancha de pixéis que corresponde à região visível do ponto escolhido, como é possível verificar na Figura 16. De modo a facilitar esta abordagem atribui cores específicas a cada bacia de visão dos 6 conjuntos por mim estabelecidos com base nas proximidades dos monumentos.

O conjunto definido a cor-de-laranja corresponde à mamoa de Pegureiros e às mamoas da necrópole de Santa Luzia. O campo de visão deste conjunto é orientado a sudeste e sudoeste, mas é mais amplo para sudeste. São mamoas com cotas de altimetria distintas - a mamoa de Pegureiros encontra-se entre os 450-500 metros de altitude (como é visível no mapa da Figura 17) e as outras duas mamoas da necrópole de Santa Luzia encontram-se a cotas entre os 300 e os 350 metros de altitude. A visibilidade que se alcança a sudoeste pertence apenas à mamoa de pegureiros: a mais elevada no terreno. Não existe visibilidade entre as mamoas de Santa Luzia e a mamoa de Pegureiros e o facto de as ter colocado no mesmo conjunto de bacia de visão deve-se apenas à sua proximidade. O segundo conjunto, por mim estabelecido com cor azul, corresponde ao conjunto megalítico da Plaina do Loureiro. Este conjunto é formado por várias mamoas muito próximas umas das outras e com um amplo campo de visão, orientado essencialmente a leste e a nordeste, sendo mais reduzido para oeste e sudoeste. Todas as mamoas encontram-se implantadas a cotas muito semelhantes entre os 400 e os 450 metros de altitude e algumas são visíveis entre si. O terceiro conjunto que estabeleci com cor-de-rosa compreende os monumentos da necrópole da Cruz da Giesteira e da necrópole do Alto do Convento das Freiras. Mais uma vez decidi agrupar os monumentos pela proximidade. Este é o conjunto de monumentos com o campo de visão mais amplo, orientado para as regiões nordeste, leste e sudeste. Estes monumentos encontram-se a cotas entre os 350 e os 450 metros de altitude e alguns são visíveis entre si. O quarto conjunto assinalado com cor verde corresponde à necrópole da Tapada da Silveira. Estes monumentos possuem um campo de visão orientado a sudoeste, sul e sudeste, porém é mais amplo a sudoeste.

Fig. 16 – Bacias de visão dos monumentos megalíticos.

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Localizam-se a cotas homogéneas entre os 300 e os 350 metros de altitude e alguns são visíveis entre si. O quinto conjunto estabelecido com cor amarela corresponde ao conjunto de Luzim, incluindo o menir e a mamoa de Castilhão. Apresentam um campo de visão orientado a nordeste, leste e sudeste, situam-se a cotas entre os 300 e os 400 metros de altitude e alguns têm visibilidade entre si. O sexto conjunto estabelecido com cor vermelha corresponde ao conjunto do Chocal, às mamoas da Brenha e ao dólmen da Portela. Estes monumentos apresentam um campo de visão orientado a nordeste, leste e sudeste. Encontram-se a cotas variadas, entre os 400 e mais de 500 metros de altitude e alguns são visíveis entre si. Na análise global aos resultados obtidos na Figura 16 verifica-se que os campos de visão estão essencialmente orientados para nordeste, leste e sudeste, com destaque para o campo de visão do conjunto cor-de-rosa que é o mais amplo. Alguns deste conjuntos têm visibilidade para fora dos atuais limites do concelho de Penafiel, neste caso essencialmente para a actual região de Marco de Canavezes.

em traçados por nós escolhidos dentro da região em análise. No mapa da Figura 18 tracei dois perfis orientados de sul a norte, que revelassem o recorte topográfico do maior número de monumentos possíveis. No primeiro perfil, com início no rio Douro, abrangi a mamoa de Pegureiros, o conjunto do Loureiro, a mamoa da necrópole do Convento das Freiras e as mamoas da Cruz da Giesteira. É visível que todos estes monumentos se localizam em áreas planálticas, entre os 350 e

3.6. Perfis Através da aplicação Terrain Profile procedi à elaboração de alguns perfis do território que me possibilitaram outra leitura topográfica da região onde os monumentos estão implantados. Esta ferramenta cria diagramas de altimetria com base 68

Fig. 17 – Mapa da altimetria dos monumentos megalíticos.

Fig. 18 – Dois perfis topográficos das zonas de implantação dos monumentos megalíticos.

69 Fig. 19 – Perfil topográfico sobre mapa da diacronia de ocupação humana no concelho de Penafiel.

os 450 metros de altitude (Fig. 17). É ainda observável que a necrópole do Convento das Freiras se encontra numa plataforma, ligeiramente mais elevada que as restantes. No segundo perfil com início no rio Tâmega, incidi sobre o conjunto de Luzim e o conjunto do Chocal. Mais uma vez os monumentos encontram-se em áreas aplanadas: o conjunto de Luzim com cotas entre os 350 e os 400 metros e o conjunto do Chocal com cotas superiores aos 500 metros. O que se destaca neste perfil é a elevada posição de destaque que o Fig. 20 – Buffers de correlação entre o dólmen de Santa Marta e os sítios da Idade do Bronze. conjunto do Chocal apresenta sobre os aplicação Point Sampling Tool8. Ou seja, existe restantes. Este conjunto é de todos os aqui uma constante de localização dos monumentos abrangidos pelos dois perfis, monumentos entre os 300 e os 400 metros de aquele que se encontra na plataforma mais altitude. elevada do Concelho. Segundo as referências mais contemporâneas 3.7. Diacronia Humana - do Neolítico à Idade datáveis dos anos 80 (Jorge, 1982; Leal, 1887/88) Média estes monumentos encontram-se num estado de degradação péssimo. Porém se pensarmos Usando ainda como referência a ferramenta culturalmente e imaginarmos os monumentos na Terrain Profile, formulei no mapa da Figura 19 um íntegra tendo como base estes perfis, perfil da região do actual concelho de Penafiel, verificamos que todos os monumentos assumiam orientado de sudoeste para nordeste. Através algum destaque na paisagem envolvente. No desse perfil é observável que a região é entanto, as mamoas do Chocal, dada a sua demarcada ao centro por um acentuado vale que posição dominante, aparentam uma ascendência separa duas grandes serranias. Posteriormente, perante os restantes monumentos. Sabemos que com base nas coordenadas da plataforma web estes monumentos se encontram entre cotas do SIG da Câmara Municipal de Penafiel, altimétricas de 303 a 537 metros, de acordo com o mapa da figura 17, elaborado através da 8

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QGIS Plugins – Point Sampling Tool. In Digital Geography. Disponível em Url: http://www.digitalgeography.com/qgis-plugins-point-sampling-tool/

apresentam uma reduzida proximidade a locais de época medieval. Por outro lado, a necrópole de Santa Luzim encontra-se próxima a um sítio de cronologia romana. Quanto aos povoados da Idade do Bronze conhecidos, apenas registei dois: o povoado da Sobreira e o povoado e necrópole de Montes Novos, ambos localizados na freguesia de Croca. Encontram-se a uma distância de cerca de 500 metros um do outro e os dois estão localizados em colinas. Tendo em conta a frequente reutilização dos monumentos megalíticos no período da Idade do Bronze e relembrando que o fragmento cerâmico procedente da mamoa 2 da Cruz da Giesteira é

reproduzi a diacronia humana da área em estudo. É nas áreas de cumeada aplanada das serranias que vamos encontrar os monumentos megalíticos. Quanto às restantes fases de ocupação, verifica-se que os povoados da Idade do Ferro, salvo duas excepções, localizam-se junto das duas cordilheiras e o mesmo parece acontecer com os sítios de ocupação medieval. Assim sendo observa-se que os assentamentos romanos são aqueles que aparentam um posicionamento mais baixo em zonas dos vales ou no sopé dos montes, salvo algumas excepções pontuais. Percebe-se ainda, neste mapa, que apenas o dólmen da Portela e as mamoas/gravuras rupestres de Luzim,

Fig. 21 – Viewsheds entre o dólmen de Santa Marta e os sítios da Idade do Bronze. .

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dito como característico da Idade do Bronze (Leal, 1987/88: 61), defini no mapa da Figura 20 um buffer de 1000 metros aos povoados e outro de igual valor ao dólmen da Portela, por ser o monumento megalítico mais próximo. Com estes dois buffers percebi que os seus limites de 1 km se interceptam junto ao rio Cavalum. Por fim, e a título de tentar perceber se existem relações entre os povoados da Idade do Bronze e o dólmen, procedi à elaboração das viewsheds destes três sítios e, como é visível na Figura 21, conclui-se que não existe visibilidade entre este dólmen e os povoados, para além do facto de se realçar a visibilidade do povoado da Sobreira sobre o povoado de Montes Novos, mas não o contrário. Tendo ainda em conta algumas fontes escritas do século XIX sabemos que na freguesia de Rio de Moinhos, deste período que se conserva entre o Neolítico, Calcolítico e até mesmo Idade do Bronze, ao contrário do que se passa maioritariamente pelo concelho, não foi detectado ainda qualquer monumento megalítico, habitat ou outra estação deste âmbito cronológico. Todavia alguns locais são sugestivos e portanto irei aqui deixar algumas breves referências. A começar pelo designado Monte do Esporão, situado na vertente setentrional do território de Rio de Moinhos, já muito próximo do limite com as demais freguesias previamente referidas: «Corresponde à extremidade Sul do conjunto orográfico que se estende para Norte até à zona de Duas Igrejas, e que tem continuidade na serra de Luzim» (Lima, 1993: 144-145). É Fernando Lanhas e Pinho Brandão quem mais atentamente propõe a hipótese de uma provável ocupação pré ou proto-histórica do local. Na Revista de Etnografia de 1965 deparamo-nos com um levantamento dos locais com interesse arqueológico no concelho de Penafiel. Fernando Lanhas e Pinho Brandão mencionam alguns penedos sugestivos na vila em análise. 72

No n.º 20 deste inventário, os autores mencionam o designado Penedo das Agulhas (Lanhas et alii, 1965: 308), escorregadoiro ou aguçadoiro, localizado na Praina do Escorregadoiro junto ao Monte Esporão, no qual segundo os autores afirmaram, constam alguns sulcos gravados que nessa altura (1965) se encontravam, em parte, cobertos por alguns esteios destinados ao encaminhamento de águas. Numa visita ao local tentei encontrar este penedo, mas sem efeito. No n.º 22 do inventário encontra-se referido o sugestivo Penedo da Cobertura (Lanhas et alii, 1965: 312), em pleno Monte Esporão. Os autores supõem a sua provável utilização em tempos pré e proto-históricos. No local consegui identificar o que ainda resta deste monumento. Acomoda dois penedos de forma arredondada e um terceiro de forma plana e alongada sobreposta a esses dois. Um dos penedos arredondados, em algum momento cronológico ter-se-á partido em dois, dando origem assim a um terceiro penedo, todos com formas idênticas e com uma larga fissura entre ambos, tapada pelo penedo de forma plana e alongada, que se manteve sobreposto, formando assim uma espécie de abrigo. Dois dos penedos arredondados encontram-se parcialmente partidos na parte setentrional, por acção humana, sendo ainda visíveis as marcas dos tiros que rebentaram essa área. Junto deste designado Penedo da Cobertura existe uma área bastante plana e fértil onde são visíveis, com bastante regularidade, outros rochedos de variadas dimensões e com alguns orifícios circulares, que poderão ter tido várias funcionalidades. Alguns destes orifícios mais toscos provavelmente têm uma origem natural, no entanto os orifícios mais aprumados poderão ter sido obra humana. Todo este ambiente que envolve o Penedo da Cobertura leva-me a arriscar dizer que este local poderá ter sido um habitat ou um abrigo pré/proto-histórico.

Para justificar esta hipótese relembro a proximidade deste local ao complexo megalítico de Luzim, composto por um menir, várias mamoas e painéis de gravuras rupestres. Refira-se também a passagem do texto de Simão Ferreira nas Antiguidades do Porto que diz: «Perto d este marco, para o lado do sul, houve muitos outros, que foram arrancados dos seus mamillos e postos pelos montes visinhos a marcar sorttes de matto (Ferreira, 1875: 12-15)». As mamoas que actualmente se conhecem no conjunto megalítico de Luzim, como é visível na Fig. 7, localizam-se a para norte do Menir, e esta referência faz menção a mamoas e menires localizados a sul, portanto uma área que já fará parte do actual território de Rio de Moinhos pelo escarpado Monte Esporão. Mais recentemente, em 1943, o Pe. Monteiro de Aguiar escreve sobre este local e confirma estas referências: «Contava-me, porém, o Sr. Reitor P.e Agostinho Lopes Coelho, … que na Praina do Escorregadoiro (crista do monte do Esporão, também conhecida, vulgarmente, por Tapada do Aires), existiram monumentos antigos, que consistiam (no tempo dele) em muitas pedras levantadas ao alto, semelhantes ao marco de Luzim (que fica nos arredores, a Norte), e muitos montes de terra (mamoas?), que o dono da Tapada (o dito Aires), destruiu radicalmente, quando fez a vedação da Tapada em meado do século passado (e disso se gabava, dizendo que além de púcaros de barro e carvão, nada mais tinha encontrado) espalhando a terra das supostas mamoas e aplicando as pedras nas paredes… Mais abaixo então: o penedo da cobertoira … Na orla da Praina do Escorregadoiro, a Sudoeste, existe um penedo, «o penedo do escorregadoiro», a que o povo chama também - o Penedo das Agulhas, que o Dr. Santos Júnior, estudando em 1940 as marcas que nêle se encontram gravadas, classificou de amoladoiro eneolítico.» (Aguiar, 1943: 132). É uma realidade lamentável a que aqui está descrita, mas é também a prova da existência

real de um complexo megalítico com mamoas e um cromeleque que, ao que tudo indica, teria dimensões notáveis. Mais uma vez este tipo de monumentos encontra-se naquilo a que chamamos de tapadas ou prainas , áreas onde, pelo menos nesta região, eles frequentemente se identificam. Portanto, tendo em conta a distância entre o Penedo da Cobertura e o Menir de Luzim, nesta área talvez existisse um dos maiores conjuntos de «pedras levantadas ao alto» que se conhecem em território português (Fig. 22). Assim, esta zona junto do Penedo da Cobertura corresponderia a um local de habitat, nas proximidades dos monumentos funerários, sendo uma hipótese em aberto com potencial para um futuro estudo. Infelizmente o cenário que se verifica para a região ocidental deste Penedo é degradante. Implantou-se neste local um imensa indústria de exploração de pedra de grandes dimensões e acredito que os restantes sítios referidos por Fernando Lanhas e Pinho Brandão tenham desaparecido, no decorrer dos anos 80 e 90 do século passado, no decurso da exploração de pedra que tomou uma extrema importância para o sustento da população local, assim como desencadeou a destruição de muitas áreas desta freguesia e do território envolvente. Daí que António Lima nos diga, já em 1993, sobre este Monte do Esporão (Asperon/Aperonis), que «já não descobrimos nenhum esporão neste monte. Pode até que já tenha sido destruído pela pedreira» (Lima, 1993: 144-145). O avanço desta industria e a destruição por ela causada acarretou danos incalculáveis e inimagináveis. Fernando Lanhas e Pinho Brandão referem ainda em Rio de Moinhos um outro local designado por Penedo da Pena e já em parte destruído. Depois de visitar o local com grande densidade de vegetação a rodear o penedo e tendo em conta a construção de estradas na sua proximidade, não parece haver nada de grande interesse nas imediações, a não ser a sua sublime forma

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Fig. 22– Área de provável dispersão dos monumentos megalíticos referidos na bibliografia.

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conjunta de grandes dimensões e a uma tradição local que remete para uma Moura encantada que estará escondida entre as fragas. Ainda em Rio de Moinhos, para este período cronológico, existem dois topónimos bastante sugestivos. A Tapada da freguesia que se localiza no sopé do Monte do Esporão. Actualmente este local corresponde a um terreno fortemente cultivado com vinha. Todavia, na região de Penafiel conhecem-se outros locais com este topónimo tapada , onde foram detectados alguns monumentos megalíticos, como é o caso da Tapada de Sequeiros que alberga o conjunto megalítico de Luzim e a Tapada da Silveira nas proximidades do Monte Mozinho. Outro topónimo sugestivo para este período cronológico é a Ribeira das Lajes. O nome lajes encontra-se com muita frequência associado a locais deste âmbito cronológico, e este topónimo remete normalmente para locais com pedras achatadas e lisas com as quais eram construídos pavimentos ou coberturas. Poderá ainda fazer

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referência a sítios de muitos pedregulhos (Aguiar, 1989: 30). Há ainda de ter em conta que este ribeiro nasce em plena Serra de Luzim, nas proximidades do complexo megalítico e desce pelas terras de Perozelo, Cabeça Santa e Rio de Moinhos até desaguar nas águas do Tâmega. Neste percurso, o ribeiro passa muito próximo de outros locais arqueológicos e de alguns sítios onde se dizia (antigamente) terem existido também monumentos megalíticos. Em verdade, esta ribeira poderá ter sido um recurso hídrico natural para as comunidades deste período da Pré-história.

Conclusão «Assim, a que ocupava as terras entre Tamega, Douro e Oceano, se denominava Tamarici ou Tamacana … Com quanto estes povos nos deixassem, por entre os montes e bosques, algumas memorias toscas e grosseiras da sua existencia e outras, para certos e determinados fins, como as penas ou penhas para defesa do

paiz, outras funerarias, como os menires, designados pelos nossos escritores do seculo passado com o nome de antas, outras religiosas, como os dolmens, e os círculos crouleks, memorias que contam mais de três mil anos de existencia conhecida» (Ferreira, 1875: 7). A implantação dos monumentos megalíticos entre Douro, Sousa e Tâmega é consequência de um processo complexo no qual interagiram instrumentos de diferentes tipos, subsistemas e realidades que condicionaram a distribuição espacial das comunidades construtoras. São mecanismos que reflectem um fenómeno elegido em função de certas imposições culturais, assente numa organização social dos próprios grupos assim como num sistema de crenças religiosas e rituais. A escala de implantação dos monumentos encontra-se aparentemente condicionada pelo mundo simbólico das crenças da comunidade construtora e pelas circunstâncias do terreno, ou seja, por factores geológicos. Assim, como refere Criado-Boado: «a conceptualização do espaço da nossa cultura reproduz integramente os rasgos fundamentais do sistema de saber-poder que a define … a conceptualização do espaço reflecte o trabalho da organização económica dominante na nossa sociedade» (Criado-Boado, 1988). Portanto, os monumentos megalíticos situados na área nortenha do actual concelho de Penafiel localizam-se em pontos proeminentes na paisagem, sobre plataformas dos pequenos serros e colinas, encontrando-se ainda alguns monumentos em áreas demarcadas hidrograficamente. «Nuns casos a construção da paisagem reduz-se a uma mera construção simbólica da mesma, noutros casos existe um predomínio de influência humana sobre o meio que revela a importância de conceptualizações simbólicas» (Criado-Boado, 1988). O mundo megalítico é algo mais que o espaço dos mortos, é também o mundo que limita e define o território dos vivos.

