Explicações Não-tautológicas das Tautologias

Share Embed


Descrição do Produto



(Esta versão é preliminar.

EXPLICAÇÕES NÃO-TAUTOLÓGICAS DAS TAUTOLOGIAS

quaisquer

Tony Marmo

correções ou sugestões que

A partir de lógicas com mais de dois valores, tratamos da questão da perda de tautologias, além dos aspectos filosóficos mais gerais. Revemos a noção de aceitabilidade das fórmulas, estendendo a de tautologia lato sensu e considerando as famílias de sistemas Pm, Un e £n, e bem assim introduzimos algumas correlações entre implicação fraca e forte, além do conceito de implicação conservadora.

Agradecemos

os leitores nos queiram dar.)

INTRODUÇÃO. Além de algumas contribuições modestas que deixamos para as três seções finais, a presente investigação almeja, da segunda à quarta seções, divulgar, explorar e, dentro do possível, sintetizar ou reformular as ideias consignadas abaixo, a maioria delas extraídas da literatura. Ainda que questionáveis da perspectiva de uma tradição lógica clássica, tais ideias se revelam ferramentas úteis para explicação e questionamentos filosóficos. Inicialmente relataremos a defesa clássica do uso de raciocínios tautológicos, isto é, de proposições ou esquemas nãofalseáveis na lógica e nas ciências e as contrarrazões oferecidas por autores posteriores. O nosso parecer será pelo parcial provimento da demanda dos últimos. Um dos principais temas dentre os mais recorrentes na filosofia e particularmente na lógica é a busca de um modo de investigação pelo qual um ou mais agentes epistêmicos possam raciocinar sobre todo problema que se lhes coloca a partir de informações ou opiniões aceites. Encontramos esse tema desenvolvido no Organon, especialmente em Tópicos e nos dois Analíticos. Relacionado a isto está o estudo das ciências demonstrativas: pela mesma tradição aristotélica, um argumento se considera uma demonstração, quando se inicia com premissas verdadeiras e primárias, ou premissas as quais advêm de outras premissas que são primárias e verdadeiras. Segundo Aristóteles, as premissas primárias e verdadeiras são as verdades óbvias, que contrastam com as opiniões geralmente aceites. Ou seja, são consideradas como tais por força de si mesmas e de nada mais, e, no caso do raciocínio científico, não fará mais sentido perguntar o porquê delas. Entende-se, assim, que para Aristóteles a raiz do conhecimento científico começaria com o conhecimento de tautologias. Diferentemente, as opiniões geralmente aceites são aquelas cuja verdade ou verossimilhança a maioria dos agentes epistêmicos de uma comunidade (tais como filósofos ou cientistas), por uma ou outra razão, supõem. Se as levarmos em consideração, o conhecimento então obtido pela argumentação constrói-se sobre outro conhecimento preexistente constituído de tautologias e opiniões geralmente aceites. Até os dias de hoje, uma lógica particular pode ser entendida como um cálculo ou método de raciocínio, e a ciência lógica em geral como o estudo dos métodos de raciocínio. Por conta da tradição aristotélica, geralmente ainda se imagina que tais métodos sirvam à construção do conhecimento científico. Mas, o uso de tautologias como garantia de obtenção de conhecimento científico já encontrou objeções assim dentro da própria ciência como de sua filosofia. Para breve ilustração, apresentamos uma síntese parcelar dessas objeções:

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

Sem mencionar o conceito de tautologia, ao dar suas orientações para bem conduzir a razão e buscar a verdade nas ciências, mesmo supondo que a razão, o atributo melhor distribuído entre os humanos, seja uma faculdade bivalente que distingue o verdadeiro do falso, (Descartes, 1637) considera a lógica vinda dos mestres anteriores de pouca serventia. Serviria apenas ou para explicar a outrem as coisas que já se sabem, ou para falar, sem julgamento, daquelas que se ignoram ao invés de aprendê-las. Essas críticas antecipam em séculos as contemporâneas objeções ao uso das tautologias na ciência e a base para a busca de sistemas lógicos não-clássicos, ou, em suas palavras, de um método que contivesse as vantagens da lógica tradicional e da matemática, mas nenhum dos seus inconvenientes. Em mais de uma passagem (Marx, 1843) critica a filosofia do direito de Hegel por valer-se de proposições tautológicas e não apresentar bases empíricas. Em outras tantas obras do mesmo autor, esta crítica muitas vezes se repete, condenando o mero exercício de tautologias como prática científica, conforme aponta (Paolucci, 2007), inter alia. (Wittgenstein, 1921) a certa altura afirma que a tautologia e a contradição carecem de sentido. E justificava: por exemplo, nada se sabe sobre a meteorologia quando se sabe que chove ou não chove. Uma tautologia, segundo o mesmo autor, não tem condições de verdade, por que é incondicionalmente verdadeira, enquanto a contradição sob nenhuma condição é verdadeira. Para ele, a tautologia e a contradição não seriam figuras da realidade, não representariam nenhum estado possível das coisas. A tautologia permitiria, com efeito, todos os estados possíveis das coisas, a contradição nenhum. Bem a propósito disso, encontramos em (Frege, 1892) o célebre comentário sobre a diferença entre as igualdades tautológicas e as não-tautológicas. Segundo argumenta, a diferença entre 𝑎 = 𝑎 e 𝑎 = 𝑏 está no valor cognitivo: enquanto a primeira vale a priori, a última pode representar uma ampliação do conhecimento que não se estabelece aprioristicamente. Um exemplo mais concreto desse tipo de igualdade não-apriorística foi a descoberta de que a Estrela Vespertina e a Estrela Matutina são um mesmo objeto celeste, sem dúvida um avanço no conhecimento astronômico. Na mesma linha, (Popper, 1962) chama as tautologias de pseudo-proposições sem significado (sic). Conter muitas tautologias seria um problema de quase toda obra-prima da matemática ou da ciência. Anteriormente, (Popper, 1934) por algumas passagens mesmo excluiu da ciência o pensamento tautológico: no capítulo terceiro, descreve como se testam hipóteses pelas conclusões que elas acarretam por dedução lógica (sic). Todavia, tais conclusões se comparam entre si e outras afirmações relevantes apenas para achar as seguintes relações lógicas: equivalência, derivabilidade e compatibilidade ou incompatibilidade. Testar uma teoria, então, consistiria primeiramente em ver se ela não contém contradições internas, e em segundo lugar, determinar se a teoria tem um caráter científico, isto é, empírico mesmo, ou se se trata de uma teoria tautológica. É curioso também notar que ao apresentar sua versão da lógica clássica, (Popper, 1947), começa justamente a partir de regras de inferência e não de fórmulas que sirvam como axiomas, isto é, já evitando principiar com tautologias e pela oitava seção esclarece em que sentido seriam novos seus fundamentos para lógica: em se omitindo do sistema as definições de tautologia e contradição, obtém-se o que Popper chama de lógica puramente dedutiva. É essa a lógica que ele advoga: A vantagem de uma lógica puramente derivacional é esta: é um sistema que se propõe desde o início a ser uma teoria da inferência no sentido de que nos permite derivar asserções informativas (não-lógicas) de outras declarações informativas. A maioria dos sistemas da lógica moderna não são puramente derivacionais e alguns (por exemplo no caso de Hilbert-Ackermann) não são derivacionais de modo algum. Eles

