Explicar e Interpretar: o que é um texto segundo Paul Ricoeur

September 12, 2017 | Autor: Davi Galhardo | Categoria: Paul Ricoeur, Filosofía, Hermenéutica, Estruturalismo, Filosofía francesa contemporánea
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EXPLICAR E INTERPRETAR: O QUE É UM TEXTO SEGUNDO PAUL RICOEUR Davi Galhardo Oliveira Filho 1

O Francês Paul Ricoeur (1913 – 2005) inicia sua argumentação advertindo-nos que o ensaio que apresentara, baseia-se no confronto entre duas atitudes fundamentais que podemos adotar diante de um texto, sendo elas: explicar e interpretar. Segundo Ricoeur, o Alemão Wilhelm Dilthey (1833 – 1911) “...chamava de explicação ao modelo de inteligibilidade recebido das ciências da natureza (...) e [que] fazia da interpretação uma forma derivada da compreensão...” (RICOEUR. 1989, p. 141) no entanto o Francês adverte que “...a noção de explicação deslocou-se; já não é herdada das ciências da natureza, mas de modelos propriamente linguísticos” (Idem) e mais adiante complementa: “Quanto à noção de interpretação, ela sofreu, na hermenêutica moderna, transformações profundas que a afastam da noção psicológica da compreensão.” (Ibdem) e neste ponto Ricoeur no alerta que é para este problema que deseja voltar suas atenções, e que para obter êxito, precisa inicialmente se voltar para uma questão que irá orientar todo o desenvolvimento de sua argumentação: o que é um texto? Por “Texto”, Paul Ricoeur ressalta que entende ser “...todo o discurso fixado pela escrita” (Ibdem) e ainda que: “Segundo esta definição, a fixação pela escrita é constituída do próprio texto. Mas o que é que, assim, é fixado pela escrita? Dissemos: todo o discurso”. (Ibdem). Neste ponto, nosso autor propõe que se acompanharmos o pensamento de Ferdinand de Saussure (1857 – 1913) concordaremos que a fala é: “...a realização da língua num acontecimento de discurso, a produção de um discurso singular por um locutor, então, cada texto está em relação à língua na mesma posição de realização que a fala.” (RICOEUR. 1989, p. 142). Ricouer propõe uma nova e interessante questão: “Apenas se pode perguntar se 1 Graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID. E-mail: [email protected]

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o aparecimento tardio da escrita não terá provocado uma mudança radical na nossa relação com os próprios enunciados do nosso discurso”. Aqui, Ricouer já nos adianta uma pista sobre a problemática da relação escrita-leitura e falar-responder, vejamos o que nos diz o próprio autor a esse respeito: Não basta dizer que a leitura é um diálogo com o autor através da sua obra; é preciso dizer que a relação do leitor com o livro é de uma natureza completamente diferente: o diálogo é uma troca de perguntas e de respostas; não há troca desta espécie entre o escritor e o leitor, o escritor não responde ao leitor; o livro separa até em duas vertentes o acto (sic) de escrever e o acto de ler, que não comunicam; o leitor está ausente da escrita; o escritor está ausente da leitura. O texto produz, assim, uma dupla ocultação do leitor e do escritor; é deste modo que ele toma o lugar da relação de diálogo que liga, imediatamente, a voz de um ao ouvido do outro.

(RICOEUR. 1989, p. 142-143).

Ricouer aproveita ainda a oportunidade para saudar que é ao morrer o autor que o livro ganha vida autônoma, já que o seu criador já não pode mais responder, resta-nos somente ler a sua obra. Portanto segundo nosso autor, estabelece-se uma fundamental diferença: entre o ato da leitura e o ato do diálogo, como visto: “Esta diferença entre o acto (sic) da leitura e o acto (sic) do diálogo confirma a nossa hipótese de que a escrita é uma realização comparável à fala, paralela à fala, uma realização que o ocupa o lugar dela, e de certo modo, a intercepta” (RICOEUR. 1989, p. 143). Partindo deste pressuposto, Ricoeur acrescenta: “A libertação do texto com relação à oralidade arrasta uma verdadeira transformação tanto das relações entre a linguagem e o mundo como relação entre a linguagem e as diversas subjectividades (sic) envolvidas, a do autor e a do leitor”. (Idem) Para melhor salientar a distinção entre a leitura e o dialogo, segundo Ricoeur precisamos compreender a relação referencial “...ao dirigir-se a um outro locutor, o sujeito do discurso diz alguma coisa sobre alguma coisa; isso de que ele fala é o referente do seu discurso...” (RICOEUR. 1989, p. 144) e ainda segundo nosso autor, tal função é desenvolvida pela frase “...produzida pela frase que é a primeira e a mais simples unidade de discurso; é a frase que tem por mira dizer alguma coisa de verdadeiro ou alguma coisa de real” (Idem). Enquanto na fala viva a linguagem é quem desenvolve “esta” fixação: “...os advérbios de tempos e de lugar, os pronomes pessoais, os tempos de verbo, e em geral, todos os indicadores (...) servem para fixar o discurso na realidade circunstancial” (Ibdem).

