EXPRESSÕES NA ARTE SACRA - O Manuscrito Medieval

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Descrição do Produto

SEJAM BEM VINDOS

Próxima oficina: OS ARCANJOS com pintura de uma imagem de gesso com tempera-cola

ILUMINURA O MANUSCRITO MEDIEVAL OFICINA DE TEMPERA À OVO

“Expressões na Arte Sacra”

Docente: Silvana Borges Artista Plástica – Arquiteta Conservadora Restauradora de Bens Culturais Contato: [email protected]

Conservação e comunicação • O estudo dos manuscritos iluminados atualmente de acordo com Manuela Mendonça (OCEANOS,no.26, 1996) se impõe por duas razões: o entendimento do seu significado, enquanto expressão artística de uma época, e a divulgação da sua existência e expressão própria em um momento em que os livros deixaram de ser os únicos suportes da cultura, tendo em vista as mais diversas e sofisticadas formas como o saber hoje se apresenta e divulga.

A IMPORTÂNCIA DOS MANUSCRITOS • Há o relato de um episódio em 1237 no Monastério de Vorau, em Estíria (Áustria) quando a biblioteca se incendiou e o prior lançou os manuscritos pela janela, um a um, até que ele mesmo acabar morrendo envolto em chamas. • “Um monastério sem biblioteca é igual a um castelo sem arsenal” (séc.XII) • “Um monastério sem livros é como uma mesa sem alimentos, como uma horta sem plantas, como um prado sem flores, como uma árvore sem folhas” (sec.XV, prior do Mosteiro da Basiléia) • O livro não era sagrado porque estava ricamente decorado, mas porque era portador de uma mensagem especial, transcendental

A religião do livro: biblion = Bíblia Diferente das antigas crenças politeístas, o cristanismo foi uma religião do livro, da palavra, associado ao texto representações majestosas. As imagens da crucificação com São João profundamente afligido e com um livro na mão dizem muito sobre a importância da palavra de Deus que se converte em letras e conserva seu poder sacramental.

Saltério de Blanca de Castilla, c.1230, 192 fólios, composição do alto gótico presente também em vitrais.

A crucificação - Fra Angelico (c. 1430) • Antes da invenção da imprensa no século XV, a Bíblia era transcrita e ricamente adornada de iluminuras por monges. Fra Angelico foi um desses últimos monges a trabalhar nas iluminuras no estilo Gótico Internacional. • Capitular Historiada parte de um missal

“N”,

Manuscrito Do latim manu=mãos e scriptus=escrever, é um documento escrito ou copiado à mão sobre um suporte físico, que pode ser pergaminho ou papel, utilizando um instrumento como: pena ou cálamo e tinta. Ao lado fólio da “Bíblia de Santa Cruz de Coimbra”, ricamente iluminada, produzida por volta do século XII, sendo um dos mais importantes representantes em seu gênero no período da Folha de rosto da Bíblia de Coimbra Idade Média em Portugal. Biblioteca Pública Municipal do Porto.

O propósito das escrituras • “A Escritura Sagrada é como cera mole que assume a forma do selo pressionado sobre Ela”, esse começa o prefácio do “Espelho da salvação humana”. O manuscrito relata as obras redentoras de Cristo que instruem os educados (litterati) pelos textos e os analfabetos (rudes) pelas figuras. • Detalhe do fólio 35d. quando Jonas é cuspido pela baleia, símbolo da ressurreição de Cristo, no capítulo 32 do Speculum humanae salvationis (c.1330). Biblioteca Nacional de Viena.

Detalhe dos fólios 32v e 33d. Capitulo 30: - A Virgem Maria conquista o diabo com as armas de Cristo (instrumentos da Paixão). - Judite corta a cabeça de Holofernes. - Jael mata Sisera (Juízes 4; 17-24). - A Rainha Thamar mata Cyrus e joga sua cabeça em um cesto cheio de sangue.

Materiais de suporte • Os manuscritos necessitam de um material de suporte para a escrita, os primeiros escritos foram as placas de argilas sumérias com o alfabeto cuneiforme por volta de 3500 a.C. Depois surgiram outros suportes tradicionais: • Papiro: há indicios de que no séc. IV a.C ele já existia no Egito, que manteve o monopólio de sua produção por 3 mil anos, foi sendo substituído pelo pergaminho. • Pergaminho: surgiu no séc.II d.C em Pergamum, de onde deriva o seu nome, é mais maleável e menos quebradiço, e se conservava melhor que o papiro, que durava cerca de 2 séculos. • Papel: Encontrado a partir do séc. XI d.C. na Sicilia por influência dos árabes. A técnica de fabricação a partir de fibras vegetais se originou na China no século II d.C.

PAPIRO - fragmento de São João – séc. II • Os primeiros escritos cristãos não eram ilustrados, um dos mais antidos é o Papiro P52 da Biblioteca de Rylands em Manchester, Reino Unido, também conhecido como o "fragmento de São João". O papiro contém parte do capítulo 18 do Evangelho segundo S. João, escritos em grego antigo. • Realizado entre o período de 100 a 160 d.C. e é considerado como o texto mais antigo de um evangelho canônico, tornando-se assim, o primeiro documento conhecido que se refere à pessoa de Jesus.

Texto contínuo • Outro exemplo é o texto bíblico em grego do Papiro 46, aproximadamente do ano 200 d.C., o texto é contínuo, sem letras capitulares, pontuação ou espaçamento entre palavras.

Fragmento da septuaginta – século I a.C. • A Septuaginta, é o nome da versão da Bíblia hebraica traduzida em etapas para o grego koiné, entre o século III a.C. e o século I a.C., em Alexandria, foi usada como base para diversas traduções da Bíblia. A tradução ficou conhecida como a Versão dos Setenta ou em latim: Septuaginta, porque segundo uma lenda a sua tradução foi realizada em 72 dias por 72 rabinos copistas na ilha de Pharos.

A seta aponta ao nome divino na escrita paleo-hebraica.

DIMINUENDO – séc. VII • Efeito de diminuendo nas primeiras letras após a capitular, no manuscrito Cathach de São Columba, Irlanda, século VII.

As letras ornamentadas • Em manuscritos iluminados, as letras capitulares que contêm desenhos são designadas por letras ornamentadas e surgiram nas Ilhas Britânicas no século VIII. • Capitulares habitadas – letra inicial de parágrado que contêm espirais vegetalistas com figuras de animais ou humanos sem representar uma figura ou cena específica. • Initiums - certas iniciais específicas, como o B em Beatus vir... na abertura do Salmo I num Salterio vulgate em Latim, podiam ocupar um folio completo de um manuscrito.

