FACEBOOK COMO ESPAÇO DE LEGITIMAÇÃO VIRTUAL: uma análise de posts e reações discursivas em páginas de ONGs ambientais

June 8, 2017 | Autor: Erika Dias | Categoria: Legitimacy, Facebook, Facebook Studies, ONG, Redes Sociais Digitais, ONGs Ambientalistas
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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens

Erika Cristina Dias Nogueira

FACEBOOK COMO ESPAÇO DE LEGITIMAÇÃO VIRTUAL: uma análise de posts e reações discursivas em páginas de ONGs ambientais

Belo Horizonte 2015





Erika Cristina Dias Nogueira

FACEBOOK COMO ESPAÇO DE LEGITIMAÇÃO VIRTUAL: uma análise de posts e reações discursivas em páginas de ONGs ambientais

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagens. Orientadora: Profa. Dra. Lilian Aparecida Arão Área de concentração: Tecnologia e Processos Discursivos

Belo Horizonte 2015





Dedico esta dissertação a Deus, por nortear minha caminhada, e àqueles que sempre estiveram ao meu lado, incentivando-me: meus pais, Ana Maria e José, minha irmã Karine, minha orientadora Lilian e meus anjinhos Marly, Marliana e Haniel (sei que vocês tiveram parte fundamental em tudo isso, com suas orações aí de cima).





AGRADECIMENTOS A Deus a oportunidade de realizar este sonho. À minha família abençoada, seres mais que especiais em minha vida! Vocês foram essenciais nessa caminhada do mestrado, sempre torcendo por mim e acreditando nas minhas ideias mirabolantes. Amo especialmente vocês: Ana Maria, José, Karine, Vovó Ana e Mike (você também faz parte da família, querido dog, que me divertiu com suas palhaçadas). Minha base, minha vida! Aos meus irmãos de coração: Fabrício (pig), Isabela, Leandro e Lucas. Sempre presentes em todos os momentos da minha vida. Sem vocês não sei o que seria de mim. Obrigada por tudo, amo vocês! Agradeço especialmente a Isa que me incentivou positivamente durante o mestrado, desde o início; você é um exemplo de mulher para mim e uma super amiga, amada mamãe Isa! Também deixo um agradecimento mais que especial para a querida Letícia, que destinou parte do seu tempo na produção de um projeto lindo de capa para este trabalho, sem contar todas as dicas e as coincidências que tivemos nessa jornada. A Lilian Arão, querida orientadora, sempre dedicada, paciente, positiva, carinhosa, amiga e companheirona de caminhada. Aprendemos muito juntas e sei que ainda temos muitas aventuras pela frente. Obrigada demais, Lilian! Aos professores do Posling, Ana Nápoles, Giani David, Jerônimo Coura e Renato Caixeta, exemplos a serem seguidos, cujos ensinamentos foram fundamentais para esta dissertação. Em especial, a Ana Elisa Ribeiro, João Batista Santiago e Cláudio Humberto Lessa, amigos queridos que não mediram esforços para iluminarem a difícil peregrinação da pesquisa e da escrita. Vocês foram demais! Às secretárias do Posling, sempre dispostas a ajudar em todos os momentos.







RESUMO

Nesta dissertação, objetivamos analisar as vias de legitimação das ONGs ambientais no site de rede social digital Facebook por meio da análise discursiva dos posts de três entidades (Greenpeace Brasil, SOS Mata Atlântica e Associação Mineira de Defesa do Ambiente – AMDA) e da análise de reações discursivas aos posts dessas organizações. Para dar conta da dimensão deste trabalho, adotamos pressupostos teóricos dos estudos de linguagens, principalmente a teoria semiolinguística (CHARAUDEAU), bem como das ciências políticas (HABERMAS; GOHN; GOMES; MAIA; PEREIRA) e dos estudos de tecnologia (BAUMAN; PRIMO; RECUERO; SANTAELLA; VAN DIJCK; WOLTON). No decurso das análises, buscamos, inicialmente, identificar as estratégias discursivas utilizadas pelas três ONGs ambientais em seus posts no Facebook, para, posteriormente, identificarmos nas reações discursivas às formas de interação, marcas de participação, reconhecimento de legitimidade e marcas de visibilidade emitidos durante a resposta ao discursos das ONGs. Segundo os resultados obtidos, identificamos a existência de altos níveis de engajamento na maior parte das reações discursivas, que podem contribuir para a visibilidade e legitimação da ONG e de suas causas. Também identificamos a existência de estratégias discursivas mais eficientes do que outras para as ONGs ambientais. Todavia, para sustentarem a continuidade e intensidade das reações discursivas, cabe às ONGs um melhor monitoramento de suas atividades no Facebook, a fim de incentivarem a troca discursiva e a participação política em suas páginas. Compete também às entidades ambientais a consciência de que compartilham com outros enunciadores um espaço virtual, discursivo e altamente retórico no Facebook, em que impera o fenômeno, defendido nesta dissertação, de visibilidade retroalimentada entre internautas e instituições. Palavras-Chave: ONG ambiental. Redes sociais digitais. Facebook. Reações discursivas. Legitimação.







