“Explico, logo existo”: vozes e posicionamentos sobre ciência e tecnologia no jornal Folha de São Borja - RS

September 11, 2017 | Autor: Phillipp Gripp | Categoria: Historia, Jornalismo Científico, Fontes De Informação, Jornalismo Impresso
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“Explico, logo existo”: vozes e posicionamentos sobre ciência e tecnologia no jornal Folha de São Borja - RS1 PIPPI, Joseline (doutora)2 NAZÁRIO, Heleno Rocha (especialista)3 GRIPP, Phillipp (acadêmico)4 FINARDI, Tamara (acadêmica)5 WOLFART, Liziane (acadêmica)6 Universidade Federal do Pampa (Unipampa)/RS Resumo: O presente artigo tem como principal objetivo evidenciar a presença de assuntos envolvendo a temática ciência e tecnologia (C&T), as fontes de informação consultadas e os posicionamentos evidenciados por elas no jornal Folha de São Borja. A partir do mapeamento de 11 anos do tablóide bissemanal (2000-2010), foi possível verificar a existência de 436 textos com menções à temática C&T, evidenciando que tais assuntos são também visibilizados na imprensa do interior. Busca-se, a partir dos dados apresentados e da exemplificação de textos publicados, refletir acerca da pertinência funcional da conceituação de Jornalismo Científico em voga atualmente quando relacionada à produção midiática envolvendo C&T praticada nos veículos jornalísticos do interior do Rio Grande do Sul, mais precisamente na Fronteira Oeste do estado. Salienta-se que a pertinência histórica do presente estudo deriva da possibilidade de alocar, espacial e temporalmente, a presença da cobertura sobre C&T na mídia impressa do interior do país. A presente reflexão almeja também enfatizar a importância da mídia impressa interiorana na constituição de uma perspectiva histórica sobre a cobertura jornalística de C&T no extremo sul do país. Palavras-chave: jornalismo impresso; jornalismo científico; história do jornalismo; fontes de informação;

Introdução Os dados aqui expostos foram obtidos através de pesquisa mais ampla iniciada em 2012 pelo Grupo de Pesquisa Comunicação, Ciência & Tecnologia e Sociedade (COMC&TS), que se propôs a realizar o mapeamento da mídia impressa de dez cidades 1 Trabalho apresentado no GT de história da mídia impressa, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Professora do Curso de Jornalismo da Unipampa; graduada em Jornalismo, Mestre e Doutora em Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria ([email protected]). 3 Jornalista da Assessoria de Comunicação Social da Unipampa. Graduado em Jornalismo pela Universidade Católica de Pelotas e Especialista entre Interdisciplinaridade e Linguagens pela Universidade de Cruz Alta ([email protected]). 4 Acadêmico de Jornalismo da Unipampa ([email protected]). 5 Acadêmica de Jornalismo da Unipampa ([email protected]). 6 Acadêmica de Jornalismo da Unipampa ([email protected]).

localizadas nas regiões fronteira oeste e campanha do Rio Grande do Sul. O intuito inicial da pesquisa é inventariar a presença da temática ciência e tecnologia (C&T) na imprensa escrita das cidades de Alegrete, Bagé, Caçapava do Sul, Dom Pedrito, Itaqui, Jaguarão, Santana do Livramento, São Borja, São Gabriel e Uruguaiana no período compreendido entre 2000 e 2010. O recorte espaço-temporal foi escolhido devido às seguintes razões: a) o ineditismo da proposta; b) as cidades citadas abrigarem, cada uma, um campus da Unipampa, elemento que facilitaria o acesso aos locais de pesquisa; c) o recorte temporal foi estabelecido tendo em vista a possibilidade de verificar a influência da inserção das novas tecnologias (de forma intensa a partir de 2005) e também da Unipampa (a partir de 2006), no contexto sócio-político e econômico da região, permitindo, assim, a elaboração de um marco histórico comparativo (2000-20052010) da abordagem da temática C&T, refletida nas pautas da imprensa de cada cidade. A pesquisa ainda está em andamento, sendo que o presente artigo traz algumas reflexões realizadas com base nos dados mapeados no jornal Folha de São Borja, tablóide de circulação bissemanal na cidade fronteiriça com a Argentina. Serão alvos de considerações as fontes de informação consultadas para a elaboração dos textos jornalísticos relacionados à temática C&T, bem como a clareza com que tais informações são explicitadas para os leitores, e o posicionamento refletido. Foram mapeados 436 textos, publicados em 290 edições, dentre os quais foram considerados os diferentes gêneros: informativo, interpretativo, opinativo, utilitário e diversional (MELO, 2006; COSTA, 2010) e seus respectivos formatos. Como o intuito de realizar o inventário era constatar e qualificar a presença de informações relacionadas às diferentes áreas científicas na pauta noticiosa dos periódicos, optou-se por considerar todos os textos publicados, fato que ocasionou a inserção de uma categoria diferenciada para classificação: o formato híbrido. Foram inseridos dentro desse formato todos os textos publicados que possuíam características afins a mais de uma categoria textual já delimitada pela literatura dos gêneros jornalísticos7. Além, o presente artigo busca explicitar algumas inferências sobre a pertinência da conceituação do jornalismo científico para o material produzido nos jornais do interior do RS, tendo como base a literatura sobre o tema (CALVO HERNANDO, 1977; 7

