EXPRESSÕES NA ARTE SACRA - A serpente e o dragão na simbologia sacra

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Descrição do Produto

 A todos vocês pela participação e disponibilidade em

compartilhar o seu processo criativo neste encontro.  Ao Museu de Arte Sacra de São Paulo, sua diretoria e equipe educativa pela confiança depositada no desenvolvimento da temática: Expressões na Arte Sacra  Agradecimento especial à querida Fátima Paulino pela confiança e incentivo ao projeto de oficinas práticas.  Próximas oficinas: - A temática da mãe de Deus nos Ícones Bizantinos: pintura de placa de madeira com douração - O Menino Jesus, a iconografia do Menino Deus: pintura de uma imagem em gesso com douração

A representação da serpente e do dragão nas religiões e a apropriação da sua simbologia. Os bestiários como representação e entendimento do mundo medieval. A importância da iluminura nos manuscritos. O Manuscrito de Aberdeen. A Bíblia dos Jerônimos. A têmpera a ovo e a evolução para a pintura a óleo. Receituários de têmpera a ovo. Desenvolvimento de atividade plástica: Fazendo a tempera a ovo com pigmentos naturais, realização de pintura sobre douração utilizando a técnica de têmpera a ovo.

O simbolismo desde as antigas civilizações

Ouroboros O símbolo de uma serpente mordendo a própria cauda – o ouroboros (em grego, “que come a cauda”) – é antigo. Sua forma circular e a autoabsorção o fizeram ser associado ao universo e à totalidade (no antigo Egito e na Grécia), à eternidade e ao Samsara (no hinduísmo e no budismo), o ciclo infinito de nascimento, morte e renascimento. Imagem do Ouroboros Egípcio Hieróglifo do livro de Alquimia de Abu Al Qasim Al Iraqi.

 Acreditava-se que a cobra, serpente

ou áspide desde os tempos antigos, tinha grande tenacidade pela vida e possuía poderes medicinais, um de suas simbologias mais antigas está representada no Bastão de Esculápio (ou Asclépio, na mitologia grega o deus da medicina) vem da Mesopotâmia (final do séc.III a.C.). O caduceu foi dado a Mercúrio (Hermes) por Apolo, o Caduceu de Hermes é até hoje o emblema dos médicos.

ornato da fachada de um edifício em Londres - Inglaterra

Bastão de Esculápio O atributo primário de Asclépio/Esculápio, o deus greco-romano da cura, é uma serpente enrolada em um bastão (os dois elementos desse símbolo, que representa a medicina, originalmente eram retratados separados). Como as serpentes despem-se da pele e surgem aparentemente “renascidas”, elas simbolizam a cura e o renascimento espiritual em muitas culturas. Estátua de Esculápio no museu do Teatro de Epidauro, Grécia

 O mito grego relata que

Medusa era uma das três irmãs górgonas, com serpentes no lugar dos cabelos e olhar petrificante. Enganada por Perseu e confrontada com seu próprio reflexo, foi decapitada e teve a cabeça colocada na égide, ou escudo, de Atena/Minerva. Acreditava-se que este símbolo, o gorgoneion, afugentava o mal.

Medusa Mertola - Caravaggio (1597)

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A serpente enrolada em um ovo existia como amuleto entre os druídas celtas e foi descrito como “o ovo da serpente” por Plínio, o Velho (História Natural – Plínio o Velho, Livro XIX), era um símbolo comum também para os egípcios e os indianos. É uma referência à criação do universo. Figuras: 1 - Mito grego do Ovo órfico Jacob Bryant (1774) 2 - Um jovem deus habita o Ovo Cósmico rodeado por uma serpente, papiro 21a. Dinastia, museu do Cairo 3 - “O oceano cósmico revela Brahma, Vishnu e Shiva. Estilo de Sajnu. 1835 c., India

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 Uma áspide era o emblema tradicional do Egito,

em lugar de destaque no diadema real. Ninguém que fosse picado por uma áspide sobrevivia, e ela era, por isso, símbolo apropriado da invencibilidade do poder egípcio.  A serpente Uraeus representava uma deusa de muitos nomes, que se empina junto à testa do deus-sol e aniquila os inimigos com seu hálito de fogo. O inimigo principal do deus-sol, Apophis, também tem a forma de uma serpente.  No pensamento simbólico dos egípcios, a serpente tem um papel multiforme em diversos deuses.

Uraeus Egito

Netjer-Ankh Egito

O uraeus, a naja que se ergue, colocada acima dos

Desenterrada em 1923, no recém aberto túmulo de Tuthankamon, a NetjerAnkh, uma cobra fogosa

de madeira dourada com olhos de quartzo translúcido, protege o falecido faraó no submundo. A altura da frente erguida da cobra é de 56.5cm, ou seja tem o seu tamanho real. (1332-23 a.C., Egito). Figura 1

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olhos do faraó, simboliza a proteção divina, pronta a lançar seu veneno ardente em qualquer um que ataque seu protegido real. O Uraeus encontrado em 1919 na Pirâmide de Senusret II é de ouro sólido com 6.7 cm, os olhos negros de granito, acabamentos em lápislazuli, cornalina e turquesa. Figura 2

 Nas antigas culturas da América,

a serpente com plumas tinha papel destacado; originalmente um símbolo da chuva e da vegetação, tornou-se mais tarde a “serpente do céu da noite, coberto com as plumas verdes do quetzal”, opondo-se à “serpente do céu do dia” ou “serpente turquesa”, e representa, junto com esta, o cosmos.

Serpentes emplumadas do sudoeste americano A divindade serpente emplumada foi adorada por muitos diferentes grupos étnico-políticos na história mesoamericana. Tinham a forma

de criaturas ondulantes,

com

corpos serpeantes

(representando água) e cabeças com plumas ou chifres (muitas vezes significando o céu). As primeiras representações da divindade serpente emplumada foram totalmente zoomórficas,

descrevendo a serpente como uma cobra real, mas já entre os maias a

Serpente emplumada, cabeça no complexo da cidadela em Teotihuacan - México

divindade começou a adquirir características humanas.