ABSTRACT

In this dissertation, we aimed to analyze the means of legitimation used by environmental NGOs on their pages on the digital social network Facebook. For this purpose, we carried out a discursive analysis both of posts made by three Brazilian entities (Greenpeace Brazil, SOS Mata Atlântica Foundation and Associação Mineira de Defesa do Ambiente – AMDA) and of the discursive reactions to their posts. In order to cope with the dimension of this work, we adopted theoretical assumptions from Languages Studies, mainly the Semiolinguistics Theory (CHARAUDEAU), from Political Science (HABERMAS; GOHN; GOMES; MAIA; PEREIRA) and from Technology Studies (BAUMAN; PRIMO; RECUERO; SANTAELLA; VAN DIJCK; WOLTON). While the analysis, we inicially sought to identify the discursive strategies used by the three environmental NGOs in their posts on Facebook. Subsequently, we identified (in the discursive reactions to the forms of interaction) marks of participation, legitimacy recognition and visibility marks showed during the responses to the speeches of the NGOs. According to the results, we identified the existence of high levels of engagement in most discursive reactions, which may contribute to the visibility and legitimacy of the NGO and its causes. We also found that some discursive strategies are more efficient than others for the environmental NGOs. However, in order to sustain the continuity and intensity of the discursive reactions, the NGOs must be responsible for a better monitoring of their activities on Facebook, in order to encourage discursive exchange and political participation in their fanpages. They are also responsible for the awareness that they share with other enunciators a virtual, discursive and highly rhetorical space on Facebook, in which prevails the phenomenon, defended in this dissertation, of a feedback visibility among Internet users and institutions. Keywords: Environmental NGOs; Digital social networks; Facebook; Discursive reations. Legitimation.







LISTA DE ESQUEMAS Esquema 1 – Desenho representativo do percurso analítico .............................................. 16 Esquema 2 – Ato de Linguagem por Charaudeau............................................................... 75 Esquema 3 – Exemplo de Atos de Linguagem no Facebook............................................... 78 Esquema 4 – Categorias para análise das reações discursivas ......................................... 103 Esquema 5 – Níveis de engajamento encontrados nas reações discursivas ..................... 130 Esquema 6 – Fenômeno “visibilidade retroalimentada” .................................................. 136







LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Relatório dos dias de maior engajamento nas páginas das ONGs .................. 17 Figura 2 – Página do Greenpeace Brasil no Facebook........................................................ 28 Figura 3 – Página da SOS Mata Atlântica no Facebook..................................................... 30 Figura 4 – Página da AMDA no Facebook........................................................................... 32 Figura 5 – Principais recursos interativos de uma página no Facebook ........................... 52 Figura 6 – Post em página no Facebook destacando os recursos interativos mais utilizados .................................................................................................................................. 53 Figura 7 – Novos botões do Facebook em utilização na Espanha e na Irlanda ................ 56 Figura 8 – Procedimentos da construção enunciativa ......................................................... 83 Figura 9 – Resumo dos componentes da encenação argumentativa. ................................. 85 Figura 10 – Resumo dos procedimentos da encenação argumentativa. ............................ 86 Figura 11 – Post Greenpeace Brasil ...................................................................................... 91 Figura 12 – Post Fundação SOS Mata Atlântica ................................................................. 95 Figura 13 – Post AMDA Minas Gerais ................................................................................. 98 Figura 14 – Reações “engajadas” que se referem ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico............................................................................................ 105 Figura 15 – Reações “engajadas” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente............................. 105 Figura 16 – Reação “engajada” que se refere ao post da AMDA que enfatiza a ganância humana como pior inimiga da natureza ............................................................................. 106 Figura 17 – Reações “compartilhadoras” que se referem ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico .............................................................................. 113 Figura 18 – Reações “compartilhadoras” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente .................. 113 Figura 19 – Reações “dolentes” que se referem ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico............................................................................................ 115 Figura 20 – Reações “dolentes” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente .................................... 116 Figura 21 – Reação “questionadora” que se refere ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico............................................................................................ 118 Figura 22 – Reações “questionadoras” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente .................. 118