É pertinente mencionar os gêneros em função de sua importância na alocação das falas das fontes de informação, bem como na inferência de posicionamentos explícitos/implícitos nos textos publicados, já que cada formato possui características específicas em se tratando dos elementos mencionados. As especificidades dos gêneros textuais no periódico pesquisado, contudo, não serão alvo de considerações neste artigo.

OLIVEIRA, 2002; MELO, 2006; BUENO, 1988 e 2010). Será considerada a lógica de produção dos jornais da fronteira oeste do RS, principalmente em relação à constituição do corpo de redação, bem como a escolha e estruturação das pautas noticiosas. Compêndio teórico utilizado É necessário ponderar sobre alguns conceitos teóricos que nortearam a coleta de dados e a leitura dos mesmos. Para tanto, serão expostas ideias já conhecidas sobre o jornalismo científico e suas funções sociais, a adequação de fontes no noticiário e o uso de falas como referências de realidade nas matérias jornalísticas, além do aparecimento de posicionamentos latentes nos textos publicados. Cada item será exposto e em seguida servirá de base para a leitura dos dados coletados na pesquisa. O Jornalismo Científico e sua inata função social Iniciativas referentes à comunicação de assuntos sobre ciência e tecnologia de forma ordenada remontam à Revolução Científica dos séculos XVI e XVII. À época a ciência ainda era vista com certo receio pela comunidade, sendo constantemente atrelada mais a uma aura mítica e misteriosa do que propriamente à realidade. As demonstrações públicas de fenômenos químicos e físicos, principalmente, a explicação de fenômenos naturais antes desconhecidos, bem como a evolução da nascente tecnologia industrial permitiram que a ciência angariasse perante a opinião pública a reputação de objetividade e precisão – herança do ‘método’ científico. Oliveira (2002) atribui ao alemão Henry Oldenburg o estabelecimento da profissão de jornalista científico, visto que suas cartas impressas descritivas sobre os descobrimentos científicos da época eram suficientemente elucidativas para serem consideradas claras e concisas pelo público ilustrado. É interessante constatar que a divulgação do conhecimento científico na sociedade moderna iniciou-se: a) de forma impressa, através de cartas explicativas; b) fazendo uso da língua ordinária (inglês/alemão); c) utilizava como fontes de informação os cientistas-descobridores; d) destacava o caráter de novidade da descoberta, relacionando-a a alguma aplicabilidade prática. As similitudes com o fazer jornalístico não são mera obra do acaso, mas sim uso funcional da tecnologia da qual se dispunha, adequada à demanda por conhecimento da sociedade da época. Essas características mantiveram-se mais ou menos estáveis no decorrer do tempo, sofrendo transformações mais perceptíveis a partir do intenso desenvolvimento das mídias – suporte ideal para a