Tlaloc Civilização Asteca – 1200 d.C.

Serpente (colar de Tlaloc) deus asteca da chuva

Tlaloc é o deus da chuva, o senhor do raio, do trovão, do

relâmpago, senhor do inferno (Tlalocan), era uma divindade central ao culto agrário. Tlaloc era temido, e não apenas adorado, pois também lhe eram atribuídas certas doenças. Xochiquetzal era sua esposa. Mais tarde tornou-se poderosa divindade no panteão asteca, responsável pela bemaventuraça no mundo dos mortos (Mictlan). As chuvas que Tlaloc mandava pelos os seus filhos, os Tlaloques, fecundavam os campos

Quetzalcoatl - Asteca Quetzalcoatl pode ser traduzido como “Serpente Emplumada” ou “Serpente de Penas”, e as plumas em questão são as do pássaro quetzal. Esse deus “bom” (associado ao

Quetzalcoatl como descrito no Codex Telleriano-Remensis, uma representação já com características humanas.

céu, à fertilidade e ao conhecimento) é simbolizado por uma cobra sinuosa com uma notável crista formada pelas penas verdes brilhantes da cauda do quetzal macho.

Coatlicue - Asteca “Aquela

com

a

Saia

de

Serpentes” – Coatlicue – é “a mãe dos deuses” é a deusa asteca que deu à luz a lua, as estrelas e a Huitzilopochtli, deus do sol e da guerra. As serpentes que se despem da pele e que formam a saia da deusa mutilada simbolizam a morte (de Coatlicue) e o nascimento, ou regeneração Estátua de Coatlicue exibida no Museu Nacional de Antropologia e História na Cidade do México.

(de Huizilopochtli).

 Na China, a serpente está ligada à terra e à água,

sendo por conseguinte um símbolo yin.  A mitologia hindu conhece as najas: serpentes mediadoras entre deuses e homens, ora benfeitoras, ora malfeitoras e ligadas ao arco-íris.  A serpente Kundalini, enroscada na base da coluna vertebral, é considerada a sede da energia cósmica, um símbolo da vida

Serpente - China Nu Kua, Nu Gua ou Nüwa, é deusa na mitologia chinesa que criou a humanidade. Muito poderosa, metade humana e metade serpente. Ela é

associada à chuva, poças de àgua, lagoas, lagos e outros lugares onde as àguas param e são populadas por criaturas anfíbias. A Serpente ( 己 ) é um dos animais do ciclo de 12 anos que aparece no Zodíaco da Astrologia Chinesa e no Calendário Chinês. Embora essa criatura selvagem e venenosa seja geralmente Nu Kua, deusa-serpente da mitologia chinesa. Fonte: Myths and legends of China - Edward T. C. Werner (1922)

temida na China, a dissimulação a que corresponde também pode ser interpretada mais positivamente, ou seja, como astúcia.

Ananta - Índia Serpente protetora – Ananta (também chamada Shesha ou Ananta-Sesha) é a naga,

Vishnu reclinado na serpente Ananta, pintura, India, entre 1850-1870. Victoria - Albert Museum, Inglaterra.

ou serpente cósmica, sobre cujo corpo enrodilhado Vishnu é retratado adormecido enquanto flutua nas água primevas, protegido pelo dossel formado pelas cabeças de Ananta ( que podem ser seis, sete, nove ou mesmo mil). Ananta simboliza o infinito.

Kundalini - Hinduísmo Kundaliní (sânscrito: कुं डलिनी, Kundaliní)

que significa, literalmente, "enrolada como uma cobra" ou "aquela que tem a forma de uma serpente". É uma energia física, de natureza neurológica, concentrada na base da coluna. É o poder espiritual ou físico, primordial ou energia cósmica que jaz adormecida no centro de força situado próximo à base da coluna, e aos órgãos genitais. É a energia que transita entre os chakras, representação similar à do Caduceu. Na ioga é a serpente como imagem da força interior. A serpente se desloca e se eleva através das rodas (chakras), até chegar ao terceiro olho, simbolizando sabedoria e eternidade. Pintura de Kundalini, India, Rajasthan, Jodhpur, Sec. XVIII

 É universalmente difundida a idéia de que o arco-

íris é uma serpente que mata a sede, no mar, idéia encontrada na França (Sebillot), mas também entre os peles-vermelhas de Nevada, os bororos da América do Sul, na África do Sul e na Índia.  Em outras simbologias, os infernos e os oceanos, a água primordial e a terra profunda formam apenas uma prima matéria, uma substância primordial: a da serpente.

Midgard - Mitologia Nórdica A gigantesca serpente Midgard

Broche da serpente Midgard, (ou Jormungand) século VII d.C. Thjodminjasafin, Reykjavik (Islândia)

rodeia a terra figurada como um disco: um símbolo da ameaça permanente á ordem do mundo; nos primórdios do cristianismo, ela equivalia ao Leviatã. O mito nórdico expressa a serpente como símbolo, não da culpa pessoal, mas sim do princípio do mal inerente a tudo o que é terreno. As serpentes marinhas eram o pesadelo dos vikings que entalhavam na proa de seus navios um dragão para espantálas.

Damballa - Haiti

Na condição de “Grande Serpente”, Damballa é simbolizado por cobras

enormes, como pítons e jibóias. Portanto, a cobra é um elemento crucial no na simbologia da Damballa. Damballah é o deus do céu e considerado o primordial criador de toda a vida, o símbolo compreende duas serpentes proeminentes entre outros emblemas, ela preside fontes e rios, pois sua natureza é ao mesmo tempo movimento e água, a pedra do raio que lhe é consagrada é também relâmpago, e por excelência o deus da força e da fecundidade.