Initium • Incrição “In principio” exemplo de inicial no começo do Evangelho segundo João, em um manuscrito do século IX. Meister der FrankoSächsischen Gruppe acervo da Biblioteca Municipal de Arras – Alemanha.

Capitulares impressas em papel • O termo “capitular” que denomina essas letras adornadas e de grande formato, provém da palavra latina “capita” que significa literalmente: cabeça, capítulo ou começo • A letra capitular maior e a margem são impressas com tipos em madeira, O restante texto recorre a tipos metálicos.

Livro de Salmos de Mainz, impresso em 1457 por Johannes Gutenberg (1398-1468)

Biblia de Ulrich Schreier, ano de 1472

Em 1472 nove Bíblias latinas e duas em alemão já tinham sido impressas. A partir de 1480 ocorre o declínio dos manuscritos iluminados pelo alto preço da manufatura, em especial das iluminuras. Inicial ornamentada; Capitulares HABITADAS: Capitular do Livro de Tobias. Busto de noiva com rosa do Cantico dos Canticos. Busto de um estudioso do Livro de Jonas.

Biblia Eberler, ano de 1464 Uma das primeiras Bíblias em alemão. Capitulares Historiadas: Deus solicita a Moisés um censo dos homens capazes de ir para a guerra. Joshua de armadura liderando o povo de Israel na travessia do Rio Jordão. O rei David e seu filho Koheleth. O rei David com sua harpa.

• A utilização das capitulares obedece uma série de princípios, desde o objetivo estético até a finalidade prática de fácil localização de determinados trechos do livro, quando não existia numeração das páginas, independentemente da sua função ou importância ao longo do tempo, elas não desapareceram por completo da edição de livros até hoje. • As capitulares promovem um foco visual na página, dando enfase ao conteúdo atraindo com a sua variedade de desenho um convite para o início da leitura.

Códice (codex) = livro ou bloco de madeira • Tábulas retangulares de madeira, revestidas de cera e unidas por cordões ou anéis, foram utilizadas pelos gregos e romanos para receberem registros contábeis ou textos didáticos; e são os antepassados imediatos dos códices manuscritos do período da era antiga tardia até a Idade Média. • O códice é um avanço do rolo de pergaminho, e gradativamente substituiu este último como suporte da escrita dando origem ao formato do livro, em folhas, como é conhecido.

Rollo de Josué - séc. X

Realizado entre 913 e 950 d.C. em Constantinopla tem cerca de 30cm de altura por 10,64m de comprimento. Contém textos em grego e ilustrações do livro bíblico de Josué, mostrando a conquista triunfal da terra prometida. Há no desenho das figuras representadas uma referência aos clássicos gregos.

Livro de Kells • O Livro de Kells é um famoso códice do sec.VIII, atualmente na Biblioteca de Trinity College em Dublin, com influência celta no estilo da decoração da primeira página do Evangelho de São Mateus com o monograma de Cristo XR (Chi Rho). • O símbolo é formado pela sobreposição das duas primeiras letras (iniciais) chi e rho (ΧΡ) da palavra grega "ΧΡΙΣΤΟΣ" = Cristo

Iluminura • Iluminura designa a pintura decorativa aplicada às letras capitulares dos códices de pergaminho medievais. O termo se aplica igualmente ao conjunto de elementos decorativos e pinturas executadas nos manuscritos produzidos principalmente nos monastérios da Idade Média. No século XIII, "iluminura" referia-se sobretudo ao uso de douração. Portanto, um manuscrito iluminado seria, no sentido estrito, aquele decorado com ouro ou prata.

Bestiário de Aberdeen (folio 4v) c.1200

AS INICIAIS E SEUS ORNATOS:

Missal Iluminado de Santa Cruz, séc. XVI • Para conhecer alguns dos tipos de ornatos utilizados vamos tomar como exemplo o Missal Iluminado de Santa Cruz, conhecido como Missal Rico e está depositado na Biblioteca Pública Municipal do Porto (Portugal) com 295 fólios em pergaminho em escrita gótica do século XVI; com base no estudo de Horácio Augusto Peixeiro (OCEANOS,no.26, 1996), temos: • - iniciais filigranadas ou ornamentadas • - iniciais fitomórficas e floreadas • - iniciais historiadas • - vinhetas • - cercaduras • - desenhos no interior de letras do texto e nas margens • - iluminura de página

Iniciais filigranadas ou ornamentadas • Os motivos são geométricos e estilizados, prolongando-se por vezes pelas margens em ramos espiralados, flores e pássaros

Fitomórficas e floreadas Iniciais inscritas em um campo com fundo, as vezes quadrangular como no exemplo, perfeitamente alinhado ao texto e com a letra imitando folhagens, ramos com algumas flores (rosas, ervilhas-de-cheiro, miosótis,etc), algumas naturalmente representadas com sombras projetadas ao fundo.

Iniciais Historiadas

Iniciais representativas de um momento, no caso do missal são destinadas a marcar os trechos mais importantes do ano litúrgico: Advento, Natal, Páscoa e Pentecostes.

Iniciais Habitadas:

Iluminura com

Acima – exaltação da Santa Cruz

miniatura da cena do Calvário

Abaixo – D. Manuel como o rei David

As cercaduras enquadram o início do texto com ornatos variados que podem ser tanto geométricos, filigranas, flores, pássaros, anjos, etc.

MANUSCRITOS NO ORIENTE E AMÉRICA

LIVRO DOS MORTOS - EGITO

• Papiro do escriba Hunefer de cerca de 137 a.C. Cena do Livro dos Mortos com Osíris (representado à direita) presidindo o julgamento das almas.

MANUSCRITO CORÂNICO

• Página decorativa de um manuscrito corânico (pertencente ao Corão, o livro sagrado do islamismo), originário de Valencia, 1182. Detalhe folio 1 verso. Biblioteca da Universidade de Istambul.

Maqamat (1237) - MANUSCRITO ÁRABE Registro das conversações mantidas em um grupo social, escrito em árabe. Local de origem: Bagdad. Esta iluminura representa uma caravana em rota para Meca, em uma procissão para a cidade santa com vários adereços e acompanhado por uma música vibrante, com trombones na frente , seguido por portaestandartes e bateristas montados em camelos.

Mahmûd idn Ramadân, Rosary of tidings, Turquia, 1674 Detalhe do folio 1v do manuscrito originário de Istambul, com vinheta em azul e ouro com ornamentos vegetais e florais e o título Subhat alahbâr (Rosary of Tidings ou Rosário da Boa Nova)

MANUSCRITO PERSA

“As viagens fantásticas de Maomé pelo céu e pelo inferno” (1436). Relata a viagem do profeta Maomé em companhia do Arcanjo Gabriel pelas esferas celestiais até o trono de Deus e seu regresso a terra através das sete regiões do inferno, folios 32d e 30v.