ampla divulgação do conhecimento científico. Tal herança atravessou o Atlântico e influenciou o desenvolvimento de atividade similar no Brasil, que somente se ateve à criação de órgãos voltados para a produção e divulgação de ciência e tecnologia no pós-guerra, em fins da década de 1940. Mesmo com cerca de 300 anos de atraso, o estabelecimento da divulgação científica no país manteve praticamente as mesmas características, seguindo as tendências estabelecidas pelos principais países ‘produtores’ de ciência no planeta: Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França. O desenvolvimento de uma consciência mais apurada acerca do jornalismo científico e da divulgação de C&T, em nível mundial, permitiu a inserção do assunto na pauta dos debates internacionais, permitindo a criação de conceitos e regras práticas consensuais sobre a figuração da temática científica e dos avanços tecnológicos na vitrine planetária (diferentes meios de comunicação). Na década de 1960, um dos maiores divulgadores de C&T do país, José Reis, já atribuía função social importante à divulgação de assuntos científicos na mídia nacional. No período, não era atribuída grande diferença entre o papel do divulgador de ciência e do jornalista, tendo em vista que ambas atividades institucionalizaram-se praticamente ao mesmo tempo8. Para José Reis (1967 apud BUENO, 1988, p.26): Se quiséssemos definir o objetivo da divulgação científica, poderíamos dizer que ela procura familiarizar o leitor com o espírito da ciência. (...). Impossível é dissociar da informação científica a preocupação com suas possíveis implicações de toda ordem, o que sem dúvida justifica o empenho do divulgador em ventilar questões que digam respeito à comunidade servida pelo jornal ou veículo mediante o qual ele dissemina seu conhecimento.

Ou seja, o jornalista/divulgador de ciência tem como atribuição intrínseca ao seu fazer a contextualização do significado da descoberta/novidade científica para o público. Essa constatação é importante e central no trabalho do jornalista científico, pois o elemento contextualizador da pesquisa/conhecimento a ser divulgado influencia diretamente na produção da pauta noticiosa. Segundo as especificações atribuídas ao jornalismo científico, não basta apenas mencionar o caráter científico da notícia, esse deve ser contextualizado, explicitado para o leitor9 de forma clara e concisa. Dez anos mais tarde, Manuel Calvo Hernando10 atribui seis funções ao 8

De acordo com alocação histórica aferida por Bueno (1988) e Oliveira (2002). É feita referência ao leitor por tratar-se de reflexão realizada sobre a mídia impressa. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para o ouvinte, telespectador e internauta. 10 Um dos mais reconhecidos jornalistas científicos do mundo, tendo influenciado tanto a teorização a respeito do tema quanto a produção de notícias envolvendo ciência e tecnologia nos meios de 9

jornalismo científico: a) informativa (divulgação de fatos e informações, permitindo ao cidadão inteirar-se sobre as descobertas/novidades sobre C&T); b) educativa (formação de opinião pública a partir da oferta de informação crítica); c) social (contextualização ampla da informação, incorporando o debate sobre o assunto); d) cultural (valorização dos valores culturais nacionais, avaliando de modo crítico o conhecimento advindo de instituições estrangeiras); e) econômica (relacionar o desenvolvimento da ciência ao setor produtivo de modo crítico); e, por fim, f) político-ideológica (analisar, a partir de uma postura crítica, quem produz ciência e como o conhecimento científico é aplicado na sociedade). As funções do jornalismo científico fazem, claramente, eco aos objetivos inicialmente propostos por José Reis, visto que se trata da mesma perspectiva de abordagem do assunto envolvendo C&T. Nota-se que a preocupação de ambos reside em contextualizar a informação científica, explicitá-la de modo coerente e a partir do campo de vivência do leitor, explicitando as relações sócio-políticas e econômicas existentes. Melo (2006) compartilha de tais atribuições, apontando que o jornalismo científico deve não somente traduzir os jargões específicos da área, mas principalmente assumir o papel de popularizador dos conhecimentos oriundos das pesquisas. Ele propõe que essa atividade jornalística deve ser educativa, inteligível ao público leigo, atenta e crítica em relação à construção da política científica e dirigir-se não apenas às elites, mas também ao povo. Oliveira (2002), além, afirma que o jornalismo científico deve ser um "contextualizador", conceituando-o como a prática que usa a informação científica para interpretar o conhecimento da realidade. As atribuições do jornalismo científico o colocam como um fazer específico, sendo que suas funções somente podem ser cumpridas em sua totalidade se alguns critérios de produção forem seguidos. Tendo em mente que o jornalismo, por pressuposto de existência, busca visibilizar o novo, obtendo as informações de fontes seguras, reais e passíveis de serem verificadas; que tanto o fato novo quanto as fontes e os leitores estão imersos na tessitura social, carecendo a notícia de contextualização ampla e referência próximas para ser compreendida; conclui-se que o jornalismo científico somente será praticado quando, por essência, a pauta noticiosa almejar cumprir alguma das funções acima descritas.

comunicação. As funções do jornalismo científico aqui descritas foram obtidas de (CALVO HERNANDO, 1977 apud BUENO, 1988).

