EXPLORAÇÃO ESPELEOLÓGICA DA VERTENTE NORDESTE DA SERRA DE STA. JUSTA – VALONGO (I)

May 22, 2017 | Autor: Pedro Aguiar | Categoria: Speleology, Artificial Cavities, Mining heritage, Valongo
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CONTRIBUTO PARA O CONHECIMENTO DO PATRIMÓNIO MINEIRO DO CONCELHO DE VALONGO

GEM – NOV. 2016

EXPLORAÇÃO ESPELEOLÓGICA DA VERTENTE NORDESTE DA SERRA DE STA. JUSTA – VALONGO (I) Pedro Aguiar 1,2, André Leite 1, Eduardo Vieira 1, Pedro Almeida 1, Pedro Ferreira 1. [1] Grupo de Espeleologia e Montanhismo (GEM); 2650-186 Amadora, Portugal; [2] Membro Ordinário da Comissão Cavidades Artificiais – UIS.

Endereçar correspondência para : [email protected]

RESUMO: Valongo, está inserido na faixa Auroantimonífera do Douro, alvo de explorações mineiras, há vários séculos. As cavidades artificiais construídas pelas explorações mineiras antigas, estão abandonadas e disseminadas entre solo urbano e rural. A localização e configuração da maior parte destas minas, é conhecida à superfície pelos levantamentos topográficos do Serviço de Fomento Mineiro. O mesmo não acontece em subsolo onde a informação encontrada é escassa ou desatualizada. O GEM, através do seu núcleo Norte, promoveu mais um projeto de inventariação de cavidades artificiais no concelho de Valongo, na Vertente Nordeste (NE) da Serra de Sta. Justa. Este artigo diz respeito aos trabalhos espeleológicos realizados, no âmbito do referido projeto, entre Dezembro-2015 e Setembro-2016, onde foram estudados três complexos: “Fojo das Trincheiras”, “Fojo do Sardão” e “Minas das Águas Férreas”. Palavras chave: Espeleologia; Cavidades Artificiais; Património mineiro; Valongo. 1.

INTRODUÇÃO

Valongo, incluído no distrito mineiro Durico-Beirão, tem sido alvo de explorações mineiras, pelo menos, desde o período de ocupação romana até meados do séc.XX. Ao longo deste período, várias minas foram abertas, retrabalhadas e posteriormente abandonadas, deixando vestígios de mineração, tanto no exterior como em subsolo, em jazigos do tipo primário e secundário (Lima et.al.2014). A localização e configuração da maior parte destas minas, é conhecida à superfície pelos registos topográficos do Serviço de Fomento Mineiro. O mesmo não acontece em subsolo onde a informação encontrada é escassa ou provavelmente inexistente para algumas cavidades. Devido ao desaparecimento de entivações em madeira, derrocadas, entulhamentos e áreas submersas, além da sucessão de trabalhos mineiros nos mesmos locais, a configuração interior de algumas minas sofreu eventualmente alterações ao longo dos tempos.

O GEM – Grupo de Espeleologia e Montanhismo, através do seu núcleo Norte, sediado em Valongo, lançou em Novembro 2015, mais um projeto espeleológico para o Parque das Serras do Porto onde se localiza, provavelmente, uma das mais extensas explorações mineiras do período romano. Através deste projeto pretende-se inventariar e explorar espeleologicamente o Património Mineiro, no que diz respeito a cavidades artificiais [1] (minas) em subsolo existentes na vertente NE da Serra de Sta. Justa – Valongo. À data deste artigo, o projeto não se encontra concluído. Os dados que agora se publicam dizem respeito somente a três conjuntos de cavidades, estudados até Setembro 2016. Segundo documento do Serviço de Fomento Mineiro, estes três conjuntos de cavidades são designados como: “Fojo das Trincheiras”, “Fojo do Sardão” e “Minas das Águas Férreas”. Dentro da área definida para estudo ficam ainda por explorar nove conjuntos de cavidades. [1] Definição acordada pela “Union Internacionale de Spéléologie“ (UIS) através da “Commission of Speleology on Artificial Cavities”.