MANUSCRITO HINDU • A história de Hamsa (séc. XVI), um tio do Profeta, sobre suas aventuras guerreiras na China, Ásia Central, Turquia e Ceilão e seu amor pela filha do rei Mihrnigar. O livro destinava-se a recitação em público. • Supostamente a obra compreendia 15 volumes, mas restam apenas 140 folhas das 1.400 originais

MANUSCRITO MEXICANO • Códice Borgia séc. XIII, com a informação gráfica das cerimonias religiosas com deuses, sacerdotes, animais místicos e objetos da América Andina, em 76 páginas decoradas, atualmente na Biblioteca Apostólica Vaticana.

TIPOS DE MANUSCRITOS ILUMINADOS Os livros religiosos podem ser classificados em litúrgicos (utilizados na missa), e os devocionais, servindo a oração privada Entre os não religiosos estão os manuscritos científicos, manuais, enciclopédias e literatura narrativa

Biblia de wenceslao (1389-1400) • Na grande capitular “C” do lema “Converte-nos Deus”, se mostra a criação de Eva, Deus-pai aparece em meio-corpo, nas sanefas aparecem animais fantásticos como o grifo e o unicórnio entre animais conhecidos com os brasões da familia Visconti com as célebre biscia

Acima detalhe do fólio 2d com o rei Wenceslao e a Rainha Sofia, ladeados pelos escudos do Sagrado Império Romano e Bohemia. A capitular do Genesis ocupa quase toda a página, nos medalhões está o relato da obra de criação de Deus até o sétimo dia do descanso. O marco é formado por folhas de acanto, caules, flores, com escudos, coroas, pescadores e banhistas.

Bíblia dos Jeronimos séc.XV É uma Bíblia manuscrita em sete volumes, produzida na última década do século XV em Florença para o futuro rei D. Manuel I de Portugal. Decorada com iluminuras de extremo luxo e requinte, considerada um dos mais ricos exemplares das oficinas de iluminação florentinas do Renascimento. Frontispício do Vol. II com miniatura de São Jeronimo na gruta

A obra foi produzida pela oficina de Attavante degli Attavanti, por encomenda do mercador florentino Clemente Sernigi, em contrato firmado em 23 de abril de 1494. Foi legada pelo monarca em testamento ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, onde permaneceu até o século XIX. Hoje está no arquivo nacional da Torre do Tombo. Acima o Frontispício do Vol. I e V

Salterio de São Luis, 1260-70 d.C

Os saltérios contém exclusivamente os 150 Salmos do Antigo Testamento. Folio 9v com a representação da destruição de Sodoma e a fuga de Lot com sua esposa virando uma estátua de sal. Folio 10d com a representação de Abraão no sacrifício ritual de seu filho Isaac, sendo impedido pela figura do anjo.

Codex Aureus, séc. VIII

Com abundante uso de ouro este manuscrito contém os quatro evangelhos, dentre as imagens dos evangelistas conservadas acima está São Marcos (folio 9v e 10d) em um trono com um rolo na mão esquerda e com a direita realizando uma benção a altura do peito, o seu símbolo (o anjo) apresenta um códice no tímpano da arcada.

Evangelho da coroação, c.800 d.C Conhecido também como Evangelho do Império, tem os quatro evangelhos, os prólogos correspondentes com imagens dos evangelistas em página inteira, ao lado o fólio 76v com São Marcos segura na mão esquerda um rolo de pergaminho e na mão direita a pena no tinteiro, a orla tem volutas de estilo clássico e a página do códice é tingida de púrpura.

A tábua de concordância do Livro de Kells, fólio 1v (c.800), com os quatro evangelistas acima simbolizados: Anjo - (Mateus), Leão - (Marcos), Touro - (Lucas) e Águia - (João). Estima-se que as tábuas de concordância foram criadas no ano 330 para encontrar as passagens de conteúdo similar nos textos dos quatro evangelhos. No ano 400 São Jerônimo as adaptou na sua tradução para o latim da Bíblia (a Vulgata) e no ano 700 foram iluminadas no Livro de Lindisfarme.

Sacramentário de Berthold sec. XIII O Sacramentário era de uso exclusivo do sacerdote com as preces e textos de celebração da missa e a administração dos sacramentos; foi substituído no séc. XII pelo Missal Iluminura do Sacramentário de Berthold, originário de uma abadia beneditina, fólio 64v com a representação do Pentecostes e os doze apóstolos, acima São Pedro com as chaves e São Paulo com o livro, mais próximos da pomba do Espírito Santo e nos cantos estão os rios do paraíso, o simbolismo do número 4 alude a proclamação da fé verdadeira a todas as partes do mundo. Ainda temos o Temporal com textos da missa para o ano eclesiástico

O Livro do Apocalipse Os livros do Apocalipse com os textos das revelações de São João constituem um tipo à parte de manuscrito iluminado, sem desempenhar nenhum papel na liturgia, mas parece que nos monastérios eram realizadas leituras de alguns trechos em determinadas épocas do ano. Apocalipse de Lambeth sec.XIII Manuscrito com 78 miniaturas. À direita, folio 5d, na visão de Ezequiel, o leão desce do céu e transmite o infortúnio do cavaleiro que empunhará sua espada suprimindo a paz na terra.

O Gradual e Antífona, contém os cantos da liturgia da missa. Nas iluminuras do Gradual de St. Katharinenthal (c.1312) criado no Alto Reno f.190v; temos

acima a representação da decapitação de São João Batista, com Salomé à esquerda entregando a cabeça a Herodes e Herodia. A capitular “C” abaixo tem a cena de nascimento da Virgem Maria.

ANTIFONÁRIO – acervo do MASSP, séc. XVIII

Antifonário em couro, metal e pergaminho de autoria desconhecida, séc. XVIII. Acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo.

LIVRO DE HORAS • Eram livros de oração para os laicos desenvolvidos a partir do Breviário que era o catálogo dos cantos e das horas canônicas. • Sempre decorados com opulência, compreendiam um calendário com as festividades do Senhor e da Virgem Maria, a leitura dos Evangelhos, tinha o ofício mariano como núcleo central, com orações para a Santa Cruz e o Espírito Santo, um ofício da Paixão e um para os mortos. • Entre os séculos XIII e XVI, diante da riqueza de ornamentação que expressava a devoção pessoal de quem os carregava eles se tornaram objetos de ostentação para os seus donos.