Em Penafiel, assim como em algumas zonas do noroeste peninsular, os monumentos «aparecem geralmente nos latis dos montes ou nas zonas planas e elevadas e raramente no fundos dos vales, o que indica um aspecto cultural para ser destacado na paisagem … Aparecem independentemente do lugar onde se situam em zonas muito próximas a terras de trabalho agrícola e terras aptas a cultivo» (Criado-Boado et alii, 1981: 26), terras onde poderiam habitar as comunidades construtoras. Após uma análise efectuada com recurso aos Sistemas de Informação Geográfica de modo a aplicar os conhecimentos adquiridos ao longo dos últimos meses, procedeu-se à realização de um trabalho remetente à análise do fenómeno megalítico no Entre Douro-Sousa e Tâmega. Embora hoje em dia, estes monumentos se encontrem degradados ou destruídos, com recurso ao pensamento cultural da época, podemos recriar essencialmente este espaço e estes túmulos como monumentos que representam a primeira arquitectura monumental da Europa Ocidental, enterramentos que se destacam na paisagem e que se desenvolveram «paralelamente à adopção de novas formas de subsistência agrícola, baseadas na intensificação da acção sobre o meio» (Criado-Boado, 1993: 53). A terra pertence ao dono, mas a paisagem pertence a quem a sabe olhar … (Tavares, 2009: 51).

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Primeiro ensaio de SIG aplicado ao acampamento romano de Antanhol (Coimbra) João André Leitão

Introdução A razão da análise aplicada ao tema acampamento romano de Antanhol prende-se com o facto do actual assentamento militar estar desprovido de estudos científicos que respondam ou possam corroborar as inúmeras questões levantadas à sua volta. Ora, perante a escassez de dados e fontes históricas sobre o citado recinto, decidimos efectuar um estudo com a aplicação de algumas ferramentas de geoprocessamento vectorial e matricial, integradas no software Quantum GIS (QGIS) 1.8.0 Lisboa, no âmbito da cadeira de SIG em Arqueologia.

Factos cronológicos (compreensão) ao acampamento

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1940 – Surgem as primeiras referências ao monumento da parte de Vergílio Correia, nas notas de Arqueologia e Etnografia do Concelho de Coimbra. Nesse mesmo ano apresentou à Junta Nacional da Educação um parecer sobre o acampamento, descrevendo-o e recomendando a sua inclusão nos monumentos classificados, definindo-o como: «campo de estacionamento poderosamente fortificado, que nada tem a ver com os castros lusitanos da região». 1940 – O Ministério da Educação Nacional dá o seu reconhecimento à estação arqueológica como sendo de alto valor, classificando-a como Monumento Nacional, pondo-o ao abrigo da lei e proibindo a sua destruição total ou parcial. 1946 - Amorim Girão considera-o como acampamento romano permanente, com abundantes vestígios de tegulae e imbrices. Chama a atenção para o sítio e para a necessidade da sua restauração, considerando-o como um dos poucos redutos defensivos de Portugal de época romana. 1946 - João de Almeida falava também do acampamento romano de Antanhol,

classificando-o como romano devido às ruínas do local e à sua estratégia de implantação de grande valor militar. 1947 - Blas Teracena faz referência ao acampamento numa revista espanhola. 1954 - Bissaya Barreto anuncia o projecto de alargamento da pista do aeródromo, com o apoio da Câmara Municipal de Coimbra e do Ministério da Defesa, o que exigia a terraplenagem das impressionantes muralhas de terra. 1958 - Num trabalho publicado pelo padre Nogueira Gonçalves, depois da descrição do acampamento, escrevia-se: «deve pertencer à época que medeia entre o avanço de Júnio Bruto – Callaicos (138-136 a.C.) e o protetorado da Ulterior de Júlio César (61 a.C.)». 1958 – O Município de Coimbra resolveu considerar necessário o alargamento da pista do campo de aviação de Coimbra. 1960 - Bairrão Oleiro é alertado para a presença de uma máquina escavadora no acampamento de Antanhol. Após um embargo às obras, dois meses depois foi de novo alertado: «havia de novo máquinas em Antanhol». Porém, desta vez eram seis escavadoras que, em poucas horas, arrasaram com grande parte do que restava do monumento da Mata Velha.

O acampamento romano de Antanhol O acampamento romano de Antanhol está situado no extremo norte de um extenso planalto com 1,350 metros de comprimento e que varia entre os 200 e os 400 metros de largura (zona mais larga), em que se instalou o campo de aviação (Fig. 1), à cota de 160 metros de altitude. O recinto apresenta-se com a forma de um rectângulo irregular de cantos arredondados, que outrora sofreram grandes alterações, adaptando-se às condições do terreno. Dos cantos arredondados, ainda se mantêm o do lado norte, na ponta esquerda.

Em todos os 1200 metros de perímetro do acampamento já foi reconhecível a muralha (talude) de terra batida, sendo no lado meridional que esta ainda se conserva melhor. Dos lados poente, norte e nascente, o campo estava naturalmente defendido, dadas as condições topográficas do terreno, mas mesmo assim, foi rodeado por um fosso simples que ainda é visível parcialmente. O talude (limes) sul, de secção trapezoidal, teve outrora um comprimento de cerca de 250 metros, uma espessura de 28 metros (na base) e uma altura de 6 metros sobre o duplo fosso. Hoje, parte da estrutura de terra batida ainda se mantém com um comprimento de cerca de 135 metros, e com uma largura, nalguns pontos, de cerca de 20 a 35 metros, apresentando partes muito danificadas ou até mesmo destruídas. A crista do talude apresenta-se aplainada (6 a 7 metros), tendo perdido os ângulos arredondados que tinha (Leitão, 2002). O talude era precedido por um duplo fosso de perfil triangular, constituindo no seu todo um W . Dos dois fossos iniciais, apenas um existe, pois aquele que estava do lado mais próximo da muralha foi destruído por acção humana e pela erosão, verificando-se ainda um pequeno testemunho na zona esquerda da muralha. O fosso mais afastado da muralha mantém-se e, apesar de estar coberto de vegetação, é de fácil detecção no local. Apresenta, num dos pontos, 13,5 metros de largura e 4,5 metros de profundidade. A medida da base do cone é de 1,50 metros (Idem, 2002). A zona que corresponderia ao interior do acampamento foi praticamente destruída (terraplanada) com a construção da pista de aviação, verificando-se uma diferença altimétrica negativa de 2 a 3 metros entre o piso da pista de aviação e o piso em frente à muralha de terra batida contribuindo assim, para o desnivelamento do terreno naquela zona. A área em torno da pista apresenta-se coberta de terra, pedras roladas e areia, com muitos

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fragmentos cerâmicos, certamente de tegulae e imbrices, bem como de cerâmica comum de natureza indeterminada. As zonas exteriores ao acampamento, a toda a volta, exibem grandes socalcos em forma de escadaria acabando no planalto que circunda o aeródromo. É nessas encostas do lado norte e oeste que se encontraram maior quantidade de fragmentos cerâmicos de tegulae e outros materiais de cronologia romana. Junto ao talude sul foram também observados, conforme informações antigas (Correia, 1940), alguns fragmentos de tegulae e uma lasca de quartzito (Leitão, 2002). Sabe-se também, segundo informações da população local, que o recinto teria um cemitério

associado: «quando tinha oito anos vi várias sepulturas ali naquele local com lajes ao alto, tipo pedra de Ançã, em formato de círculo as quais, uma vez abertas, apresentavam ossos, caveiras e materiais, mas foram logo tapadas», essa «zona tinha potes inteiros, na altura em que se lavravam as terras de cultivo» (Leitão, 2002). Perante a escassez de elementos arqueológicos e dados científicos que possam corroborar uma datação segura, a cronologia de ocupação desta estrutura arqueológica suscita algumas dúvidas que, segundo alguns autores (Correia, 1940; Shulten, 1955; Gonçalves, 1958), podia enquadrarse entre o período das campanhas de Décimo Júnio Bruto e Júlio César (138 – 61 a.C.).

Fig. 1 – Localização do sítio arqueológico na ortofoto. 80

Análise através das ferramentas SIG A importância do recinto na paisagem Não havendo qualquer referência a Antanhol nas fontes clássicas, não será de descartar a sua importância num papel de vigilância, policiamento e controlo das regiões de Aeminium e Conimbriga, dada a sua localização geoestratégica (Fig. 2). Tal como era habitual na escolha de implantação dos assentamentos militares, sempre à beira de linhas de água, existe uma ribeira apenas a 300

metros para norte do sítio (Fig. 1). Do ponto de vista defensivo, considera-se a implantação estratégica do recinto englobando toda a sua envolvente, e não apenas, a partir do talude erguido a sul, dado que para se aceder à cumeada, o único acesso possível é feito através de um caminho em declive sinuoso a partir de uma cota de 115 metros até aos 160 metros, à entrada do planalto. A partir desse ponto de entrada do planalto aplicou-se um buffer de 900 metros coincidente com o traçado da via romana e com o acampamento (Fig. 4). Surge então a questão, senão podíamos estar

81 Fig. 2 – Implantação do acampamento romano no MDT da região meridional de Coimbra.

perante o primeiro reduto defensivo do acampamento? Assim, em função deste último registo, considera-se a ocupação total do planalto (num total de 33,642 hectares de terreno disponível) e não apenas os nove hectares do interior do recinto. No perfil Fig. 3 – Perfil topográfico entre o acampamento e a via romana.

Fig. 4 – Buffer de 900 m à entrada do planalto em relação à via Aeminium/Conimbriga. 82

Fig. 5 – Pontos individuais de observação para cálculo das bacias de visão.

1. Bacia de visão (viewshed) Para efectuar a análise da posição geoestratégica do recinto da Mata Velha, calculou-se o campo de visibilidade a partir de várias zonas (pontos) do planalto, inclusive dentro do recinto defensivo. Ora, para a respectiva análise das bacias de visão (viewshed) foi necessário transformar a área de estudo num modelo digital de terreno (MDT), para se conseguir abarcar toda a zona. Em seguida, criaram-se pontos de observação em formato vectorial com toda a informação georreferenciada com as coordenadas ETRS89 9.

Perante a aplicação da ferramenta de análise viewshed , conseguiu-se ter uma visibilidade da área total dos dois concelhos de Coimbra e Condeixa, captada a partir de um determinado ponto escolhido aleatoriamente, que pudesse estar o mais aproximado aquando a ocupação do recinto. Assim sendo, optou-se por se usar duas estratégias de análise: a primeira passou pela criação de pontos individuais dentro do perímetro do recinto e nas suas imediações (restante área do planalto) para se tentar criar uma bacia de visibilidade e de observação possível (Fig. 5).

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In http://www.igeo.pt: «O ETRS89 é um sistema global de referência recomendado pela EUREF (European Reference Frame, subcomissão da IAG Associação Internacional de Geodesia) estabelecido através de técnicas espaciais de observação» O estabelecimento do ETRS89 em Portugal Continental foi efectuado com base em campanhas internacionais (realizadas em 1989, 1995 e 1997), que tiveram como

objectivo ligar convenientemente a rede portuguesa à rede europeia. Nos anos subsequentes, toda a Rede Geodésica de 1ª e 2ª ordens do Continente foi observada com GPS, tendo o seu ajustamento sido realizado fixando as coordenadas dos pontos estacionados nas anteriores campanhas internacionais.

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A segunda estratégia de análise visou proceder a uma acumulação total de todos os dados de visão (Cumullative Viewshed Analysis) e da combinação desses dados obter-se um padrão de visibilidade de toda a área à volta do recinto militar. O método usado, como anteriormente explicado, foi através do modelo MDT em que se implantou três pontos aleatórios dentro do perímetro fortificado (ponto NE e ponto NO), e um outro ponto no topo do talude (ponto talude) (Fig. 5). Para atingir conclusões seguras nesta análise, e sabendo-se que o recinto em 1959 sofreu uma decapagem abrupta pelos bulldozers, a cada ponto atribui-se a compensação do desnível do terreno hoje existente para o da época, numa cota de 2,30 metros, a que se juntou a medida de 1,70 metros da estatura normal de um homem. Assim, juntando-se os dois valores, a nossa

análise de visibilidade partiu de um campo de visão de 4 metros de elevação. A partir da implantação do ponto topo do talude; ficou-se com a junção dos seguintes valores: 6 metros da altura do talude, mais 1,70 metros da estatura humana, a que se juntou 0,30 m da acção erosiva. Do total gerou-se um ponto de visibilidade a partir dos 8 metros. Ora, como já foi mencionado, acredita-se que a plataforma que se estende a sul do recinto e que hoje está ocupada pela pista de aviação terá tido o seu contributo directo para o acampamento, assim nesta área também, se considerou importante aplicação da ferramenta da análise a partir de outros dois pontos aleatórios com possível potencial estratégico de visibilidade. O primeiro ponto analisou-se a partir da implantação do que hoje é o único acesso de entrada existente ao aeródromo (entrada do

84 Fig. 6 – Bacia de visão do ponto nordeste.

planalto) e o outro ponto foi implantado no extremo sul do planalto (Fig. 5). Bacia de visão do ponto NE: a análise resultou numa bacia de visão imediata de um raio de 2 km a norte e a leste do recinto, chegando a atingir a distância dos 4 km a sudeste do acampamento. No entanto, a visibilidade total chega a atingir um raio a 10 km de distância quer a norte, quer a sul (Fig. 6). Bacia de visão do ponto NO: neste ponto a visibilidade imediata resultou num raio de 3 km a NO, SO e O, do recinto, chegando a atingir a distância dos 4 km a SO do acampamento. Também aqui, como no caso anterior, a distância de visibilidade atinge os 10 km de raio de visibilidade quer a norte quer a sul, chegando a

atingir a área envolvente de Conimbriga (Fig. 7). Bacia de visão do topo do talude: a análise formou uma bacia de visibilidade imediata num raio de distância compreendido entre os 3,5 km e os 4 km, em torno do recinto, com excepção da zona sul e sudeste, facto que se explica devido à extensa plataforma existente a sul do acampamento. Ao contrário dos pontos anteriores, o campo de visibilidade atinge uma área mais alargada da área circundante ao recinto. Também aqui, o raio de visibilidade abrange a área envolvente de Conimbriga (Fig. 8). Bacia de visão da entrada do aeródromo: A análise efectuada formou uma bacia de visibilidade imediata num raio de 3 km, à

Fig. 7 – Bacia de visão do ponto noroeste.

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Fig. 8 – Bacia de visão do topo do talude.

86 9 – Bacia de visão do ponto de entrada do aeródromo. excepção da zona sul, queFig. (demonstrativo pela

extensão de terreno) na ordem apenas dos 290 metros. Contudo, a bacia geral proporciona uma visão quase perfeita de norte a sul num raio de 3 km a norte e nordeste, chegando atingir os 11 km de raio de visibilidade a sul e sudoeste (Fig. 9). Bacia de visão do ponto sul na extremidade do planalto: a análise definiu uma bacia de visibilidade imediata num raio de 950 metros a leste, chegando a atingir os 1100 metros de sul para oeste. No entanto, na análise geral de visibilidade a leste, atinge um raio de 3 km e entre os 7 e os 11 km a sul e a oeste do recinto (Fig. 10). Por fim, para se concluir a análise de todas estas bacias de visibilidade recorreu-se à sua junção formando uma CVA (cumulative visibility analysis), para se ficar com um registo seguro do controlo total do recinto sobre a área envolvente.

Bacia de visão de pontos acumulados: o resultado da acumulação destes rasters de visibilidade permite concluir da existência de um controlo visual imediato entre os 2,5 km a 3 km de raio, em toda envolvente do acampamento. Da presente análise acumulada também resultou um círculo irregular, com um raio de 13 km a norte e os 11 km a sul, chegando atingir os limites dos dois concelhos de norte a sul e de oeste a leste (Fig. 11).

Interpretação dos dados das bacias de visão No geral, o campo de visibilidade imediato dos pontos analisados apresenta um raio de alcance de visibilidade na ordem dos 2 a 3 km de distância. Contudo à excepção do ponto NE, todos os restantes elementos atingem um raio de visibilidade máxima de distância na ordem dos 8 a 12 km.

87 Fig. 10 – Bacia de visão do ponto na extremidade sul do planalto.

Fig. 11 – Bacia de visão dos pontos acumulados.

O cálculo efectuado ao ponto do talude apresentou o resultado mais expressivo de visibilidade imediata, na ordem dos 3 a 4 km em torno. É um aspecto relevante, devido ao facto de ter-se feito a análise a partir da implantação de um ponto de 8 metros, sem ter em conta que o recinto poderia estar rodeado de estacaria defensiva (limes) e um posto de controlo de madeira, como era típico dos acampamentos romanos, permitindo a observação de uma altura maior. Mas devido à falta de dados e considerando-se especulativa a altura que a torre 88

de controlo poderia ter, optou-se por não se calcular a partir desse hipotético ponto. À excepção do ponto NE, toda a área de Conimbriga é abrangida pela visibilidade total a partir do acampamento, demonstrando supostamente a sua importância como oppida ao contrário de Aeminium (Fig. 11), que nunca é abrangida pela bacia de visão, se bem que os dois povoados se encontrem praticamente à mesma equidistância do recinto fortificado. Perante este último dado da análise das viewsheds, não se pretende concluir que a povoação de Aeminium estivesse excluída da

protecção geoestratégica do recinto de Antanhol. Pode-se justificar a falta de visibilidade devido a critérios de terreno acidentado, composto por vales montes e declives que se situam entre Antanhol e Aeminium. A via que seguia de Conimbriga a Aeminium é quase na totalidade abrangida pelo controlo visual a partir da junção de todos os pontos de observação (Fig. 11). Sendo apenas, o campo de visibilidade mais reduzido a partir da zona da actual povoação de Banhos Secos.

Por fim, verificou-se que a escolha de implantação do acampamento não foi um mero acaso, apenas por ser um terreno adaptável à orografia da região. O sítio, para além das tipologias já mencionadas de defesa e de construção, encontra-se inserido num planalto de localização estratégica, com uma equidistância de 7,9 km para Conimbriga e de 7,3 km para Aeminium, com uma mera diferença de 625 metros de distância entre o acampamento e os dois povoados. Desta forma, detinha um papel de policiamento e controlo mútuo dos oppida e da respectiva via de ligação.

2. O cálculo da superfície de custo

Fig. 12 – “uperfí ie de usto produzida o

a ferra e ta r. alk do soft are G‘A““.