2

Tony Marmo

operam nem tanto sobre regras de inferência, mas com axiomas ou regras de prova (axiomas-esquema). Quer dizer, tomam como primitivas asserções como “todas as declarações designadas por ‘a>a’ [a implica a] são verdadeiras” (...) Essas amostras da obra de Karl Popper são compatíveis com a leitura geral de seu trabalho na filosofia da ciência, segunda a qual as teorias científicas devem ser sempre falseáveis e teorias tautológicas não o são. Alguns poderiam tentar limitar o escopo das reflexões acima exclusivamente ao estudo das ciências empíricas. Porém, argumentos já houve que também manifestavam uma inquietação com relação à possível tautologicidade das chamadas ciências demonstrativas. (Poincaré, 1894) coloca justamente que a própria possibilidade de existir uma ciência matemática parece uma contradição insolúvel. Essa contradição assiste em dois paradoxos que o matemático e filósofo detecta. Ele indaga-se primeiramente de onde se deriva o rigor perfeito da matemática, do qual ninguém duvida, se tal ciência for dedutiva em aparência? Por outro lado, se todas as proposições que a matemática enuncia se derivam pelas regras da lógica formal, coloca-se a seguinte questão: como é que a matemática não se reduz a uma grande tautologia? Na sequência de sua argumentação no mesmo artigo, o autor faz o seu célebre comentário: Um silogismo nada nos pode ensinar de essencialmente novo e, se tudo deve sair do princípio de identidade, tudo deveria também poder reduzir-se a tal princípio. Admitiremos por conseguinte que os enunciados de todos os teoremas que preenchem tantos volumes sejam apenas maneiras indiretas de dizer que A é A? O próprio autor responde negativamente à pergunta acima, inclusive negando uma identificação imediata do raciocínio matemático com as regras do silogismo clássico, dizendo que não se elidirá a referida contradição aparentemente insolúvel pelo uso frequente de uma regra pela qual a mesma operação uniforme aplicada a números iguais nos proverá resultados idênticos. Nas suas conclusões, o autor então defende que a matemática procede por um método de construção que, partindo do particular para o mais geral, agrega novos conhecimentos. Ou seja, reforça a ideia de que a expansão do saber não se ancora no uso de tautologias, nem mesmo no caso das ciências formais (de outro modo ditas demonstrativas). E com isso fechamos nosso curtíssimo e parcial relatório da insurgência filosófica contra o uso das tautologias no pensamento científico. O uso de tautologias para o início da formulação de hipóteses nas ciências não deve ser, todavia, totalmente desdenhado. Por razões formais ou empíricas é possível averiguar possibilidades aventadas numa disjunção, por exemplo. Na verdade, a aplicação de uma regra como corte pode ser entendida como um modo de testar hipóteses inicialmente tautológicas. Consideremos a seguinte proposição: 0.0. Nos próximos 10 anos, ou [i.] o mundo enfrentará uma nova crise econômica, ou [ii.] não enfrentará uma nova crise econômica, ou [iii.] outro evento inesperado acontecerá. Para análise científica, não será a totalidade de (0.0) que se colocará a teste, mas sim cada um dos seus disjuntos, até que se chegue ao disjunto verdadeiro ou mais verossimilhante. O examinador de (0.0) pode perfeitamente extrair dela uma conclusão científica e não-tautológica. Em primeiro lugar, se o examinador aceita formalmente o princípio do terceiro excluído, pode já descartar o disjunto em [iii.]. Em segundo lugar, ele pode observar os eventos nos próximos 10 anos e concluir pela verdade de [i.] ou de [ii.], descartando o outro. Não há problemas nisso. Apenas há que se ressalvar que para ganho de conhecimento o importante não será a hipótese em (0.0), mas as conclusões a que o examinador chegar partindo dela. Ou seja, a teoria científica resultante não se resumirá à asserção de (0.0), mas corresponderá a uma explicação que empiricamente se apoie em um dos seus disjuntos.

3

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

O próprio Aristóteles na sua Física procedeu assim, ou seja, mostrou como é possível argumentar a favor de uma teoria da natureza começando com disjunções muito abrangentes e depois cortando disjuntos. Colocações iniciais como ou existe movimento infinito ou não existe, ou o movimento é circular ou não, acabam dando lugar a conclusões como não existe movimento infinito, exceto o movimento circular, justamente por esse procedimento de raciocínios. Há muitos outros exemplos desse padrão de argumentação: é por ele que o mesmo autor conclui que a continuação de um movimento depende da ação continuada de uma força, uma asserção célebre da física aristotélica e perfeitamente testável ou falseável experimentalmente, como puderam ver físicos posteriores. Não há que se falar numa inadequação insanável das tautologias, destarte, visto que elas têm utilidade para o raciocínio científico, se seu emprego for bem entendido. Mas, talvez haja que se buscar uma explicação para os mecanismos que as engendram. Mais precisamente, talvez se tenha de recusar a ideia de que certas asserções se consideram tautológicas apenas por sua força em si ou pela intuição humana, em favor de outra ideia de que, dependendo da teoria lógica utilizada, uma asserção pode ou não ser considerada tautológica. Ou, então, o que se deva tentar seja algo como uma extensão da noção de tautologia que permita explicar mais claramente os referidos mecanismos. É possível de fato redefinir o conceito de tautologia como de asserções que são sempre verossímeis, aqui já se entendendo a verossimilhança como algo um tanto distinto de verdade “exata” ou total. Já há outra proposta na literatura que estende a noção de tautologia lato sensu pela de raciocínios ou asserções aceitáveis. Porém, essa noção de aceitabilidade requer que façamos [i.] algumas opções estratégicas e [ii.] que a situemos dentro de uma ou mais famílias de lógicas nas quais ela possa fazer sentido.

1. DAS OPÇÕES ESTRATÉGICAS Para o tratamento próprio de quaisquer questões filosóficas, inclusive das lógicas, sempre é preciso traçar uma estratégia clara, antes de mais nada. Há várias estratégias possíveis para o caso dos temas que enunciamos na introdução e cada estratégia nos faz considerar diferentes tipos ou classes de sistemas lógicos. Uma estratégia seria a que Popper preferiu, a saber, desistindo por completo da crença na utilidade do pensamento tautológico para as ciências e propondo uma lógica estritamente dedutiva. Deveras, (Popper, 1947) diz que um sistema de regras primitivas de derivação é puramente derivacional se e somente se podemos dar para cada regra primitiva exemplos de asserções que sejam todos não-tautológicos. E isto encerraria a nossa investigação, pois não teríamos mais como objeto as tautologias. Ou seja, por essa estratégia não poderemos formular várias questões sobre tautologias e como nosso raciocínio as incorpora, produz ou utiliza. Bem diferente, por outro lado, será tentar relativizar o conceito de tautologia para manter a possibilidade de investigar o assunto. Aqui, associamos tal estratégia ao estudo dos sistemas lógicos multivalentes que suscitam várias discussões. Aqui, dois inquéritos nos hão de interessar de imediato: O primeiro inquérito trata de como é possível aceitar ou excluir a existência de pelo menos mais um valor alético além de verdadeiro e falso, conforme apontam (Rosser & Turquette, 1952): Desde que houve uma enunciação clara do princípio de que “toda proposição é verdadeira ou falsa”, houve quem o questionasse. Com o desenvolvimento de uma abordagem axiomática da lógica, tornou-se possível construir sistemas lógicos em que tal princípio não valesse.

4

Tony Marmo

O segundo inquérito, que aqui nos importa mais, averigua as muitas questões que passam a ser formuladas dentro do contexto multivalente, tais como “ainda poderemos provar teoremas por redução ao absurdo?” ou “quais serão então as leis básicas do pensamento?”, etc. Especificamente, perguntamo-nos como devemos entender as tautologias, uma vez rejeitado o princípio do terceiro excluído. Poderemos ter no lugar da noção de tautologia outra mais fraca porém tão ou mais útil? Assim, primeiramente impõe-se a tarefa de definir o que seja uma tautologia ou quiçá buscar noções próximas ou mais gerais. Se a cada proposição se atribui um e apenas um dentre dois valores aléticos, é simples definir tautologias como uma proposição que sempre toma valor verdadeiro. Mas, se há mais de dois valores aléticos, ou mesmo se houver graus de verdade das proposições, como então definir tautologia? Se aceitarmos associar a ideia de tautologia à atribuição do valor alético máximo, ou seja, se a definirmos como uma proposição que sempre toma o maior grau de verdade, então como classificaremos ou o que diremos daquelas proposições que recebem valores não altos? Outro tópico a investigar, menos óbvio e mais instigante, é o de saber quais proposições ou fórmulas se consideram tautologias para todas as lógicas de uma mesma família. Nomeadamente, trata-se de saber se uma tautologia bivalente será também uma trivalente e assim sucessivamente, ou se o caminho será o inverso. E, por fim, o que há de dizer de sistemas em que não há um valor máximo de verdade? Também como opção estratégica, usaremos de lógicas multivalentes para falar dos assuntos acima. Aqui não discutiremos o que são as noções de verdade/falsidade e graus de acuidade ou verdade/falsidade. Tomar-se-ão tais noções como um primitivas sem lhes adscrever definição precisa, considerando ser intuitiva a ideia de que agentes epistêmicos humanos usualmente avaliam as proposições segundo sua acuidade ou verdade e representar tais valores numericamente.