As fontes de informação no noticiário: falas e posicionamentos No presente artigo são tomados como referência os pressupostos alusivos à teoria da construção social da notícia conforme estipulados por Miguel Alsina (2005) e historicizados por Traquina (2005). Tais inferências mostram que os acontecimentos são construídos discursivamente e chegam ao conhecimento público graças aos meios de comunicação de massa, que os visibilizam amplamente. Ora, se os acontecimentos são justamente aquelas perturbações da tessitura social que originam as notícias, então “(...) o processo de construção da realidade depende inteiramente da prática produtiva do jornalismo” (ALSINA, 2005, p.51). O jornalismo, enquanto prática profissional, orienta-se para a perseguição de acontecimentos dignos de notoriedade no espaço público. O jornalista desempenha papel central num complexo processo que produz (pauta, apura, redige, edita), faz circular (publica) e faz conhecer (o produto final – notícia é passível de ser reconhecido na sociedade devido ao seu formato e sua finalidade). Sendo assim, o jornalismo tem papel legitimado de produzir construções da realidade publicamente relevantes. Em se tratando da informação jornalística, é cabível considerar um pressuposto básico da produção noticiosa que é: não existe notícia sem fonte de informação (ERBOLATO, 2006). Todas as fontes de informação devem, de algum modo, ter relação com o acontecimento e seus depoimentos devem ser passíveis de ser verificados. Seguindo a tradicional e célebre classificação de Mário Erbolato (2006), as fontes podem ser fixas (às quais se recorre comumente para o noticiário) e as fora de notícia (procuradas excepcionalmente, conforme exigências do assunto em pauta). Contudo, não é apenas o fornecimento de informação por parte do indivíduo e/ou instituição consultada que importa, mas também o depoimento que fornece e como tais dados serão utilizados na notícia. As falas das fontes de informação servem como referência para os leitores, assentando o produto jornalístico na realidade. Para os analistas do discurso11, são justamente as falas dos entrevistados que conferem às notícias seu caráter de referência, tornando o texto real. Os depoimentos das fontes de informação, portanto, conferem ao texto jornalístico o tom de veracidade e o referenciam na realidade social compartilhada. Os depoimentos e falas envolvendo assuntos de C&T, portanto, inserem-se neste mesmo contexto. O uso das falas e depoimentos das fontes de informação e o modo como são

11

Como explicita, por exemplo, Charaudeau (2006).

alocadas no texto conferem-lhe um determinado caráter informativo. Sabe-se que na produção noticiosa o repórter deve ter como pressuposto profissional a neutralidade, não sendo admitida na redação final da matéria informativa a tomada de posicionamento12 em relação ao acontecimento relatado. Contudo, tendo como elemento norteador a constituição editorial da empresa Folha de São Borja, admitiu-se a existência de posicionamentos nos textos analisados. O corpo editorial que constitui o jornal Folha de São Borja, excluindo as colunas fixas e a seção de Polícia, que conta com uma redatora específica, três pessoas selecionam informações para as demais seções do jornal e nenhuma delas é diplomada. Evidentemente considera-se a produção realizada pelo jornal como jornalística, mas as práticas editoriais, nessas condições, devem ser analisadas com cautela. Considerou-se, na presente pesquisa, que a produção de textos publicados no jornal Folha de São Borja atende aos critérios mínimos exigidos para a qualificação de seu material editorial como sendo jornalístico (atualidade, universalidade, periodicidade e difusão), elementos definidos por Otto Groth e de amplo reconhecimento da área. Contudo, na presente reflexão, os textos publicados são considerados apenas como matérias jornalísticas, não sendo alocadas em gêneros e/ou categorias específicas. Sendo assim, pode-se inferir que os depoimentos e falas das fontes de informação deixam transparecer um posicionamento específico, o qual, conforme verificado na maioria das vezes, foi endossado pelo repórter na redação da matéria. Em se tratando de notícias envolvendo a temática C&T, outro elemento essencial é a clareza. Não basta apenas mencionar os termos advindos das diferentes áreas da ciência: deve-se explica-los, torna-los compreensíveis para o leitor. A clareza é um dos elementos essenciais para o jornalismo científico, faz com que a notícia aproxime-se do leitor (OLIVEIRA, 2002). A clareza, por sua vez, é um dos itens que precedem a produção jornalística, constando como uma das metas a serem alcançadas na redação noticiosa, independente do assunto em pauta. Alocações metodológicas Foi realizada a leitura, escaneamento e mapeamento das notícias que faziam menção ou tinham como enfoque principal assuntos envolvendo ciência e tecnologia no 12