Na continuação da aplicação das ferramentas SIG na análise do acampamento romano de Antanhol, havia outra questão que se levantava e que se achou pertinente abordar: Qual seria a distância percorrida por uma centúria, numa hora de marcha, tendo em conta o relevo, a altimetria, as linhas de água e a inclinação das vertentes? Em resposta a esta questão, procedeu-se ao cálculo da Superfície de Custo a partir de um determinado ponto do assentamento (Fig. 12),

89

para verificar até onde se poderia chegar em 1 hora de marcha, nas várias direcções à volta do ponto de partida. Para a respectiva análise elaborou-se um raster com a ferramenta r.mapcalculator , através da álgebra de valores de elevação, dos declives e das linhas hidrográficas, gerando uma superfície de fricção, que reproduz os custos de deslocação pelo terreno. O ponto de início do cálculo de marcha situava-se na área central do planalto, para se poder analisar digitalmente a distância e o tempo percorrido a partir desse mesmo ponto. Assim sendo, perante os dados recolhidos, constatou-se que a partir do acampamento romano de Antanhol, na direcção sul, atinge-se as imediações de Conimbriga numa hora de marcha . No sentido norte consegue-se chegar à margem esquerda do Mondego. A partir desta barreira , o tempo de marcha alonga-se, certamente por se

90

ter o rio Mondego como obstáculo e depois terse de subir até ao povoado de Aeminium (Fig. 12). No cômputo geral, a análise efectuada é demonstrativa, mais uma vez, da capacidade geoestratégica do assentamento de Antanhol e do seu potencial policiamento da zona, que em caso de necessidade, poderia socorrer com um contingente militar os dois oppida, num período entre os 60 a 90 minutos.

3. Caminho óptimo No seguimento destas análises, procedeu-se ao cálculo dos caminhos óptimos desde o acampamento de Antanhol na direcção dos dois povoados, através de uma outra ferramenta do GRASS. Ora como já anteriormente foi explicado, também aqui se partiu dos mesmos dados resultantes da álgebra de mapas, com base na elevação, nos declives e nas linhas de água.

Fig. 13 – Caminho óptimo entre o acampamento de Antanhol e Aeminium.

O objectivo de análise centrou-se na criação de um traçado optimizado consoante a topografia e a hidrografia da região, e se o mesmo seguia ou coincidia com a via de Aeminium a Conimbriga. Os resultados foram inesperados, visto que, quer para sul quer para norte, nenhum dos caminhos óptimos coincide com a via romana. Apenas, no sentido de Aeminium, o caminho óptimo intersecta a via antiga a partir da localidade de Cruz de Mouroços, seguindo paralelamente durante alguns metros, para depois, seguir na direcção oposta pela Ladeira do )nferno , na direcção da actual ponte Europa e centro da cidade, em vez de seguir pela zona de Santa Clara (Fig. 13). No que concerne à região de Conimbriga o

resultado foi ainda mais incongruente em relação à via romana (Fig. 14). No entanto esta última análise não se vê como sendo uma incongruência de dados mal aplicados. Pode-se justificar a análise através do facto de que os romanos ao criarem novas rotas e reutilizarem caminhos antigos fizeram-no à medida dos novos focos populacionais e de uma nova ordem administrativa. Ou seja, optimizaram-se vias com o intuito de ligação aos povoados aos caminhos agrícolas (agrari) ou de acesso privado (viae privatae). Naturalmente, o caminho óptimo entre Conimbriga e Aeminium não seria o mesmo entre o acampamento e estes respectivos oppida.

Fig. 14 – Caminho óptimo entre o acampamento de Antanhol e Conimbriga. 91

Conclusão

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Perante o exposto, de facto, verificaram-se inúmeras vantagens da aplicação da ferramenta SIG nesta vertente da investigação arqueológica. O uso da aplicação ao trabalho deu-nos a possibilidade de armazenamento, análise e representação de dados espaciais. Ao colocar-se em prática a citada ferramenta, conseguiu-se atingir o objectivo de se ter elementos arqueológicos devidamente georreferenciados e de cruzá-los com variáveis espaciais e descritivas. Conseguiu-se através das várias ferramentas empregues, transformar-se a área de estudo em maquetes digitais (MDE/ MDT) com dados georreferenciados e através destas executar análises de visibilidade de dados seguros (viewshed) e de superfícies de custo. Com a aplicação SIG conseguiu-se contrariar as meras suposições de visibilidade que o recinto exerceu do ponto de vista de controlo visual sobre a região, corroborando os dados conhecidos da sua implantação geoestratégica. O que leva também aferir de que a implantação do acampamento não foi um mero acaso de apenas terreno adaptável ao relevo da região, para além das tipologias já mencionadas de defesa e de construção, o recinto de Antanhol encontra-se inserido num planalto de localização estratégica sendo bem arquitectado quanto à sua escolha com uma equidistância para Conimbriga e Aeminium, demonstrativa do carácter de policiamento e controlo desses oppida e sobre respectiva via de ligação. Assim sendo, muitas dúvidas subsistem relativamente ao acampamento romano de Antanhol. No entanto a respectiva classificação como acampamento romano considera-se que não deve ser posta em causa, atentas as características que este reúne, idênticas às de outros acampamentos em Espanha e em França com as semelhanças de um fosso defensivo, muralhas de terra batida e cantos arredondados,

implantados com boas condições de visibilidade junto a linhas de água. Numa outra perspectiva, e devido à sua monumental muralha de terra batida e duplo fosso, é difícil atribuir uma tipologia de uso ao recinto. Podendo pôr-se de lado a hipótese de ter sido um mero acampamento de marcha (castra), aponta-se, antes, para a hipótese de ter sido um acampamento de duração mais longa. A quantidade de fragmentos de tegulae e imbrices que, dentro e fora do acampamento, se têm revelado, pode constituir um indício de que a área do acampamento teria estruturas em madeira suficientemente fortes para suportar a força de um telhado construído à base destes materiais robustos. Relativamente à dimensão do assentamento de Antanhol desde sempre foi considerada como correspondendo apenas a 9 hectares, o suficiente para albergar uma ou duas cohortes dentro da zona defensiva. Porém, se tivermos em consideração que nem todo o espaço vedado era destinado a albergar as legiões, pode-se considerar também, a restante zona de 500 metros que se estende ao longo do planalto. Perante o último facto, e sabendo-se de que os romanos procuravam também a sua implantação em zonas de terras lavradas com a finalidade de facilitar o aplainamento do solo, sabemos que a zona onde hoje está situada a pista de aviação, anteriormente à construção da mesma, era cultivada por agricultores que ali tinham pequenas parcelas, documentadas já desde o século XI d.C. Para além do facto do terreno adjacente ao acampamento até à construção da pista aeronáutica ter sido sempre usado como terreno agrícola. Se tomarmos em linha de conta esta ideia poderia tornar-se plausível a hipótese de que a área útil do acampamento ser todo planalto e não apenas, o recinto confinado a 9 hectares. Com efeito, porquê albergar apenas uma ou duas cohortes, quando se tinha espaço para uma legião? Se Antanhol tem um perímetro de 9

hectares e albergava uma ou duas cohortes (segundo alguns autores), como é possível encontrar em Espanha, no caso, por exemplo, do acampamento de Castillejo (Palencia), acampamentos com 7,35 hectares com capacidade para uma legião? Ou a situação de Travessadas com 4,5 hectares, com capacidade para quatro cohortes e do Alto Real, com 8 hectares, com capacidade para 6000 homens? Com base nas suas características, defendemos que o recinto teve um papel preponderante de forma descontínua ao longo das várias crises do império romano na Península Ibérica. Por segurança pode-se situar o acampamento romano de Antanhol como pertencente a um período que medeia entre as campanhas de Décimo Júnio Bruto (138 a.C.) e as campanhas de Júlio César (61-60 a.C.). Porém, devido à escassez de fontes sobre Antanhol, não é possível atribuir uma data exacta ao sítio. No entanto, apontar para uma ocupação do acampamento a partir de Júlio César, em 49 a.C., é um facto a ter em conta, sabendo-se que a presença de contingentes militares foi uma constante, atendendo às lutas de Júlio César contra os dois legados (cada um com duas legiões) de Pompeio, de que resultaram as vitórias Cesarianas. É possível que neste período se tenha procedido ao erguimento ou a um maior uso do acampamento romano de Antanhol, numa altura de grande instabilidade e circulação de contingentes militares. Por fim, em 2002 escrevi: «a raridade do monumento e seu valor arqueológico, que não venha mais uma vez a estar em perigo, devido ao facto de em 19 de Junho de 2002, ter sido aprovado um novo plano director do Aeródromo Municipal Bissaya Barreto … que consiste no aumento e alargamento da pista para 1.220 metros». De facto, nas duas últimas visitas ao local (2012 e 2013) deparei-me com mais destruições no talude meridional e com escavações no subsolo para implantação de uma rede de infraestruturas

circundante sem qualquer conhecimento das instituições tutelares da arqueologia.

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Aplicação de ferramentas SIG – contributo para o estudo do território do Castro do Monte Padrão (Santo Tirso) João Oliveira

Introdução No âmbito da cadeira de SIG em Arqueologia, decidi fazer um estudo sobre a aplicação destas ferramentas numa região específica do Vale do Ave: a face norte do concelho de Santo Tirso (distrito do Porto), sendo esta, grosso modo, a área do concelho com espaço de drenagem para o rio Ave. Esta análise pretende dar contributos para uma abordagem SIG mais alargada, quer com maior número de ferramentas, mas também num território mais extenso que pretendo efectuar para uma futura dissertação. O estudo contempla um período cronológico que parte da Proto-História até à Alta Idade Média, numa perspetiva do povoamento rural e da sua organização.

O espaço

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O Castro do Monte Padrão localiza-se no Noroeste de Portugal, concelho de Santo Tirso, freguesia de Monte Córdova, numa região onde as montanhas, que raramente ultrapassam os 300 metros de altitude, alternam com dois grandes vales pouco acidentados - o do Ave, com uma grande rede de drenagem que tem cerca de 15 km de largura naquele tramo médio/final, e o vale do Leça com uma bacia hidrográfica limitada pela Serra da Agrela que confere à rede de drenagem cerca de 5 km de largura. Ambos são alimentados por dezenas de pequenos ribeiros que mantêm algum caudal mesmo na época mais seca (Geoportal; Brito, 1997: 29-36). O castro encontra-se implantado num esporão rochoso, um dos pontos mais altos da face ocidental de um maciço montanhoso chamado serra de Monte Córdova, a formação mais a sudoeste do conjunto montanhoso que provém do nordeste minhoto e faz a separação desta região litoral com Trás-os-Montes,

designadamente a Serra da Cabreira, a Serra do Gerês e a Serra do Marão. O castro fica situado num cabeço no limite das bacias hidrográficas dos rios Ave e Leça, integrando a face norte da rede de drenagem do rio Ave e a face sul do Leça. Fica sobranceiro a dois pequenos afluentes do rio Ave, o rio Sanguinhedo e a ribeira do Matadouro, que afluem ao curso fluvial que desagua em Vila do Conde pela sua margem esquerda (Moreira, 2009: 14). A implantação topográfica do Castro do Monte Padrão revela assim uma clara pretensão de domínio visual sobre as áreas envolventes, bem como o controle dos eixos naturais de comunicação que se desenvolvem a noroeste pelo vale do rio Ave, e a ocidente pelo vale do rio Leça (Idem, 2009: 15). São duas vias terrestres que cruzam o entreDouro-e-Ave relativamente próximas ao Castro

do Monte Padrão. A mais importante é a via XVI per loca marítima do Itinerário de Antonino, que ligava Bracara Augusta a Cale, assinalada por «marcos miliários e pontes cujas características construtivas atestam indubitavelmente a sua antiguidade» (Idem, 2009: 23-25). A outra via seria a ligação secundária de Cale ao eixo Bracara– Emerita que entroncava em S. João de Ponte (Fig. 10). Este traçado é confirmado pela existência de duas pontes, a de Negrelos, sobre o rio Vizela, e a de S. Lázaro no rio Leça, e «contornava o maciço designado por Monte Córdova, na sua face Oeste e Norte, passando muito próximo do Monte Padrão …) ponto central entre S. João de Ponte e o Porto» (Idem: Ibidem). Relativamente às vias fluviais, o rio Ave seria o único, entre os que correm pelo território, com condições de ser navegável, pelo menos no seu tramo médiobaixo onde o Castro do Monte Padrão se insere.

Fig. 1 – Concelho de Santo Tirso e municípios envolventes.

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Fig. 2 – Definição da área de estudo – Carta Militar de Portugal n.º 98 (1:25000).

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Fig. 3 – Concelho e freguesias de Santo Tirso.

Fig. 4 – Freguesias de Santo Tirso e localização do Monte Córdova.

Metodologia Iniciei este estudo pela recolha dos dados necessários para a criação de um MDT (Modelo Digital de Terreno), obtendo as curvas de nível na plataforma online ASTER GDEM. Escolhi manter o sistema de coordenadas dos dados, em WGS 84, para assegurar a integridade do ficheiro. Conseguida a fonte principal de informação, obtive as coordenadas dos sítios arqueológicos através do Portal do Arqueólogo da DGPC. Estes, também em WGS 84, reforçaram a decisão anterior. Quantos às linhas de água – principais cursos de água e seus afluentes – foram criadas em ambiente SIG. Ou seja, após a georreferenciação da Carta Militar de Portugal nº 98 (1:25000), igualmente em WGS 84, criei uma shapefile para vectorizar as linhas de água. Com as informações necessárias, em formato vectorial e raster, socorri-me do software

opensource Quantum GIS 1.8.0 Lisboa. Para detectar eventuais erros, os dados foram confrontados com a superfície do Google Maps Hybrid, através de plugin instalado nesse programa. Para prosseguir foi necessário instalar ainda outros plugins, entre os quais o OpenLayers e o Visibility Analysis , a partir dos quais construímos vários elementos cartográficos. Com o primeiro, através da fonte OCM Landscape, permitiu construir vários suportes cartográficos para contextualizar, espacialmente, os sítios arqueológicos. Com o último elaborei as bacias de visão, que correspondem, teoricamente, às áreas de visibilidade de determinados pontos, neste caso do Castro da Vela e do Monte Padrão. Deste modo, consegui, empiricamente, calcular as áreas visíveis do antigo povoado proto-histórico e da atalaia medieval. No entanto, não é possível

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Fig. 5 – Monte Córdova: a sua localização relativamente às freguesias de Santo Tirso.

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Fig. 6 – Vestígios romanos nesta região.

Fig. 7 – Relação entre o Monte Córdova e os vestígios medievais.

corroborar (e até ao momento refutar) as informações recolhidas, uma vez que estas podem variar de acordo com o observador, jovem ou adulto, a cobertura vegetal e a qualidade dos dados. Em relação ao observador, ficou definido o valor . Ou seja, não contemplei um observador, jovem ou adulto, privilegiando uma análise puramente espacial.

A aplicação SIG A aplicação de ferramentas SIG é um fenómeno relativamente recente em Arqueologia. O seu potencial é enorme, além de tornar mais rápida a investigação sob ponte de vista espacial, dando também contributos que de nenhuma outra forma seriam possíveis. Falo por exemplo da definição de bacias de visão que permitem definir a amplitude de visão que se obtém a partir de determinado local pré-definido.

Obviamente estas tecnologias ainda não estão totalmente desenvolvidas, como tudo, nunca estarão. Existem também criticas a fazer, e no caso das bacias de visão, podemos apontar-lhe, por exemplo, a limitação que estas têm por não tomarem em conta determinados parâmetros que podem (ou não) ser determinantes para que em determinado local, a visibilidade seja de facto aquela que o programa nos demonstra. Sabemos que a cobertura vegetal, por exemplo, pode ser um entrave à observação da paisagem ou que um afloramento rochoso pode contribuir para nos alterar a cota em 2 ou 3 metros e permitir ter uma perspectiva totalmente diferente. Estes dois exemplos são sucintos, mas julgo que permitem perceber algumas das limitações da aplicação desta ferramenta, porém não invalida que a sua aplicação traga contributos inestimáveis. A aplicação das ferramentas SIG, tanto quanto sei, nunca foi realizada no estudo desta região específica. Pretendo então definir bacias de visão

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Fig. 8 – Bacia de visão dos povoados de Córdova e Vela.

e perceber os assentamentos arqueológicos contemporâneos aos pontos soberanos na paisagem e a partir daí tirar conclusões sobre a importância, as funções e utilização de dois locais - O Castro do Monte Padrão, um povoado fortificado da Idade do Ferro, que se mantém activo nos primeiros séculos de domínio romano na região, mas que acaba por ser abandonado, ainda no decorrer da Era de Roma, sendo que este local encontra-se bem estudado e documentado (Moreira, 2009). A pouco mais de 1 km para N/NE há vestígios de superfície, especificamente alinhamentos de pedras, numa área de afloramento rochoso com cerâmicas associadas que permitem antever uma Atalaia que estaria activa pelo alvorecer da Idade Média Plena, enquanto, pela mesma altura, o Castro do Monte Padrão parece ter perdido as funções para as quais terá sido ali implantado - o controle do território. 102

O Castro do Monte Padrão passa posteriormente a ser um local associado ao culto e ali se implantou no século X uma capela em honra de um santo que teria raízes numa Villae ali próxima, São Rosendo.

A funcionalidade do Castro do Monte Padrão e do Morro da Vela O aparente abandono do Castro do Monte Padrão no século III d.C. parece demonstrar que a sua ocupação por comunidades humanas permanentes não era, a partir desse momento, sustentável. O posicionamento geoestratégico do castro sobre uma via construída em época romana conferiu-lhe uma funcionalidade que não se prendia com a sua difícil implantação como povoado fechado de carácter defensivo, mas como um espaço onde viveram pessoas que praticariam actividades que podem estar

relacionadas com o controle da referida via e com funções agro-silvo-pastoris onde a função defensiva das suas muralhas parece ter-se perdido, tanto que algumas construções cronologicamente identificadas como romanas parecem estar implantadas sob a 1ª linha de muralhas. Por motivos que desconheço, o castro terá perdido a funcionalidade que o tornava útil. O Morro da Vela localiza-se num «pequeno promontório da cumieira oeste do maciço de Monte Córdova» (Moreira, 2009: 45). Uma prospeção ao local permitiu-me constatar a existência de alinhamentos de pedras de médio calibre e, segundo Álvaro Brito Moreira, as cerâmicas de superfície recolhidas «enquadramse maioritariamente na época medieval» (Idem, 2009: 45) (infelizmente não consegui aceder a informação relativa à natureza destas cerâmicas, mas julgo que não se enquadram em tipologias islâmicas: facto que certamente mereceria mais

cuidado e destaque). O Morro da Vela fica sensivelmente a meio caminho entre o Porto e Guimarães (pelo trajecto da via romana/medieval), com uma implantação virada para noroeste e, mais a norte do Castro do Padrão (cerca de 2 km) ganhando uma amplitude visual mais significativa para o vale do rio Ave, ao passo que a implantação do Castro do Monte Padrão lhe confere uma amplitude visual bastante mais afunilada e indicada para o vale do Rio Leça.