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Quando o “Texto” segundo Paul Ricoeur ocupa o lugar da fala, ou seja, o movimento de referencia é “interceptado” – o que não deve ser confundido com “suprimido” – para o Filósofo Francês, o texto atinge um grau Metafísico, gerando o que o autor chama de quasimundo dos textos, ou literatura. Vejamos o que autor nos diz a este respeito: Esta ocultação do mundo circunstancial pelo quasi-mundo dos textos pode ser tão completa que o próprio mundo, numa civilização da escrita, deixa de ser o que se pode mostrar ao falar e reduz-se a esta espécie de «aura» que as obras explanam. Assim, falamos do mundo grego, do mundo bizantino. Este mundo podemos dizê-lo imaginário, no sentido de que ele é presentificado (sic) pelo escrito, no próprio lugar em que o mundo era apresentado pela fala; mas este imaginário é, ele próprio, uma criação da literatura, é um imaginário literário. Esta transformação da relação entre o texto e o seu mundo é a chave da outra transformação que já falamos, a que afecta (sic) a relação do texto com as subjectividades (sic) do autor e do leitor.

(RICOEUR. 1989, p. 145)

Portanto, à luz do pensamento de Ricoeur podemos sublinhar que o texto passa aqui a constituir um mundo propriamente seu, ou seja, há uma transformação que desemboca em outra: a relação do autor e leitor e suas respectivas subjetividades. O que levará nosso autor a dar continuidade na sua incessante busca: explicação ou compreensão?. Paul Ricoeur inicia sua abordagem da problemática da seguinte maneira: “De facto (sic), é na leitura que iremos ver , em breve, confrontarem-se as duas atitudes que colocámos, no inicio, sob o duplo titulo de explicação e da interpretação. Esta dualidade encontramo-la em Dilthey, o seu inventor”. (RICOEUR. 1989, p. 146) E algumas linhas depois continua da seguinte maneira: Estas duas esferas são as das ciências da natureza e das ciências do espirito. A região da natureza é a dos objectos oferecidos à observação cientifica e submetidos, desde Galileu, ao trabalho de matematização e, desde John Stuart Mill, aos cânones da lógica indutiva. A região do espirito é a das individualidades psíquicas nas quais cada psiquismo é capaz de se movimentar. A compreensão é essa transferência para um psiquismo alheio.

(Idem) Para evitarmos uma possível distorção do pensamento de Ricoeur a respeito do que ele pressupõe sobre explicação e compreensão, cederemos lugar a ele – ou ao seu texto, dependendo aqui do ponto de vista adotado – para que manifeste-se.

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À partida, esta distinção entre explicar e compreender parece clar; no entanto, ela não deixa de se obscurecer a partir do momento em que nos interrogamos sobre as condições de cientificidade da interpretação. Expulsou-se a explicação para fora do campo das ciências naturias; mas o conflito renasce no próprio seio do conceito de interpretação entre, por um lado, o caráter intuitivo inverificável que ele possui do conceito psicologizante (sic) de compreensão ao qual é subordinado, por outro lado, a exigência de objetividade ligada à própria noção de ciência do espirito. Esta fragmentação da hermenêutica entre a sua tendência psicologizante (sic) e a sua procura de uma lógica da interpretação pões, finalmente, em causa a relação entre a compreensão e a interpretação. Não é a interpretação uma espécie da compreensão que faz sobressair o género? A diferença especifica, a saber, a fixação pela escrita, não é, aqui, mais importante que o traço comum a todos os signos, a saber, atribuir um interior a um exterior? O que é que é mais importante, na hermenêutica, a sua inclusão na esfera da compreensão ou a sua diferença relativamente à compreensão?

(RICOEUR. 1989, p. 147)