Não é intenção do presente artigo problematizar questões referentes ao paradigma da objetividade jornalística, tampouco ater-se à alocação dos gêneros e categorias textuais do jornalismo. Foi considerado o pressuposto da neutralidade jornalística como elemento definidor da apuração de informações.

jornal Folha de São Borja, nas edições veiculadas no período compreendido entre 2000 e 2010. Trata-se de uma pesquisa exploratória cujo mapeamento foi submetido à análise quantitativa e qualitativa. Os textos foram submetidos à análise de conteúdo (BARDIN, 2011) e o mapeamento foi inserido no software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) na busca de relação entre os dados qualitativos e quantitativos. Para o presente artigo apenas alguns dados foram considerados: fontes de informação consultadas para a produção dos textos; posicionamento das fontes (e, consequentemente, das matérias) sobre ciência e tecnologia; e, clareza das informações científicas e tecnológicas apresentadas. Tomando por base as aferições teóricas acima explicitadas, buscou-se mapear quais as fontes de informação foram recorrentes no noticiário envolvendo o tema C&T. Para tanto, foi necessário elaborar um mapa que evidenciasse as possíveis fontes mais recorrentes. Considerando o perfil do jornal analisado e o contexto social no qual se insere, elaborou-se uma lista as seguintes possibilidades: instituições (ensino superior, pesquisa setorial, difusão/assistência, privada ou outra); poder executivo (municipal, estadual, federal); poder legislativo (municipal, estadual, federal); órgão de fomento à pesquisa; pesquisador; profissional especializado; personalidade; político; cidadão; representante de ONG; empresário/funcionário da iniciativa privada; funcionário do poder público; outros; ou, ainda, aventou-se a possibilidade de não haver indicação de fonte. Sobre os posicionamentos, foi possível verificar a existência de cinco diferentes possibilidades: a) valorização do saber sobre C&T; b) problematização/questionamento do conceito científico e/ou tecnologia retratada; c) ciência como contraponto à problemas distintos relacionados à C&T; d) ciência como inusitado (humor/bizarro); e) ciência como resposta à curiosidade. Em se tratando da clareza das informações envolvendo C&T, foi possível verificar a existência de três vieses: a) os termos científicos e tecnológicos eram explicados em linguagem acessível a leigos; b) os termos científicos e tecnológicos não eram explicados em linguagem acessível a leigos; c) os termos científicos não eram explicados. Esclarecidos os procedimentos metodológicos e o recorte operado no corpus, passa-se à análise dos resultados.

Resultados Os resultados encontrados foram analisados tendo como base teórica as inferências propostas acima. Considerou-se o contexto de produção do jornal analisado, a disponibilidade de fontes de informação autorizadas a falar a respeito de C&T e como tais informações foram utilizadas nos textos produzidos. Devido à extensão e complexidade da análise, optou-se por concentrar esforços reflexivos comparação entre os anos 2000-2005-2010. 1) As fontes de informação: quem fala sobre C&T na Folha de São Borja Toma-se o quadro abaixo (quadro 1) como exposição dos resultados referentes à quantidade e qualidade das fontes de informação que se manifestaram sobre assuntos envolvendo C&T no jornal Folha de São Borja. O quadro apresenta as fontes mais consultadas: em primeiro lugar aponta-se a ausência de fontes citadas nos textos, seguida pela presença de profissional especializado e pesquisador (células coloridas). Tipo Fonte/Ano Instituição de ensino superior Instituição de pesquisa setorial Instituição de difusão/assistência Órgão de fomento à pesquisa Instituição privada Outra instituição Executivo (municipal, estadual, federal) Legislativo (municipal, estadual, federal) Pesquisador Profissional especializado Personalidade Político Cidadão Representante de ONG Empresário/funcionário da iniciativa privada Funcionário do poder público Outros Não há indicação de fonte