Conclusão Pelo estudo que fiz na região, posso avançar com algumas hipóteses da perda de utilidade e mudança na utilização do ponto de controlo do território. Um primeiro motivo e o mais amplamente difundido para o seu abandono prende-se com a possível quebra ou esgotamento (à época) da

103 Fig. 9 – Localização do Castro do Monte Padrão (vermelho) e da Citânia de Sanfins (preto). Foto do autor.

exploração mineira da serra de Valongo, alguns quilómetros a sul, e que escoaria pela via que passa próxima ao castro as matérias-primas em direcção à capital conventual de Bracara Augusta. É muito provável que o Castro do Monte Padrão, mas também outros povoados localizados num raio de cerca de 10 km, como a Citânia de Sanfins ou o Castro de Alvarelhos, em época romana, tivessem uma relação importante sob ponto de vista da exploração mineira, que poderia ser conduzida pelos princeps locais, mas sob orientação de Roma. São cada vez mais os investigadores que duvidam desta cessação e mesmo da quebra desta exploração. A maioria dos castros do noroeste terá sido abandonada mais ou menos pela mesma altura, independentemente de constituírem ou não um ponto estratégico no controle viário. Assim sendo, os motivos que levaram ao seu abandono poderão não se relacionar com o esgotamento dos veios mineiros, mas antes com a mudança dos padrões

de vida. A economia romana baseava-se no comércio em meio urbano e em meio rural, a exploração agrícola era obviamente o principal meio de subsistência das comunidades. O Castro do Monte Padrão estaria, pela sua localização, afastado destas duas formas de subsistência. Os seus habitantes veriam as comunidades do vale a prosperarem, sobretudo a partir do século II d.C., quando se dá o início do seu declínio. Movidas pela procura de uma vida melhor, as populações terão partido para o vale assentando em pequenos casais agrícolas que proliferam no vale do Ave e do Leça. É possível que a necessidade de estabelecimento no campo esteja relacionada com a quebra de produção mineira e que tenha obrigado os habitantes do castro a procurar formas de vida alternativas à que possuíam desde o século I a.C. O castro do Monte Padrão pode ter perdurado na memória das populações indígenas como um local de origem, um local de culto aos seus

104 Fig. 10 – A via secundária que partia do Porto e entroncava em S. João de Ponte à Via Bracara-Emerita (traçado aproximado). Imagem retirada do Google Earth, ligeiramente alterada.

antepassados, ou associado à religião pagã indígena. Com as depredações Suevas ter-se-á dado uma ocupação de alguns castros no noroeste (Mattoso, 1997: 292). As escavações que foram levadas a cabo no Monte Padrão não comprovam essa reocupação (Santarém, 1955). No entanto, a mentalidade arqueológica da época em que foi escavado pode muito bem ter ignorado alguns vestígios tardo-antigos, tanto que esses vestígios poderão ter sido bastante ténues, uma vez que as populações não voltaram a fixar-se de forma definitiva neste pontos altos e inacessíveis. Faziam-no apenas de forma temporária, como refúgio, aproveitando as construções abandonadas 200 ou 300 anos antes e que estariam bastante degradadas. Com materiais perecíveis terão construído aí abrigos que poderiam ser ocupados por períodos de tempo tão curtos que podem não ter deixado vestígios detectavéis. Porém, estes assentamentos temporários poderão ter obrigado as populações, numa lógica de subsistência, a tomar terrenos ao bosque, tornando-os agrícolas e hipoteticamente dar origem a formação de comunidades no planalto. É comum às populações antigas na região associarem tudo quando é antigo aos Mouros . Assim, o castro poderia ser no imaginário dessas populações um assentamento de raiz muçulmana. O avanço cristão até a linha do Douro, e mais tarde até ao Mondego, foi responsável pela construção de várias fortalezas de dimensões e importância diferenciada ao longo das vias de comunicação e da orla marítima. O castro não se terá transformado numa dessas fortificações. No entanto, próximo do Monte Padrão existem vestígios de uma presumível Atalaia. É possível que este edifício tenha substituído o castro, numa lógica de controlo viário e das comunidades que viveriam no vale, pois como vimos, a amplitude visual é bastante maior.

A utilização deste cabeço para a implantação de uma construção cujas funções haviam sido exercidas por um povoado implantado relativamente perto, pode dever-se a várias razões. Por um lado, para obter uma perspectiva mais ampla e mais vocacionada para uma área onde a densidade humana é comprovadamente maior, comprovada nas Inquirições de 1220 e na dispersão de vestígios romanos (Fig. 6) (esta organização do território manteve-se assim pelo período medievo fora). Por outro lado, possui uma plataforma superior mais pequena e por isso mais fácil de defender. Sabemos a importância que Guimarães adquiriu após a sua fundação como residência de Vimara Peres e outras famílias importantes que se seguiram. O posicionamento intermédio entre o Porto e a residência condal de Guimarães, constituindo no espaço desta via o único assentamento deste tipo até agora identificado entre Douro e Ave. Nesse contexto, o seu posicionamento mais discreto e mais próximo para quem passa na via secundária vindo de sul (relativamente ao Castro do Monte Padrão), possibilitava assim organizar ataques de surpresa a inimigos, porventura atacando-os pela rectaguarda ou encurralando-os entre o Monte Córdova e o rio Ave (na face norte a montanha termina com pendores acentuados que vão diminuindo à medida que se aproximam do rio Ave e de Ocidente), beneficiando do posicionamento mais elevado relativamente à via romana e medieval que atravessaria a meia encosta (o Morro da Vela localizar-se-ia a cerca de 1,5 – 2 km desta via, enquanto o Castro do Padrão a cerca de 2 a 3 km). No Morro da Vela é possível uma amplitude visual para noroeste que coincide com o hipotético local de passagem da via pela zona da cidade de Santo Tirso. Essa via, depois de prosseguir mais 4 a 5 km e contornar o cabeço montanhoso do Carvalhido , entraria na actual freguesia de Rebordões (Santo Tirso), tendo nas suas costas

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vários maciços relativamente próximos, como o Morro da Vela, entrando numa zona onde os declives dos relevos vão de forma mais vigorosa até ao rio Ave, constituindo uma faixa estreita de terreno semi-aplanado, próxima do rio, era certamente um local aprazível para emboscadas . Como podemos perceber através da observação do mapa das bacias de visão da figura 8, estas são de forma tão avassaladora superiores - no caso do Morro da Vela - em relação ao Castro do Monte Padrão, que é fácil supormos todas as vantagens que o seu uso teria em relação ao último.

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Introdução Aplicações SIG na investigação arqueológica no Concelho de Ourém Jorge Venceslau

O território hoje identificado como concelho de Ourém, com a sua posição geoestratégica privilegiada, agregada às excelentes condições naturais existentes (clima ameno, terrenos férteis, cursos de água e vales) tornou-se um atractivo à fixação populacional, existindo indicadores de ocupação humana desde o Paleolítico. O trabalho que aqui se apresenta, integrado na cadeira SIG em Arqueologia, do Mestrado em Arqueologia e Território da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pretende abordar, com recurso aos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), as estações arqueológicas existentes no concelho, nomeadamente através de análises espaciais que permitam a compreensão dos padrões de distribuição dos sítios arqueológicos, a organização interna dos povoados e a influência da paisagem na vida dessas comunidades. Em sentido lato, um Sistema de Informação Geográfica é uma ferramenta informática que permite o armazenamento, manipulação, análise e apresentação de dados georreferenciados, com o intuito de responder e resolver questões sobre entidades espaciais (Burrough e McDonnell, 1998; Cowen, 1988; Parker, 1988; Smith et alii, 1987). Assim, os SIG constituem, nas suas diversas vertentes, um suporte adequado à análise, investigação e interpretação de dados arqueológicos. Apesar das inúmeras ferramentas existentes no programa Quantum GIS, optámos apenas pela utilização daquelas que eram mais coerentes com o tipo de investigação a que nos propusemos.

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Enquadramento geográfico Como se pode analisar pela cartografia reproduzida na figura 1, o concelho de Ourém situa-se no distrito de Santarém e está inserido na NUT III do Médio Tejo. Localiza-se a cerca de 40 km da costa atlântica, na zona de transição entre o Ribatejo (Norte) e a Beira Litoral. Faz fronteira, a norte, com os concelhos de Pombal e Alvaiázere, com Ferreira do Zêzere e Tomar, a leste, com Torres Novas e Alcanena, a sul, e ainda com a Batalha e Leiria a oeste. Ocupa uma superfície de aproximadamente 416 km2 distribuída por 18 freguesias: Alburitel, Atouguia, Casal dos Bernardos, Caxarias, Cercal, Espite, Fátima, Formigais, Freixianda, Gondemaria, Matas, Nossa Senhora da Piedade, Olival, Ribeira do Fárrio, Rio de Couros, Seiça, Urqueira e Nossa Senhora das Misericórdias (Fig. 1). Maioritariamente integrada na bacia do Tejo, a

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rede hidrográfica é constituída, para além do rio Nabão, por diversas ribeiras, sendo as mais importantes a ribeira do Olival, a ribeira de Caxarias, a ribeira do Vale Sobreiro e a ribeira de Seiça (Fonseca, 2006: 23). Em termos geomorfológicos, a faixa de território aqui abordada apresenta duas áreas perfeitamente distintas cuja fronteira se situará no limite meridional da superfície de abatimento de Ourém: o sul predominantemente composto por calcários e marcadamente planáltico, mas onde se identificam também áreas muito declivosas, situando-se o ponto mais alto na serra de Aire, a 677 m de altitude. O norte apresentando uma altimetria menos elevada (o seu ponto mais baixo é na foz da ribeira de Seiça no rio Nabão, a 90 m de altitude), onde se destacam pequenas áreas planálticas e vales de alinhamento leste/oeste, onde predominam os depósitos aluvionares (Fonseca, 2006: 23).

Fig. 1 – Localização do concelho de Ourém no território de Portugal e identificação das respectivas freguesias.

Análise aos sítios arqueológicos do concelho de Ourém No Portal do Arqueólogo da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) estão referenciados apenas 49 sítios no concelho de Ourém, sendo que na Carta Arqueológica são indicados 130. Neste presente trabalho não incluímos os sítios da Época Moderna, nem aqueles em que não foi possível obter as coordenadas que permitissem a

sua georreferenciação em ambiente SIG. Foram assim assinalados 77 sítios para o presente trabalho (Fig. 2). Saliente-se igualmente que alguns destes registos não estão isentos de dificuldades de interpretação conveniente, seja porque a sua cronologia não se encontra ainda perfeitamente estabelecida e/ou a sua funcionalidade é bastante discutível. No mapa da figura 3 realizámos a aplicação do heatmap a todos os sítios georreferenciados no presente trabalho, destacando as áreas de maior

Fig. 2 – Sítios arqueológicos do concelho de Ourém sobre uma base hipsométrica

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densidade de ocupação humana no concelho, ao longo dos diversos períodos históricos, especialmente a norte do abatimento de Ourém, nas proximidades das ribeiras de Caxarias e do Olival, bem como ao longo vale do Nabão, nas freguesias de Freixianda e de Formigais. A avaliar pelos mapas das figuras 2 e 3, a parte sul do território, ocupada fundamentalmente pelos solos calcários da serra, seria praticamente despovoada, pelo menos até ao final da Idade Média. Analisando os dois mapas constatamos

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igualmente uma nítida continuidade de ocupação dos espaços nos vários períodos cronológicos. A fertilidade dos solos locais e a exploração agrícola do território terão certamente desempenhado um papel predominante na implantação e na economia das populações locais. Nesse sentido, e apesar da capacidade dos solos ser uma questão complexa que poderá ter conhecido oscilações ou modificações significativas ao longo do tempo, decidimos fazer uma análise articulada entre as áreas de

Fig. 3 – Heatmap com raio de 2 km dos sítios arqueológicos.

concentração de sítios e a capacidade de solos da região (Fig. 4). O mapa indica-nos que, excluindo os da Pré-História, a maioria dos sítios se encontram em solos de classe A: solos férteis, propícios ao desenvolvimento da actividade agrícola. Neste sentido, parece indiscutível a importância que o meio físico teve como condicionante à fixação humana no actual concelho de Ourém.

1. Pré-história O actual território de Ourém foi ocupado desde longa data. A presença humana é testemunhada por numerosos vestígios de diferentes períodos (Fig. 5). Relativamente à Pré-História adoptou-se nesta abordagem uma divisão geral entre o Paleolítico, Mesolítico, Neolítico, Calcolítico, Bronze Inicial e Bronze Médio. Não tendo obtido muitas informações quanto ao

111 Fig. 4 – Sítios arqueológicos sobre a Carta da Capacidade de solos da região.

2. Proto-história A passagem do Bronze Final para a Idade do Ferro nesta região, com base nos dados conhecidos, parece não documentar nenhuma diferença substantiva ao nível da implantação dos povoados relativamente a estes dois períodos. Com efeito, a transição de uma fase para a outra não contemplou particulares rupturas e a distinção das modalidades de povoamento entre o Bronze Final e a Idade do Ferro parece ser muito ténue, havendo pelo contrário, um reforço das estratégias anteriores de exploração do território, que dá preferência pelos povoados elevados, na proximidade das linhas de água e das nascentes, implantados em montes de altitude média. Importa referir que a área Fig. 5 – Sítios pré-históricos sobre uma base hipsométrica. considerada neste povoamento do período pré-histórico, recorreutrabalho, coincidente com os limites se apenas à formulação do heatmap para administrativos do concelho de Ourém, nunca foi determinar as áreas de maior concentração de objecto de um trabalho específico de síntese, no sítios (Fig. 6). que respeita ao povoamento proto-histórico, e as Assim, deste período detecta-se uma maior escavações efectuadas foram escassas e muito concentração de povoamento na zona norte do pontuais, bem como insuficientemente concelho, nas proximidades de ribeiras, publicadas. designadamente da ribeira do Olival, da ribeira da Do que é referido na base de dados do Portal do Abadia e da ribeira de Caxarias. Esta maior Arqueólogo da DGPC e na Carta Arqueológica do concentração de vestígios estende-se igualmente concelho de Ourém, conhecem-se apenas 8 ao longo do vale do rio Nabão. registos, entre testemunhos de habitat, achados isolados e possíveis contextos funerários. 112

Nesta faixa de território conhecemse 4 povoados datados do Bronze Final. Considerando que os povoados de Ourém são contemporâneos dos de Alvaiázere e que nenhum estaria dependente de outro, recorreu-se ao método dos Polígonos de Thiessen (Fig. 8) e à Triangulação de Delaunay (Fig. 9) numa tentativa de efectuar uma análise territorial a estes povoados. O método dos Polígonos de Thiessen, calculado no QGIS através da aplicação do Diagrama de Voronoi, identifica os pontos intermédios entre dois centros populacionais, Fig. 6 – Heatmap com raio de 2 km dos sítios arqueológicos pré-históricos. fazendo passar por Assim, o primeiro aspecto a salientar da análise eles alinhamentos rectilíneos que, numa malha do mapa da figura 7 é a exiguidade de sítios de múltiplos sítios, acabam por formar figuras identificados com ocupação da Idade do Bronze poligonais correspondentes aos respectivos Final e da Idade do Ferro, relativamente à territórios teóricos (Osório, 2008 Não vem na proliferação de sítios identificados com ocupação final). anterior e posterior. Quanto à Triangulação de Delaunay, trata-se de Dada a pobreza de sítios deste período na região uma ferramenta que calcula o trajecto mais curto estudada e para uma análise mais completa, entre pontos. No mapa da figura 9, a malha recorremos aos dados conhecidos no território poligonal feita com este algoritmo revela alguns da outra margem do rio Nabão, no actual aspectos interessantes, nomeadamente a sua concelho de Alvaiázere. relativa homogeneidade e a sua forma piramidal, É notório o grande desequilíbrio entre as duas em que o Castro de Alvaiázere surge no topo margens no que respeita a ocupação do espaço.

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uma área ampla poderia ter constituído um factor importante na instalação de um povoado em determinado local e, por outro lado, se havia possibilidade de interacção visual entre os diferentes sítios. Por visibilidade entendemos o domínio visual sobre a envolvente. Para esta operação utilizámos uma ferramenta bastante útil na análise do povoamento que são as bacias de visão (viewshed). Escolhemos como pontos de observação para estas bacias de visão os 2 castros do concelho de Ourém: o Castro do Agroal e o Castro do Abrigo do Castelo. São povoados implantados bem próximo do rio Nabão e inseridos no conjunto de elevações que se desenvolvem sobre o vale desse rio, na sua margem direita. As potencialidades do rio Nabão terão sido fundamentais para a sobrevivência dessas comunidades. O Castro do Agroal está localizado a 130 metros de altitude, na margem direita do vale (Fig. 7). Encontra-se dividido pelo esporão e por outro cabeço interior adjacente. Relativamente ao Castro de Porto Velho, igualmente designado

Fig. 7 – Sítios proto-históricos sobre uma base hipsométrica.

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dessa pirâmide, dentro de uma lógica de povoamento hierarquizado, corroborando a tese de o grande povoado : um dos mais expressivos povoados proto-históricos da Península Ibérica que, ao que parece, estruturaria a região de forma tutelar. O sítio foi escavado em sucessivas campanhas por Paulo Félix, tendo cerca de 50 hectares de área relativos à 2ª fase de ocupação (transição Bronze Final/ Idade do Ferro) - dimensões invulgares nos contextos desta época à escala peninsular (Félix, 2006: 69). No mapa da figura 10 procurámos determinar se a visibilidade de outros locais habitados ou de

Fig. 8 – Resultados da aplicação do método dos Polígonos de Thiessen nestes povoados.

por Abrigo do Castelo, trata-se de um povoado fortificado da Idade do Ferro que apresenta duas linhas de muralhas, mas que possivelmente teve ocupação anterior (Bernardes, 2006: 81) e foi posteriormente romanizado. Localizado na margem direita do rio Nabão (Fig. 7) e implantado numa elevação com bom domínio da paisagem (168 m altitude), controla a entrada do troço médio encaixado do rio Nabão, e as passagens para ocidente asseguradas pelos vales das ribeiras do Olival, de Caxarias e da Sabacheira.

Fig. 9 – Resultados da aplicação da Triangulação de Delaunay nestes povoados.

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Fig. 10 – Bacias de visão do Castro do Agroal e do Castro do Abrigo do Castelo.

Do resultado obtido com esta aplicação (Fig. 10) constatamos que: 

O Castro do Agroal possui um amplo campo de visão, tanto para norte como para oriente. Daí era visível quer o Castro do Abrigo do Castelo, quer o sítio de Ourém Velho (da Idade do Ferro) localizado no morro da vila velha de Ourém. Apresenta, no entanto, menor visibilidade a curta distância.

 O Castro do Abrigo do Castelo apresenta também uma vasta bacia de visão num raio de 5 km, mas pelo contrário, pouca visibilidade para além dessa distância

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 Destaca-se a relevância do rio Nabão, para a qual converge a visibilidade dos 2 sítios O Castro de Alvaiázere localizado na serra de Alvaiázere, com os seus 620 metros de altitude máxima acentuam a diferença relativamente à

paisagem adjacente, em regra mais de 200 metros abaixo (Fig. 11).