Simbolo religioso de Damballah Weddo

Serpente arco-íris - Austrália A crença em serpentes arco-íris prevalece

em toda a Autrália aborígene, de como duas serpentes míticas moldaram e deram características à terra pobre enquanto cruzavam o deserto, formando cordilheiras, vales e canais, sendo que a maioria delas simboliza a água. O aspecto serpentiforme representa o movimento da água, a cor de arco-íris pode denotar fertilidade, mas também forças destrutivas como as inundações repentinas. tradição diz que a Serpente Arco-Íris procurava por um lar naquelas planícies, e, se movendo debaixo do solo, ela emergiu, criando crateras como a Wolf Creek na Austrália (foto acima). Artista: Boxer Milner, Billiluna / Título: Kandimalal (Cratera Wolfe Creek) e a Serpente Arco-Íris

Oxumaré - África É a cobra-arco-íris em nagô, é a mobilidade, a

atividade, uma de suas funções é a de guiar as forças que dirigem o movimento. Ele é o senhor de tudo que é alongado. Ele representa também a riqueza e a fortuna, um dos benefícios mais

Oxumare escultura de Carybé em madeira, em exposição no Museu Afrobrasileiro, Salvador, Bahia

apreciados no mundo dos iorubás. É o símbolo da continuidade e da permanência, algumas vezes, é

representado por uma serpente que morde a própria cauda. Oxumarê é um orixá completamente masculino, porém algumas pessoas acreditam que ele seja macho e fêmea, porém o orixá feminino que se iguala a Oxumarê é Ewá sua irmã gêmea que tem dominios parecidos com o dele. Enrola-se em volta da terra para impedí-la de se desagregar. Rege o princípio da multiplicidade da vida, múltiplos e variados destinos.

transcurso

de

O simbolismo desde as antigas civilizações

 Em narrativas épicas, o dragão é muitas vezes o último

obstáculo a ser vencido, antes de a causa ter sucesso. Indra, Zeus, Apolo, Siegfrid, Cadmo, Jasão e Perseu figuram entre famosos matadores de dragão na mitologia. Nas lendas e nos contos de fadas, aparece geralmente como guardião de um tesouro, ou de uma princesa, personificando as dificuldades que precisam ser vencidas na busca de um objetivo elevado.

Cadmo - Grécia

Hendrick Goltzius, Cadmo, seus companheiros e o dragão. OST, 189 x 248 cm. Kolding Museum.

De

acordo

com

uma

lenda da mitologia grega, o herói Cadmo mata um dragão que havia devorado seus liderados. Em seguida, a deusa Atena apareceu no local e aconselhou Cadmo a extrair e enterrar os dentes do dragão. Os dentes "semeados" deram origem a gigantes, que ajudaram Cadmo a fundar a cidade de Tebas.

Tiamat - Mesopotâmia

Segundo a história babilônica Tiamat foi a terrível deusa mãe da água salgada que lutou contra

O deus Ashur lutando com o dragão Tiamat, sec. VII a.C (?), a partir dos estudos de Austen Henry Layard "Monumentos de Nínive, segunda série 'chapa 19/83, Londres, J. Murray, 1853

Marduk após o assassinato de seu marido, Apsu, o deus da água doce. Símbolo do caos primevo, Tiamat é retratada como um feroz ser híbrido, semelhante a um dragão ou uma serpente. Do corpo morto de Tiamat são criados o céu e a terra.

Siegfried e Fafnir

Detalhe do relevo do portal da Igreja em Hyllestad, Noruega, mostrando Siegfried mantando o dragão Fafnir com a espada Nothung.

A visão negativa de dragões está representada na lenda nórdica

ou germânica de Siegfried e o anão Fafnir, que acaba se transformando em um dragão justamente por sua ganância e cobiça durante sua batalha final contra o herói Siegfried. Nesta mesma lenda também pode ser visto um traço comum em histórias fantásticas de dragões, as propriedades mágicas de partes do seu corpo: na história, após matar Fafnir, Siegfried assou e ingeriu um pouco do seu coração, e assim ganhou a habilidade de se comunicar com animais.

Beowulf - Escandinávia O dragão deriva do imaginário dos povos celtas, nórdicos e medievais, os quais de acordo com seu momento

histórico acreditavam fielmente na existência deste grande réptil voador, como no poema viking sobre o lendário rei Beowulf que na Escandinávia combate e mata um dragão, numa batalha que acaba por custar-lhe a vida.

Uma representação de 1908 de Beowulf lutando contra o dragão de J. R. Skelton

Azi Dahaka - Pérsia

O dragão da Pérsia. Cópia do Falnama livro de presságios no Irã e Turquia, durante os séculos XVI e XVII.

A mitologia cita vários dragões como Azi Dahaka que atemorizava os homens, roubava seu gado e destruía florestas (e que provavelmente foi uma alegoria mística da opressão que a Babilônia exerceu sobre a Pérsia na antiguidade clássica) e de onde aparentemente se originou a ideia de grandes tesouros guardados por eles e que poderiam ser tomados por aqueles que o derrotassem.

 No hinduísmo e no taoísmo ele é considerado uma

entidade espiritual poderosa, capaz de produzir o elixir da imortalidade. Na China e no Japão, é venerado por trazer a sorte e afastar demônios.  Concede a fertilidade porque está estreitamente relacionado com as forças da água e, por conseguinte, com o princípio yin; mas representa, ao mesmo tempo, as forças masculinas e ativas do céu e, desse modo, o princípio yang; como demiurgo, produz de si mesmo a água dos primórdios ou o Ovo do Mundo; sua contrapartida é o tigre. Um motivo popular de decoração é o dragão ou casal de dragões, que brincam ao redor de uma pérola.  Como entidade poderosa e mediadora dos princípio opostos, o dragão tornou-se um símbolo imperial. Dragão é o quinto signo do zodíaco chinês.

China

Detalhe dos “Nove Dragões” – China, dinastia Song, datado de 1244. Museu de Boston, EUA.

Na crença chinesa há três espécies principais de dragão: o lung, que mora no céu, o li, que habita o oceano, e o jiao, que espreita nas cavernas. Representam os poderes de fertilização da água, simbolizando boa sorte e proteção. Foi um dos quatro animais sagrados convocados por Pan Ku (o deus criador) para participarem na criação do mundo. No Oriente, o dragão simboliza o Império, a sabedoria e o poder. Representa a energia do fogo, que destrói mas permite o nascimento do novo (a transformação).