Livro de horas de rohan, 1430-35 • Livro de horas segundo a liturgia de Paris, escrito em latim com 239 folhas com 12 miniaturas de pagina inteira, 54 miniaturas de meia pagina e 227 menores. A Mãe de Deus cheia de dor e pesar é sustentada por São João diante do Cristo morto, com a representação de Deus-pai acima em um céu azul povoado de serafins.

Ore di nostra donna, 1537-1546

Livro de horas do cardeal Alejandro Farnesio, segundo a liturgia de Roma, escrito em latim com 26 miniaturas de página inteira e 37 paginas decoradas com texto em 114 folhas. Em uma linguagem estilística típica do Renascimento tardio, a pagina dupla acima mostra a cena da adoração dos pastores (à esquerda) e do pecado original (à direita).

O livro negro de orações, 1466-76

Livro de orações de Galeazzo Maria Sforza, em latim segundo a liturgia de Roma, originário de Bruges, tem 154 folhas mas encontra-se incompleto. A esquerda estão os 4 evangelistas acompanhados de seus símbolos: Marcos (leão), Mateus (anjo), Lucas (touro) e João (águia), a direita o ínicio do Evangelho de São João. Existem ainda conservados mais 6 manuscritos desse tipo, em pergaminho tingido de negro.

Depositários do conhecimento • Dos livros religiosos ainda deve-se mencionar os Homiliários (copilações de sermões), Os Martirologios (histórias de martires), Os legendários (compilação de legendas, a vida dos santos). • Ao longo da Idade Média se formularam textos de conhecimentos médicos, de astronomia, códices com experiência da arte bélica com reproduções de armas, manuais de arquitetura, e manuscritos de caráter “profano” reproduzindo plantas medicinais e suas propriedades como no Tacuinum sanitatis, seu equivalente no âmbito zoológico eram chamados de bestiários. Todo o saber de uma época foi recopilado em enciclopédias como a Hortus deliciarum da abadesa Herrade de Landsberg mas que se perdeu em um incêndio em 1870 em Estrasburgo.

Aratea sec.IX – Folio 58v 55d Tratado astronômico sobre as constelações segundo a obra Phainomena de Aratos (c.310-245 a.C.) com 35 miniaturas de página inteira, faltando 4 imagens do original. Na iluminura a representação da Constelação de Órion, o grande caçador, filho de Poseidon, na mitologia grega foi morto por Artemisa e depois translado ao céu como constelação.

The Sphaera, c. 1450-1460

Manuscrito em italiano, originário de Milão com 15 miniaturas de página inteira e 9 desenhos astronômicos (total de 16 folhas) com a representação de Vênus à esquerda entre os signos de Libra e Touro. A direita os “filhos de Vênus” banham-se na fonte da juventude eterna, com representação ainda da música e do vinho.

O Livro do Armeiro-Mor, 1509 Manuscrito iluminado durante o reino de D. Manuel I, o códice é um armorial, isto é, uma coletânea de armas heráldicas, da autoria do Rei de Armas João do Cró. Por ser o mais antigo armorial português que sobreviveu até aos nossos dias, e com iluminuras de magnífica beleza, é considerado um tesouro da cultura heráldica portuguesa. A obra é assim chamada por ter sido entregue à guarda do Armeiro-Mor D. Álvaro da Costa, nomeado em 1511, em cuja família o cargo e a guarda do livro se mantiveram por mais de dez gerações. Por essa razão escapou o Livro do Armeiro-Mor ao grande Terremoto de 1755, que destruiu, entre tantas outras coisas, o Cartório da Nobreza.

Arcebispo de Reims, e a sagração do Rei da França (fl 35v)

DISCORIDES DE VIENA, c.512

Origem em Bizancio (Constantinopla) é um manuscrito que recopila seis obras da farmácia e ciências naturais, um herbário, obras menores de farmacologia e um livro de pássaros, com 392 miniaturas de página inteira, 66 imagens de animais venenosos e 47 desenhos de pássaros (380x310mm). À esquerda a Rosa centifolia e à direita Inula helenium com suas propriedades medicinais descritas.

Tacuinum sanitatis c.1400 • Livro de medicina de origem árabe, com descrição de comidas, as estações do ano, saúde das pessoas, costumes, etc. • A miniatura se intitula “outono” e mostra com detalhe a “vindima”, tarefa característica dessa época do ano. • Folio 54v

LITERATURA NARRATIVA • A cultura cortesã e cavalheiresca se manifesta de um modo especial nos manuscritos profanos, obras poéticas com ilustrações explicativas e decorativas. • A primeira obra desse tipo que se tem conhecimento data de 1170 na Alemanha, o “Cantar de Róldan” do frade Konrad. Há de se mencionar a “Eneida” da Staatsbibliothek de Berlim com suas mais de 100 miniaturas. • A Divina Comédia de Dante Alighieri inspirou as iluminuras dos miniaturistas por vários séculos. • Em forma de romance se reuniam conteúdos alegóricos e didáticos como na obra francesa Roman de la rose entre outras.

A divina comedia (1477-1482) • Manuscrito da Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321), poema alegórico em verso sobre as estações do caminho que leva a alma pecadora desde o inferno até o paraíso. • Fólio 127d ilustra Dante e seu guia Virgílio contemplando o relevo esculpido em uma parede mostrando exemplos de humildade para os condenados ao purgatório pelo pecado do orgulho.

A divina comédia (1482-1490)

O Inferno de Dante ilustrado por Sandro Botticelli (1446-1497) com duas das dez fossas que constituem o oitavo circulo infernal, na superior estão os cafetões e sedutores perseguidos por demonios que os chicoteiam, na inferior estão os aduladores e prostitutas em um lodo podre de excrementos. No total são 92 desenhos, sendo 4 deles coloridos.

Roman de la rose (c.1490-1500) Romance alegórico em verso, em estilo francês antigo, que trata sobre o amor, dividido em partes muito diferentes a nível de conteúdo. Ao lado um grupo da corte ricamente vestido cercados por um muro para dançar. Na orla da página, cercadura em efeitos sombreados com frutos, flores e animais, folio 14v.

Codex Manesse, 1310-1340 Zurique, região do lago Constanza, manuscrito em alemão com 6.000 estrofes líricas com canções e poemas de 140 autores distintos em 426 páginas com 137 miniaturas de página inteira. Fólio 249v com uma das cenas amorosas mais encantadoras de todo o manuscrito, um casal de enamorados, as flores simbolizam o feminino e o falcão representa o poeta cortesão.