3. Romano Em função dos dados conhecidos, a partir da chegada dos romanos verificaram-se alterações na estratégia de ocupação do espaço na faixa de território aqui abordada (Fig. 12). As populações destas zonas instalam-se a cotas bem inferiores relativamente ao período anterior, junto dos vales fluviais e sem condições de defesa natural. Dá-se a aposta num novo modelo de povoamento que privilegia as terras baixas em detrimento dos povoados em altura (Bernardes, 2006: 81). Na época romana o território hoje identificado como concelho de Ourém estava na jurisdição das civitas de Seilium, atual Tomar, e de Collipo, entre os concelhos de Leiria e Batalha

Fig. 11 – Perfil da distribuição e localização topográfica dos sítios.

(organização realizada a partir do século I d.C. por Augusto assente ou desenvolvida a partir de civitates). O facto de o território estar nos limites destes dois pólos estruturantes do povoamento da região, vai condicionar o desenvolvimento de amplas e múltiplas comunidades, o que só será contrariado pela excelente fertilidade de algumas várzeas como as que desenvolvem ao longo das ribeiras de Seiça, Olival e Caxarias (Bernardes, 2006, p.86). Neste sentido, consideramos que o início da colonização romana da região do actual concelho de Ourém terá ocorrido apenas após a fundação das civitas de Seilium e de Collipo.

Assim, o povoamento romano nesta região repartia-se por diferentes tipos de sítios: vici, villae, granjas e casais. Para este período são identificados 35 sítios. Se atendermos à tipologia dos sítios identificados (Fig. 12), verificamos que estes correspondem, na sua maioria, a casais – que são pequenas unidades de exploração agropecuária unifamiliar, dispersas de forma avulsa e que parecem constituir a forma mais habitual do povoamento rural da área do presente estudo. Ocupam os solos que não são dos mais produtivos, pois esses são ocupados pelas villae. Menos frequentes nesta região são as villae, os vici, as granjas e os pequenos sítios. De referir, infelizmente, o grande número de locais

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substancialmente, verificamos que a escolha de bons solos, de terras mais férteis e a proximidade a recursos hidrológicos funcionou como um elemento decisivo para implantar as villae. Relativamente aos pequenos sítios e aos casais no território em estudo a sua implantação ocorre próxima de linhas de água, mas em solos de qualidade inferior, definindose, assim, um padrão diferenciado de duas realidades distintas. A utilização do Fig. 12 – Sítios romanos sobre uma base hipsométrica. buffer nas villae indeterminados, a merecer um estudo que os permite uma análise das relações hierárquicas, permita classificar. que embora sejam mais subjectivas, poderão ser Analisando o buffer (Fig. 13 e 14) de 2,5 km para imprescindíveis para a investigação das relações as três villae das Coinas, do Olival e de São entre sítios contemporâneos. No buffer de 2,5 km Bernardo, e um outro buffer de 8 km (Fig. 13) utilizado para as villae é visível que os casais se para os vici da Arrochela e de Casais da Matinha, posicionam na sua periferia e apenas um se sobre a carta da capacidade de solos, encontra dentro dessa área de influência (Fig. evidenciam-se que as villae possuem em comum 14). Estão todos localizados na divisão entre uma localização privilegiada, nas áreas de solos terrenos de classe A e de classe C. com boas aptidões agrícolas, de classe A, com Relativamente aos pequenos sítios apenas três boa exposição solar e com acesso a uma rede estão referenciados e, pelo que se observa no hidrográfica densa. mapa, dois deles seriam destinados ao apoio das Neste sentido, e com o pressuposto que certas actividades produtivas da villa de São Bernardo e condições actualmente observadas e o outro da villa de Olival. quantificadas não se modificaram

Relativamente aos vici situamse igualmente em solos de classe A, bem próximo de dois importantes recursos hídricos: o rio Nabão e a ribeira de Vale do Sobreiro (Fig. 13). O facto de o território em estudo estar em zona de fronteira territorial, nos limites das duas civitates, foi possivelmente o factor que levou à criação dos vici de Arrochela e Casais da Matinha, possivelmente como centros de serviços .

Fig. 13 – Resultados da aplicação de buffers nas villae e nos vici.

119 Fig. 14 – Resultado da aplicação de buffer de 2,5 km nas villae sobre a carta de capacidade de solos.

conhecidos parece não documentar nenhuma diferença substantiva ao nível da implantação dos povoados (Fig. 15). Com efeito, a transição de uma fase para a outra não contemplou particulares rupturas e a distinção das modalidades de povoamento entre o período romano e a época medieval parece ser muito ténue, havendo pelo contrário, um reforço das estratégias anteriores de exploração do território, que dá preferência à proximidade às linhas de água e nascentes, e aos solos com boa aptidão agrícola (Fig. 16).

Conclusão No presente trabalho, a aplicação das ferramentas SIG possibilitou um novo tipo de abordagem a algumas problemáticas referentes ao património arqueológico do concelho de Ourém. Temos consciência que a escolha de uma fronteira administrativa contemporânea como limite de área de estudo é uma condicionante neste tipo de estudo, ainda mais quando se aborda períodos tão antigos. A análise espacial obtida por meio de algumas ferramentas SIG resulta de um olhar contemporâneo sobre um quadro geográfico que se alterou significativamente desde a época em análise, quer em termos físicos, quer em função da ocupação humana do espaço. No entanto, constatamos neste presente trabalho que o seu uso permitiu uma melhor interpretação dos sítios conhecidos. Em suma, para a região em estudo, ao longo das várias épocas a distribuição do povoamento

Fig. 15 – Sítios da Idade Média sobre uma base hipsométrica.

4. Medieval

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Para a região aqui abordada, é difícil separar por balizas temporais a antiguidade tardia do período alto-medieval, tanto pelas continuidades, em termos materiais, como pelas transmissões que se dão tanto no seguimento do povoamento, como na manutenção das estruturas romanas. Nesse sentido, não fizemos divisão entre a Alta e Baixa Idade Média, apesar de em algumas regiões do território português serem duas realidades perfeitamente distintas, com formas diferentes de ocupação e modelagem do espaço. A passagem do período romano para a Idade Média nesta região com base nos dados

surge associada a factores particulares de natureza geo-ambiental, ou seja influenciada por elementos ambientais, naturais e físicos favoráveis à fixação humana, com boas condições de defensabilidade natural, próximos a cursos de água e a recursos naturais importantes. Face ao exposto, é provável que existam outros

assentamentos nesta zona que ainda não foram identificados, talvez em pontos menos destacados da paisagem, sítios de menor categoria. Deste modo, parece ser necessário realizar investigações e/ou estudos, neste concelho, que procurem colmatar estas lacunas. A utilização dos SIG, não apenas nessas

Fig. 16 – Heatmap de raio de 2 km dos sítios medievais.

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investigações arqueológicas, mas igualmente na gestão e planeamento de território e proteção de vestígios arqueológicos é o caminho a seguir por todos aqueles que lidam com o património arqueológico em Portugal.

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Cabeço das Fráguas: uma abordagem SIG do santuário. A paisagem como ponto de partida para a análise de um sítio arqueológico. Pedro Ramos

Introdução Do ponto de vista geográfico, o Cabeço das Fráguas situa-se num local de destaque na paisagem, elevando-se a 1015 m, sendo o ponto mais alto das montanhas da região e, portanto, um marco natural. Assim, uma análise espacial recorrendo às ferramentas SIG torna-se fundamental para a compreensão deste sítio arqueológico. No presente trabalho optou-se pelo software open source QGIS. Para além de uma simples localização no espaço, é necessário fazer a ponte que liga este a outros pontos, numa análise de contactos visuais, vias de circulação e padrões de povoamento, bem como as relações entre esse povoamento e a geomorfologia da região e a economia, através da análise da sua implantação em função da carta de capacidade de solos e dos recursos hídricos que lhes estão associados.

Localização O Cabeço das Fráguas situa-se a cerca de 15 km a sul da Guarda, sobranceiro à Quinta de São Domingos, numa zona de transição geomorfológica da Meseta para os vales da Cova da Beira (Fig. 1). Para além da tradição oral, a primeira referência ao sítio arqueológico é feita num trabalho do general João de Almeida, em 1943 (Apud Rodrigues: 1959: 71). Contudo, a chegada da comunidade científica ao Cabeço das Fráguas dáse pela mão de Adriano Vasco Rodrigues (Guerra, 2004: 312). Com um campo visual que vai para além do Sabugal e controla os vales de acesso à Cova da Beira, como é possível verificar no mapa das bacias de visão (Fig. 2), as Fráguas são uma referência geográfica na região. O castro tem um recinto fortificado delimitado por duas linhas de muralha, em aparelho de pedra seca, que chega a atingir os dois metros de espessura. É no socalco superior que se situa a

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famosa inscrição, gravada numa laje de granito ao nível do solo e virada a Nascente. Este é um espaço de santuário num recinto bem demarcado por uma praça aberta, com várias construções de diferentes fases de ocupação. Apesar da existência de uma muralha em boa parte do arranque das encostas, para além de uma ocupação romana atestada no sopé do relevo, é no cume que surgem evidências de uma ocupação que data desde o Bronze Final até ao final do século I da nossa era (Santos e Schattner 2010: 96). Localizado num monte que domina a região envolvente, sendo, portanto, um importante marco visual, é também de salientar o facto de aqui se localizarem as nascentes de vários ribeiros, pois, como diz Eduardo Sánchez Moreno: «El elemento acuático es un vehículo natural de conexión con la esfera religiosa del hombre desde tiempos remotos y en práticamente todas las culturas antíguas» (1997: 129).

O seu campo visual é impressionante, controlando toda a zona envolvente até uma grande distância, sendo também, um dos poucos povoados que é visto por todos os restantes. No sopé do monte, o sítio da Quinta de São Domingos, Benespera, poderá ter sido um vicus, associado aos vestígios arqueológicos de uma extensa estação romana (Osório, 2008: 53). Comportando-se como lugar central da paisagem física e, portanto, simbólica das comunidades que aqui habitavam ou que por aqui passavam, nas movimentações entre a Meseta e a Cova da Beira, foi ocupado como local de culto, desde o século VIII-VII a.C. até ao final do século I d.C. (Santos e Schattner 2010: 96).

Problemática O povoamento deste território durante o período do I milénio a.C. foi já anteriormente descrito (Osório, 2009). Neste artigo, o autor aborda a problemática tanto no sentido do controlo e

124

Fig. 1 – Localização geográfica do Cabeço das Fráguas e dos povoados referidos in Osório, 2009: 108.

imposição visual, ver e ser visto, mas também no sentido de uma ocupação baseada no custo/tempo de deslocação a partir do habitat, sendo o território de um povoado determinado pela capacidade dos seus habitantes o poderem percorrer de uma forma recorrente. Para tal, traçou limites de tempo de marcha de meia hora e 1 hora que poderão indicar a área de influência de determinado povoado (Idem, 2009: 97 e 110). O que se pretende com este trabalho é uma abordagem ao sítio como santuário, como local central na paisagem física, da região, e simbólica, para os povos de então. Desta forma, pareceunos útil relacionar as redes de caminhos antigos existentes com aqueles que irradiam do topo do monte, na tentativa de verificar a hipótese deste ser um santuário visitado por peregrinos vindos de vários sítios, que tomariam rotas distintas, mas que iriam convergir no Cabeço das Fráguas. Seguindo a mesma linha de pensamento (sítio central), impunha-se a realização do cálculo da sua bacia de visão, relacionando a centralidade

com a visibilidade e a omnipresença na paisagem visual com simbolismo religioso: o controlo do espaço como forma de imposição no território. Também o padrão de povoamento poderá ter influenciado a utilização e o abandono do santuário. Com base nas evidências arqueológicas, conclui-se que o sítio passou por diferentes fases: de apogeu, declínio e abandono (Santos e Schattner, 2010: 97). Recorrendo aos SIG podemos fazer una análise espacial desse povoamento, correlacionando povoamento com visibilidade e com os recursos económicos.

Abordagem SIG Bacias de visão Através da análise das bacias de visão foi possível, não só ter uma noção do domínio visual do sítio, mas também da sua importância na paisagem, isto é, de onde seria avistado.

125 Fig. 2 – Bacia de visão do Cabeço das Fráguas calculada com a ferramenta Visi ility A alysis .

Fig. 3 – Zonas e povoados castrejos visíveis desde o Cabeço das Fráguas (povoados in Osório, 2009: 108).

126 Fig. 4 – Zonas e sítios romanos visíveis desde o Cabeço das Fráguas (povoamento romano in Osório, 2013).

Neste

sentido,

e

confirmando-se

que

os

povoados aqui representados são contemporâneos, podemos verificar que existe uma intervisibilidade entre eles e o santuário (Fig. 3). Já anteriormente tinha sido referido que, juntamente com o São Cornélio, as Fráguas são a referência visual mais importante para as populações do Alto Côa e da Cova da Beira (Osório, 2009: 97). Se um acidente natural, como uma elevação que se destaca na paisagem pelo seu tamanho ou forma particular, pode ter servido, em variadas épocas, como referência espacial, convertendose em espaço sagrado, então poderá ter sido usada de ponto de encontro e intercâmbio entre grupos que partilhavam limites territoriais, gerando desta forma um espaço neutral ou terra de ninguém (García Quintela et alii, 2006: 213214).

Um santuário será, por excelência, um espaço de convergência, espaço este que continua a ser utilizado mesmo em época romana, quando a lógica de povoamento já era outra. Assim, e como iremos discutir mais adiante, o paradigma de ocupação do território terá sido alterado com a chegada dos romanos, mas a importância do local como sítio sagrado vai manter-se durante parte deste período, ainda que com possíveis alterações na forma de uso do espaço, quer ao nível dos rituais, quer das divindades aí cultuadas ou mesmo da área ocupada. De uma comunidade de povoados que se controla mantendo entre si um contacto visual permanente (Osório, 2008: 48), que poderia funcionar como meio de coesão e prova de afinidade étnica (Vilaça, 2004: 47; Osório, 2008: 48), passa-se para uma ocupação das zonas de

127 Fig. 5 – Bacias de visão parciais que tiveram em conta apenas um ponto do topo do Cabeço das Fráguas.

128

vale, mais planas ou abrigadas, junto a vias. Todavia, subsistem ainda sítios de altura cuja ocupação se estende à Época Romana, ainda que sofrendo fortes influências na sua morfologia, romanizando-se (Pereira, 2010: 29). Esta importância dada à intervisibilidade e à geomorfologia perece ser atestada pelo padrão de povoamento dos povoados castrejos. No mapa da figura 3 constatamos a importância dada ao contacto visual, onde o Cabeço das Fráguas domina toda a zona envolvente. Este povoado era avistado de quase todos os castros, sendo um ponto de referência comum a todo os que habitavam este espaço, funcionando, possivelmente, como o próprio centro agregador das comunidades. Podemos verificar que durante a época romana a importância da visibilidade se perde (Fig. 4), ou seja, mesmo não sendo visível da maioria dos sítios romanos, o santuário não deixa de ser visitado, como o atesta a inscrição rupestre, assim como as inúmeras aras encontradas na quinta do sopé do monte. Poderemos então extrapolar que essa importância seria algo gravado na memória dos povos que viveram neste território. Outra hipótese seria a de que, a par com a mudança do paradigma de povoamento, poderá ter sido alterado o aspecto que se valorizava na escolha de um determinado sítio como local sagrado. Perdendo-se a memória, também o sítio perderia peregrinos e importância, aliás como atestam as escavações, cujos resultados apontam para um progressivo abandono do local. Os edifícios não apontam para uma ocupação de cariz habitacional e sim para funções rituais e comunitárias, dado o tamanho destas construções, que foram crescendo no tempo, dando, construções mais pequenas, lugar a outras de maior dimensão, possivelmente como resposta pragmática a um problema de maior afluência ao santuário, inferindo-se, desta forma, uma época de apogeu seguida de uma de

declínio, com a romanização. A construção de uma estrutura circular, que veio substituir a anterior, de menor dimensão, indicia esse aumento de peregrinos que se dirigiam ao santuário. Também os artefactos de época romana apontam para um decréscimo de importância do local na paisagem simbólica dos povos de então (Santos e Schattner, 2010: 105). Os altares do sopé do Cabeço das Fráguas estão relacionados com o material de outros sítios claramente mais tardios, mais romanizados, ainda que com intenções claramente indígenas (Koch, 2010: 56). Podemos, portanto, dizer que estes espaços, em época romana, deveriam encaixar em novas concepções espaciais e territoriais. Assim, o repartir do espaço entre as comunidades daria lugar aos limites anti-naturais que hoje se observam, não significando com isto que todos estes pontos perdessem o seu caracter simbólico (Garcia Quintela et alii, 2006: 214). Então, e com base nos mapas de povoamento e de bacias de visão, é possível colocar a questão: O abandono deste local de culto terá sido devido à alteração de valores? Ao contrário de outros locais, onde sítios sagrados pré-romanos passaram a locais de culto romanizados e mais tarde cristianizados, este terá tido o seu apogeu na Idade do Ferro, e o seu declínio em época romana, aparentemente devido a um esquecimento dos povos. Será que a geomorfologia era um factor assim tão determinante ou o facto de aí se ter verificado um leito de ribeira (Santos, 2010: 94), que hoje se encontra seco, poderá ter determinado a morte do santuário, isto é, secando o rio o sítio perde a sacralidade? Para ajudar a responder a esta questão seria interessante conhecermos a época em que esta ribeira correu e quando secou. Convém, no entanto, referir que nos depósitos de aluvião foram recuperados diversos materiais, todos eles, não obstante, atribuíveis à transição Bronze Final/I Idade do Ferro e à II Idade do Ferro,

Fig. 6 – Mapa de distribuição dos povoados castrejos próximos do Cabeço das Fráguas, com base nos sítios de Osório, 2009: 108.

129 Fig. 7 – Mapa de distribuição dos sítios em torno do Cabeço das Fráguas, com base em Osório, 2013. seguramente arrastados de cotas maisromanos elevadas

pela acção das chuvas e da própria ribeira» (Santos e Schattner, 2010: 94). Estes são materiais que correspondem ao período áureo do santuário. Deve-se, porém, sa lientar as dificuldades de uma aplicação cega das bacias de visão, ou seja, sem o necessário conhecimento do terreno é fácil cair no erro de fazer a análise com base apenas num ponto, obtendo-se resultados parciais como os apresentados na figura 5. No presente caso, a análise deve ser feita recorrendo a vários pontos do planalto, uma vez que, sendo este extenso, não é possível de um ponto central ter a noção do domínio visual que o sítio, como um todo, apresenta. Uma outra limitação prende-se, agora, com a obtenção dos mapas base, utilizados para os cálculos. Mapas cujas curvas de nível distem de 10 em 10 metros são preferíveis aos de 30 metros, pois dão resultados mais finos, permitindo uma maior aproximação à realidade.

Quanto à cobertura vegetal, não nos parece ser um obstáculo fulcral para a veracidade dos resultados, uma vez que a flora autóctone, na sua maioria, não seria de porte suficientemente grande de forma a aumentar, significativamente, o erro cometido por uma altimetria que varia de trinta em trinta metros. Há, no entanto, que salientar o facto de podermos colocar novas questões tendo por base uma análise espacial, e as interrogações, sempre que pertinentes, são um avanço para o conhecimento.