A descrição do mundo no imaginário medieval

O Fisiólogo é um manuscrito grego antigo de autoria desconhecida, uma copilação de lendas com origem nas tradições indiana, egípcia e judaica, a que se acrescem as contribuições dos textos de São Paulo e Orígenes revestindo o texto antigo com o tecido cristão, em que o mundo de Deus estava espelhado no mundo natural. Até ao advento da ciência, quando se universalizou um conhecimento mais rigoroso do mundo natural, acreditava-se que as histórias e animais catalogados no “Physiologus” eram reais, uma zoologia popular em cerca de cinquenta seções que acabou por ser transformada num conjunto de alegorias cristãs com a descrição de animais, pássaros, criaturas fantásticas e pedras, acompanhados de conteúdo moral didático, sob a forma de metáforas para facilitar a aprendizagem e integração do cristianismo. Entre os manuscritos antigos mais conhecidos estão também os de autoria de : - Plínio, o Velho séc. I dC - História Natural

- Isidoro de Sevilha séc. VII dC – Etimologias

O bestiário , ou Bestiarum vocabulum, é um compêndio de bestas, uma coleção de descrições curtas sobre todos os tipos de animais, reais e imaginários, pássaros e até pedras, acompanhados por uma explicação moralizadora. Embora descreva as várias espécies do mundo natural, não foi concebido como texto científico. A história natural e ilustração de cada animal foi geralmente acompanhada de uma lição de moral. Isso reflete a crença de que o mundo em si era a Palavra de Deus, e que todos os seres vivos tinham seu próprio significado especial. Hoje é curioso observar a imaginação contida nas ilustrações, uma ferramenta didática "para melhorar as mentes das pessoas comuns, de tal forma que a alma, pelo menos, percebe coisas que fisicamente tem dificuldade em entender mentalmente: AQUELES QUE TÊM DIFICULDADE EM COMPREENDER COM OS OUVIDOS, VÃO PERCEBER COM SEUS OLHOS "(ABERDEEN MS 24, F25V) .

Adão nomeia o Leão, Fisiólogo de Berna, séc. IX

Os bestiários conhecidos derivam diretamente do “Physiologus”, com descritivo de criaturas naturais e fantásticas e interpretação moralizadora. Embora o originário deste gênero pertença ao séc. III, é só no séc. XII que a classe monástica vai estabelecer uma tradição neste tipo de composição. Nesse período foram executadas cópias do “Physiologus”, entre eles o ”Fisiólogo de Berna” (sec.IX). Foi traduzido para muitos idiomas do oriente médio, como o etiópico, o siríaco, o armênio e o árabe. Na Europa foi traduzido para o Latim, e foi assim que o bestiário conseguiu estabelecer-se nas antigas literaturas germânica, francesa, espanhola e anglosaxônica.

Os bestiários eram livros alegóricos, por vezes claramente humorísticos e fantasiosos, em cuja informação, tal como acontece com o “Physiologus”, não derivava de conhecimento científico ou experimental, ou de observação no terreno das criaturas que eram descritas, de tal modo que algumas das representações dos animais que não pertencem ao mundo da fantasia, como acontece com o abutre, não correspondiam à realidade da natureza. É o caso da iluminura com dois abutres opostos num círculo na descrição do abutre do Bestiário de Aberdeen, em que estes mais se parecem com duas águias, porque os iluminadores provavelmente não conheciam a ave que desenhavam.

Algumas observações podem ser bastante precisas, mas elas recebem o mesmo peso de histórias totalmente fabulosas. Por exemplo, o pelicano , e a crença de rasgar o peito para trazer seus filhotes à vida com seu próprio sangue, fazendo uma alusão a uma representação viva de Jesus . O bestiário, então, é também uma referência da simbólica linguagem dos animais na arte cristã ocidental e na literatura. Imagem: Museu Meermanno, MMW, 10 B 25, Folio 32R. Haia/Holanda.

Bestiário de Rochester: O chifre de unicórnio era altamente valorizado, e podia ser usado como afrodisíaco ou então para detectar veneno, se mergulhado numa bebida envenenada, o chifre fazia com que o veneno se tornasse inofensivo.

O objetivo é estimular e conduzir a imaginação, de modo a estabelecer paralelos identificáveis entre os supostos mundo natural e mundo sobrenatural. O unicórnio dá bom exemplo disto no Bestiário de Rochester, cuja representação da sua caça se afigurava como um meio prodigioso para demonstrar o poder ilimitado de uma virgem. Dizia-se do unicórnio ser um animal muito feroz e que não se conseguia dominar de modo nenhum, tal era a sua desconfiança em relação ao homem, e que só perante a pureza de uma virgem era possível acalmá-lo para trazêlo à proximidade da lança, e assim se conseguir caçá-lo.

Uma árvore peridexion (uma árvore

na Índia, que atrai pombas e repele dragões) Ela mantém os pombos em segurança do dragão. No Bestiário de Aberdeen (F65) temos a árvores em um arranjo simétrico de pombas nos galhos e dois dragões em sua base. A árvore simboliza a igreja e a pomba capturada pelo dragão, o fiel que abandona a fé e é pego pelo demônio.

fragmento da Septuaginta, séc. I

Santo Ambrósio de Milão e Santo Isidoro de Sevilha, aumentaram o conteúdo religioso dos bestiários com referências a passagens da Bíblia e da ”Septuaginta” (versão da Bíblia hebraica para o grego antigo, séc. III e I a.C - Alexandria). Estes dois santos, assim como muitos outros autores que se seguiram, foram refinando assim o conteúdo moral sem se preocuparem com os fatos da realidade natural. Estas descrições fantásticas sem paralelo na natureza eram lidas por muitos e consideradas verdadeiras, e foram sendo incluídas nos bestiários, de que o Bestiário de Aberdeen é um dos mais estudados exemplos.