A ICONOGRAFIA DOS MANUSCRITOS

Esquema de paginas do manuscrito • 1 – fólio verso • 2 – fólio direito • 3 – orla ou cercadura, ilustração das margens do fólio que podem ter seres figurativos intercalados (aminais fantásticos são chamados grotescos), aqui temos folhas de acantos com espinhos e videiras. • 4 – capitular historiada, uma letra capital que contém uma representação em miniatura de uma figura isolada ou uma cena completa. • 5 – Bas-de-page ou pé de página com um campo contendo imagens ilustradas com pequenas cenas ou grotescos. • 6 – Miniatura, que neste caso tem a mesma justificação (altura) que o texto • 7 – Capitular ornamentada ou filigranada – primeira letra de um parágrafo que se destaca pelo tipo e tamanho da letra e suas ornamentações. Antes do Gótico costumavam as vezes ocupar uma página inteira. • 8 – Capitular floreada – Ornamentação desenhada sobre toda a letra (em vermelho e azul) com flores e folhas para decorar as iniciais • 9 – Escrita justificada, superfície de texto alinhado em um bloco. • 10 - Linhas de enchimento em vermelho e azul

O copista Na Idade Média considerava-se o trabalho do copista um serviço de devoção a Deus, pois era uma tarefa lenta e pesada, e necessária muita força de vontade para reproduzir um texto sem erros e com uma caligrafia uniforme. Costumava-se dizer que ao copista se redimiam tantos pecados no purgatório quantas letras, linhas e pontos haveriam em um livro. Algumas das curiosas notas em manuscritos da publicação: Image on the Edge: The Margins of Medieval Art - autor Michael Camille feitas por escribas e copistas medievais à margem das paginas dos códices: • Pergaminho novo, tinta vagabunda. Não digo mais nada. • Estou com muito frio. • Graças a Deus, em breve anoitecerá. • Agora eu escrevi a coisa toda, pelo amor de Deus me dê uma bebida. • Escrever é um trabalho entediante. Encurva as costas, estraga a visão e embrulha o estômago. • Assim como o porto é bem vindo ao marinheiro, a última linha também o é para o escriba. • Isso é triste! Ó pequenino livro! Chegará o dia quando alguém abrirá esta página e dirá, “Essa mão que escreveu isso já não existe mais”.

O iluminador • Na Idade média era comum que o trabalho de texto e das ilustrações fossem realizados pela mesma mão. Mas com a evolução dos ateliers e divulgação e elaboração dos livros por artistas laicos, o pintor especialista em livros passou a ser conhecido por miniaturista. • O nome deriva do latim minium, um pigmento vermelho muito utilizado na iluminura. Mas o termo miniatura passou a ser empregado derivado da raiz latina min, associada a menor. A partir de então miniatura passou a designar a arte de pequeno formato, abrangendo todas as ilustrações de um manuscrito, desde a decoração das capitulares, das figuras e orlas decorativas.

Attavante Attavanti (miniaturista). Firenze, c.1495

O ‘scriptorium’ medieval Nenhum atelier da Idade Média tem uma visão tão detalhada do processo de trabalho como o da elaboração de livros. A imagem do folio 1v do Manuscrito de Ambrosius (sec.XII) mostra em dez medalhões, cada monge de um scriptorium realizando o trabalho que lhe compete, o conjunto convoca uma celebração dos artesãos do livro em torno da figura do Arcanjo S.Miguel, protetor do mosteiro.

Caixas para livros e encadernações • A santidade do livro com a palavra revelada de Deus exigia distinção mediante adornos esplendorosos, sobretudo O Livro dos Evangelhos que recebia ricas encadernações, ocupando um elevado status, nos concílios eram exibidas em um trono, expostos nas procissões solenes, e sobre eles se prestavam os juramentos. • As encadernações que eram realizadas com os materiais mais valiosos: ouro, prata, marfim, pérolas, pedras preciosas), com obras figurativas em relevo, símbolos cristãos e decorativos. • Nos primórdios do livro se acreditava que sua sobrecapa ou estojo armazenava em seu interior forças benéficas, ou maléficas.

Evangelho de Lorscher, c.810 Marcos de metal contornam as cinco placas de marfim com a Mãe de Deus ao centro com seu filho no trono, acompanhado de Zacarias vestido de sacerdote a direita e São João Batista à esquerda. No alto anjos sustentam uma coroa com a figura do Senhor abençoando, abaixo o nascimento do Menino Jesus com o estábulo e anúncio aos pastores.

Evangelhos da Coroação de Viena, séc. VIII Os Evangelhos da Coroação de Viena, também conhecidos como os Evangelhos do Tesouro. Considera-se ser o mesmo manuscrito que foi encontrado na tumba de Carlos Magno, quando foi aberta no ano de 1000 por Otto III. As folhas do manuscrito são tingidas de púrpura, e o texto escrito em tinta dourada. A tampa de ouro foi adicionada em 1500 pelo joalheiro Hans von Reutlingen de Aachen Krönungsevangeliar ou Reichsevangeliar Viena, Kunsthistorisches Museum

Codex aureus, c. 870 Com relevo em ouro repuxado, pedras preciosas, cristais, pérolas, filigranas e bolotas de ouro, a capa do Codex Aureus é uma das encadernações mais esplendidas da Idade Média. No centro a Majestas Domini (Majestade do Senhor) contornado pelos quatro evangelistas e outras cenas do Novo Testamento.

Evangelho de Enrique de Leon • Confeccionado entre c.1175 – 1188. O códice chegou a Praga por vias desconhecidas. A encadernação foi feita em 1594, decorada com relevos em prata dos quatro evangelistas e no centro contém em uma cápsula de cristal, relíquias do evangelista São Marcos e do rei São Segismundo, que foi rei da Borgonha de 516 até sua morte, em 524, e foi canonizado como mártir.

A ILUMINURA NO BRASIL

A prática de adornar textos com caligrafia elaborada, grafismos e pinturas requintadas é comum na maioria das sociedades setecentistas. [...] A presença da imprensa não anulou a prática de produção de textos manuscritos e, de certa maneira, contribuiu para o avanço e a propagação da arte da caligrafia através da publicação de manuais impressos [...]. O diálogo entre o livro manuscrito moderno e o livro iluminado medieval é percebido principalmente através das técnicas e materiais, como continuidade de práticas desenvolvidas pelos iluminadores medievais e transmitidas pela tradição oral e pelos manuais impressos. (ALMADA, 2006)

Manuais impressos - Cennino Cennini – O livro da Arte ou Tratado da Pintura escrito no final do século XIV e publicado posteriormente em várias línguas - Filipe Nunes - O livro Arte da Pintura: symetria, e pespectiva, publicado em Lisboa em 1615 - Manoel de Andrade de Figueiredo, o livro: Nova Escola para aprender a ler, escrever e contar, publicado em Lisboa (c.1722), que certamente circulou nas Minas Gerais durante o século XVIII entre escrivães e artistas.