2. ALGUMAS FAMÍLIAS MULTIVALENTES As leis tradicionais da lógica podem ser enunciadas usualmente ou como regras de inferência ou como condicionais (isto é, implicações). Na sua versão condicional, essas leis são as conhecidas fórmulas tautológicas da lógica clássica bivalente. Inicialmente enumeramos algumas delas como implicações: Fórmulas (P.1) 𝜋 → 𝜋 (P.2) 𝜋 ∧ 𝜇 → 𝜋 (P.3) 𝜋 → 𝜇 → 𝜋 (P.4) 𝜋 → ¬𝜋 → 𝜇 (P.5) ¬𝜋 → 𝜋 → 𝜋 (P.6) 𝜋 → 𝜇 ∧ ¬𝜇 → ¬𝜋 (P.7) 𝜋 → ¬𝜋 → ¬ ¬𝜋 → 𝜋 (P.8) 𝜋→𝜇 → 𝜇→𝜙 → 𝜋→𝜙 (P.9) ¬𝜇 → ¬𝜋 → 𝜋 → 𝜇 (P.10) 𝜋→𝜇 →𝜇 → 𝜇→𝜋 →𝜋 (P.11) 𝜋→𝜇 → 𝜇→𝜋 → 𝜇→𝜋

5

Exemplos em linguagem natural Beber água implica beber água. Se o asno de Buridan bebe e come, então ele come. Se o asno bebe, então se ele come, bebe. Se o asno bebe, então se não bebe, come. Se o asno não beber implica beber então (de qualquer forma) ele bebe. Se o asno beber implica comer e não comer, então ele não bebe. Se beber implica não beber, então não beber não implica beber. Se o asno beber implica comer, então se comer implica respirar, então beber implica respirar. Se não beber implica não comer então comer implica beber. Etc.

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

Essas fórmulas muitas vezes têm nomes conhecidos na literatura, como identidade (P.1), consequência admirável (P.5), contraposição (P.9), etc. Acima, o símbolo → denota simplesmente a implicação material. Mais adiante, porém, distinguiremos entre implicação fraca ⇒ e forte → nos sistemas multivalentes. 1 Demais conectivos serão definidos no texto. Letras gregas minúsculas como 𝜇, 𝜋, 𝜎, 𝜙 utilizaremos mormente para denotar fórmulas e, em alguns casos, para indicar um número cardinal. Notações usuais da matemática também nos auxiliarão. No decorrer texto e especialmente das demonstrações nas seções subsequentes, modus ponens sempre se refere à regra advinda justamente da lógica clássica, nomeadamente: (MP) A partir de uma proposição A e do fato de que A implica/ acarreta outra proposição B se infere B. Outras possíveis variantes ou alternativas dessa mesma regra serão à medida do possível designadas por expressões diferentes, quando estivermos a abordar regras de inferência dos sistemas-objeto. Se as leis lógicas podem figurar como regras ou axiomas, há também que se distinguir quando se trata uma lei lógica como um teorema ou uma tautologia. Tal distinção é essencial: pelo método axiomático escolhem-se quais declarações se tomam como estipulações iniciais e quais regras se usam para construir novas declarações que valem também como injunções. As estipulações iniciais e as injunções delas derivadas são os teoremas de uma lógica. Por outro lado, quando se encara uma lei lógica como uma tautologia, está-se pensando no seu valor alético invariante que justamente permite supor que seja mesmo uma lei. Idealmente os teoremas e as tautologias de uma mesma lógica devem coincidir.2 Ainda assim, pouco temos a dizer das leis lógicas enquanto teoremas, donde focaremos os sistemas que sancionam tais leis. Como vários e diferentes sistemas lógicos multivalentes podem ser construídos, convém organizá-los em famílias. Duas famílias aqui consideradas são tidas na literatura como generalizações bem diferentes de uma mesma lógica inicial. No que se segue descrevemos as famílias £n, Un e Pm. £n. Podemos tomar o cálculo proposicional clássico bivalente C2 como lógica inicial e consideralo parte da família de lógicas de Łukasiewicz, a designar por £n, tal que nelas os valores são um conjunto finito ou infinito de números do intervalo [0, 1]. Vê-se para já que, na família £n, C2 corresponderá exatamente a £2, se identificarmos 1 com verdadeiro (T) e 0 com falso (F). Uma lógica trivalente, digamos £3, pode atribuir às proposições atômicas um dentre os três valores seguintes: verdadeiro (T), falso (F) e neutro (I), que podem também ser identificados com 0, ½ e 1 respectivamente. Enfim, os conjuntos finitos de valores de uma lógica £n serão dados por: 2.0.

!!! !!!

,

!!! !!!

,…,

!

,

!

!!! !!!

.

A primeira lógica infinito-valente dessa família £n terá um conjunto de valores com a cardinalidade dos naturais e designa-se, portanto, £ℵ0, e a segunda será £ℵ1, cujo conjunto de valores tem a cardinalidade dos reais. É resultado conhecido da literatura, por razões que aos poucos esboçaremos, que £ℵ0 e £ℵ1 se equivalem, razão pela qual se fala usualmente do sistema £ℵ. Outra família a que nos referiremos será Un, a qual explicaremos mais adiante.

1 Se quisermos aplicar essa distinção à lógica bivalente, veremos que todas as teses acima que são tautologias da lógica bivalente na sua versão de implicação forte, também são tautologias bivalentes na versão da implicação fraca. 2 Ver (Turquette, 1954) para uma explicação na mesma linha.

6

Tony Marmo

Em vários artigos da primeira metade do século XX 3 , Łukasiewicz generalizou sua lógica trivalente £3 para o caso de mais valores aléticos, deveras para sistemas infinito-valentes. Sejam tais valores representados por números reais no intervalo de 0 a 1, com 0 desempenhando o papel de falso e 1 de verdadeiro. O sistema trivalente de Łukasiewicz pode-se desenvolver a partir dos valores supracitados em se usando tabelas de verdade baseadas nas seguintes regras aritméticas: 2.1. Operadores de £n. a. Negação. ¬𝑥 = 1 − 𝑥 , tal que |...| denota a diferença absoluta. b. Conectivos binários. Fracos Fortes i. 𝑥 ∨ 𝑦 = max 𝑥, 𝑦 𝑥 ⊔ 𝑦 = min 1, 𝑥 + 𝑦 Disjunção ii.

𝑥 ∧ 𝑦 = min 𝑥, 𝑦

x&y = max 0, 𝑥 + 𝑦 − 1

Conjunção

iii. 𝑥 ⇒ 𝑦 = max ¬𝑥, 𝑦 𝑥 → 𝑦 = 𝑚𝑖𝑛 1, 1 − 𝑥 + 𝑦 Implicação Podemos formular a partir disso muitas regras de inferência, aritmeticamente calculáveis, e inclusive várias versões multivalentes para modus ponens. As mais naturais, ou seja, as que decorrem prontamente das regras acima são as seguintes: c.

Regras de Inferência Modus Ponens. Fraco Forte Se x=1 e 𝑥 ⇒ 𝑦 = max 1 − 𝑥, 𝑦 = 1, então Se x=1 e 𝑥 → 𝑦 = 1 , então y=1. y=1. Pela série de valores aléticos em (2.0) e os conectivos proposicionais e regras em (2.1), obtém-se a série £n das lógicas multivalentes de Łukasiewicz. Exemplificamos as tabelas de verdade para o caso de £4 mais adiante na quarta seção. Un (e afins). Todavia, são possíveis outras lógicas infinito-valentes radicalmente diferentes de £n, as quais também se podem qualificar como generalizações da lógica trivalente básica £3 de Łukasiewicz. Uma dessas famílias de lógicas é a que designamos por Un. Uma lógica finita da família Un (tal que n≥3 e ímpar) toma os valores aléticos dentre a totalidade dos inteiros no intervalo –

!!! !

,+

!!! 4 . Por exemplo, no caso da lógica U3, o valor de !

uma proposição x qualquer número real do intervalo entre –1 a +1, interpretando-se –1 como falso, +1 como verdadeiro e 0 como neutro: −1 ≤ 𝑥 ≤ +1. Para os conectivos proposicionais introduzimos as tabelas de verdade por meio das regras seguintes: 2.2. Operadores de Un. a. Negação. ¬𝑥 = −𝑥; b. Operadores binários. i. Conjunção, disjunção e implicação fracas como em 2.1, observada a definição de negação anterior (ou seja 𝑥 ⇒ 𝑦 = max −𝑥, 𝑦 );

3 Ver entre outros (Łukasiewicz, 1910), (Łukasiewicz, 1920), (Łukasiewicz, 1930), (Pogorzelski, 1964) e (Rescher, 1969). 4 Na verdade, na literatura encontram-se sistemas Un par-valentes e ímpar-valentes, os primeiros desconsideram o 0 entre os valores aléticos e os últimos sempre o consideram. Mas, aqui somente nos interessarão os sistemas ímpar-valentes, dados os objetivos presentes.

7

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

+ ii. 𝑥 → 𝑦 = 0

!!! !

𝑠𝑒



!!! !

𝑠𝑒

𝑥−𝑦≤0

0 < 𝑥 − 𝑦 ≤ 1, implicação forte; 𝑠𝑒

𝑥−𝑦>1

iii. 𝑥 ↔ 𝑦 = 𝑥 → 𝑦 ∧ 𝑦 → 𝑥 ; iv. 𝑥

!

𝑦, implicação forte conservadora, a definir em (5.19).