Padrões de povoamento Tal como referido atrás, os padrões de povoamento foram sendo alterados ao longo do tempo. De uma ocupação em altura, no Bronze Final (Vilaça, 2000: 33), passa-se para uma ocupação das áreas mais baixas e resguardadas junto às vias, em Época Romana.

130 Fig. 8 – Heatmap das áreas de maior concentração do povoamento romano em torno do Cabeço das Fráguas.

Na Idade do Ferro não parece ter-se alterado significativamente o paradigma do período anterior, ainda que se assista a uma modificação do padrão de povoamento, onde diferentes formas de implantação ocorreram em simultâneo. Parece, no entanto, existir um certo direccionamento dos assentamentos para os cursos de água e para zonas menos visíveis da paisagem (Silva, 2006: 73-75). Na figura 6 é possível localizar os castros da região, que «ocupam as plataformas de topo das elevações melhor destacadas e individualizadas na paisagem lembrando ilhotas a flutuar num mar de planícies» (Vilaça, 2000: 33). Já o povoamento em Época Romana, tal como está representado na figura 7, parece descer dos montes, indo instalar-se em zonas menos agrestes, de vale, mais planas ou abrigadas, junto

aos principais caminhos. Todavia, subsistem alguns sítios de altura cuja ocupação perdura até à Época Romana. Podemos verificar, através da visualização do heatmap da figura 8, que estes assentamentos se concentram, na sua maioria, em zonas baixas e planas. Recorrendo aos SIG, é possível observar a distribuição destes assentamentos humanos nos dois períodos aqui estudados. A informação retirada destes mapas, de distribuição dos povoados, é potencializada quando associada à carta de capacidade de solos ou à rede de recursos hídricos. Através desta análise é possível verificar que, ao contrário das comunidades proto-históricas, o povoamento romano parece concentrar-se em zonas de solos mais férteis (Fig. 9), onde a

Tabela 1 – Sítios romanos com base no levantamento consultado na geodatabase de Osório, 2013.

131

capacidade produtiva agrícola é maior, denotando-se, também aqui, uma maior apetência destas populações para uma ocupação relacionada com o potencial económico e menos virada para estratégias de domínio visual, de defesa e controlo do território, que as comunidades castrejas parecem privilegiar em detrimento da qualidade de solos que ocupam (Fig. 10). Quanto aos recursos hídricos, estes parecem não ter tido grande influência no padrão de povoamento, uma vez que, em todas as épocas, a água foi um elemento fulcral na escolha dos locais de implantação das comunidades. As figuras 11 e 12 atestam isso mesmo. No entanto, parece ter tido alguma influência na eleição das Fráguas como local sagrado, uma vez que, para além do destaque visual, este sítio esta relativamente próximo de linhas de água importantes, a somar às nascentes que aí se situam. Se tomarmos por paralelo o castro de São Cornélio, também ele um marco na paisagem e que, à semelhança do Cabeço das Fráguas, é avistado por quase todos os castros que o envolvem (Osório, 2008: 48), podemos colocar a questão: porquê a escolha do local de culto ter recaído, então, sobre as Fráguas? É que, para além da sua importante visibilidade, o São Cornélio encontra-se numa posição geograficamente mais central, relativamente aos povoados assinalados, o que, em princípio, lhe daria primazia como espaço central de cariz religioso, agregador destas comunidades. Uma hipótese é a de que a água teve um papel importante na sacralização do local. A distribuição destas comunidades castrejas foi ainda analisada espacialmente através do Diagrama de Voronoi (Fig. 13), que consiste numa divisão do espaço em polígonos para determinar as áreas de influência.

132

Este diagrama tem como funcionalidade básica a resolução de problemáticas ligadas à proximidade, onde os limites dos polígonos correspondem aos pontos equidistantes dos povoados vizinhos, isto é, as linhas que unem esses vértices definem a zona intermédia entre esses mesmos povoados1. Estas áreas são aqui interpretadas como áreas de influência dos povoados, ou seja, os seus territórios de exploração. «No entanto, este método obriga que os núcleos habitados sejam não só contemporâneos, mas também da mesma categoria, e que nenhum esteja dependente de outro» (Osório, 2008: 47). Também aqui se verifica que «esta rede de povoamento pode ter-se definido em função de necessidades de controlo visual e defesa do território e, sobretudo, dos caminhos que o atravessavam, pois neles circulavam diversos bens, entre os quais o metal» (Osório 2008: 46; ver também Vilaça, 2000: 33). Quanto aos sítios romanos aqui representados, a sua distribuição espacial não pode ser relacionada com áreas de domínio cujo controlo visual era o factor mais importante. Desta forma, os resultados também apontam para uma mudança do paradigma de ocupação, nomeadamente para uma desvalorização do factor visibilidade, o que poderá, mais uma vez, indicar o motivo que levou ao abandono deste local de peregrinação. Na figura 14 poderemos confirmar essa variação nas áreas de influência dos sítios, que agora se apresentam muito mais heterogéneas, sendo mesmo muito reduzidas na zona de vale, onde a ocupação é mais intensa nesta fase, como já concluímos anteriormente, tratando-se de uma ocupação virada para a exploração dos recursos agrícolas.

Fig. 9 – Relação entre o povoamento proto-histórico e a carta de solos, com base nos sítios de Osório, 2013.

133 Fig. 10 – Relação entre o povoamento proto-histórico e a carta de solos, com base nos sítios de Osório, 2009: 108. constatámos no mapa da figura 7, e que

Vias de Circulação

134

Na sequência dos mapas anteriores, impunha-se pois o cálculo da Triangulação de Delaunay (Figs. 15 e 16), unindo-se os pontos a partir dos quais foram definidas áreas de influência pelo Diagrama de Voronoi, ou seja, unem-se os pontos centrais, que neste caso são os povoados. Esta triangulação permite visualizar os potenciais traçados de ligação entre os povoados, ainda que de uma forma esquemática, pois o relevo não é tido em linha de conta. Apesar das imperfeições desta ferramenta, podemos estabelecer relações entre estas linhas e o traçado dos caminhos existentes, tentando assim definir percursos prováveis de circulação. No presente caso, podemos verificar que vários são os povoados dos quais irradiam hoje caminhos que, grosso modo, coincidem com as linhas calculadas pela Triangulação de Delaunay, como são os casos dos povoados de Caria Talaia, Alfaiates, Vila do Touro e Sabugal (Fig. 15). No entanto, para o Cabeço das Fráguas os traçados obtidos pela ferramenta informática não correspondem a caminhos, de onde podemos concluir que, mesmo sendo um local de referência na paisagem, provavelmente, não seria um destino frequente destas populações, não havendo assim necessidade de criar uma rede de caminhos importante que servisse o santuário. Para Época Romana, este exercício revelou-se sem sentido, pois, como é sabido, as vias romanas eram definidas com o objectivo de ligar centros populacionais e não se configuravam como uma malha que liga tudo a todo o lado , como acontece hoje, fruto de uma herança medieval. Sendo o Cabeço das Fráguas um lugar destacado, quer na paisagem física da região, quer na paisagem simbólica dos povos que a ocuparam, seria de esperar que estivesse ligada por inúmeros caminhos antigos. Assim, partindo da premissa de se tratar de um local de

peregrinação, fez-se uma análise espacial através do software GRASS, com recurso ao algoritmo MADO (Modelo de Acumulación de Desplazamiento Óptimo), na tentativa de demonstrar a centralidade deste santuário, numa abordagem à viação antiga distinta da anterior (Figs. 17 e 19). A ferramenta r.watershed do GRASS, que foi pensada para problemas de hidrografia e agora adaptada a uma análise arqueológica dos percursos antigos, permite calcular os caminhos óptimos de saída, ou seja, aqueles que partindo de um ponto (neste caso o Cabeço das Fráguas), irradiam em todas as direcções. Desta análise, pudemos constatar que, infelizmente, estes caminhos óptimos que irradiam do santuário não têm seguimento no traçado de caminhos antigos da região. Assim, podemos pensar que, à semelhança do que antes se constatou, este não seria um local de visitação tão frequente que carecesse de uma rede de acessos bem demarcados e, portanto, hoje identificáveis. Existem, contudo, alguns caminhos que parecem seguir a direcção apontada pela triangulação de Delaunay, apontando para outra hipótese: o abandono do local é o factor explicativo da não coincidência destes traçados, uma vez que é natural que só mais no sopé do relevo se consigam notar hoje os caminhos que levam ao topo, pois estando este local abandonado, a sua visitação é esporádica, não deixando marcas relevantes de passagem humana pelas encostas, ficando-se os traçados mais visíveis nas proximidades das zonas hoje em dia povoadas. Conheciam-se décadas atrás alguns vestígios de «calçada existente ainda, em vários lanços, descendo a encosta norte do cabeço, até entroncar, no sopé, com a estrada militar, que vinda do nascente, dos lados de Vila-do-Toiro, seguia para a guarda, a qual igualmente se encontra ainda marcada por vários troços do seu pavimento» (Almeida, 1945: 83-84). Assim nos fala o General João de Almeida sobre o dito acesso setentrional, coincidente com o caminho calculado informaticamente.

Fig. 11 – Distribuição dos sítios romanos em relação com buffer de 250 metros às principais linhas de água.

135 Fig. 12 – Distribuição dos povoados castrejos em relação com buffer de 250 metros às principais linhas de água.

Fig. 13 – Cálculo dos Polígonos de Voronoi aos povoados castrejos.

136 Fig. 14 – Cálculo dos Polígonos de Voronoi ao povoamento romano.

Fig. 15 – Triangulação de Delaunay aos povoados castrejos com o traçado de caminhos antigos cedido por Marcos Osório.

137 Fig. 16 – Triangulação de Delaunay aos sítios romanos com o traçado de caminhos antigos cedido por Marcos Osório.

Fig. 17 – Percursos óptimos obtidos com recurso à aplicação MADO em confronto com os resultados da Triangulação de Delaunay e com o traçado de caminhos antigos (para este exercício obtivemos o contributo de Telmo Salgado, geógrafo do Gabinete SIG da Câmara Municipal do Sabugal).

Pela fotografia actual da encosta norte é possível ver o melhor acesso ao topo e verificar que o traçado proposto, com recurso ao algoritmo informático, não estará longe da realidade que a morfologia do terreno evidencia (Fig. 18). Por último, e em consonância com as hipóteses anteriores, salienta-se o facto de esta região ser uma zona de solos rochosos e sujeitos a grande erosão, como se pode verificar na figura 18, tornando-se, portanto, difícil a impressão de um traçado na paisagem que perdurasse muito tempo depois do abandono do local.

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Conclusão Sendo este um trabalho de análise espacial SIG, é importante referir que grande parte das ferramentas, aqui utilizadas, foram desenvolvidas para auxílio de outras áreas do saber e aqui, à semelhança do que é prática corrente, adaptadas à arqueologia. Urge, portanto, desenvolver ferramentas específicas a esta ciência e, sendo certo que a Arqueologia sempre soube adaptar novas técnicas que não lhe eram dirigidas, será imprescindível a criação de aplicações informáticas específicas direccionadas a problemas também estes próprios da Arqueologia.

No que ao sítio em análise diz respeito, foi possível concluir que o recurso informático é uma mais-valia, uma vez que possibilitou novas abordagens de problemas antigos. Trazendo a lume, mais do que respostas, novas questões, como por exemplo: estaria a centralidade de um sítio baseada numa premissa visual? Ou seja, será que a transformação no paradigma de povoamento alterou, no quadro mental das populações, as referências espaciais? Sendo a visão o sentido que nos aporta mais de 80% da informação que processamos, a alteração não terá sido, certamente, no recurso a este sentido mas sim no que dele se retira, ou seja, as Fráguas não deixaram de ser uma referência visual na paisagem, mas poderão ter perdido a importância devido a um novo quadro de valores onde a proeminência visual não tinha o mesmo peso de outrora. Numa frase, podemos dizer que a vida desceu dos montes para se implantar nas zonas férteis e com ela as referências simbólicas das populações. Também a análise da relação entre caminhos ancestrais e as rotas de acesso ao santuário deu resultados que, embora não apontem para uma

Fig. 18 – Encosta norte do Cabeço das Fráguas.

139 Fig. 19 – Comparação dos resultados do MADO com os traçados da Triangulação de Delaunay e com os caminhos antigos.

centralidade do local, indiciam a existência de vias de comunicação que ligariam as Fráguas aos povoados envolventes. Convém não esquecer que, para uma análise de caminhos óptimos de uma área tão grande, são necessários cálculos espaciais que abranjam um território mais vasto. Ora, nos mapas aqui apresentados, a área de trabalho circunscreveuse à zona envolvente do cabeço, condicionando assim os resultados. Em suma, tendo sempre presente as devidas limitações que tal abordagem acarreta, as ferramentas SIG têm uma palavra a dizer no trabalho de investigação arqueológica, não só ao nível de georreferenciação dos sítios estudados, mas também nas análises territoriais numa perspetiva de ocupação, de defesa, de exploração económica e até simbólica pelas populações antigas, para além das aplicações ao nível do planeamento das intervenções arqueológicas de prospecção ou escavação.

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Fontes Informáticas: http://www.estig.ipbeja.pt/~hjmo/MDT/mdt_03.pdf

O povoamento proto-histórico e romano em torno da Civitas Cobelcorum: uma experiência de aplicação SIG em Arqueologia. Tiago Gil

Introdução e problemática de estudo O presente trabalho procura ser um teste às aprendizagens e competências desenvolvidas ao longo da Unidade Curricular de SIG em Arqueologia. Através da escolha de um território que já é do nosso conhecimento – o Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo (distrito da Guarda) - e sobre o qual nos debruçámos em anteriores trabalhos (Gil, 2012), procuraremos aplicar e testar as várias ferramentas de tratamento e representação dos dados espaciais que o SIG e os nossos conhecimentos sobre ele nos permitem. Deste modo, não se procura fazer uma análise da evolução das estruturas de povoamento na longa diacronia, nem simplesmente cartografar todos os sítios inventariados do concelho, mas sim, através do reposicionamento dos dados disponíveis em ambiente SIG, averiguar da importância e prevalência da Civitas Cobelcorum (vulgo, Torre de Almofala) enquanto pólo dinamizador e estruturador da paisagem romana à época. Para tal, retrocederemos um pouco na cronologia, procurando as continuidades e/ou rupturas entre o povoamento indígena e o povoamento romano. Não é nosso intuito proceder a uma caracterização da cultura material desta cronologia nem tão pouco contribuir para o avanço da investigação deste período nesta região, senão apenas unir as pontas, concatenar as várias fontes de informação existentes acerca desta temática e, através disso, efectuar uma análise de índole marcadamente espacial. A problemática que ora se coloca é de natureza complexa e, pese embora, os numerosos estudos de âmbito local e regional acerca da ocupação romana na Beira Interior, onde se insere o território nosso objecto de estudo, há ainda várias questões por responder e zonas que apresentam consideráveis lacunas de

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investigação, o que torna difícil uma abordagem conjunta a esta questão. Todavia, e cingindo-me apenas à investigação de fôlego efectuada no actual território português (não descurando, contudo, os inúmeros artigos publicados por outros investigadores), vários autores se debruçaram sobre a ocupação humana da Proto-História na Beira Interior.  Manuel Maia que dedicou alguns estudos à ocupação romana do Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo (1971 e 1974/77).

 Jorge de Alarcão que destinou a sua investigação ao estudo da ocupação romana em Portugal (1988), consagrou alguns dos seus estudos ao povoamento romano da Beira Interior (1998 e 2005), sobretudo no tocante aos limites administrativos e às capitais de civitates.

 Raquel Vilaça (1995 e posteriores trabalhos) apresenta uma desenvolta síntese sobre os habitats e a cultura material das comunidades que habitaram esta região durante o Bronze Final.  Manuel Sabino Perestrelo (2000) estudou o povoamento romano da Bacia Média do Rio Côa e na Ribeira de Massueime.

 Susana Cosme (2002) desenvolveu a sua investigação em torno da ocupação romana e alto-medieval entre os rios Côa e Águeda.

 Ricardo Costeira da Silva (2005) focou a sua objectiva numa época de transição entre a Idade do Bronze e a Idade do Ferro, procurando caracterizar sobretudo as transformações ocorridas ao nível das formas de povoamento, das actividades económicas e da cultura material.

 Marcos Osório (2006) debruçou-se sobre o estudo do povoamento romano do Alto Côa.  Pedro Carvalho (2007) que embora tenha situado o seu estudo na região da Cova da Beira à Época Roma, tece importantes comparações com a região da Beira Interior. 142

 Salientam-se ainda os importantes trabalhos de António Sá Coixão (2004 e 2008) acerca do

povoamento romano dos concelhos de Vila Nova de Foz Côa e Meda.

 Tendo em conta o âmbito geográfico deste trabalho são ainda de destacar os Seminários de Final de Licenciatura de João Lobão, António Marques e Dário Neves, acerca do povoamento romano no entorno da Torre de Almofala (2005), e de Álvaro Ferreira, António Ferreira e Ricardo Silva, sobre o povoamento romano entre a ribeira da Devesa e a de Tourões (2008). Não podemos portanto alegar escassez de dados, sobretudo no que remete para a ocupação romana deste território, pois dispomos já de cerca de 130 sítios de várias cronologias georreferenciados, embora apenas um tenha sido alvo de escavações arqueológicas (Torre de Almofala: Frade, 1990) (Fig. 1). E é precisamente nesse sítio que concentramos os nossos esforços, no sentido de procurar entender a sua importância enquanto pólo estruturador da rede de povoamento que se estabeleceu no seu entorno. Se é quase certo que corresponderá à antiga Civitas Cobelcorum embora alguns investigadores divirjam desta localização, nomeadamente Susana Cosme (2002: 105) que aponta a localização da civitas no Monte de Santo André (Almofala) –, sabemos ainda muito pouco acerca da estruturação do povoamento e de que forma este estaria interligado com a capital de civitas.