Os manuscritos no Brasil • A arte da caligrafia e da iluminação de livros não perde força em Minas Gerais no século XVIII; os manuscritos eram um dos mecanismos de circulação de textos literários, poéticos, técnicos. Por outro lado, no período barroco mineiro, cultivava-se a escrita como uma forma erudita de cultura, enquanto o desenho era uma possibilidade de comunicação para uma maioria de analfabetos textuais. (ALMADA, 2006) • A história da imprensa no Brasil tem seu início em 1808 com a chegada da família real portuguesa e a criação da Impressão Régia, tudo o que se publicava era submetido a uma comissão formada por três pessoas, destinada a "fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes". (BAHIA, 1990)

A tinta ferrogálica era utilizada na escrita (como também era o nanquim) e consiste em quatro produtos básicos: extratos de ácido tânico, sulfato ferroso, goma arábica e água, uma reação química produz um pigmento preto após exposição ao oxigênio. A invenção da tinta composta de óxido de ferro e galha (por isso: ferrogálica) é convencionalmente situada no final do século XII. O uso da galha já era conhecido e citado nos séculos II e V. Essa tinta é autodestrutiva pois os seus ácidos reagem com o colágeno dos pergaminhos, iniciando um processo corrosivo.

Tinta ferrogálica

LIVROS DE COMPROMISSO DAS IRMANDADES MINEIRAS PRODUZIDOS DURANTE O SÉCULO XVIII. (ALMADA, 2006)

Compromissos das irmandades mineiras, séc. XVIII • Dentre os diversos suportes da escrita no século XVIII, empregam-se o papel – o mais comum - e o pergaminho em casos de documentos mais importantes. O papel usado durante todo o século XVIII e até meados do século XIX, para textos manuscritos ou impressos, era feito de restos de tecido, principalmente o linho e o algodão • Nos compromissos das irmandades mineiras no século XVIII, as capas eram revestidas com materiais nobres, principalmente os veludos. Alguns exemplares que permanecem com sua estrutura original nos permitem localizar também o valor referencial das cores utilizadas: cada agremiação era representada por uma cor específica. Assim, as irmandades do Santíssimo Sacramento utilizavam o vermelho e o carmim; as de São Miguel e Almas, a cor verde; e as do Rosário, a cor azul. (ALMADA, 2006)

Compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, 1738 A página de rosto é formada por bordadura decorada simetricamente com motivos geométricos (guilhochês) e florais (folhas de acanto), com inserção do texto de forma centralizada em letras romanas maiúsculas e minúsculas, escritas em vermelho e preenchidas por folha de ouro, e letras cursivas maiúsculas com hastes alongadas, em tinta ferrogálica, demonstrando claramente a confluência das tipologias da imprensa e da escrita caligráfica. (ALMADA,2016)

O frontispício apresenta-se em forma de escudo ladeado nos quatro cantos por decoração com motivos florais. No centro do escudo, uma cartela tem em seu interior um ostensório completamente dourado, tendo sua haste formada por um querubim e cálices de flores. Representa o Santíssimo Sacramento, que, estando sobre nuvens, comunica-se com o céu e a eternidade. Volutas, conchas e folhagens entremeadas por fita dourada contornam a cartela. A pintura foi assinada por Figueyra em letra desenhada caligraficamente. (ALMADA, 2006)

A descrição dos capítulos surge na área central da folha, tomando boa distância da margem superior. As capitulares e as margens são marcadas com linhas mestras, delimitadas a partir da incisão no papel com instrumento pontiagudo. As vinhetas são aplicadas após a inscrição do texto e variam de tamanho conforme o espaço a ela destinado. (ALMADA,2016)

Compromisso da Irmandade do Rosário dos Pretos, 1750 • Compromisso da Irmandade do Rosário dos Pretos na sua capela filial da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Vila Rica [executado em 1750]. O frontispício apresenta a figura de Nossa Senhora do Rosário segurando em seus braços o Menino Jesus envolto em um traje branco. Ela veste manto azul e túnica branca com decoração floral verde delicadamente trabalhada e apresenta a criança aos anjos. Nossa Senhora e o Menino Jesus portam juntos o rosário. Dois anjos, localizados na parte superior, seguram a coroa com rosas e estão prestes a colocá-la sobre sua cabeça. (ALMADA,2016)

Compromisso da Irmandade de São Miguel e Almas, 1722 • Compromisso da Irmandade de São Miguel e Almas do Purgatório da Freguesia de São Caetano Ribeirão Abaixo (Comarca de Vila Rica), de 1722. O frontispício é construído com o recurso da aplicação de uma gravura impressa, ladeada por decoração fitomorfa, realizada à pena, com tinta vermelha e aplicação de folha de ouro em amplas áreas. O fundo é complementado com pigmentação em azul. A imagem da gravura foi colorida e aplicada no centro da folha. As bordas do recorte foram delimitadas por linha vermelha e folha de ouro. A gravura apresenta São Miguel empunhando, na mão esquerda, um escudo com o símbolo de Jesus e, na mão direita, uma espada flamejante. (ALMADA,2016)

PARTE 2 MATERIAIS E TECNICAS

Os materiais O iluminador deveria dispor sempre de um excelente saber tecnológico, estabelecido em tratados que descreviam como manejar adequadamente os materiais e as cores possíveis. Os pigmentos eram extraídos de minerais, plantas e animais, frequentemente eram importados de locais distantes, como o lapislazuli do Afeganistão e o índigo da Índia. Na elaboração das tintas se mesclavam os pigmentos triturados em pó com os aglutinantes (principalmente clara de ovo e goma vegetal), e se aplicavam em várias fases de trabalho, sombreando tom por tom, com realces de cor. A aplicação de ouro era uma ciência por si mesma, como ainda hoje. A folha de pergaminho era coberta por uma mistura de argila ou bol de armênia, cola de peixe e mel, para poder fixar em seguida a folha de ouro fino e polido. Algo mais simples era a aplicação de ouro brilhante com pincel. Em raros casos se encontram desenho a pena e aguadas que renunciam por completo ou em grande parte ao colorido intenso. (OCEANOS,no.26, 1996)

O pergaminho

Na Idade Média o pergaminho era o material utilizado na confecção dos códices (livros) feito da pele de animais, como a vaca, cabritos e carneiros. O processo de transformação da pele em uma superfície lisa era lento e muito trabalhoso, para a obtenção de um material macio e maleável destinado a escrita, e que duraria centenas de anos: o pergaminho.