2000 0 0 0 0 0 0

2001 1 0 0 0 0 0

2002 0 1 1 0 0 0

2003 0 1 0 0 0 0

2004 0 1 0 0 0 0

2005 2 0 0 0 0 0

2006 1 0 0 0 1 0

2007 0 0 2 0 0 0

2008 2 0 1 1 0 3

2009 5 4 1 0 0 6

2010 17 19 8 0 0 0

0

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2 5 0 0 0 0

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7 28 0 0 1 0

5 5 0 1 0 0

7 6 0 0 2 1

4 0 0 0 0 0

2 2 0 0 0 0

6 5 0 1 0 0

4 6 2 3 0 0

8 11 3 4 0 4

8 8 0 1 4 0

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3

4

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0

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1 1 16

1 1 14

1 4 5

4 5 21

5 1 3

0 2 15

0 0 5

0 3 5

0 9 23

8 5 2

0 15 1

Quadro 1: relação de fontes de informação sobre C&T no jornal Folha de São Borja.

O resultado evidencia que, mesmo em menor número, a presença da fala de pesquisadores e profissionais especializados nas diferentes áreas científicas manteve-se estável no decorrer do período analisado. Em se tratando da temática C&T, os dados apontam para o fato de que houve preocupação em consultar fontes de informação

adequadas, que de alguma forma se relacionam ao assunto. No caso específico da falta de indicação de fontes de informação, atribui-se tal resultado ao contexto de produção do jornal, às suas especificidades intrínsecas e a determinadas práticas corriqueiras em jornais do interior: reprodução de notícias de outros veículos, desatenção à verificação de informações, publicação de textos de terceiros (colunistas), entre outras. Outro dado muito importante para a constituição do cenário de notícias envolvendo C&T no interior (especificamente no recorte apresentado) é o aumento da presença de instituições de ensino superior e de pesquisa setorial em 2010. No mesmo período foi implantada a Assessoria de Comunicação Social da Unipampa, a qual se tornou uma das principais disseminadoras de informação sobre C&T na região. Ressalta-se, portanto, que o jornal analisado noticia assuntos envolvendo C&T e busca informações a respeito junto a profissionais chancelados. Tal prática, mesmo sendo corriqueira na produção noticiosa, demonstra que há também nos jornais do interior a preocupação em qualificar a informação que é transmitida. Em se tratando de assuntos que envolvem conhecimento científico-tecnológico, tal atitude reflete preocupação que ultrapassa o informar: busca o informar com qualidade. 2) A clareza das informações: como se fala sobre C&T na Folha de São Borja Em se tratando da clareza das informações envolvendo C&T no jornal analisado, o gráfico abaixo (gráfico 1), evidencia os dados encontrados.

Gráfico 1: Clareza das informações sobre C&T no jornal analisado.

Cerca de 66,6% dos textos publicados apresentam as informações de caráter científico-tecnológicas explicadas de modo acessível para os leitores (leigos). Por se tratar de um jornal do interior, com corpo de redação reduzido, a preocupação em explicitar os termos técnicos e tornar a informação inteligível para o leitor reflete o esmero ao noticiar a temática. Mesmo que cerca de 26% das matérias apresentem-se sem explicação da terminologia científica, é interessante notar que majoritariamente houve a preocupação em falar a respeito de C&T. A ausência de explicação em linguagem acessível (7,6%), por outro lado, reflete a presença de fala técnica, que permanece de forma residual nos textos analisados. Pode-se concluir com base no exposto que há preocupação editorial em transmitir a informação de modo claro, explicitando os conceitos de ordem científico-tecnológicos, buscando fazer sentido para o leitor. A informação qualificada pelo depoimento da fonte é, assim, exposta de forma clara para, produzida de modo inteligível. c) Os posicionamentos: o que refletem as informações sobre C&T na Folha de São Borja Os posicionamentos evidenciados pelas fontes de informação nos textos analisados refletem, em sua maioria (49,5%) a valorização do saber científicotecnológico. Em segundo lugar, aponta-se a ciência como resposta à curiosidade (31,9%). O que se pode inferir de tais índices? Num primeiro momento pode-se deduzir que as informações sobre C&T mostram-se como elementos importantes no contexto noticioso da região, já que a fala dos entrevistados apontam no direcionamento de enfatizar a importância do conhecimento. Talvez a valorização seja reflexo da situação social da região, bastante carente em termos de desenvolvimento social e, há apenas cinco anos, vivenciando um reavivamento de seu setor educacional, com a presença de uma universidade federal, uma universidade estadual (passando por sérias dificuldades estruturais) e um instituto tecnológico também federal. A cidade, assim, pode ser considerada como um pólo educacional da região na qual se situa. Por outro lado, o apreço ao teor curioso suscitado pelo saber científico pode ser reflexo do tratamento dado ao conhecimento científico nos grandes centros urbanos e nas publicações jornalísticas mais conhecidas envolvendo a temática. O gráfico 2 (página seguinte) evidencia os demais índices encontrados. Em 10,5% dos textos problematizou-se o assunto retratado. Inusitado e contraponto somam 8% dos textos.