Vale notar que na família Un, inobstante as lógicas poderem ter mais de três valores aléticos, uma implicação [forte] → deve ser sempre ou verdadeira, ou falsa ou neutra. Como no caso da família £n, podemos formular várias versões multivalentes para modus ponens, entre as quais decorrem imediatamente das regras acima as seguintes: c.

Regras de Inferência Modus Ponens. Fraco Forte !!! !!! !!! !!! Se 𝑥 = + e 𝑥 ⇒ 𝑦 = max −𝑥, 𝑦 = + , Se 𝑥 = + e 𝑥 → 𝑦 = + , !

!

!!!

!

!

!!!

então 𝑦 = + . então 𝑦 = + . ! ! Todavia, o interessante é justamente que todas as versões de modus ponens multivalente para as famílias £n e Un podem ser apresentadas como teoremas a partir das regras, a demonstrar aritmeticamente. Ou seja, não se trata de regras de inferência meramente estipuladas por uma intuição ou convenção. 2.3. Proposição. As regras em (c) acima são consequências das alíneas anteriores em (2.2). Dem. O caso de modus ponens fraco é trivial. Para modus ponens forte: Se 𝑝 → 𝑞 = + 𝑞>+ 𝑞=+

!!! ! !!! !

!!! !

, então 𝑝 − 𝑞 ≤ 0 , donde 𝑞 ≥ 𝑝 . Se 𝑝 = +

!!! !

, então 𝑞 ≥ +

não é possível em um sistema finito-valente Un, visto que +

!!! !

!!! !

. Como

é o valor máximo,

.

Não estaremos necessariamente considerando os sistemas infinito-valentes em Un neste trabalho. Mas, há pelo menos dois deles, a saber, [i.] Uℵ0, que toma como valores os inteiros no intervalo +∞, −∞ e [ii.] Uℵ1, que toma como valores os reais no intervalo [–1,1]. A subfamília 𝑈!⇒ obtém-se de Un retirando-se-lhe a implicação forte e as regras aritméticas a ela atinentes. Mas, também essa não focaremos.5 Uma das características interessantes que se constata, ao comparar ambas famílias de lógicas, é a seguinte: para a família £n, há um mesmo valor máximo de verdade em todas as suas lógicas, a saber, 1, e um mesmo valor máximo de falsidade, 0. Na família Un, para já é visível que cada lógica terá seu próprio valor máximo de verdade e seu próprio valor máximo de falsidade.

5 É mesmo possível pensar em outras famílias assemelhadas a Un, por exemplo, digamos 𝑈 ∗ , que ! diferiria da primeira na definição da implicação forte: + e*. 𝑥 → 𝑦 =

E assim por diante.

8

!!! !

0 𝑞

𝑠𝑒 𝑠𝑒 𝑠𝑒

𝑥𝑦

Tony Marmo

Pm. Por fim, apresentaremos uma família lógica proposta por (Post, 1921) 6 que é bastante diferente das duas anteriores. Conforme explicamos na quarta seção, trata-se de um família de lógicas que, ao contrário de Un e £n, não são normais. As lógicas finito-valentes Pm descrevemos assim: 2.4. Valores aléticos. Cada lógica tem um conjunto de m valores aléticos, que podem ser representados por positivos inteiros, a saber, 1 … 𝑚 , sendo 1 interpretado como verdadeiro e m como falso. 2.5. a. Negação. A negação finita de Post, indicada abaixo por η, dá-se pelas seguintes regras: i. 𝜂 𝑚 = 1 ii. 𝜂 𝑖 = 𝑖 + 1, para 1 ≤ 𝑖 < 𝑚. É usual denotar a negação de Post como ¬! , mas podemos usar também ¬ para simplificar. b. Disjunção. Diferentemente do que é usual nas lógicas multivalentes, a disjunção de Post, denotada abaixo por ∨! , toma o menor valor dos disjuntos, ou seja, i. 𝑥 ∨! 𝑦 = min 𝑥, 𝑦 . c. Demais conectivos. Os demais conectivos ∧,⇒ e ⇔ são definidos em termos da conjunção e da negação: i. 𝑥 ∧ 𝑦 = ¬! ¬! 𝑥 ∨! ¬! 𝑦 ; ii. 𝑥 ⇒ 𝑦 = ¬! 𝑥 ∨! 𝑦; iii. 𝑥 ⇔ 𝑦 = 𝑥 ⇒ 𝑦 ∧ 𝑦 ⇒ 𝑥 . Acima convencionamos representar os valores aléticos por inteiros positivos, 1,2,3,...,m, por ser mais cômodo. Outro modo, todavia, que use de frações, permite pensarmos adicionalmente em lógicas infinito-valentes para a família Pm. Para a primeira lógica infinito-valente, Pℵ0 descrever-se-á assim: 2.6. Valores aléticos. Os valores aléticos são 1 (verdadeiro), 0 (falso) e os demais são frações da forma

! ! !

.

2.7. a. Negação. A negação de Pℵ0, indicada abaixo por η, dá-se pelas seguintes regras: i. 𝜂 0 = 1 !

ii. 𝜂 𝑥 = 𝑥, para 𝑥 ≠ 0. !

b. Disjunção. Diferentemente de (2.6), a disjunção de Pℵ0, denotada abaixo por ∨, dá-se por i. 𝑥 ∨ 𝑦 = max 𝑥, 𝑦 . Os demais conectivos definem-se como em (2.5c) acima. Pℵ1, a segunda lógica infinito-valente de Pm, será igual a Pℵ0, exceto que os valores aléticos serão os números reais no intervalo [0,1]. A título de ilustração, apresentamos a tabela para quatro conectivos de P3, simplificando a notação: 2.8. Exemplo. Tabelas para ¬, ∨, ∧ e ⇒ em P3. x∨y x ¬x x\y 1 2 3 1 2 1 1 1 1 2 3 2 1 2 2 3 1 3 1 2 3 6 Ver também (Rose, 1952) e (Rose, 1953), entre outros.

9

1 3 3 2

x∧y 2 3 1 2

3 2 2 2



1 1 1 1

x⇒y 2 2 2 1

3 2 3 1

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

É o nosso relatório das três famílias lógicas consideradas. São todos sistemas simples e fáceis de usar. Na seção imediatamente subsequente abordamos um tema filosófico detectável a partir do uso dessas lógicas multivalentes.

3. PERDA DE TAUTOLOGIAS A. CONSTATAÇÃO POR EXEMPLOS Consideramos uma fórmula como tautologia (strictu sensu) se esta uniformemente receber o valor alético máximo de um sistema para todas as valorações de suas variáveis. No caso da família £n esse valor é 1. Não é difícil perceber o seguinte: 3.0. Observação. Toda tautologia de qualquer £n para n>2 é também uma tautologia do cálculo proposicional clássico bivalente C2. Isso é assim porque as tabelas de verdade para cada £n concordarão com as tabelas bivalentes quando envolverem apenas 0 e 1 (i.e., F e T), de forma que uma fórmula bem formada que sempre toma valor 1 a partir de um grupo maior de valores de entrada também tomará valor 1 quando as entradas forem apenas 0s e 1s. Por outro lado, há de modo geral tautologias de C2 que não são tautologias de uma £n>2. Para verificar isso, basta examinar alguns exemplos. Primeiramente, vejamos as tabelas para a negação, a disjunção fraca (que serve também para calcular a conjunção e a implicação fracas) e bem assim a implicação forte: 3.1. Tabelas de £4. X 1

¬x 0 ⅓ ⅔ 1

x\y 1 1 1 ⅔ ⅔ 1 ⅓ ⅓ 1 0 0 1 Agora elenquemos os exemplos:

⅔ 1 ⅔ ⅔ ⅔

x∨y ⅓ 1 ⅔ ⅓ ⅓

0 1

⅔ ⅓

0



1 1 1 1 1

⅔ ⅔ 1 1 1

x→y ⅓ ⅓ ⅔ 1 1

0 0 ⅓ ⅔ 1

3.2. Exemplo. A fórmula 𝜋 ⇒ 𝜋 não é tautologia de £4, diferentemente de π→π. Dem. £4 tem como valores 0, ⅓, ⅔ e 1. Para a implicação forte, vê-se que quando o antecedente e o consequente têm o mesmo valor, a implicação é verdadeira, donde π→π é tautologia. Por outro lado, para ver que a fórmula 𝜋 ⇒ 𝜋 não será uma tautologia de £4, basta encontrar um caso em que 𝜋 ⇒ 𝜋 ≠ 1. Assim, suponha, por exemplo, que π=1/3: então obteremos um valor diferente de 1 para a fórmula referida. Isto se vê pelo cálculo abaixo: 𝜋 ⇒ 𝜋 = max ⅔, ⅓ = ⅔ ≠ 1 3.3. Exemplo. Não é tautologia de £4 a fórmula 𝜋 → 𝜇 ∧ ¬𝜇

→ ¬𝜋.