Condicionantes da investigação Apesar da numerosa informação existente, sobretudo no tocante a prospecções mais ou menos sistemáticas efectuadas por alguns investigadores no território de Figueira de Castelo Rodrigo deparámo-nos, contudo, com algumas dificuldades no decorrer desta pequena investigação. Uma das principais prendeu-se com a georreferenciação dos sítios inventariados, uma vez que as coordenadas propostas não

Fig. 1 – Restos da Torre de Almofala.

tinham correspondência directa no terreno, facto que se poderá dever a coordenadas que se encontram num sistema geográfico que desconhecemos, ou a um erro sintomático na georreferenciação dos vários sítios. Posto isto, foi necessário georreferenciar sítio por sítio através da sobreposição das várias cartas militares no software Bing Aerial Maps, procurando topónimo a topónimo. Por este facto as coordenadas poderão não corresponder com exactidão ao local dos vestígios inventariados. Outra das dificuldades reporta às divergências quanto aos critérios classificativos das estações romanas, sendo que não existe uma classificação homogénea entre os autores estudados, aparecendo por vezes os mesmos sítios com nomenclaturas distintas. Urge por isso uma uniformização dos critérios de classificação tipológica e das metodologias de registo, para que os resultados de diversos projectos de investigação possam ser confrontados e seja possível traçar padrões de povoamento à escala regional e supra-regional (Carvalho 2007: 388). Procurámos, assim, fazer uma pequena síntese sobre os tipos de povoamento, recorrendo às contribuições de diferentes investigadores no intuito de estabelecer as principais diferenças entre eles e de propor uma possível

uniformização de critérios. A falta de investigação fundamentada em intervenções efectivas no terreno, não nos faculta datações precisas da ocupação dos vários sítios o que transmite a ideia de que estes terão sidos coevos uns dos outros, que poderá não ser consentâneo com a realidade à época. Não podemos ainda esquecer, no que concerne aos traçados viários propostos, que a elaboração dos mesmos se baseia na maior parte das vezes na rede de povoamento existente mais do que nas circunstâncias vestigiais efectivas, pelo que não será de estranhar que estas pareçam articular-se de forma insistente com os sítios inventariados. Por fim, várias dificuldades se colocaram na aplicação das ferramentas SIG ao caso de estudo específico, muitas das quais devido a algumas carências no domínio das mesmas e a alguns erros do próprio programa.

Enquadramento geográfico e geomorfológico O Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo localiza-se no extremo nordeste do distrito da Guarda, junto da fronteira com Espanha (Fig. 3). É constituído por 17 freguesias que se estendem por uma área de 508,57 km2. Situado num território de fronteira, integra a histórica região de Riba-Côa, um dos últimos territórios a ser anexado a Portugal por alturas do Tratado de Alcanices (1297). Constitui um território peculiar em termos de altura, apresentando altitudes médias que oscilam entre os 620 e os 750 metros (Fig. 2). Trata-se de uma zona de feição peneplanáltica delimitada a norte pelo rio Douro, a sul pela serra de Mesas, a oeste pelo rio Côa e a este pelo rio

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Fig. 2 – Mapa de relevo do actual Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.

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Águeda e pela ribeira de Tourões - destacando-se na paisagem algumas zonas devido à sua maior ou menor altitude, como é o caso da Serra da Marofa (977 m) e de Barca de Alva (142 m), mas também pela imponência que assumem relativamente ao restante território alguns cabeços sobreelevados, como são os casos do Cabeço de Castelo Rodrigo (821), da Serra da Nave (447), do Monte de São Gabriel (581), entre outros (Cosme, 2002: 12). O território é mais acidentado nas encostas do rio Águeda, onde se encontram as minas de Vale do Torno e Ribeiro de Frades (Lobão et alii, 2005: 173). Em termos geológicos, caracteriza-se por uma certa homogeneidade, compreendendo um

complexo xisto-grauváquico, território de confluência entre as formações rochosas graníticas e xistosas, sendo a zona mais a sudeste marcada pelos maciços graníticos das Beiras (Ferreira et alii, 2008: 6). De salientar ainda o predomínio dos numerosos filões de quartzo e, menos frequentemente, de afloramentos de quartzito, que se espalham um pouco por todo o território. No que toca à hidrologia da região destacam-se dois importantes cursos de água, estruturadores da paisagem e dos restantes afluentes: o rio Côa e o Águeda (sendo estes afluentes do rio Douro). Entre as linhas de água secundárias, destacam-se a ribeira de Tourões, a ribeira da Devesa e a ribeira de Aguiar.

Fig. 3 – Mapa com a localização geográfica e capacidade de uso do solo do actual Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.

A ocupação humana entre o 2º milénio a.n.e. e o século v A Pré e Proto-história A ocupação pré-romana do actual Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo é ainda muito mal conhecida, quer pela inexistência de investigação arqueológica de fôlego sobre as cronologias mais recuadas neste território, quer pela parca quantidade de dados que actualmente dispomos sobre ela. Dos sítios inventariados, com base na bibliografia consultada, apenas nove nos dão indicações de poderem ter tido ocupação pré-romana (Fig. 4). A maioria destes sítios remonta à Idade do Ferro, à excepção do povoado do Castelão (Escalhão) datado do Calcolítico e apresentando uma continuidade de ocupação que se estende ao final da Idade do Bronze. Todos estes sítios

apresentam uma característica em comum, o facto de terem sido reocupados em Época Romana. Todavia, se essa reocupação é inequívoca em quase todos eles, o Castelo de Monforte não nos oferece certezas do mesmo, já que os vestígios aí encontrados são pouco consistentes (Perestrelo, 2000a: 26), atestando apenas e indubitavelmente três ocupações: uma datada da Idade do Bronze, uma reocupação durante a Idade do Ferro e uma ocupação AltoMedieval, hoje ainda visível nas maciças ruinas do Castelo de Monforte. O surgimento de estruturas monumentais, durante o V e IV milénios a.n.e., fruto de um maior sentimento de pertença e de uma maior coesão comunitária, coesão essa indispensável, se atentarmos no esforço construtivo necessário para erigir este tipo de monumentos, parece não ter tido lugar no território do actual Concelho de Figueira Castelo Rodrigo, tendo em conta a completa ausência de vestígios deste tipo na área

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Fig. 4 – Localização dos sítios pré e proto-históricos identificados no actual Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.

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que ora estudamos, fenómeno que se repercute à escala regional, onde os dólmens são em número muito reduzido e, na maioria das vezes, surgem isolados na paisagem. No início do III milénio a.n.e. novas transformações ocorrem, generalizando-se a prática metalúrgica do cobre e do ouro e alargando-se as actividades relacionadas com a agricultura e a pastorícia - através da transformação dos recursos – como por exemplo a prática da tecelagem (Vilaça, 2009: 17). Necessidades defensivas ou de demarcação identitária estão na origem da construção de estruturas de maior dimensão e de cariz perene nos sítios de habitat, que aumentam em número durante este período. No entanto, nem todos os sítios de habitat disporiam deste tipo de dispositivo, o que evidencia uma certa

variabilidade das formas de ocupação, quer ao nível da sua implantação topográfica, quer no tocante à sua utilidade. Para este período, no nosso território de análise, há apenas a referência de um sítio, o de Castelão (Escalhão). O II milénio a.n.e. marca um período de viragem. Pauta-se por um crescente aumento do fluxo de trocas regionais e supra-regionais, sobretudo no que toca ao comércio de artefactos metálicos. Aparecem também os primeiros vestígios de uma demarcação territorial associada muito provavelmente a uma função protectora do território e dos recursos, materializada nas inúmeras estelas que chegaram até aos dias de hoje (Vilaça, 2009: 20) – como é o caso da estela de Ataúdes (Figueira de Castelo Rodrigo) ou a estela de Longroiva (Meda). Essa demarcação territorial tem por certo que ver com a

necessidade de controlo das vias de comunicação, das linhas de água e dos recursos exploráveis, que fariam parte das estratégias de povoamento das comunidades que habitavam nestes territórios. Tal facto está bem patente na própria implantação dos povoados, que na sua maioria se encontram localizados em elevações com amplo domínio visual, dispondo de boas condições naturais de defesa. A prevalência artefactual quer pelo uso do ferro já durante o Bronze Final quer pela permanência formal e estilística dos conjuntos cerâmicos, torna difícil demarcar com certeza a transição entre estes dois períodos na Beira Interior, factor agravado pela pouca expressividade dos vestígios e pela carência de investigação na denominada I Idade do Ferro ou Ferro Inicial (Vilaça, 2000: 33). Parece tratar-se de um momento transitório entre o Bronze Final e o Ferro Pleno, em que se manifestam algumas prevalências em relação ao período anterior. Todavia, parecem existir novas estratégias de povoamento, com o abandono de alguns povoados de altura e a edificação de novos noutros lugares, sobretudo próximo de linhas de água ou nascentes e de terrenos férteis. O abandono dos povoados do Bronze Final pode estar ligado à sua reduzida dimensão, mas também a manifestações de cariz ritual (Vilaça, 2005: 18), à desvalorização da sua funcionalidade ou ao enfraquecimento drástico da circulação do metal (Silva, 2005: 65-66). Posto isto, parece existir uma ruptura com as anteriores estratégias de implantação na paisagem, através da selecção dos lugares de maior aptidão agrícola, com alguma visibilidade, mas sobretudo que permitam o controlo do território imediato. Nos inícios da II Idade do Ferro ou Ferro Pleno, denotam-se grandes transformações no tocante às estratégias de povoamento. Os padrões de assentamento apresentam uma franca variabilidade. Na região em estudo, parecem predominar os povoados ribeirinhos, mas também ocorre um fenómeno de reocupação de

locais anteriormente habitados no Bronze Final. As estratégias de povoamento deste período passam pela reconversão dos espaços de habitat, que se tornam mais amplos (em média apresentam dimensão de 2 hectares), com menores condições de visibilidade e orientados no sentido do controlo do território imediato e das vias de comunicação. A ocorrência de estruturas defensivas parece limitar-se apenas às zonas de melhor acessibilidade dos povoados (Silva 2005: 77). No actual concelho estão referenciados cerca de 7 sítios com ocupação da Idade do Ferro, apresentando todos uma implantação em altura, com extraordinárias condições de visibilidade para o território envolvente, nomeadamente de uns sítios para os outros.

A Época Romana A ocupação romana no actual Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo é sem dúvida a mais bem documentada, quer pela quantidade de sítios (Fig. 5), quer pelas características dos vestígios aí encontrados. Uma análise preliminar da dispersão e da estruturação dos mesmos parece indiciar similitudes com os padrões de povoamento identificados em outros territórios já estudados (veja-se o exemplo do povoamento em torno da Civitas Aravorum, analisado por Sabino Perestrelo: 2000a: 143). Denota-se uma clara preferência das zonas com melhores aptidões agrícolas, sobretudo nas zonas peniplanálticas, próximo de linhas de água ou nascentes, com boas acessibilidades em termos de circulação e sem barreiras físicas de monta. Todavia, é também notória a continuidade de ocupação dos povoados de altura proto-históricos - locais com excelentes condições de visibilidade e com amplo domínio visual dos territórios envolventes, controlando os principais cursos de água e pontos de passagem , sendo que dos 9 identificados no concelho, 147

apenas em um (o Castelo de Monforte) não existem indícios claros de romanização posterior. Parece existir uma nítida distribuição do povoamento no entorno da Civitas Cobelcorum. Num raio de 6 km, tendo como epicentro a Torre de Almofala, identificamos cerca de 60 sítios arqueológicos (Fig. 5), mais de metade do total de sítios inventariados, o que poderá indiciar a preponderância deste lugar central na estruturação do povoamento romano envolvente. Sendo que a identificação da maior parte dos sítios procede de prospecções arqueológicas, a sua classificação depende sobremaneira dos critérios tipológicos adoptados pelos investigadores mas, sobretudo, dos vestígios encontrados à superfície que, muitas das vezes, poderão não corresponder ao que efectivamente se encontrará no subsolo. Este facto é ainda agravado se atendermos que a dispersão de vestígios poderá resultar da intensa actividade agrícola (ou de outras actividades evasivas) praticada e, muitas das vezes, não corresponder à real dimensão dos sítios, pelo que a classificação dos mesmos pode resultar problemática. Todavia, é necessária para percebermos a estruturação do povoamento num dado território e a hierarquização funcional existente entre os vários sítios.

1. Tipologia de sítios

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Civitates: entidades administrativas, jurídicas, económicas e religiosas, com um território delimitado por marcos e com um centro urbano que corresponde à capital desse território (Perestrelo 2000a: 121). Gozam de autonomia administrativa e asseguram um conjunto de serviços relacionados com a administração romana (como por exemplo, a colecta de impostos). A difusão destes centros de poder por todo o império romano teve como principal objectivo o controlo das populações indígenas, integrando-as no sistema romano. No território

em estudo, as civitates apresentam uma dimensão reduzida e um ténue desenvolvimento urbano, o que poderá indiciar uma menor importância económica e política relativamente a outras. A Civitas Cobelcorum é um exemplo disso, já que apresenta uma área de dispersão de vestígios bastante diminuta para o normal de uma cidade romana, revelando uma ausência de estruturas de cariz habitacional (facto que poderá estar relacionado com a proliferação de estruturas de cariz familiar nas suas imediações, que poderiam ter funcionado em articulação com a civitas) e a total ausência de estruturas de cariz cultural. O seu território de influência localiza-se entre os principais cursos fluviais (Douro, Côa e Águeda). Vici: o termo parece ter um significado de centralidade (Carvalho, 2007: 356), podendo assumir variadas formas no território: uma feição claramente urbana, actuando como unidades administrativas, um carácter de lugares centrais na ausência de uma clara estrutura urbana e municipal ou constituir um aglomerado de casas rurais na dependência de uma estrutura mais ampla (Idem: Ibidem). A edificação destes aglomerados parece estar interligada com territórios em que o modelo romano de cidade se encontrava ausente, numa estreita relação com as realidades indígenas das zonas menos romanizadas (Idem: 358). Segundo alguns investigadores, estes sítios individualizam-se dos restantes pela área de dispersão dos seus vestígios (comummente superior a 2 hectares), pela presença de alguns elementos arquitectónicos e epigráficos e pela sua localização geográfica a intervalos regulares, geralmente no trajecto ou intersecção de vias principais ou nas imediações de antigos povoados pré-romanos (Idem: 359). No nosso território de estudo, as evidências apontam para a existência de pelo menos dois vicus: o povoado do Castelo (Escalhão) e Pedregais (Vilar Torpim).

Aldeias: situam-se geralmente em zonas baixas, distinguindo-se dos vicus pelo seu afastamento relativamente à rede viária principal, pela irregularidade do seu traçado urbano e pela sua vocação predominantemente agro-pecuária e mineira (Carvalho, 2007: 387). No entorno da Civitas Cobelcorum, encontram-se identificados 3 sítios que poderão corresponder a esta tipologia de povoamento, nomeadamente Quinta da Vila III, Vale da Torre III e Mouragos V, situados todos relativamente próximos da capital de civitas. Castella: este termo é usado para referenciar os povoados fortificados de génese indígena que registaram uma ocupação em época romana.

Geralmente, tratam-se de povoados de altura, com elaborados sistemas defensivos, vocacionados para o controlo do território e para a prática agro-pecuária e exclusivamente habitados por populações indígenas (Idem, 380). Registam uma grande frequência de ocorrência na área entre o Rio Côa e a Ribeira de Massueime (Perestrelo, 2000a: 132-135). Na nossa área de estudo, pela ocorrência vestigial e pela sua dispersão, podemos apontar o povoado de Santo André como um possível castella, bem como o povoado da Marofa (embora para este não existam dados concretos). Villae: trata-se de uma construção rural isolada e

Fig. 5 – Localização dos sítios romanos identificados no actual Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.

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de tipo unifamiliar, ligada sobretudo á exploração agrícola, mas também com uma função residencial bastante vincada, pertencente a grandes proprietários relacionados com as elites urbanas. Situam-se normalmente em terrenos de elevado potencial agrícola e próximos de vias de comunicação, situação favorável ao escoamento da produção agrícola. No terreno, diferenciam-se dos restantes pela presença de pavimentos de mosaicos, de urbana ornamenta, cerâmica comum e sigillata, apresentando uma área de dispersão que varia entre os 5000 e os 25 000 metros (Alarcão, 1998: 92). Todavia, nem todas as villae corresponderiam por certo a este padrão e, mormente no nosso território de estudo, parecem caracterizar-se por uma relativa pobreza arquitectónica e quase total ausência de elementos de luxo. A sua distribuição parece corresponder a um padrão regular, sendo que as distâncias entre elas são bastante similares, variando entre os 7 e os 10 quilómetros. Neste momento, encontram-se inventariadas oito: Quinta da Pedriça (Escalhão), Quinta de Boais (Vilar de Amargo), Figueira de Castelo Rodrigo, Santa Marinha (Penha de Águia), Barreira (Figueira de Castelo Rodrigo), Patela (Mata de Lobos), Raposeira (Vermiosa) e Vale de Olmos (Vermiosa).

150

Granjas, Casais e Tuguria: as primeiras corresponderiam a propriedades de médias dimensões, com uma vocação marcadamente rural, de condições e vestígios mais modestos, ocupando uma área de dispersão entre os 5000 e os 10000 m2 (Alarcão, 1998: 95-96); as segundas, também designadas de aedificia, corresponderiam a habitats familiares de reduzidas dimensões, com uma dispersão de vestígios entre os 100 e os 1000 m2 (Alarcão, 1998: 94); as terceiras, seriam pequenos anexos das villae, integradas nos fundus destas, e nem sempre teriam uma ocupação permanente e estável (Perestrelo, 2000a: 139). Estes três tipos de sítios são os que se encontram melhor

representados no território em estudo, distribuindo-se de forma mais ou menos dispersa e descontínua (padrão já identificado por Pedro Carvalho na Cova da Beira: 2007: 389) em duas zonas concretas: uma junto à ribeira de Aguiar, nas imediações da Torre de Almofala, e outra, nas imediações do rio Águeda (Lobão et alii, 2005: 181). No total inventariado, encontram-se identificadas cerca de 5 granjas, 36 casais e 15 tuguria.