Dilthey comentando Schleiemermacher, segundo Ricoeur acreditava que: “o fim ultimo da hermenêutica é compreender o autor melhor do que ele se compreendeu a si mesmo”, representando assim a corrente da psicologia da compreensão. Enquanto a lógica da interpretação propunha que: “a função da hermenêutica consiste em estabelecer teoricamente a validade universal da interpretação...”. Após analisar ambos os discursos, o Filósofo Francês acrescenta: “...a hermenêutica só cumpre os votos da compreensão, libertando-se da imediatidade (sic) da compreensão de outrem...” (RICOEUR. 1989, p. 148). Donde podemos concluir que devemos assumir um postura que reconsidere a relação entre a explicação e a interpretação, ou seja: entender o conjunto. Partir de uma explicação estrutural, como demonstra Ricoeur pode nos encaminhar para dois caminhos, o primeiro diz respeito a: “...permanecer na expectativa do texto, trata-lo como texto sem mundo e sem autor; explicamo-lo, então, pelas sua relações internas, pela sua estrutura” ou “...levantar o suspense do texto, consumar o texto em falas, restituindo-o à comunicação viva; nesse caso, interpretamo-lo. Estas duas possiblidades pertencem ambas à leitura e a leitura é a dialéctica (...) destas duas atitudes” (RICOEUR. 1989, p. 149). Para Ricouer esta empreitada não somente é possível, como também é legitima. “É o jogo das oposições e das suas combinações, no interior de um inventário de unidades discretas, que define a noção de estrutura em linguística. É este o modelo estrutural que fornece o tipo de comportamento explicativo...” (RICOEUR. 1989, p. 149) tarefa que foi muito bem delineada por Claude Lévi-Strauss (1908 – 2009) no trabalho Antropologia Estrutural. Em virtude do

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nosso foco de estudo por hora ser a obra de Ricoeur, e dos nossos limites, não nos atentaremos aqui. No entanto, nosso autor conclui que “explicar uma narrativa é apreender este enredo, esta estrutura fugaz dos processos de acções encaixadas” (RICOEUR. 1989, p. 153). Após considerar o método estruturalista proveniente de Lévi-Strauss, o filosofo Paul Ricoeur nos propõe agora buscar um “novo conceito de interpretação”. Ao afirmar que: “Consideremos, agora, a outra atitude que se pode tomar em relação ao texto, aquela a que chamamos intepretação”. (RICOEUR. 1989, p. 154). E mais adiante, Ricoeur volta a admitir que: “...ler é, em qualquer hipótese, encadear um discurso novo no discurso do texto.” (RICOEUR. 1989, p. 155). Assim sendo, portanto a interpretação seria “...a conclusão concreta deste encadeamento e deste retomar”. (RICOEUR. 1989, p. 155). O esforço que o Filósofo Francês irá tomar a seguir fechará sua analise de “texto”, sob a luz da Filosofia e da Hermenêutica, como veremos a seguir: Hermenêutica e filosofia reflexiva são, aqui, correlativas e reciprocas. Por um lado, a compreensão de si passa pelo percurso da compreensão dos signos de cultura, nos quais o si se documenta e se forma; por outro, a compreensão do texto não é o seu próprio fim, ela mediatiza a relação consigo de um sujeito que não encontra, no curto circuito da reflexão imediata, o sentido da sua própria vida. É por isso que é preciso dizer, com uma força igual, que a reflexão não é nada sem a mediação dos signos e das obras, e que a explicação não é nada se não se incorporar como intermediaria no processo da compreensão de si; numa palavra, na reflexão hermenêutica – ou na hermenêutica reflexiva –, a constituição do si e a do sentido são contemporâneas.

(RICOEUR. 1989, p. 153).

Segundo Paul Ricouer (RICOEUR. 1989, p. 158-9), interpretar é apropriarmo-nos hic et nunc da intenção do texto. Ou melhor ainda: Explicar é destacar a estrutura, quer dizer, as relações internas de dependência que constituem a estatística do texto; Interpretar é tomar o caminho de pensamento aberto pelo texto, pôr-se em marcha para o oriente do texto. A interpretação pode assim ser vista como como um ato “sobre o texto”. Em suma, “a ideia de interpretação” (RICOEUR. 1989, p. 161). “compreendida como apropriação, não é, por esse facto, eliminada; é apenas remetida para o termo do processo; ela está no extremo daquilo a que atrás chamámos o arco hermenêutico; é o ultimo pilar da ponte, a fixação do arco no solo do vivido.”

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Para findar Paul Ricoeur apresenta-nos a seguinte consideração final (RICOEUR. 1989, p. 162) “No fim da investigação, a leitura aparece como este acto (sic) concreto no qual se completa o destino do texto. É no próprio âmago da leitura que, indefinidamente, se opõem e conciliam a explicação e a interpretação”.

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REFERÊNCIAS CONSULTADAS

RICOEUR, Paul. O Que é um Texto? In: ______. Do Texto à Acção: ensaios de hermenêutica II. Trad. Alcino Cartaxo. Maria José Sarabando. Portugal, Porto: Rés-Editora, 1989. Págs. 141-162.

MACHADO, Antonio Carlos. História da Hermenêutica. Universidade de Fortaleza. Centro de

Ciências

Jurídicas.

Fortaleza,

Ceará:

2006.

Disponível

em

<

http://www.reocities.com/a_c_machado/HermJur/HistHermeneutica.pdf > Acesso em 06 Nov 2013.

BONFIM, Vinicius Silva. PEDRON, Flávio Quinaud. Prolegômenos da Hermenêutica Filosófica. RVMD, Brasília, V. 6, nº 1, p. 47-76, Jan-Jun, 2012.

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