Dem. Suponha µ=⅓, donde 𝜇 ∧ ¬𝜇 = ⅓, e π=1, donde ¬π=0. Logo, na forma das regras em (2.1), 𝜋 → 𝜇 ∧ ¬𝜇 = 𝑚𝑖𝑛 1, 1 − 1 + ⅓ = ⅓ e, assim, 𝜋 → 𝜇 ∧ ¬𝜇

10

→ ¬𝜋 = 𝑚𝑖𝑛 1, 1 − ⅓ + 0 = ⅔.

Tony Marmo

3.4. Exemplo. De um modo geral, a fórmula ¬𝜋 ⟹ 𝜋 ⟹ 𝜋, a versão fraca da consequência admirável (ou lei de Clávio), não será tautológica em £n. Dem. De acordo com (2.1), isto se calcula assim: a. b. c.

¬𝜋 ⟹ 𝜋 ⟹ 𝜋 = 𝑚𝑎𝑥 ¬ ¬𝜋 ⟹ 𝜋 , 𝜋 ¬𝜋 ⟹ 𝜋 = 𝑚𝑎𝑥 1 − 1 − 𝜋, 𝜋 = 𝑚𝑎𝑥 𝜋, 𝜋 = 𝜋 𝑚𝑎𝑥 ¬ ¬𝜋 ⟹ 𝜋 , 𝜋 = 𝑚𝑎𝑥 1 − 𝜋, 𝜋

Ou seja, ¬𝜋 ⟹ 𝜋 ⟹ 𝜋 dependerá do valor de π. Estes casos ilustram uma tendência mais geral: a de que, dentro de uma família de lógicas Xn, quando j>i, haverá tautologias em Xi que não são tautologias em Xj. Deveras, tal se dá com as lógicas finito-valentes da família £n, como se afirma na literatura. Porém, £ℵ0 e £ℵ1, duas lógicas infinito-valentes da mesma família, são casos diferentes. Como é de se esperar, as tautologias de £ℵ1 são todas tautologias de £ℵ0. Mas, inesperadamente, também as tautologias de £ℵ0 são todas tautologias de £ℵ1. E, nesse sentido, £ℵ0 e £ℵ1 equivalem-se. O fato de que as tautologias de £ℵ1 são todas tautologias de £ℵ0 se deduz pelo raciocínio seguinte: dado que as regras de verdade de ambos sistemas são exatamente as mesmas, e dado de que os valores aléticos de £ℵ0 são um subconjunto dos de £ℵ1, toda tautologia de £ℵ1 deve ser tautologia de £ℵ0. O outro lado pode ser mostrado também. Na literatura está demonstrado que o conjunto de tautologias de £ℵ0 pode ser axiomatizado pelas regras de substituição e modus ponens juntamente com os seguintes axiomas: (Ax.1) (Ax.2) (Ax.3) (Ax.4)

𝜋→ 𝜇→𝜋 𝜋→𝜇 → 𝜇→𝜙 → 𝜋→𝜙 ¬𝜇 → ¬𝜋 → 𝜋 → 𝜇 𝜋→𝜇 →𝜇 → 𝜇→𝜋 →𝜋

(Ax.5)

𝜋→𝜇 → 𝜇→𝜋

→ 𝜇→𝜋

Pode-se demonstrar que todos acima são tautologias de £ℵ1 e, portanto, todas as suas consequências pelas regras de modus ponens e substituição também são tautologias de £ℵ1, visto que tais regras preservam o caráter tautológico. Deste modo é que podemos tratar £ℵ0 e £ℵ1 como variantes de um mesmo sistema infinito-valente £ℵ de Łukasiewicz. Não há muito que nos determos sobre tal fato. Se, por um lado, a perda de tautologias é um problema aparente, por outro, conseguimos achar meios para piorá-lo. De fato, existem lógicas infinito-valentes que não têm tautologias, ainda que as lógicas finito-valentes da mesma família as tenham. É o caso da família Pm. Demos um exemplo de tautologia de P3: 3.5. O princípio do quarto excluído. 𝜙 ∨ ¬𝜙 ∨ ¬¬𝜙 Dem. Na forma das regras em (2.5), quaisquer que sejam os valores atribuídos às suas constituintes, a fórmula em comento terá sempre valor 1: 𝜙 1 2 3

11

¬𝜙 2 3 1

¬¬𝜙 3 1 2

𝜙 ∨ ¬𝜙 ∨ ¬¬𝜙 1 1 1

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

Surpreendentemente, o que poderia ser a “contradição” do princípio acima não toma valor falso (no caso, 3), mas a negação dessa fórmula sim: 3.6. Lema. 𝜙 ∧ ¬𝜙 ∧ ¬¬𝜙 = 2, donde ¬ 𝜙 ∧ ¬𝜙 ∧ ¬¬𝜙 = 3. Dem. Na forma das regras em (2.5): 𝜙 1 2 3

¬𝜙 2 3 1

¬¬𝜙 3 1 2

𝜙 ∧ ¬𝜙 ∧ ¬¬𝜙 2 2 2

¬ 𝜙 ∧ ¬𝜙 ∧ ¬¬𝜙 3 3 3

3.7. Perda Total em Pℵ 0. Em Pℵ0 não há tautologias stricto senso (ou seja, fórmulas bem formadas uniformemente tomando valor 1). Dem. Resumidamente, o argumento consiste no seguinte: Lembremos que em os conectivos primitivos são a negação e a disjunção. As tautologias em uma lógica Pm todas no fundo equivalem ao princípio do κ-ésimo excluído, que de modo geral é escrito na forma da disjunção em (*). As tautologias stricto sensu tomam o valor verdadeiro independentemente da atribuição de valores às suas variáveis constituintes. Em poucos passos vê-se que: a.

As variáveis proposicionais podem, obviamente, assumir quaisquer valores da lista 0, … ,

b. c.

! ! !

, … ,1.

Seja π uma fórmula bem formada de Pℵ0: então, na forma de (2.7), ¬π=1 se, e somente se, π=0. Sejam π e µ fórmulas bem formadas de Pℵ0: então, na forma de (2.7), 𝜋 ∨ 𝜇 = 1 se, e somente se, ou π=1 ou µ=1.

Considere agora a seguinte disjunção (*)

𝜙 ∨ ¬𝜙 ∨ ¬¬𝜙 ∨ !¬𝜙 ∨ … ∨ !¬𝜙 ,

onde “x¬” significa “x vezes a negação”. Claramente, se 𝜙 ≠ 0, não haverá nenhuma !¬𝜙 = 1, 0 0: ora, 𝜇 ∧ ¬𝜇 =

𝑚𝑖𝑛 𝜇, −𝜇 ≤ 0, portanto, –π>0. Neste último caso, 𝑚𝑎𝑥 − 𝜋 ⇒ 𝜇 ∧ ¬𝜇 , −𝜋 ≥ 0 também. Disto se conclui que 𝜋 ⇒ 𝜇 ∧ ¬𝜇 𝜋 → 𝜇 ∧ ¬𝜇

⇒ ¬𝜋 ≥ 0. Pelo Lema (6.1), chega-se à conclusão que

→ ¬𝜋 ≥ 0.

Agora cabe uma observação importante acerca de fatos que podem ser visualizado pelas tabelas de U3, U5 e U7 para a diferença entre π e µ, que determina o valor da implicação forte na forma de (2.2):

18

Tony Marmo

Ganho&de&aceitabilidade& ! ! ! ! U9! U7! U5! U3!

! ! π/–µ! –4! –3! –2! –1! 0! 1! U5! 2! U7! 3! U9! 4! ! !

! U9! –4! –8! –7! –6! –5! –4! –3! –2! –1! 0!

U7! –3! –7! –6! –5! –4! –3! –2! –1! 0! 1!

U5! –2! –6! –5! –4! –3! –2! –1! 0! 1! 2!

! − !! U3! –1! 0! 1! –5! –4! –3! –4! –3! –2! –3! –2! –1! –2! –1! 0! –1! 0! 1! 0! 1! 2! 1! 2! 3! 2! 3! 4! 3! 4! 5!

! U5! U7! U9! 2! 3! 4! –2! –1! 0! –1! 0! 1! 0! 1! 2! 1! 2! 3! 2! 3! 4! 3! 4! 5! 4! 5! 6! 5! 6! 7! 6! 7! 8!