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2. LOCALIZAÇÃO A área total apontada para este projeto espeleológico tem cerca 2ha, delimitada a Este, pelo Rio Simão, a Sul pela Rua de Couce, a Oeste sem delimitação específica e a Norte pela Ribeira do Inferno. Por análise da carta Geológica de Portugal Escala 1:500.000 Folha 9D-Penafiel [Mapa 1], constata-se que toda a área de estudo está incluída na grande estrutura geológica designada por Anticlinal de Valongo, enquadrada na Era Paleozóica, período Ordovícico. Os sítios georreferenciados localizam-se em zona cuja litologia é composta por quartzitos e xistos. As mineralizações que ocorrem nesta área são essencialmente de ouro (Au) e antimónio (Sb). Estes dados verificam-se pelo histórico de concessões mineiras, encontrado para a área de estudo, relativas ao séc.XIX, e séc.XX.

Mapa 2. Dados DGEG, concessões de Prospeção e Pesquisa de Depósitos Minerais, contratados até 25 Out. 2016

3. METODOLOGIA

Mapa 1. Enquadramento Geológico

Atualmente, encontra-se concedido, o direito de prospeção e pesquisa de depósitos minerais (Extrato 591/2013, DR 189, 2ª Série de 01-10-2013) para uma porção de território do concelho de Valongo. As áreas atribuídas nesta concessão, estão fora do limite da área em estudo definido no projeto espeleológico [Mapa 2].

A vectorização e inserção num sistema de informação geográfica (SIG) do levantamento topográfico de superfície, redesenhado em 1961 [2] pelos Serviços de Fomento Mineiro (SFM), em articulação com todos os dados obtidos em estudos espeleológicos da região, [Mapa 3], permite verificar que as localizações das minas que se incluem na área de estudo coincidem com as registadas pelo SFM. No total da área de exploração espeleológica, foram localizadas 23 Cortas, 8 Sanjas, 20 Poços e 8 Galerias. Na Carta do Sistema Patrimonial do Plano Diretor Municipal - versão final 2015, está identificada e sobreposta à área do projeto espeleológico, uma “Zona de Proteção a explorações mineiras desativadas” [Mapa 4]. Verifica-se que este projeto espeleológico, permite acrescentar informação de mais três cavidades que não constavam no “buffer” delimitado no PDM.

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[2] Serviço Fomento Mineiro; Minas de Ouro de Valongo; Trabalhos mineiros ao Norte do Rio Ferreira; Redução da Escala 1:1000 do levantamento original efectuado em 1961 por Adalberto Dias de Carvalho, Freitas dos Santos e Gonçalves Pereira; Por ?? 1977; Escala 1:2500.

4. CARACTERIZAÇÃO DE CAVIDADES 4.1. MORFOLOGIA DOS ESPAÇOS

Mapa 3. Vectorização da carta do SFM redesenhado em 1961 sobreposto com estado atual da inventariação de vestígios de mineração no concelho de Valongo e com topografias de cavidades artificiais incluídas na área do projeto espeleológico.

Segundo a UIS (Parise et al 2013), cavidades artificiais, são definidas como trabalhos em subsolo de interesse histórico e antropológico, realizadas pelo homem ou reajustadas às suas necessidades. Essas cavidades artificiais, incluem trabalhos executados pelo homem (escavados, construídos no subsolo, ou transformados em estruturas em subsolo, pela sobreposição estratigráfica) e grutas naturais, quando estas são reajustadas em partes significativas às necessidades humanas. Esta definição é subdividida em 7 classes e 36 sub-classes. As cavidades inventariadas por este trabalho são das classes A-Trabalhos hidráulicos em subsolo e E-Minas, mais especificamente, das sub-classes A4-Cisternas e E2-Minas metalíferas.

Figura 1. “Fenda com evidência de galerias desmontadas em vários níveis (“F. do Sardão”). Foto: Pedro Almeida. Modelo: Eduardo Vieira.