Bestiário de Aberdeen (f68v)

Bestiário manuscrito e iluminado preservado na biblioteca da Universidade de Aberdeen – Inglaterra. Realizado por volta do ano 1200, é um dos mais importantes exemplares de seu tipo dentre os cerca de 50 existentes até hoje. No século XII os bestiários, com o objetivo moralizante, começaram a ser usados como ilustrações de princípios teológicos expostos em sermões. Não se sabe quem foi o autor deste bestiário, nem para quem se destinava. Algumas pistas, porém, são encontradas no estilo, na luxuosidade das ilustrações, na escolha das imagens e em outros indícios, que apontam provavelmente um patrono eclesiástico muito rico.

A Serpente Áspide Bestiário de Aberdenn f67v No texto informa que a áspide tem uma mordida venenosa. Na ilustração mostra a áspide evitando o som de um encantador de serpentes, colocando um ouvido no chão e colocando o rabo na outra orelha. O encantador de serpentes se protege com um escudo e bastão.

O Dragão

British Library, Harley MS 3244, Folio 59r. Inglaterra, c 1255-1265

Nos manuscritos é descrito como

a maior de todas as serpentes na terra e sua força está na sua cauda. Há uma variação considerável na ilustração de dragões, mas eles normalmente têm dois ou quatro pés, caudas longas, e pelo menos um par de asas. Dragões Cuspidores de fogo são raramente representados. As cenas mais comuns mostram o dragão atacando e asfixiando um elefante ou ameaçando o elefante fêmea dando à luz (que para se proteger dá a luz dentro dos rios), o dragão mantido à distância pela árvore peridexion ; e o dragão tentando se esconder da pantera, pois não suportam o cheiro doce do hálito da pantera e se escondem em um buraco quando a pantera ruge. Há nesse caso uma alusão a Cristo como a pantera que afugenta do dragão (o mal).

Na ilustração o dragão estrangula um elefante, Plínio, o Velho, no século I em “Historia natural” menciona a origem da cor sangue-de-dragão, onde diz: que não é sangue apenas tirado de dragões mas da luta deles com elefantes num combate mortal. O dragão esmagando o elefante com sua calda e o elefante moribundo caindo e esmagando o dragão, a mistura dos dois sangues, segundo ele, gera a cor verdadeira da representação na pintura do sangue.

Folio 65v – Beatiário de Aberdeen

A Dracaena cinnabari é uma espécie endêmica da região

de Socotra, um arquipélago no Oceano Índico, de onde se extrai a substância resinosa de cor vermelho-vivo, nomeada como sangue de dragão. Sua seiva adquire a cor vermelho sangue quando oxidada, é solúvel em etanol e em éteres, ponto de fusão a 76 °C.

Iconografia cristã

Catedral de Chester, Inglaterra; final sec, XIV Dois dragões assistem o drama do unicórnio e a donzela

Catedral de Carlisle, Inglaterra, inicio Séc.XV - Um dragão luta com um leão , enquanto dois outros dragões assistem. Significando a luta do bem contra o mal.

Escultura em pedra na Abadia de Westminster, em Londres, ano 1250. Representa um dragão de duas cabeças lutando com um centauro, seria mesmo um dragão?

Belerofonte e a Quimera Mosaico - ruínas de Palmira, Síria ca 260 dC - Período Imperial Romano

Icone de São Jorge Séc.VXI – Pskov - Rússia

Catedral de São Tugdual (França) séc. XIV – XV Entalhes da decoração sob os assentos do côro, representação da luta contra o mal, sob o assento: o dragão e a quimera.

 Comparado com outros animais míticos, tais como

Cérbero ou Quimera, o dragão tem uma imagem menos específica, o que deu maior liberdade à imaginação artística. Nas concepções míticas de muitos povos, é um ser composto de serpente, lagarto, pássaro, leão, etc. No entanto, na maioria das vezes os dragões são representados como répteis gigantescos, escamosos e alados, com mandíbulas enormes, caudas farpadas, pés de águia e patas imensas, personificando forças primordiais demoníacas que precisam ser dominadas.

Perseu, Andromeda e o Dragão Perseu, Andrômeda e o

Dragão pelo pintor holandês Joachim Wtewael (1566-1638). No período pós-clássico Perseu na arte é representado cavalgando o cavalo alado Pégaso. Na história grega, no entanto, ele é descrito apenas com uma capa e sandálias aladas.

A história de São Jorge na Legenda Áurea (séc. XIII), mostra uma ideologia de cavaleiro, tornando-se extrema no momento em que o santo se direciona ao local destinado a sacrifícios e salva uma princesa das garras de um Dragão. Deste modo, além do ato de salvar a princesa, São Jorge mostra que para matar o dragão é necessária a propagação da fé cristã. São Jorge - Rafael Sanzio (1504) - Museu do Louvre

São Miguel Arcanjo

nas

doutrinas

religiosas judaicas, cristãs e islâmicas cujo nome significa “que é como Deus”, está sempre de pé e tem asas, o que o diferencia de São Jorge, encontra-se em combate com o demônio e está com uma balança onde se pesam as almas. São Miguel Arcanjo assassinando o dragão (de Josse Lieferinxe (1500) óleo sobre madeira. Musée du Petit Palais, Avignon.

São Teodoro (?-304) O Santo Mártir Teodoro de Tiro foi um soldado na cidade de Alasium, na costa do Mar Negro. Foi ordenado a ele que oferecesse sacrifício aos ídolos. São Teodoro firmemente e em alta voz confessou sua fé em Cristo, o Salvador. O comandante deu a ele muitos dias para que pensasse sobre isso, durante os quais São Teodoro orou intensivamente. Eles o acusaram de colocar fogo no templo de Cibele e atiraram-no numa prisão para que morresse de fome, foi submetido a torturas e condenado à fogueira. Atributo: tocha acesa (queima do templo), dragão, açoites e coroa de espinhos, cavalo branco e cruz na mão. Muitas vezes o dragão toma a forma de crocodilo para diferenciá-lo de São Jorge Ícone de São Teodoro Tiro ( Angelus Akotantos, 1425-1450), têmpera sobre madeira, Museu Bizantino, Atenas.