Os casos em que 𝜋 → 𝜇 ≥ 0, são aqueles tais que 𝜋 − 𝜇 ≤ 1. Os casos em que as fórmulas recebem valorações aceitáveis apenas em U9 são marcados em amarelo e os em U7 e U9 em cinza mais claro na tabela. Em cinza intermediário, estão os casos aceitáveis em U9, U7 e U5. No tom mais escuro, os casos de fórmulas aceitáveis nas quatro lógicas. Donde se vê que todas as fórmulas aceitáveis em U3 são aceitáveis nos demais sistemas, mas nem todas as fórmulas aceitáveis em U5 e U7 são aceitáveis em U3. Ademais, todas as fórmulas aceitáveis em U5 também o são em U7, mas nem todas as fórmulas aceitáveis em U7 o são em U5. Isto tudo motiva a seguinte conjectura: 6.11. Conjectura. Nas lógicas finito-valentes de Un, com o aumento do número de valores aléticos deve ocorrer o aumento de implicações fortes aceitáveis. Ou seja, podemos supor que não ocorra uma perda de aceitabilidade em Un como ocorre a perda de tautologias com o aumento do número de valores aléticos em £n. Será verdadeira tal proposição? Na sequência, investigamos alguns fatos que possam apontar ou não para essa direção. Podemos , todavia, observar um pequeno problema para já: o fato de que na tabela acima, a proporção de casos não-aceitáveis também aumenta. Por exemplo, em U3 tal proporção é de 1/9 dos casos possíveis, em U5 é de 6/25. Provamos mais resultados. Primeiro, um resultado geral simples mas fundamental, que muito nos é útil, tendo já sido de uma forma ou de outra usado: 6.12.

Lema. A fórmula π a. b.

→ µ é

aceitável em Un, se, e somente se, sempre 𝜋 ≤ 𝜇 + 1 e tautológica em Un, se, e somente se, sempre 𝜋 ≤ 𝜇.

Dem. Óbvio pelas regras em (2.2). Demonstramos agora outros resultados que nos parecem relevantes, nomeadamente algumas tautologias de Un: 6.13. Teorema. Em Un de um modo geral 𝜋 ∧ 𝜇 → 𝜋 ∨ 𝜇 é (tautológica e, portanto,) aceitável. Dem. Há três casos a considerar primeiro: 𝜋 = 𝜇, 𝜋 < 𝜇 e 𝜇 < 𝜋. Nesses três casos, todavia, sempre 𝑚𝑖𝑛 𝜋, 𝜇 ≤ 𝑚𝑎𝑥 𝜋, 𝜇 , donde, na forma de (6.12), 𝜋 ∧ 𝜇 → 𝜋 ∨ 𝜇 = é aceitável.

19

!!! !

, e, portanto,

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

6.14. Teorema. Em Un de um modo geral, ¬𝜇 → ¬𝜋 → 𝜋 → 𝜇 , a contraposição é (tautológica e, portanto,) aceitável. Dem. Repare que −𝜇 + 𝜋 = 𝜋 − 𝜇 algebricamente. Logo, na forma de (2.2), obtemos que ¬𝜇 → ¬𝜋 − 𝜋 → 𝜇 = 0, e, assim, ¬𝜇 → ¬𝜋 → 𝜋 → 𝜇 =

!!! !

≥ 0.

6.15. Teorema. Em Un de um modo geral, 𝜋 → 𝜇 → (tautológica e, portanto,) aceitável.

𝜇→𝜙 → 𝜋→𝜙

é

Dem. Na forma de (6.12), 𝜋 → 𝜇 sse 𝜋 ≤ 𝜇 e 𝜇 → 𝜙 sse 𝜇 ≤ 𝜙. Porém, se 𝜋 ≤ 𝜇 e 𝜇 ≤ 𝜙, então 𝜋 ≤ 𝜙, o que implica que 𝜋 → 𝜙. Sabe-se que se 𝜋 ≤ 𝜇 implicar 𝜇 ≤ 𝜋 , então 𝜇 = 𝜋 . Assim, o mesmo tipo de raciocínio da demonstração anterior serve para demonstrar que: 6.16.

Corolário. 𝜋 → 𝜇 → 𝜇 → 𝜋

→ 𝜇→𝜋

Por raciocínios análogos outrossim obteremos a aceitabilidade das duas implicações, que na verdade são muito parecidas com as duas versões fraca e forte da consequência admirável já vistas: 6.17. a.

Corolário. 𝜋⟹𝜇 ⟹𝜇 ⟹

b.

𝜋→𝜇 →𝜇 →

𝜇 ⟹ 𝜋 ⟹ 𝜋 e 𝜇 → 𝜋 → 𝜋 .

E com isso mostramos que há tautologias que são as mesmas para todos os sistemas de Un.

D. CONSERVANDO A ACEITABILIDADE Introduziremos agora uma modificação da regra para a implicação forte em (2.2), que a generaliza: + 6.18.

𝑥

!

𝑦= 0 −

No caso de U3, como +

!

𝑠𝑒 !!!

!!! !

!!!

!

𝑠𝑒

𝑥−𝑦≤0

0+

!!! ! !!!

, implicação forte conservadora.

!

= 1, na forma de (2.2) e (6.18), as implicações forte e forte

conservadora confundem-se, mas não nas outras lógicas de mais valores da mesma família. Para visualizarmos o que o lema acima significa em termos práticos, revemos a tabela feita na subseção anterior para a implicação forte de U3 a U9, dessa vez considerando a implicação forte conservadora. Os casos em que 𝜋 − 𝜇 ≤ 1 aparecem em cinza mais claro e os casos em que 𝜋−𝜇 ≤+

20

!!! !

, para +

!!! !

> 1 em cinza mais escuro:

Tabelas'das'Admiráveis'Consequências' ' ' ' ' U9' U7' U5' U3'

' ' π/–µ' –4' –3' –2' –1' 0' 1' U5' 2' U7' 3' U9' 4'

! U9' –4' –8' –7' –6' –5' –4' –3' –2' –1' 0'

U7' –3' –7' –6' –5' –4' –3' –2' –1' 0' 1'

U5' –2' –6' –5' –4' –3' –2' –1' 0' 1' 2'

Tony Marmo

! − !' U3' –1' 0' 1' –5' –4' –3' –4' –3' –2' –3' –2' –1' –2' –1' 0' –1' 0' 1' 0' 1' 2' 1' 2' 3' 2' 3' 4' 3' 4' 5'

U5' 2' –2' –1' 0' 1' 2' 3' 4' 5' 6'

U7' 3' –1' 0' 1' 2' 3' 4' 5' 6' 7'

! U9' 4' 0' 1' 2' 3' 4' 5' 6' 7' 8'

' '

!

6.19. Exemplo. A fórmula 𝜋 ∧ ¬𝜋 → 𝜃 não é aceitável em U9, mas 𝜋 ∧ ¬𝜋 𝜃 o será. Dem. Primeiro lembremos que sempre 𝜋 ∧ ¬𝜋 ≤ 0. Na tabela abaixo desconsideramos os valores dos antecedentes que sejam diferentes disso. Em tom cinza marcamos os casos em que 𝜋 ∧ ¬𝜋 − 𝜇 ≤ 1, ou seja, tanto, na forma de !

(2.2), 𝜋 ∧ ¬𝜋 → 𝜃 ≥ 0 quanto, na de (6.18), 𝜋 ∧ ¬𝜋 𝜃 ≥ 0. Em tom amarelo, marcamos os casos os casos em que 1 < 𝜋 ∧ ¬𝜋 − 𝜇 ≤ 4, sendo 4 o valor alético máximo de U9, ou seja, claramente são casos em que 𝜋 ∧ ¬𝜋 → 𝜃 < 0 mas !

𝜋 ∧ ¬𝜋

𝜃 ≥ 0.















𝜋 ∧ ¬𝜋 − 𝜇 U9

𝜋 ∧ ¬𝜋 /–µ –4 –3 –2 –1 0

1

2

3

4



–4

–8 –7 –6 –5 –4 –3 –2 –1 0



–3

–7 –6 –5 –4 –3 –2 –1 0

1



–2

–6 –5 –4 –3 –2 –1 0

1

2



–1

–5 –4 –3 –2 –1 0

1

2

3

–4 –3 –2 –1 0

1

2

3

4

1

–3 –2 –1 0

1

2

3

4

5

2

–2 –1 0

1

2

3

4

5

6

3

–1 0

1

2

3

4

5

6

7

4

0

2

3

4

5

6

7

8

U9 0

1

Assim, com o auxílio da tabela, chegamos ao enunciado acima. A proposição a seguir relaciona a implicação forte à implicação forte conservadora: 6.20. Lema. Se 𝜋 → 𝜇 é aceitável em uma lógica Un, então 𝜋 lógica.

21

!