2. Rede viária A rede viária romana constituía o meio mais eficaz de vigilância e administração do território, funcionando como interface entre o mundo rural e o mundo urbano. Através dela se procedia ao abastecimento das cidades e ao escoamento das produções provenientes dos núcleos rurais. Era por isso um meio fundamental na circulação da informação, de pessoas e para o comércio entre todo o império. Todavia, na região da Beira Interior a rede viária romana é ainda muito mal conhecida, dada a falta de vestígios (os troços de calçada eram raros e cingiam-se aos terrenos mais difíceis ou às proximidades de povoações importantes) e a dificuldade em datar os existentes (devido, sobretudo, às sucessivas transformações e remodelações em épocas posteriores). Por este território estudado não terá passado nenhuma via principal, sendo constituído por vias secundárias que ligariam as capitais de civitas, os vici e os castella entre si. Dada a inexistência de marcos miliários e textos antigos que atestem os vários traçados viários, teremos que recorrer a outras ferramentas, tais como a topografia (através da análise dos corredores naturais), a toponímia, os textos históricos e a distribuição do povoamento. Existem conquanto algumas propostas (Perestrelo, 2000a: 155-160): 

Ponte de Alcântara  Civitas Cobelcorum:

ponte de Alcântara  ponte de Segura 

Alcafozes  Idanha-a-Velha  Bemposta 

Torre dos Namorados  Capinha  Coito de

Escarigo  Campo do Veloso  Tapada da Praça

Sabugal  Alfaiates  (Pedregais?)  Civitas Cobelcorum

e Nave Calçada  Quinta da Tapada da Machada

Cima  Meimoa  Santo Estevão  Alagoas 



Ciudad Rodrigo  Civitas Cobelcorum:

Ciudad Rodrigo  Gallegos de Argañan  Vilar

 São Simão  Malpartida  alto das Missadas

 Pinhal da Sacristia  Barreiros  Prado das

Fátimas  Fonte do Marco e Vale da Coelha 

Vale da Mua  Sr.ª do Mosteiro  Alto das

Formoso  Porto de S. Miguel  Civitas Cobelcorum

Alto dos Pluviões  Nave Calçada  Vilar

Meidubriga: Civitas Cobelcorum  (Quinta da Vila

 Malhada Sorda  Verdugal/Moradios  Alto

Afonsinho?)  Cidadelhe  Quinta da Erva

Castanheiros  S. Pedro do Carril  Batocas 



Civitas Cobelcorum  Civitas Aravorum 

III?)  Figueira de Castelo Rodrigo  (Vale

Moira  Longroiva  Civitas Aravorum  Meidubriga Outras propostas (http://viasromanas.planetaclix.pt/) sugerem a existência de mais três vias: 

Civitas Cobelcorum  Salmantica: Civitas

Corças  S. Pedro do Rio Seco  Eira do Silva  Formoso  Cercas  Freineda  Alto da Lomba do Cabeço Madeira  Carril  Alto dos

Alto do Guinaldo  Aldeia da Ponte  Sra. do

Vale da Póvoa  Meimoa  Canadinha  Villa

do Sítio do Atalho  Corredoura  Carril  Aldeia de João Pires  Aranhas  Salvador 

Monsanto  S. Lourenço em Monsatela 

Carroqueiro  Arentio  Vale da Portela 

Cobelcorum  ponte de Tourões  La Bouza 

Serrinha  Igaedis

Vitigudino  Salmantica

Existem ainda algumas propostas de prováveis vias feitas por Susana Cosme (2002) que por imperativos de tempo não pudemos explorar. Com o intuito de perceber a articulação da rede viária com a distribuição e estruturação dos sítios, procedemos à georreferenciação de três das vias acima referidas: a via que liga a Civitas Cobelcorum à Póvoa do Mileu, a que une a Civitas Cobelcorum e a Civitas Aravorum (Marialva) e a via que liga a Civitas Cobelcorum a Salmantica (actual cidade de Salamanca). Se atendermos à sua distribuição podemos comprovar facilmente que o seu traçado parece percorrer os principais núcleos populacionais e os sítios mais importantes, passando pela maioria das pontes identificadas, pelos lugares de exploração mineira e interligando a maioria das villae localizadas neste território (Fig. 6). Estas são apenas algumas das propostas existentes, urge no entanto um estudo mais aprofundado, fundamentado na visita ao terreno e nos vestígios visíveis, mas também nas fontes históricas e nas várias estações romanas já inventariadas.

fonte de Lumbrales  ponte de Cerralbo 



Civitas Cobelcorum  Póvoa do Mileu:

Civitas Cobelcorum  Figueira de Castelo Rodrigo

[Castelo Rodrigo  Pedregais em Vilar Torpim

 Pontão do Lagar de Água  Calçada do Barrocal  Quinta da Nave] ou Vermiosa [Cabeço da Recta  Cabeço da Prata  Ponte da Vermiosa  Vale de Olmos  Cruzes de Almeida  Fonte da Calçada  Tapada da Raposeira  Quinta de Vilar Tomé  Alto da Salgadela  Reigada  Alto do Prado Luís  Calçada do Barrocal]  Ponte Velha do Côa  Cinco Vilas  S. Marcos da Palumbeira  Vale de Madeira  Quinta da Ponte  Vascoveiro  Quinta da Escorregadia  Manigoto  Lamegal  Pomares  Argomil  Verdugal  Menoita  Alto do Seixal  Cabeço da Maunça  Travessia do rio Diz (em Corredoura)  Póvoa do Mileu 

Civitas

Cobelcorum



Igaedis:

Civitas

Cobelcorum  Capela de São Sebastião 

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Fig. 6 – Articulação entre a proposta da rede viária e os vários sítios identificados no Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.

3. Actividades económicas e exploração mineira

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A estruturação do povoamento e os padrões de implantação dos sítios identificados ajudam-nos a desvelar um pouco do que poderiam ter sido as actividades económicas no território de estudo à Época Romana. A maioria dos sítios parece situar-se nas zonas peniplanálticas de menor altitude, mas que dispõem de boas condições de visibilidade, junto a cursos de água e em terrenos de boa aptidão agrícolas. À semelhança do já constatado noutras zonas da Beira Interior (Perestrelo, 2000a: 145), no

território da Civitas Cobelcorum parece existir uma íntima relação entre os castros romanizados e os locais de implantação das villae, sendo que, em média, as villae distam entre 4 a 6 km dos povoados fortificados, padrão que se repete por todo o território. Através dos vestígios identificados podemos afirmar que as principais actividades económicas seriam a agricultura e a criação de gado, patente nos vários achados de moinhos circulares manuais e nos lagares escavados na rocha, que indiciam também a prática da vinicultura e da olivicultura. Outra das actividades económicas de relativa importância nesta região à Época Romana seria a exploração mineira,

concretamente do chumbo, ferro e estanho. Este facto encontra-se atestado nos vários sítios rurais de vocação mineira que se encontram nos extremos sul e leste do território de estudo. A granja de Luzelos (Colmeal), localizada na vertente meridional da Serra da Marofa, parece ter tido uma importante exploração do minério de ferro, a julgar pela quantidade e dispersão dos vestígios de escória encontrados à superfície (Perestrelo, 2000a: 150). Na Quinta das Perdigueiras (Cinco Vilas) localiza-se um conjunto de minas escavadas em galerias que terão estado ligadas à exploração mineira em Época Romana, a atestar pelos vestígios aí encontrados (Perestrelo, 2000a: 25). Também o povoado de Santo André, sobranceiro ao Rio Águeda, poderá ter estado ligado à exploração mineira, tendo em

conta que os solos no seu entorno são de pouca capacidade de uso agrícola (Fig. 7) e o terreno é muito acidentado (Lobão et alii, 2005: 181). O sítio do Olival de São Paulo (Quintã de Pero Martins) teria uma vocação mineira, assim como São Marcos da Palumbeira (Cinco Vilas), localizado em terrenos pouco férteis mas ricos em minério de estanho (o topónimo deste sítio será de origem romana, palumbarii) (Perestrelo, 2000a: 25). Ao analisarmos a localização destes sítios denotamos que a maior parte se encontra muito próximo da rede viária identificada (Fig. 6), facto que se poderá dever à necessidade de escoamento do minério aí explorado.

Fig. 7 – Localização dos sítios romanos identificados no Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo sobre a Carta de Capacidade de Uso de Solos.

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A análise do território através dos sistemas de informação geográfica

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Ao debruçarmo-nos sobre o passado de um território em específico, que neste caso corresponde aos limites administrativos do actual Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, a sua delimitação é sempre arbitrária e baseada em critérios que para nós são válidos e conhecidos mas que não corresponderão por certo aos idealizados e apercebidos pelos nossos antepassados. Sendo entendido como o espaço social construído historicamente através de relações, práticas sociais e actividades humanas, o território é caracterizado por variáveis como o poder, a tradição e a memória colectiva (Reyes e Córdoba, 2009: 150). O território é histórico, cultural e político, porque cria identidades e formas de apropriação do espaço. Nele convivem vários tipos de poder, exercidos por vários actores sociais (Idem: Ibidem) e é o seu carácter social, no jogo entre as várias forças sociais, cada qual com os seus graus de influência e controlo, que o delimitam, legitimam e diferenciam dos restantes. É precisamente esse carácter social que nós arqueólogos procuramos descortinar acerca das sociedades do passado e, é através dos vestígios legados por elas, que procuramos reconstruir o seu quotidiano de as suas vivências. O espaço foi, desde sempre, uma temática cara aos vários teóricos que sobre ele se debruçaram. Durkheim define-o como uma categoria do entendimento. Para este investigador, representar o espaço significa ordenar o heterogéneo e atribuir-lhe um sentido (apud Silvano, 2001: 8). Essa atribuição de significado é produzida socialmente, um conjunto de valores afectivos partilhados por uma mesma comunidade. Por isso, o «espaço é indissociável da sociedade que o habita, e é na relação que se

estabelece entre ambos que se deve procurar a explicação para os tipos de organização que manifesta» (Idem: 9). No entanto, Durkheim não se fica apenas pela dimensão social do conceito, e salienta a importância da sua dimensão material, isto é, «a massa, a densidade, a forma e a composição dos grupos humanos» (Idem: 11). Assim, o espaço transforma-se num objecto complexo que deve ser estudado atendendo a várias escalas de análise, desde a morfologia espacial (materialidade), até à simbólica social (plano subjectivo) (Idem: 12). É através dessa morfologia espacial que nós chegamos à dimensão simbólica das sociedades passadas. O estudo da morfologia espacial das formas de apropriação do território das comunidades do passado é uma das valências da disciplina arqueológica que tem reconhecido grandes desenvolvimentos nos últimos anos, nomeadamente através da introdução e desenvolvimento dos Sistemas de Informação Geográfica aplicados à Arqueologia. Podemos definir os SIG como um conjunto de ferramentas informáticas para introdução, armazenamento, processamento, transformação, consulta, recuperação e saída de dados espacialmente referenciados (García Sanjuán, 2005: 150). Estes revelam-se ferramentas fundamentais na análise e compreensão dos padrões de distribuição dos sítios arqueológicos (Osório e Salgado 2007: 11), mas também na gestão da informação arqueológica. A criação e gestão da informação geográfica em ambiente SIG apresenta inúmeras mais-valias, quer para o registo e inventariação dos bens patrimoniais, quer para análise e cruzamento de dados (Idem, 2007: 9). As ferramentas SIG apresentam um grande potencial de análise espacial, pois permitem o cálculo de distâncias-tempo entre sítios, o cálculo de bacias de visão, a articulação com a imagem satélite e a fotointerpretação, o cálculo de caminhos óptimos e superfícies de distância-

custo, relação entre atributos, entre muitas outras possibilidades, aliadas a uma forte interactividade, rapidez e flexibilidade, que poderão constituir vectores fundamentais para a investigação arqueológica de um território concreto (Osório e Salgado, 2012).

Aplicação das ferramentas SIG 1. Modelos Digitais de Terreno Com o objectivo de melhorar o entendimento do território procedeu-se à conversão das curvas de nível (informação vectorial) numa superfície

raster, através da ferramenta )nterpolação . Após a conversão ficamos com um mapa de elevação classificado por cores. Esta ferramenta revela-se importante uma vez que constitui um ponto de partida para a construção de outro tipo de cartografia, como a elaboração de bacias de visão ou superfícies de custo, por exemplo.

a) Criação do MDT Com o intuito de compreender melhor a topografia do território de estudo foi realizado, através da ferramenta )nterpolação , um modelo digital de terreno do Concelho de Figueira de

155 Fig. 8 – Modelo Digital de Terreno da região abrangida pelo Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.

Castelo Rodrigo (Fig. 8).

b) Bacias de visão Com o MDT de base recorremos à ferramenta Visibility Analysis do QGIS e seleccionámos directamente as coordenadas. O valor atribuído para a altura do observador foi 2 metros, tendo em conta a possível existência de muralhas que poderia alargar o campo de visão. Esta ferramenta permite-nos perceber o que é visível e o que não é visível dos vários sítios

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arqueológicos, e a partir daí procurar perceber a sua implantação e os locais ou recursos que controlaria. No sentido de testar a aplicação desta ferramenta ao nosso território de estudo seleccionou-se um dos povoados protohistóricos, neste caso o povoado da Marofa, e procurou-se compreender a cadeia de visibilidade a ele inerente (Fig. 9).

c) Cálculo das superfícies de custo O cálculo das superfícies de custo de um

Fig. 9 – Bacia de Visão do Povoado da Marofa.

determinado povoado permite-nos efectuar a estimativa do percurso de menor esforço entre dois lugares, tendo em conta os condicionantes geomorfológicos do território em questão. Assim, calculámos a superfície de custo a partir da Torre de Almofala sem, contudo, definir nenhum ponto de chegada. Na figura 10 podemos perceber que as várias elevações constituem factores de atraso ou de maior esforço , sendo que o tempo despendido para as ultrapassar é maior.

d) Cálculo do MADO Através do cálculo dos caminhos óptimos foi possível simular os trajectos preferenciais que se propagam a partir de determinado ponto. A ferramenta do GRASS utilizada foi a r.watershed , e o ponto de irradiação escolhido foi a Torre de Almofala. De seguida sobrepuseram-se os resultados do MADO com a proposta de rede viária (Fig. 11). Não parece existir grande coincidência entre os resultados do MADO e a rede viária existente pelo que a aplicação desta ferramenta carece de

Fig. 10 – Cálculo da superfície de custo desde a Torre de Almofala. .

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estudos mais aprofundados e de um maior domínio do software SIG. Ao efectuar a sobreposição dos vários sítios arqueológicos identificados com o MADO produzido no QGIS, verificamos que parece existir uma articulação entre eles, sendo que alguns dos sítios são atravessados pelos caminhos irradiado do MADO (Fig. 12), o que poderá indiciar uma certa propensão para a ocupação de sítios localizados em corredores naturais, de mais fácil acesso. O MADO parece coincidir com os principais núcleos de povoamento a norte, estando todavia afastado das villae e dos vicus, factor que não conseguimos, por agora, explicar.

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Conclusões Pretendeu-se com este trabalho uma primeira abordagem SIG a um caso de estudo concreto. O caso de estudo escolhido foi o actual território do Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, procurando compreender a sua ocupação pré e proto-histórica e romana. Realizou-se primeiro um inventário dos sítios já identificados e a recolha bibliográfica de elementos sobre os mesmos, passando-se depois à elaboração de uma base de dados em formato Excel a fim de facilitar a introdução dos dados no Quantum GIS. Após a revisão e reconversão das coordenadas das várias estações procedeu-se à sua inserção em ambiente SIG, com o intuito de

Fig. 11 – Sobreposição da rede viária assinalada no Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo ao MADO obtido pelo software. .

Fig. 12 – Sobreposição dos sítios identificados no Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo ao MADO obtido pelo software.

produzir mapas que pudessem responder a questões concretas. De seguida, procedeu-se à leitura das fontes bibliográfica recolhidas, no sentido de escrever uma resenha acerca do que por ora se sabe sobre as várias ocupações e os inúmeros sítios identificados e de detectar eventuais lacunas de conhecimento. Apesar de ser quase certa a localização da Civitas Cobelcorum na Torre de Almofala, urge ainda um estudo mais aprofundado do território no seu entorno, mas também do próprio sítio, dado que as escavações já efectuadas se revelam escassas para a crucial importância que terá tido em Época Romana.

.

Torna-se necessário ainda uma (re)visita a todos os sítios identificados no sentido de voltar a analisar as áreas de dispersão e os vestígios encontrados e reclassifica-los à luz de uma metodologia homogénea, que permita traçar com maior precisão o panorama de povoamento do território à Época Romana. Se para esta época possuímos já bastantes informações, para os períodos que lhe antecedem o conhecimento é bastante escasso, pelo que um estudo aturado dos povoados de altura e a prospecção intensiva de um conjunto de áreas planálticas em torno desses povoados, poderá permitir a descoberta de outro tipo de sítios (porventura, os tais casais agrícolas que mencionámos acima e que neste

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território são totalmente desconhecidos), mas também acrescentar pistas à compreensão da transição entre a Idade do Ferro e a Época Romana, e de que forma a romanização influiu nos padrões de ocupação do território. Para a Época Romana, urge ainda fazer um estudo mais intensivo da rede viária - tomando em conta todas as propostas existentes -, e do mundo dos mortos, para o qual possuímos muito poucos dados vestigiais que nos permitam avançar com propostas concretas. Todavia este reposicionamento dos dados existentes deixa antever a preponderância da Civitas Cobelcorum na estruturação do povoamento no território estudado. É notória a grande densidade de povoamento no seu entorno mais próximo, materializado na proliferação de casais e tuguria, de forma mais ou menos padronizada e sempre em linha de conta com os recursos hidrográficos, em redor de duas das aldeias identificadas (Fig. 5). Parece existir uma forte articulação entre os assentamentos e a rede viária construída. Ainda que só tenhamos analisado o traçado de três possíveis vias, denota-se uma clara ligação destas com as villae existentes no território estudado bem como com os estabelecimentos de vocação mineira à época (Fig. 6). Não se revela uma influência imediata dos sítios com a ocupação pré-romana na estruturação do povoamento romano, ainda que seja proeminente a proximidade destes às villae construídas posteriormente. É bem patente, no entanto, a considerável densidade de povoamento nos limites do povoado de Santo André, o que poderá estar relacionado com a produção de vinho ou azeite, dada a existência de pelo menos dois lagares escavados na rocha nas suas proximidades. O posicionamento da Civitas Cobelcorum na confluência de vários corredores naturais, bem como a sua articulação com os diversos cursos fluviais e a intervisibilidade existente entre esta e os vários povoados pré-romanos, parece indiciar

o seu papel crucial na estruturação do povoamento em Época Romana. A aplicação das ferramentas SIG revelou-se bastante útil no estudo da ocupação humana do actual Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo. Primeiro, porque permitiu a georreferenciação de todos os sítios identificados, bem como a produção de mapas interactivos que permitiram perceber a organização e estruturação do povoamento durante a Proto-história e a Época Romana. Possibilitou ainda esboçar a rede viária com base em algumas propostas existentes e perceber a sua articulação com as estações identificadas. A construção dos modelos digitais de terreno possibilitou compreender melhor a topografia do território e o porquê da implantação de alguns dos sítios, assim como foi um meio para o cálculo das bacias de visão e do MADO. O cálculo das bacias de visão, por sua vez, adquire especial importância se procurarmos compreender os processos de implantação dos vários sítios e compreender a rede de visibilidades entre eles. No território em questão, parece existir entre todos os povoados identificados uma visibilidade quase total, e um controlo do território a grandes distâncias (dado o seu cariz peniplanáltico), pelo que a escolha dos sítios foi propositada e terá tido em conta todos estes factores. Julgamos ter demonstrado as mais-valias de uma abordagem SIG a uma realidade arqueológica de um território específico, apesar das dificuldades em lidar com as várias ferramentas – ainda que possa não ter resultado da melhor forma, reconhecemos grande utilidade neste tipo de software. Se as condicionantes no domínio das várias ferramentas disponíveis impossibilitaram uma exploração efectiva das várias valências que estes nos permitem, foi possível lançar um outro olhar sobre a ocupação humana deste território, em épocas mais recuadas, abrindo assim espaço a novas perspectivas e possibilitando uma base

consistente para que futuros trabalhos tenham lugar (fazemos votos para que isso aconteça). Este trabalho não teria todavia existido sem o incentivo e a disponibilidade constante do professor da cadeira, Marcos Osório, assim como de alguns colegas, entre eles, José Paulo Francisco, Rita Tavares, João Lobão, Miguel Cipriano e Bruno Bairrão. Agradecemos ainda à Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo, na pessoa do arquitecto Miguel Torres, pela cedência de toda a informação vectorial necessária para esta investigação.

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