Mapa 4. Enquadramento no PDM de Valongo (2015)

A configuração das cavidades nesta zona, é diversa. Nos casos do “Fojo das Trincheiras” e do “Fojo do Sardão”, apresentam galerias em vários níveis, transformadas em fendas

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estreitas, profundas e compridas, com orientação predominante NE-SW, pendor próximo de vertical e com alguns trabalhos de superfície associados (cortas). As câmaras de exploração não aparentam zonas instáveis.

Figura 2. Dique Galeria G9 (“F. das Trincheiras”) Foto: Pedro Aguiar.

As galerias de acesso horizontal, como são o ponto de contacto mais evidente com o exterior, estão, a maior parte das vezes, obstruídas com detritos naturais que se vão acumulando e alteram a configuração dos acessos. Outro fator de alteração, aparentemente em épocas mais recentes, é a construção de diques para retenção de água, provávelmente de apoio à agricultura. Estes aparentam estar atualmente em uso, considerando o tipo de tubagens em PVC existentes no local. Há cavidades, onde também é possível verificar mudança de feições no seu interior, o que talvez indicie diferentes épocas de laboração no mesmo local. Esta apreciação de configurações é sumária e, de certa forma, intuitiva, por comparação de referências, nomeadamente com a Mina Romana de Llamas de Cabrera – Léon, Espanha (Matías, 2004), e minas com trabalhos registados no fim do sécXX, como sejam as minas da Moirama, na Serra de Pias - Valongo. Resumidamente, a distinção das feições é feita pela diferença de aparelhamento dos hasteais. Nas zonas que aparentam ser mais

antigas, as marcas das ferramentas utilizadas têm um traçado fino e regular, tanto em orientação como dimensão. Claramente diferentes de zonas abertas ou retrabalhadas em períodos mais recentes que apresentam maiores desnivelamentos e sinais de perfuração mecânica.

Figura 3. Evidências de perfuração mecânica Galeria G9 (“F. das Trincheiras”). Foto: Pedro Aguiar.

Outra marca bastante evidente é a existência de nichos para lucernas, nos hasteais de aparelho fino e a não existência, nos hasteais de aparelho grosseiro.

Figura 4. Lucernários Galeria G9 (“F. das Trincheiras”) Foto: Pedro Aguiar.

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Em ambas as zonas de feições distintas, há entalhes semelhantes, talvez para as entivações em madeira que outrora deverão ter existido. Estes são distintos dos nichos para lucernas por não terem uma base plana e porque, normalmente, no hasteal oposto onde se encontram, existe um entalhe semelhante o que permitiria que as entivações tivessem pontos de fixação opostos. Os poços apresentam secções quadrangulares com aproximadamente 2x2m e na base apresentam normalmente zonas de acumulação de sedimentos e detritos oriundos da superfície. 4.2. TOPOGRAFIA E ESPELEOMETRIA As topografias obtidas nos três conjuntos de cavidades artificiais exploradas, foram realizadas com recurso a bussola analógica Suunto Tandem (precisão estimada 0,5°), clinómetro analógico Suunto Tandem (precisão estimada 1°), fita métrica em PVC (precisão estimada 5cm) e distanciómetro laser Bosch (precisão 1mm). A Aferição de medidas para configuração dos espaços das cavidades, foi apoiada numa poligonal aberta, com um ponto de coordenadas conhecidas e sem correção de erros da poligonal. Os dados topográficos foram calculados com recurso a programa informático livre - Speleoliti e retratados por meio de desenho técnico, onde foi utilizada a simbologia normalizada pela Union Internationale de Spéléologie (UIS) [3]. Estas topografias foram inseridas no SIG, deste projeto espeleológico, possibilitando as análises anteriormente expostas [Mapa 3]. A publicação dos levantamentos topográficos fica reservada para um documento final deste projeto espeleológico.