 Na iconografia cristã, o dragão pode estar no lugar do

diabo, personifica a continuidade do caos que precede o mundo ameaçando a criação e que precisa ser vencido. Na guerra no céu, São Miguel e seus anjos lutaram contra o diabo: “O grande dragão, a antiga serpente, chamada diabo”.No Apocalipse, o dragão como princípio de satanás, persegue a mulher vestida com o sol que dará à luz o menino (Jesus). A história de São Jorge e o dragão foi particularmente popular na arte italiana do século XV, em que pode representar o diabo, ou o infiel, vencido pelo cavaleiro cristão. O dragão nem sempre simboliza o mal, é usado por exemplo na heráldica, sendo o emblema nacional do País de Gales.

 São Jorge a cavalo mata um dragão.  Está presente na iconografia de Santo André,  São Bartolomeu, São Florêncio, São Germano,  Santo Hilário de Poitiers, São João de Réome,  Santa Juliana de Nicomédia, São Leão I, São Lupo, São Magno de Füssen,  São Marcelo, São Miguel,  São Narciso de Girona, São Norberto, São Olavo,

 São Ouen (Ausendo) de Ruão, Santa Perpétua,  São Romão, São Servando, São Silvestre I,  São Teodoro, São Tude de Tréguier, São Vitor de Bayeux e Santa Vitória;

 Santa Marta doma um dragão; presente ainda no cálice de São João Evangelista

e aos pés de Santa Margarida de Antióquia.  Nota: embora seja mencionado em algumas bibliografias, não foram encontradas imagens que representem o dragão nos santos de nomes sublinhados, nem menção a uma lenda na hagiografia que justifique o atributo.

Santa Marta (s.d.) Santa Marta libertou as margens do rio Ródano do domínio de um dragão feroz, bastando lhe mostrar a cruz e apergir água benta para que a besta ficasse mansa. Seus atributos são: rosário ou saltério (vida ascética), dragão atado com correntes, aspersório que joga água benta no dragão), chave, bolsa, vassoura ou concha de sopa (como dona de casa). É festejada em 29 de julho, em Ribarteme, por volta das 10 horas, os caixões que transportam os sortudos “ressucitados”, carregados por parentes solenemente vestidos, chegam a igreja local para a missa. Quando a missa termina, os sinos da igreja começam a tocar e caixões contendo os “ressucitados” saem em procissão até o cemitério da cidade e depois são trazidos de volta ,enquanto a multidão começa a cantar "Virgem Santa Marta, estrela do norte, nós trazemos-lhe os que viram a morte". Santa Marta (de Ribarteme) em romaria na Galícia

São João Evangelista (?-100). Na perseguição pelo imperador Nero (56 - 68 d.C.) aos cristãos, São João foi levado à Roma para ser julgado. Por professar sua fé em Jesus Cristo, ele foi condenado à morte por envenenamento para demonstrar a verdade de sua pregação, mas após beber um cálice de veneno mortal, nada lhe aconteceu. Ele também saiu ileso de um caldeirão de óleo fervente no qual ele fora jogado pelo torturador. Dentre seus atributos estão a taça com a serpente alada e o dragão de sete que descreve no São João Evangelista – El Greco , óleo s/tela, Museu do Prado. cabeças Apocalipse.

Santa Margarida Margarida de Antioquia (s.d.), também conhecida como Santa Margarida é uma santa cristã, virgem e mártir, inscrita no grupo dos catorze santos auxiliares. A

sua veracidade histórica não está comprovada. De fato, o Papa Gelásio I declarou-a como apócrifa em 494, mas a devoção Ocidental a esta personagem foi reavivada com as Cruzadas. Diz-se que, engolida por Satanás, na forma de um dragão, ela rasgou a pele do mesmo com um crucifixo que possuía, saindo de dentro do animal.

Santa Margarida, por Francisco de Zurbarán, 1631.

Iconografia cristã

Plínio, o Velho [século I dC] ( História Natural , Volume 8, 35): Descreve a serpente anfisbena com uma cabeça gêmea no final da cauda No mundo clássico, pensava-se que a cobra tinha sabedoria: “Por isso, sede prudentes como as serpentes e sem malícia como as pombas” (Mateus 10:16). No Antigo Testamento, a serpente havia sido sinônimo do mal, e sua sabedoria era a astúcia do diabo: “A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos” (Genesis 3:1). Ao mesmo tempo que era considerada pelos judeus um ser ameaçador e um animal impuro, simbolizava a inteligência. Moisés usou a serpente de A anfisbena, com a cabeça pequena bronze para curar os israelitas de parecendo ameaçar a grande. Catedral de picadas de cobra. Limerick, Irlanda; final do século XV

Adão e Eva, e a serpente do Paraíso na entrada da Catedral Notre Dame, Paris/França.

Seja na forma de uma par anônimo, seja como Adão e Eva (o primeiro homem e a primeira mulher, segundo as tradições judaica, cristã e islâmica), figuras masculinas e femininas que claramente formam um casal representam os nossos ancestrais originais. A iconografia cristã da Idade Média frequentemente acentua o aspecto tentador da serpente do Paraíso mediante representações com cabeça de mulher e seios, a arte da cristã medieval costuma retratar a serpente como mulher, assim enfatizando a capacidade de sedução e sua relação com Eva.

Quando Deus castigou a desobediência dos israelitas com uma praga de serpentes venenosas e aladas, ele ordenou a pedido de Moisés que se fizesse uma serpente de bronze; quem fosse mordido pelas serpentes venenosas e contemplasse a serpente de bronze permaneceria vivo. Foi objeto de culto e considerada a primeira imagem simbólica de Cristo, devido a seu aspecto benéfico; as formas de serpentes nos báculos, referem-se a serpente de bronze e à serpente como símbolo de inteligência.

A serpente de bronze (Gustav Doré)

 Aos pés de Santa Maria jaz uma serpente;

 São Florentino atira uma serpente no rio Loire;  Está presente na iconografia de São Bento,  São Boaventura Carreti, São Ciro, Santa Cristeta, Santa

Cristina, São Espiridião, São Firmino de Pamplona e Amiens, São Honorato, São João de Sahagún, São Júlio, São Luís Beltrão, São Patrício, São Paulo, Santa Sabina  Santa Tecla é representada com a serpente de seu suplício.