Seleção das peles

Após a seleção das peles, estas ficavam de molho em água e cal por um período de 3 a 10 dias para soltar os pêlos que então eram arrancados e removidos qualquer vestígio de carne aderida. O couro era enxaguado em água limpa para remoção de vestígios da cal.

O pergaminho era esticado em um bastidor e usando uma lâmina arredondada se raspava a superfície até a espessura desejada. Esse processo durava vários dias ao mesmo tempo em que se aumentava a tensão esticando a pele enquanto esta secava no bastidor.

Antes de escrever era necessário preparar a superficie esfregando pó de pedra-pomes e espanando o acúmulo com uma pena, isso deixa a superfície receptível para a tinta da escrita e para as cores utilizadas na tempera para a pintura.

O bifólio

Realiza-se o corte do bifólio do tamanho desejado para o livro, ele é então dobrado para formar os cadernos de fólios (folhas) com 16 a 20 paginas. As aparas são guardadas para serem fervidas e produzirem a cola de pergaminho para as tintas.

A pena e a tinta para a escrita

A pena era limpa e seca, e tinha a preparação da ponta fina para escrever, o tipo de ponta resultava num formato de letra caligráfica, cada tipo de letra usada, há uma ponta de pena específica. A tinta poderia ser feita da noz (bolota ou galha) do carvalho ou do preto de carbono (Lamp Black) da fuligem de lamparinas. Eram marcadas as linhas de escrita com uma ponta seca, os erros tinham a tinta raspada com uma lâmina. Segundo Manoel de Figueiredo as penas deveriam ser coletadas da asa direita do animal, para melhor se acomodarem aos dedos. Figura a direita - Fonte: FIGUEIREDO, M. Nova Escola para aprender a ler, escrever e contar, séc. XVIII.

A iluminura e douração

A primeira etapa era o desenho, fazendo os contornos e os detalhes das figuras. A douração era realizada sobre uma camada de gesso com cola de pergaminho. Para aderir a folha metálica a umidade quente do hálito do iluminador era suficiente. A folha de ouro era aplicada com uma leve pressão, o excesso ou rebarba era removido e o ouro recebia polimento com uma ponta de pedra ágata.

A base para a douração

Para fixar o ouro ou a prata sobre o pergaminho, alguns autores indicam o glair, mas no geral prepara-se o mordente usando o gesso muito fino (ou carbonato de cálcio) e uma quarta-parte de ótimo bolo armênio. Triturava-se o pó, mistura-se água e deixa-se secar sobre a pedra; separa-se somente a parte a ser usada e mistura-se com água, cola de pergaminho e mel, que serve para dar elasticidade. A folha metálica era então sobreposta sobre a área preparada, sendo brunida logo a seguir, as áreas sem polimento resultavam foscas.

A pintura

• A pintura é realizada com pigmentos minerais ou vegetais em camadas finas, sobrepostas utilizando gomas ou colas como aglutinante para as tintas. As cores mais claras eram acrescentadas por último, “iluminando” a pintura e finalizado os detalhes.

encadernação

Depois do manuscrito pronto, os fólios eram agrupados em cadernos e então o códice era costurado e preso a tiras de couro. Sem a capa rígida auxiliada pelos fechos que mantem o livro fechado e as folhas de pergaminho comprimidas, estas se deformariam com a variação de temperatura e da umidade natural do ambiente. A tábua de suporte de capa era então revestida dos mais variados materiais, desde couro, até seda e metais preciosos.

A PINTURA DA ILUMINURA “Resplandecem as páginas” (Dante Alighieri) referindo-se ao ouro e prata brilhantes, e as cores vivas das capitulares.

TINTAS à tempera • Aglutinante - exerce a função de misturar os pigmentos entre si e ligá-los ao suporte (óleos secativos, colas, ceras e resinas). • Pigmento - pó fino insolúvel nos aglutinantes de características foscas ou brilhantes, opacas ou transparentes.

• O termo têmpera vem da palavra ¨temperare” (latim), que significa juntar ou misturar, onde o aglutinante passa a designar cada tipo de têmpera que constituem. A designação tempera é atribuída a todos os processos de pintar com emulsões solúveis em água. • Na maioria dos casos esses aglutinantes ou ligantes foram aplicados isoladamente , mas dependendo da técnica ou pigmento, algumas misturas também foram preparadas em diferentes proporções.

Alguns veículos ligantes • goma arábica, foi um dos meios mais comuns de ligação para pigmentos na iluminação do manuscrito e o medium exclusivo em tintas de escrita. A goma, que também podia ser da ameixeira e da cerejeira, era muito fácil de preparar e utilizar, seus pedaços sólidos, que eram pulverizados ou embebidos em água, até ser completamente dissolvida e depois coada em um pano de linho e adicionada aos pigmentos. • cola de peixe ( ichtyocollon ) , é transparente, com poder adesivo bom e não escurece como ocorre com outras colas de origem animal, sua desvantagem é a sensibilidade ao sal e por isso é incompatível com alguns pigmentos, como o verde gris. • cola de caseína é outra cola animal à base da proteína obtida a partir do leite ou queijo, que forma uma emulsão ao ser misturada com um agente alcalino (água de cal ou amônia) • cola de pergaminho, era preparada por fervura dos recortes de pergaminho, até a obtenção de um caldo concentrado, coado em um pano de linho e adicionado aos pigmentos.

Glair – a clara de ovo • O principal meio aglutinante utilizado na iluminação do manuscrito foram a clara de ovo ou “glair”; • Clara (a partir do latim antigo clarea e do latim clarus) é o líquido constante da parte branca do ovo. Há três maneiras de preparar o “glair”: - Em primeiro lugar batendo as claras com um batedor de madeira ou colher (percutita) ; - em segundo lugar, por prensagem e espremendo-as com uma esponja (spongiata ) ; e , - em terceiro, passando-as através de um pano de lã ou linho. Uma pesquisa de tratados medievais aponta que até o século XII, bater as claras até virar espuma, foi o único método utilizado. Deixava-se esse mistura descansar, utilizando a parte líquida e desprezando a parte branca.

TEMPERA A OVO • A Gema de ovo era o meio mais importante para a pintura do painel no final da Idade Média e início do Renascimento Europa. Mas, de acordo com alguns tratados medievais artísticos, foi raramente usado sozinho como um aglutinante na iluminação de manuscritos, em razão de não ter um bom poder adesivo, sendo mais gorduroso do que a clara de ovo, rachando a superfície com pigmento e deixando pontos. Mas, como a gema de ovo tornava os pigmentos mais brilhantes , ela foi misturada com a clara de ovo, aproveitando as características de ambos os meios. No preparo, tira-se o conteúdo da gema de seu invólucro, sem nenhum resquício da clara e adiciona-se aos pigmentos.