𝜇 é aceitável na mesma

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

Dem. Ora, 𝜋 → 𝜇 ≥ 0 em Un se, e somente se, 𝜋 ≤ 𝜇 + 1 (ver (6.12)). Por outro lado, suponha que o valor alético máximo de Un seja 1 + 𝑎 , tal que 𝑎 ≥ 0 : então, algebricamente, 𝜋 ≤ 𝜇 + 1 implica 𝜋 ≤ 𝜇 + 1 + 𝑎, donde, na forma de (6.18), também 𝜋

!

𝜇 ≥ 0 em Un.

Outro resultado importante: 6.21. Lema. Dadas duas lógica finito-valentes Ui e Uj, tal que j>i≥3 (ou seja, j tem mais x valores aléticos que i): •

Se 𝜋

!

𝜇 é aceitável em Ui, então é aceitável em Uj.

Dem. Denotemos por a o valor alético máximo de Ui e b o de Uj, tal que 𝑏 > 𝑎: claramente, se !

𝜋 − 𝜇 ≤ 𝑎, o que, na forma de (6.18) implica que em Ui 𝜋 implica que em Uj 𝜋

!

𝜇 ≥ 0, então 𝜋 − 𝜇 ≤ 𝑏, o que

𝜇 ≥ 0.

A partir de (6.20) e (5.21) obtemos o seguinte: 6.22. Corolário. Se 𝜋 → 𝜇 é aceitável em U3, então 𝜋 geral.

!

𝜇 é aceitável em Un de um modo

Disto se seguem vários resultados importantes. Enunciamos, entre outros, o seguinte teorema: 6.23. Teorema. Todas as implicações fortes conservadoras inframencionadas são aceitáveis em Un de um modo geral: a. b. c.

𝜙

!

¬𝜙

¬𝜋 𝜋

!

!

!

𝜋

!

𝜋 ; 𝜋;

𝜇 ∧ ¬𝜇

!

¬𝜋.

Dem. A partir de (6.22) e das próprias proposições em (6.4), (6.6) e (6.10) por modus ponens. Por fim, obtemos um meio para eficientemente mostrarmos a aceitabilidade geral das implicações, relacionando agora as ditas fracas às fortes conservadoras. Tal meio reveste-se na forma do seguinte teorema: 6.24.

Teorema. Se π

⇒ µ é aceitável em Un, de um modo geral, então 𝜋

!

𝜇 também

o é. Dem. De (6.1) e (6.22). E com isso encerramos o exame das fórmulas que tínhamos arrolado.

7. ENFIM UMA TEORIA NÃO-TAUTOLÓGICA DAS TAUTOLOGIAS? Se, por um lado, uma teoria das contradições obviamente não pode ser contraditória, por outro, quiçá seja mais interessante fazer uma teoria das tautologias que não seja ela mesma puramente tautológica; nomeadamente, uma teoria, que não somente provesse as leis segundo as quais se classificam as verdades como tautológicas ou contingentes, mas que explicasse a gênese dessas leis. Uma teoria nestes moldes ficaria mais próxima do pensamento científico contemporâneo. Já se têm com as lógicas multivalentes explicações assim, de forma que tal teoria ou está em construção ou já foi feita. Todavia, anteriormente a maior dificuldade em obter tais explicações

22

Tony Marmo

era a ideia de que as tautologias não seriam mesmo explicáveis face à impossibilidade de demonstrar tudo. Deveras, Parmênides no seu célebre Poema antecipou os pilares assim da lógica como da metafísica aristotélicas, a saber, os princípios do terceiro excluído, da não-contradição e da veracidade do saber (“não é possível saber o que não é/existe”). Na sequência, acrescentava que o ser e o pensamento são uma mesma coisa, a base do “penso logo existo” do Discurso do Método de Descartes. Parmênides ainda declara não aceitar argumentos do tipo que o que é teria vindo do que não é, donde ou algo é totalmente verdade, ou não o é. Trata-se de um esforço para sustentar a impossibilidade do conhecimento pela contradição e a necessidade do terceiro excluído para ordenar a argumentação filosófica. Mas, não encontramos ali uma tentativa de demonstração ou explicação de tais princípios nos moldes que seriam esperados pelos lógicos. Dificilmente podemos supor que a influência de Parmênides criou um consenso. Diz-se, por exemplo, que Heráclito rejeitava o princípio da não-contradição. Outrossim, Protágoras teria produzido argumentos para a possibilidade de duas proposições contraditórias serem ambas verdadeiras. Mas, como pouco sobreviveu desse período e como a maior parte do que sabemos das obras de tais pensadores nos chegou por outros, principalmente seus antagonistas, não temos certeza de quais exatamente seriam tais argumentos. Por outro lado, Platão parece ter oscilado acerca do terceiro excluído e da não-contradição serem mesmo leis para toda forma de pensamento filosófico e isto cabe expandir: No Simpósio sua exposição da maiêutica (pela personagem de uma sacerdotisa) contesta várias asserções na forma do princípio do terceiro excluído, como “o amor é mortal ou é imortal”. No livro V da República, sustenta que uma cidade é mais organizada quando a maioria dos cidadãos dizem “meu” e “não meu” das mesmas coisas e do mesmo modo, donde há uma conjunção de contraditórios simultaneamente verdadeiros (462b-c). Entretanto, em passagem anterior da mesma obra (436b), declara que o princípio da não-contradição é óbvio e que ajuda a determinar quando se fala da mesma coisa ou de coisas diferentes. Já o princípio da identidade aparece no Teeteto e no Sofista, na forma de enunciados como “cada um é outro com relação aos demais, mas o mesmo que ele próprio”, apesar de que no segundo diálogo depois conclui que há exceções, como na passagem 255a quando afirma que nem o movimento nem o repouso serão “o mesmo” ou “o outro”. Acompanhando o parecer de (Santoro, 2013), entre outros, diremos que os diálogos platônicos trazem uma multiplicidade de dialéticas distintas e aduzimos que esta bem nos lembra a atual profusão de lógicas. Porém, outra vez há que se notar que, nas obras supracitadas, não há muito mais do que profissões de crença/descrença no que poderiam ser as leis do pensamento, tratadas ou como hipóteses de trabalho ou quiçá até mesmo dogmas. Eis uma limitação que persistiu na filosofia posterior. De fato, no livro IV de sua Metafísica, ao mesmo tempo que busca defender o seu princípio da não-contradição por refutações, Aristóteles também argumenta contra necessidade de o demonstrar diretamente, já que, ao fim das contas, é o princípio mais indiscutível de todos. Para ele é impossível haver uma demonstração de tudo, pois a demonstração de tudo implicaria um regresso infinito e um regresso infinito acabaria por deixar-nos sem demonstração de tudo. Alegava que quem pede a demonstração da lei da não-contradição não pode dizer então que princípio considera mais evidente que o mesmo. Acrescenta ainda [i.] que é o princípio mais acertado de todos, pois é impossível que o mesmo esteja errado ou que seja uma simples hipótese, [ii.] que é impossível o mesmo atributo ao mesmo tempo pertencer (ou concernir) e não pertencer (ou concernir) ao mesmo sujeito, e [iii.] que é impossível para alguém simultaneamente crer que a mesma coisa é e não é. Em toda essa argumentação tem forte papel a intuição do autor referido.

23

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

Não pretendemos dizer que as intuições de Aristóteles pareçam equivocar-se, ainda que lhes coloquemos algumas balizas. É inclusive plausível que, de fato, todo conhecimento comece com a intuição humana. Mas, uma vez adquirido certo conhecimento, não há razões para limitarmos sua sustentação apenas ou principalmente na intuição que o originou. Tampouco há vantagens em não tentar enunciar o mais explicitamente possível tal intuição. Ademais, um princípio que por muito tempo se sustenta sem uma explicação mais profunda pode revelar-se muito frágil. Assim, o chamado perigo do eterno regresso, representado pela repetição da pergunta “por que?”, não necessariamente se coloca como preocupação, se considerarmos que a tentativa de mais demonstrações ou busca de novas explicações precisamente pode acarretar o ganho de conhecimento além do que é ou parece evidente. Neste trabalho procedemos com um certo tipo de ceticismo, a saber, preferimos explorar as vantagens de certas posições filosóficas ao invés de as defender cegamente. Tentamos relativizar alguns argumentos e assim os explicar melhor. No caso, a opção por uma abordagem lógica multivalente revelou-se capaz de produzir não somente respostas interessantes, mas perguntas ainda mais importantes. Uma vez quebrada a equivalência bivalente inicial entre fórmulas tautológicas pela diluição em contextos multivalentes, há que se tentar recuperar nas diferentes lógicas alguma relação entre as fórmulas que em C2 eram tautologias. Na seção anterior obtivemos, entre outros resultados importantes, uma relação entre as implicações fracas e fortes, nomeadamente a de que a aceitabilidade das implicações fracas acarreta a das fortes. Isto nos parece razoável e nãotautológico, donde pode contribuir para uma boa explicação segundo os parâmetros que descrevemos acima. Particularmente, os resultados em (6.1), (6.12), (6.18) e (6.24) mostram-se úteis para atestar a aceitabilidade de fórmulas. Também pudemos observar a não-perda da aceitabilidade das fórmulas com o aumento dos valores aléticos na família Un. Ademais, conseguimos ver que, juntamente com modus ponens, os seguintes axiomas de C2 são todos aceitáveis em Un: (Ax.1) (Ax.2) (Ax.3) (Ax.4) (Ax.5)

𝜋 → 𝜇 → 𝜋 , cf. (6.4). 𝜋 → 𝜇 → 𝜇 → 𝜙 → 𝜋 → 𝜙 , cf. (6.15). ¬𝜇 → ¬𝜋 → 𝜋 → 𝜇 , cf. (6.18). 𝜋 → 𝜇 → 𝜇 → 𝜇 → 𝜋 → 𝜋 , cf. (6.21). 𝜋→𝜇 → 𝜇→𝜋

→ 𝜇 → 𝜋 , cf. (6.20).