 A iconografia de Nossa Senhora

da Conceição traz representada Maria Santíssima, vestida de branco, envolvida em um manto azul, de pé sobre o globo terrestre, com as mãos unidas em oração e uma cobra sendo esmagada pelos pés, para simbolizar a passagem bíblica do livro do Gênesis (3,15), quando Deus diz: "Porei inimizade entre ti e a Mulher, entre a tua descedência e a dela. Tu lhe ferirás o calcanhar e ela te esmagará a cabeça". Imaculada Conceição G. Tiepolo (1696-1770) Museu do Prado

 (s.d) virgem martirizada

no princípio do séc. IV, junto aos irmãos Vicente e Sabina em Ávila. Atributo: a serpente que segundo a lenda defendeu seu corpo depois de martirizado. É também representada em cenas acompanhando S.Vicente (mártir), de joelhos, com a cabeça sobre uma pedra e de mãos amarradas, à espera do martírio. Parte do cenotáfio do sec.XII, Igreja de São Vicente em Ávila

 (s.d.) Santa Tecla não é citada

na Bíblia, a única fonte de informações sobre sua vida é o Atos de Paulo e Tecla, livro escrito provavelmente no século II e tido como apócrifo. Patrona de Tarragona, Espanha, foi submetida ao fogo e às feras mas não morreu no martírio, viveu até idade avançada. Seus atributos são: palma de mártir, cruz na mão (o sinal da cruz antes de ser lançada ao fogo), braço (relíquia em Tarragona), chamas sob os pés, leão, touro e serpentes, que se referem aos vários tormentos.

Ícone grego de Santa Tecla no convento carmelita em Harissa/Líbano.

 O dragão aparece comumente relacionado à simbologia do mal e

das tendências demoníacas, e como tal se identifica com a serpente. Embora a cristandade tenha retido o seu aspecto negativo, ainda menciona os aspectos benéficos contrários do símbolo, como a Serpente de Bronze de Moisés, com Cristo representado como a Serpente atravessada na cruz, porém a simbologia mais frequente é a serpente de Eva.  Comumente também aparecem na iconografia cristã como símbolos do “paganismo” e da heresia, combatidos pelos santos mártires.  As imagens de Belerofonte, Perseu, São Jorge e São Miguel se confundem na representação da luta perpétua do bem contra o mal, sob as formas mais variadas o símbolo da serpente ou do dragão permanecem em todas as culturas e religiões como o obstáculo que precisa ser vencido para se alcançar o nível do Sagrado.

Oficina Prática

No século XIII, "iluminura" referia-se sobretudo ao uso de douração e portanto, um manuscrito iluminado seria, no sentido estrito, aquele decorado com ouro ou prata. Já o termo "miniatura" provém do italiano miniatura, a partir do latino miniare, que significa pintar com mínio (um óxido de chumbo de cor vermelha). Iluminura ou miniatura é um tipo de pintura decorativa, frequentemente aplicado às letras capitulares no início dos capítulos dos códices de pergaminho medievais. O termo se aplica igualmente ao conjunto de elementos decorativos e representações imagéticas executadas nos manuscritos, produzidos principalmente nos conventos e abadias da Idade Média.

Manuscrito refere-se a um documento em pergaminho ou papel escrito a mão, era a única forma de se produzir escrita antes da invenção da imprensa por Gutenberg em 1439. A cópia de manuscritos, nos monastérios da Idade Média, estava incluída entre os principais deveres dos monges. Entre os gregos e romanos os manuscritos eram copiados por escravos, chamados literati. Durante a Idade Média o livro era praticamente uma exclusividade da Igreja e presume-se que todas as grandes abadias possuíam o scriptorium, "um local para escrever", mas talvez que não trata-se de grandes espaços anexos à biblioteca, mas cabines como reentrâncias no claustro, ou nas celas dos próprios monges.

Madri, Biblioteca de São Lorenzo do El Escorial, século XIV

 O códice (latim: codex, que significa «livro»), é formado

por fólios (latim folium: «folha de papiro»), composto por pergaminhos ou papel resultante da dobragem ao meio de uma folha maior, inteira (o bifólio)  As tarefas eram divididas entre várias pessoas: “Uma corrige o livro que outra escreveu, uma terceira ornamenta com tinta vermelha; outra encarrega-se da pontuação, outra das pinturas, como outra cola as folhas e encaderna. Ainda outras que preparam o couro e as lâminas de metal que devem ornar a encadernação. Uma outra corta as folhas de pergaminho, e outras as vão polindo, uma outra traça a estilete as linhas que devem guiar o escrevente. Enfim, outros cortavam as penas e preparavam a tinta.” (De Scriptoribus ecclesiasticis – autoria de Trithemo, abade de Spanheim, séc. XV)

A Bíblia dos Jerônimos (séc. XIV) é um dos mais ricos exemplos de um manuscrito produzido pela oficina do mestre italiano Attavante degli Attavanti, auxiliado pelos irmãos Gherardo e Monte del Fora, para ser oferecida a Dom Manuel I, rei de Portugal, enquanto ele ainda era Duque de Beja. O contrato para a execução da obra foi firmado em 23 de abril de 1494. Está dividida em sete volumes, o texto está em latim, dividido em 2 colunas, com letra da Renascença Italiana. As páginas são de pergaminho e originalmente estava encadernada com pesadas guarnições de prata. Foi legada pelo monarca em testamento ao Mosteiro dos Jerônimos, onde permaneceu até o século XIX. Em 1883 seus oito volumes, intactos, foram depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal).

 Pergaminho (do grego pergaméne e do

latim pergamina ou pergamena) designa o documento em pele de animal, geralmente de cabra, carneiro, cordeiro ou ovelha, que foi preparada para a escrita. Seu nome tem origem na antiga cidade grega de Pérgamo onde se originou.  A pele animal era lavada e depois polvilhada com cal, sobrando uma espécie de couro fino sem pêlos que então era esticado em armações para secar, sofria ainda processos de raspagem e polimento para ficar liso e maleável.  A partir do sec. IV o pergaminho começou a substituir o papiro e foi largamente utilizado na Idade Média para produção dos manuscritos na atividade de copilação dos textos antigos, até ser substituido no séc.XIII com a difusão no ocidente da invenção chinesa do papel.