ADITIVOS • Utilizados para modificar as propriedades dos aglutinantes e facilitar a sua preservação, eram adicionadas nos receituários de têmperas: • mel: aumenta a flexibilidade da película adesiva depois de seca, sendo que o próprio virar das páginas dos livros poderia craquelar a tinta. Mel e açúcar foram os aditivos mais utilizados; ao passo que retardam a secagem não podem ser usados em demasia, ou deterioram a tinta. • seiva do latéx da figueira: também proporcionou flexibilidade às misturas e poderia aumentar o poder adesivo e à prova de água da película pintura. • vinagre: foi adicionado a goma arábica quando utilizado com corantes, a fim de controlar o pH e, consequentemente, a tonalidade da cor. Pequenas quantidades de vinagre adicionada a colas animais facilitavam a sua solubilidade, e agia como um agente contra a gelificação, também era um conservante comum. • óleo de cravo: é um agente conservante, para evitar fungos, mofo e insetos, utilizava-se também o arsênico, cânfora , mirra entre outros ingredientes que foram adicionados às misturas de tempera.

AS CORES NA ILUMINURA

Os pigmentos Há mais de 30 mil anos que os pigmentos naturais têm sido utilizados em pintura: terras, argilas, carvão e cal. O pigmento artificial mais antigo que se tem conhecimento era o azul egípcio, pelo aquecimento de uma mistura de constituído de uma mistura de sílica, cal e cobre. Os pigmentos utilizados em pintura podem ser classificados em: - Pigmentos naturais, aqueles que são encontrados prontos diretamente na natureza, sofrendo apenas processos de purificação e moagem, sujeito a processos que permitem separar o material de que se aproveita a cor dos outros materiais a que surge associado. - Pigmentos artificiais, que sofrem um processo químico e cuja cor é resultado das reações de elementos combinados, muitas vezes por aquecimento, ou por decomposição e oxidação. Durante alguns séculos, a Holanda foi um dos principais distribuidores de pigmentos a nível europeu. Dentre os pigmentos com importância na história da pintura da iluminura merecem destaque, o azul ultramarino, o cinábrio, a azurite e a malaquite, a terra verde e os ocres.

Azul-ultramarino

• Obtido através do precioso lápis-lazuli e purificado através de um demorado processo descrito por Ceninno Cennini (1370 – 1440) no Livro da Arte (séc.XV)

Cinábrio e Vermelhão (Mínio)

Quimicamente é um sulfureto de mercúrio (HgS), de cor vermelha, também conhecido como cinabarita, cinnabar ou vermelhão (designando a sensação da cor). Da classe de sulfetos minerais, é composto por 85 % de mercúrio e de 15 % de enxofre. A designação de “vermelhão” muitas vezes também se refere ao mínio, pigmento derivado do óxido de chumbo vermelho (foto à direita).

Azurita e Malaquita • A malaquita geralmente resulta da alteração de minérios de cobre e ocorre frequentemente associada com a azurita, carbonato básico de cobre, de cor azul. A malaquita, é de composição semelhante, mas com a cor verde. A cor deriva como resultado da alteração e oxidação de minerais de cobre.

Terra verde

A terra verde é a designação aplicada a um conjunto de pigmentos que devem a sua cor a minerais argilosos de cor verde como a celadonite, a glauconite e a clorite. É um pigmento de grande permanência e estabilidade.

Ocres e terras

Os ocres (óxidos de ferro, de cor amarela, castanha ou vermelha) têm sido uma constante da paleta dos artistas; são pigmentos argilosos.

Preto de marfim e de vinha

Preto de marfim (feito de ossos), preto de vinha ( feito do carvão da videira) preto de carbono ou negro de fumo (feito de fuligem), preto de marte (óxido de ferro preto - FeO), tem características distintas.

Atividade prática • Preparo da tempera a ovo (gema) e demonstração da adição de pigmentos. • Preparo e uso do “glair” (clara) como aditivo para pintura de uma iluminura em papel pergaminho.

• Douração com mordente acrílico e fita “hot stamp”. • MÃOS A OBRA!

Bibliografia: • ALMADA, Márcia. Livros manuscritos iluminados na era moderna: compromissos de irmandades mineiras. 2006. 169 f. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, UFMG, Belo Horizonte, 2006. • BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica, vol. I – História da Imprensa Brasileira, São Paulo: Ática, 1990, 4ª ed. • CENNINI, Cennino d’Andrea - “Il Libro dell’Arte”– ed. Dover, 1954. • COUTINHO, Maria Inês Lopes (Org.). MUSEU DE ARTE SACRA DE SÃO PAULO. SP, 2014. • CRUZ, António João. A matéria de que é feita a cor Os pigmentos utilizados em pintura e a sua identificação e caracterização. Comunicação aos "1.os Encontros de Conservação e Restauro Tecnologias", Instituto Politécnico de Tomar, 2000 • GASTGEBER, Christian; FINGERNAGEL, Andreas; FUSSEL, Stephan. The Most Beautiful Bibles. TASCHEN, 2008 • KROUSTALLIS, Stefanos. Binding media in medieval manuscript illumination: a source research. Colour in medieval written sources. Revista de história da arte série W n.ºI (p.112-125),2011 • MASSEY, Robert. Formulas for painters. New York: W.Guptill, 1967 • MAYER, Ralph. Manual do artista. São Paulo: Martins Fontes, 2006. • NASCIMENTO, Aires Augusto; MIRANDA, Maria Adelaide. A iluminura em Portugal: identidade e influências (do séc. X ao XVI) (catálogo da exposição). Lisboa: BN, 1999. • THOMPSON, Daniel V. The materials and techniques of medieval painting. New York:Dover, reimpressão da 1a. edição de 1956. • THOMPSON, Daniel V. The Practice of Tempera Painting. Materials and Methods. New York:Dover, reimpressão da 1ª.edição de 1962. • VIEGAS, Francisco José (ed.). A luz do mundo. Iluminura Portuguesa Quinhentista. Revista Oceanos n.26. Lisboa, Bertrand, 1996 • WALTHER, Ingo F. Obras Maestras de la Iluminacion: Los Manuscritos mas belos del Mundo desde el año 400 al 1600: Codices Ilustres. TASCHEN BENEDIKT, KÖLN, 2005

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