De forma que as lógicas da família Un guardam alguma semelhança com C2, apesar de que, deste ponto de vista multivalente, talvez possamos, em querendo, dizer mais coisas acerca de suas fórmulas para além de simplesmente as chamar de contingências, contradições ou tautologias.

8. OBSERVAÇÕES FINAIS Do legado deixado por pensadores gregos como Parmênides e Aristóteles, através dos discípulos do último na Idade Média, entendemos, os lógicos e muitos filósofos retiraram sua orientação para tratar as verdades da ciência e da filosofia como tautologias do caso bivalente, supondo ser esse o método correto para a investigação das ideias. Porém, conforme vimos, essa orientação foi mesmo questionada por pensadores em séculos posteriores. Por outro lado, vimos também que há modos de estender as noções de tautologia e contradição, para obter resultados quiçá mais interessantes, contributos para uma teoria das tautologias palatável à investigação científica, ou seja, explicativa e não-especulativa. Acrescentamos ao que se disse anteriormente algumas breves ponderações:

24

Tony Marmo

Em lógica contemporânea, os argumentos filosóficos cada vez mais recorrentemente se apoiam [i.] na evolução recente do pensamento científico, ou seja, nas mudanças de paradigma ocorridas na atualidade, [ii.] no estudo da (aparente) eficiência dos raciocínios ordinários dos agentes epistêmicos humanos, [iii.] no funcionamento de máquinas cada vez mais complexas (e.g.: computadores e aparelhos inteligentes) e [iv.] na necessidade humana de tornar mais claras ou precisas observações empíricas que inicialmente pareçam obscuras ou imprecisas, ou seja, na busca dos fatos através da boa organização das ideias. Por exemplo, a defesa do pluralismo lógico claramente explora possíveis justificativas extraídas dos campos acima. Os quatro campos acima proveem argumentos tanto para abordagens que partem de considerações mais gerais para particulares, como Aristóteles fez na sua Física, quando outras que vão do particular ao mais geral, como sugere (Poincaré, 1894) que seja o caso para a matemática. Essa última abordagem, entretanto, pode interessar-nos pelo seguinte: Proceder por construções dos elementos particulares para conclusões mais gerais, no entender de Henri Poincaré, é necessário, mas não suficiente. Para a construção ser útil, isto é, para que não deixe o construtor no mesmo nível de conhecimento, mas aceda a uma descoberta mais geral, é preciso que a construção tenha uma espécie de unidade além da justaposição dos seus componentes elementares. É como no caso de um polígono que se constitui de diversos triângulos: a razão para estudar os polígonos ao invés de simplesmente seus triângulos é que os primeiros exibem propriedades para além dos últimos individualmente. Além disso, uma construção somente será de interesse se a pudermos cotejar com outras e assim formar espécies de um mesmo gênero. É assim que Poincaré entende que o conhecimento na matemática e provavelmente em ciências afins se amplia, não sendo tautológico. Na lógica atual, grande parte dos trabalhos se fazem assim, ou seja, pela construção de sistemas e sua comparação, para fins de os agrupar conforme critérios definidos. Assim, se a argumentação de Poincaré procede, talvez cada vez mais nos estejamos afastando de um modo tautológico de examinar as verdades lógicas. Porém, em se prosseguindo no exame dessa tendência, aqui se instaurariam inquéritos muito além do escopo do presente trabalho. De forma que convém apenas deixar essas observações como partes de um prospecto para futuras pesquisas.

REFERÊNCIAS Descartes, R. (1637). Discours de la Méthode (Edição de 2001 ed.). Mozambook. Frege, F. L. (1892). Über Sinn und Bedeutung. Zeitschrift für Philosophie und philosophische Kritik (100), 25-50. Hilbert, D., & Ackermann, W. (1938). Principles of Mathematical Logic. (L. Hammond, G. Leckie, & F. Steindart, Trads.) Nova Iorque: Chelsea Publishing Company. Kalicki, J. (1950). A test for the existence of tautologies according to many-valued truth-tables. . Journal of Symbolic Logic , 15 (3), 182-184. Łukasiewicz, J. (1910). On the Principle of Contradiction in Aristotle. Bulletin international de l'Académie des sciences de Cracovie , 15-38. Łukasiewicz, J. (1920). On three-valued logic. Ruch filozoficzny , 5, 170-171. Łukasiewicz, J. (1930). Philosophical Remarks on Many-Valued Systems of Propositional Logics. Comptes rendus des séances de la Société des Sciences et des Lettres de Varsovie , 23, 51-77.

25

Explicações Não-Tautológicas das Tautologias

Marx, K. (1843). Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (Edição de 2010 ed.). (R. Enderle, & L. d. Deus, Trads.) Boitempo Editorial. Paolucci, P. (2007). Marx's Scientific Dialectics. Boston: Brill. Pogorzelski, W. A. (1964). The deduction theorem for Łukasiewicz many-valued propositional calculi. Studia Logica 15 (1):7 - 23 (1964) , 15 (1), 7-23. Poincaré, H. P. (1894). Sur la nature du raisonnement mathématique. Revue de Métaphysique et de Morale , 2 (4). Popper, K. R. (1962). Conjectures and Refutations: The Growth of Scientific Knowledge . London: Basic Books. Popper, K. R. (1947). New Foundations for Logic. Mind , 56 (223). Popper, K. R. (1934). The Logic of Scientific Discovery. London: Routledge. Post, E. L. (1921). Introduction to a General Theory of Elementary Propositions. American Journal of Mathematics , 43 (3), 163-185. Rescher, N. (1969). Many-Valued Logic. UK: McGraw-Hill. Rose, A. (1952). A formalisation of post'sm-valued propositional calculus. Mathematische Zeitschrift , 56 (1), 94-104. Rose, A. (1953). The M-Valued Calculus of Non-Contradiction. The Journal of Symbolic Logic , 18 (3). Rosser, J. B., & Turquette, A. R. (1952). Many-Valued Logics. Amsterdam: North-Holland Publishing Company. Santoro, F. (2013). Uma Dialética Feminina no Banquete de Platão? Revista Tempo Brasileiro , 194, 51-63. Turquette, A. R. (1954). Many-valued Logics and Systems of Strict Implication. The Philosophical Review , 63 (3), 365-379. Wittgenstein, L. (1921). Tractatus Logico-Philosophicus. London: Routledge & Kegan Paul.

OBRAS ANTIGAS Aristoteles. (circa 350 aC). A Metafísica. (V. G. Yerba, Trad.) Parmênides. Poema sobre a Natureza (Tradução para o Inglês de 1892. Disponível em linha: http://philoctetes.free.fr/parmenidesunicode.htm ed.). (J. Burnet, Trad.) Platão. (circa 380 aC). A República (Edição de 2014 ed.). (J. Guinsburg, Trad.) São Paulo: Perspectiva. Platão. (circa 360 aC). O Banquete/ O Simpósio. In: J. A. Pessanha (Ed.), Coleção Os Pensadores (J. C. Souza, Trad., Edição de 1987 ed., Vol. Platão). Nova Cultural. Platão. (circa 360 aC). Sofista. In: J. A. Pessanha (Ed.), Coleção os Pensadores (J. Paleikat, & J. C. Costa, Trads., Edição de 1987 ed., Vol. Platão). São Paulo: Nova Cultural.

26

Tony Marmo

Platão. (circa 369 aC). Teeteto. In: Diálogos (A. V. Campos, Trad., Edição Espanhola de 1988 ed., Vol. V). Madrid: Editorial Gredos.

27

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.