A tinta de escrever tinha um pigmento misturado com substâncias para lhe dar fluidez. Usava-se cinza de carvão ou a noz de galha ou bugalho de carvalho, diluída em vinho. A tinta preta ou sépia era usada no texto, o vermelho era reservado para os títulos de capítulos e para partes do texto a realçar; outras cores e o ouro eram usados nas iluminuras e ornatos. Para escrever se usava uma pena de ganso ou cálamo (do grego kálamos: haste, cana, junco), cuja ponta fendida era molhada na tinta, uma faca afiada servia tanto para apontar a ponta da pena como para raspar a tinta para correção. Escriba do manuscrito de Aberdeen

 Em manuscritos iluminados, as

letras capitulares que contêm imagens são designadas por letras ornamentadas.  As iniciais que contêm espirais vegetalistas com figuras de animais ou humanos sem representar uma figura ou cena específica são conhecidas como capitulares habitadas. Certas iniciais importantes, como o B em Beatus vir... na abertura do salmo I num saltério vulgate em Latim, podiam ocupar um folio completo de um manuscrito.  Estas iniciais específicas, num manuscrito iluminado, também eram chamadas Initiums. F72v – Manuscrito de Aberdeen

O projeto de um bifólio de manuscrito, com os espaços marcados para a escrita, decoração de margens, letras capitais decoradas e a área da iluminura nos fólios (V/R).

 O termo têmpera vem da palavra ¨temperare”

(latim), que significa juntar ou misturar. Misturam-se pigmentos a aglutinantes e estes passam a designar cada tipo de têmpera que constituem.  Uma emulsão é composta por dois líquidos imiscíveis em que um deles (a fase dispersa) encontra-se na forma de finos glóbulos no seio de outro líquido. As emulsões mais conhecidas consistem de água e óleo.

AZUL

AMARELO

VERDE

VERMELHO

O trabalho dos iluminadores nos manuscritos surge no império de Carlos Magno (séc.VIII), os pigmentos utilizados eram: azulultramar (lápis-lázuli), o amarelo do sulfato de arsênico, o verde do acetato de cobre e o vermelho-rubi (sangue-de-dragão).

Em “O Livro de como se fazem as cores”, da autoria de Abraão B. Judah Ibn Hayyim, no capítulo XI há a receita onde se descreve a síntese do verde gris: “Mergulhar uma folha de cobre em vinagre forte e bem quente durante alguns minutos. Colocá-la dentro de um pote de barro, sem escorrer totalmente o vinagre, e tapá-lo com uma tampa de barro, untando o bordo da mesma com mel (funcionará como agente selante). Enterrar o pote em estrume de cavalo durante cerca de 30 dias. Terminado o tempo, desenterrar o pote, retirar com todo o cuidado a folha de cobre, que se encontrará coberta de verdigris. Este deverá ser raspado, e guardado num local fresco e seco.” (Fonte: a descoberta da iluminura medieval)

Cores: Têmpera a ovo Zecchi

No Renascimento Cennino Cennini relaciona 18 cores, mais 2 brancos e 5 pretos.

A gema de ovo trata-se de uma emulsão compatível com as mais variadas misturas de ingredientes nos receituários antigos, podendo se acrescentar óleos secativos ou essenciais, resinas na forma de alguns vernizes, e até água de cal, pode-se pintar com o ovo inteiro, só a gema ou só a clara, desses receituários apresentamos algumas fórmulas em volume, tendo como medida base o volume da gema:  Gema + água – 1:1 : gema e água em partes iguais, é uma das mais antigas e permanentes tinta à base de água, seca rapidamente e utiliza-se com pinceladas finas e sobrepostas, como uma aquarela.  Gema + stand oil + água – 2:1:3 : adiciona-se primeiro o óleo de linhaça polimerizado à gema (uma parte igual) e depois a água (3 partes). Como a gema de ovo é uma emulsão natural, já contendo uma parte oleosa, ela permite adições de água e óleo na mistura.

 Gema + verniz damar – 1:2 : adiciona-se a gema ao verniz

damar (preparado em terebentina) em quantidade igual até ser absorvida, a desvantagem é que a tinta produzida é soluvel apenas em terebentina ou solvente (para limpar os pinceis), mas permite retoques e detalhes em pintura à óleo com uma emulsão bem fina, ao contrário do filme espesso com a mistura da gema com óleos  Ovo inteiro + 1 colher de chá de óleo de linhaça + 4 gotas vinagre : coloque o ovo inteiro e o óleo num frasco com tampa, agite bem até incorporar a mistura, o vinagre serve como conservante e é adicionado ao final, a mistura precisa ser filtrada através de um tecido fino e limpo.  Clara de ovo = GLAIR. Glair quer dizer claro, essa mistura é transparente, feita com a clara de ovo batida (em neve), no fundo fica um resíduo líquido e viscoso para pintura, se quiser ele mais fluido, acrescente ao bater a clara, 4 colheres de sopa de água. A mistura batida deve decantar por oito horas. Tradicionalmente deixa-se a mistura “envelhecer” alguns dias antes do uso.

 01 gema de ovo  01 parte igual de água

 01 % fungicida

Separar a gema da clara, retirando a película que envolve a gema. Adicionar água sempre mexendo. Juntar o fungicida. Juntar aos pigmentos para formar a tinta e usar água como diluente.  Na adição de óleos = teremos a têmpera “gorda”.

 - desenho e planejamento da iluminura

 - aplicação de folhas metálicas  - proteção da folha metálica (no caso de ouro falso)  - pintura com têmpera à ovo – pinceladas finas sem

acúmulo de tinta, consistência aquarelada  - adição de óleos secativos à tempera: foi com essa metodologia que os pintores chegaram a produzir a técnica da pintura à óleo  DEMONSTRAÇÃO DURANTE A OFICINA

 ARAS, Archive for Research in Archetypal Symbolism. O Livro dos  

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