Gráfico 2: posicionamentos referentes a C&T no jornal Folha de São Borja.

Ao comparar os dados aqui apresentados percebe-se que o teor do tratamento jornalístico dado à temática científica no jornal Folha de São Borja, não se diferencia muito das notícias sobre C&T retratadas nos jornais conhecidos das capitais. Percebe-se a presença de fontes de informação qualificadas para falar a respeito do assunto; os textos são, em sua maioria, claros para o leitor leigo; transmite-se o apreço pelo conhecimento científico, valorizando-o. Tendo como cenário o corpo editorial do jornal ser constituído por poucos profissionais, sua periodicidade, o fato de se localizar numa área geográfica geralmente preterida pelas políticas públicas (fronteira), o jornal sobressai-se como meio de comunicação que evidencia, problematiza, esclarece e valoriza a temática C&T.

Considerações finais A presença de assuntos sobre C&T na pauta noticiosa do jornal, mesmo aparecendo de modo residual dado o número de textos coletados em relação ao período analisado, pode ser considerada como uma tentativa de visibilizar o conhecimento científico e tecnológico, mas principalmente, estar atualizado em relação à agenda noticiosa e sua relação local/regional/nacional. Se forem consideradas as funções do jornalismo científico, o periódico da fronteira oeste do RS coaduna-se a elas quando valoriza o conhecimento científico, esclarece-o para o leitor e, fazendo jus ao seu espaço de produção jornalística, coleta informações junto a fontes qualificadas. Neste sentido e a seu modo, informa, educa, socializa e reflete uma determinada cultura. Evidentemente não se pode exigir que o periódico cumpra todas as funções atribuídas ao fazer jornalístico voltado para assuntos de C&T – seu contexto de existência não permite que assim seja devido a inúmeros fatores (sociais, econômicos, políticos, etc). Contudo, percebe-se no jornal a tentativa de tornar C&T uma pauta interessante e importante no noticiário local, uma forma de suprir a necessidade e o anseio por informações sobre ciência e tecnologia. A presença de assuntos envolvendo C&T no jornal Folha de São Borja prova que pautar a temática não é privilégio apenas dos ‘jornalões’ das capitais e dissemina ainda mais a problematização de assuntos do gênero, para o interior, para a fronteira inclusive. Bibliografia ALSINA, Miguel Rodrigo. La construcción de la noticia. Barcelona: Paidós, 2005. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico no Brasil: aspectos teóricos e práticos. ECA-USP: São Paulo, 1988. ________________________. Comunicação Científica e Divulgação Científica: aproximações e rupturas conceituais. in. Informação & Informação. Londrina, v. 15, n. esp, p. 1 - 12, 2010. CHARAUDEAU, P. O discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006. COSTA, Lailton Alves da . Gêneros Jornalísticos. In: MELO, José Marques de; ASSIS, Francisco de. Gêneros Jornalísticos no Brasil. São Bernardo do Campo: Umesp, 2010. ERBOLATO, Mário. Técnicas de Codificação em Jornalismo. São Paulo: Àtica, 2006.

MELO, José Marques de. Teoria do Jornalismo: identidades brasileiras. São Paulo: Paulus, 2006. OLIVEIRA, Fabíola de. Jornalismo Científico. São Paulo: Contexto, 2002 TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: Porque as notícias são como são. Editora Insular, 2ª ed., 2005.

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