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Em todos os procedimentos, foram seguidas as orientações preconizadas pela Federação Portuguesa de Espeleologia (FPE). Todos os participantes nas expedições são espeleólogos N3 e N2, federados e não houve qualquer incidente registado em todas as expedições realizadas. 4.4. ACHADOS Durante as explorações espeleológicas, foram encontrados alguns achados, nomeadamente, ferramentas associadas à mineração, cuja datação se aponta para meados do Séc.XX, considerando o tipo de gasómetro encontrado, característico dessa época. Salvaguarda-se nesta matéria uma análise técnica específica para uma datação mais precisa. Devido ao risco eminente do seu desaparecimento, os referidos achados foram retirados do local onde se encontravam, e de imediato entregues no Museu de Valongo, de forma que possam ser preservados e devidamente enquadrados.

[3] in, UIS Informatics Commission - Basic Cave Mapping Symbols

4.3. EXPLORAÇÃO Nas cavidades em que, pelas suas características, foi necessário equipar com ancoragens fixas, recorreu-se à utilização de “Parabolt M8” em aço. As respetivas plaquetas foram recolhidas no fim dos trabalhos de exploração espeleológica, de forma a minimizar os impactos causados.

Figura 5. Quatros Achados (cinzel, ponteiro, martelo, gasómetro) Foto: Pedro Almeida.

5. CONCLUSÕES Relativamente à área total proposta para este estudo espeleológico foram inventariadas 9 cortas ou sanjas, 5 galerias e 9 poços, no total de 23 cavidades à superfície. Constata-se que deste conjunto, 3 constituem

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um complexo, ou seja, estão interligadas em subsolo. Julga-se que algumas das minas utilizadas como reservatórios de água, deveriam ser monitorizadas, no sentido de aferir a qualidade da mesma e respetivo impacto nas populações locais. Uma vez que se trata de uma mistura de água proveniente de escorrências superficiais, com água proveniente de lençóis freáticos alterados pelos trabalhos de mineração, e por isso suscetível de ser imprópria para consumo, devido ao grau de acidez, presença de arsénio e metais pesados. Constata-se que este projeto pode contribuir com mais informação para o PDM, uma vez que foram georreferenciadas cavidades artificiais para além dos limites de proteção definidos no mesmo. AGRADECIMENTOS Ao Grupo de Espeleologia e Montanhismo (GEM) pelo acolhimento do projeto e cedência de equipamento para as atividades de campo. Ao Museu Municipal de Valongo, através da Dra. Paula Machado, pelo apoio na referenciação e acolhimento dos achados. Ao Sr. António Felgueiras, pela companhia em algumas atividades de campo.

6. BIBLIOGRAFIA COUTO, H. (1993): As mineralizações de Sb-Au da região Dúrico-Beirã, 2 Vol. Porto: FCUP. Tese de Doutoramento. COUTO, H. (2014): Ouro explorado pelos Romanos em Valongo: controlos das mineralizações auríferas; Actas do 1º Congresso de Mineração Romana em Valongo; 7/8 Novembro. DOMERGUE, C. (1987): Catalogue des mines et fonderies antiques de la Péninsule Ibérique. Editorial Casa de Velázquez, Madrid. Série Archéologie, VIII. LIMA, A., MATÍAS, R., FONTE, J; ARCM (2014): A exploração de Depósitos Secundários de ouro nas Serras de Santa Justa e Pias (Município de Valongo); Actas do 1º Congresso de Mineração Romana em Valongo; 7/8 Novembro. MATÍAS, R. (2004): El complejo minero de Llamas de Cabrera, Léon. www.traianvs.net. MATÍAS, R., FONTE, J., LIMA, A., MONTEIRO, A.,GANDRA,V., MOUTINHO, J.,SILVA, J., AGUIAR, P.: Evidências de minería hidráulica romana en la sierra de Pias (Valongo, Portugal); XV Congresso Internacional sobre património geológico y minero; XIX Sesión científica de la SEDPGYM. Logrosan (Cáceres), 28-28 de Septiembre del 2014. PARISE, M.: GALEAZZI, C.; BIXIO, R.; DIXON, M. (2013): Classification of Artificial cavities: A first contribution by UIS comission. Speleological Research and Activities in Artificial Underground; Proceedings 16th International Congress of Speleology, Brno (Czech Republic), July 21 –28, 2013.

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