Figura 23 – Reações “dissonantes” no post do Greenpeace Brasil ................................... 121 Figura 24 – Reações “dissonantes” no post da SOS Mata Atlântica ................................ 121 Figura 25 – Vídeo cujo link está na reação Dissonante 4 .................................................. 122 Figura 26 – Página da Internet cujo link está na reação Dissonante 1 ............................ 123 Figura 27 – Reações “deslegitimadoras” que se referem ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico .............................................................................. 124 Figura 28 – Reações “deslegitimadoras” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente .................. 125







LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Quantidade de posts coletados durante a pesquisa ........................................... 17 Tabela 2 – Descrição da amostragem final de dados ........................................................... 18 Tabela 3 – Resumo da análise dos posts .............................................................................. 101 Tabela 4 – Categorias de análise das reações discursivas ................................................. 130 Tabela 5 – Resumo das análises das reações discursivas .................................................. 132







SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13 Metodologia ............................................................................................................................. 14 Tipos de dados coletados ........................................................................................................ 16 Análise de posts e comentários coletados ............................................................................. 19 Plano estrutural do trabalho ................................................................................................. 20 1 ONGS AMBIENTAIS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS NA ERA DAS NOVAS MÍDIAS ................................................................................................................................... 22 1.1 O percurso histórico de movimentos sociais e ONGs .................................................... 22 1.1.1 Movimentos ambientais .................................................................................................. 23 1.2 O crescimento das ONGs após a década de 90 .............................................................. 25 1.3 A conflituosa relação entre tecnologia e meio ambiente ............................................... 32 2

COMUNICAÇÃO

VIRTUAL:

NOVAS

FORMAS

DE

APRESENTAR

AS

QUESTÕES DA NATUREZA .............................................................................................. 36 2.1 A relação histórica entre comunicação, participação política e tecnologia ................. 36 2.2 Linguagens e ferramentas de comunicação na Internet ................................................ 40 2.3 Redes sociais digitais ........................................................................................................ 44 2.3.1 Site de rede social digital Facebook ............................................................................... 48 2.3.2 Da linguagem do Facebook............................................................................................ 51 3 DISCURSO E POLÍTICA: SOCIEDADE EM AÇÃO POR MEIO DA LINGUAGEM .................................................................................................................................................. 57 3.1 O discurso nas esferas públicas ....................................................................................... 57 3.2 Um debate sobre a constituição de esferas públicas virtuais ........................................ 61 3.3 Visibilidade pública e legitimidade nas esferas públicas virtuais ................................ 65 4 BASES TEÓRICAS DA ANÁLISE DO DISCURSO ...................................................... 72 4.1 A teoria semiolinguística de Patrick Charaudeau ......................................................... 72 4.2 Atos de linguagem no Facebook ...................................................................................... 78 4.3 Visadas discursivas ........................................................................................................... 81 4.4 Modos de organização do discurso.................................................................................. 82





4.5 Estratégias discursivas logos, ethos e pathos .................................................................. 88 5 A ENCENAÇÃO ENUNCIATIVA NAS PÁGINAS DAS ONGS AMBIENTAIS ........ 90 5.1 Post: ato de linguagem inaugural das trocas enunciativas ........................................... 90 5.1.1 Greenpeace Brasil ........................................................................................................... 91 5.1.2 Fundação SOS Mata Atlântica ...................................................................................... 94 5.1.3 AMDA Minas Gerais ...................................................................................................... 98 5.2 Categorização e análise de reações discursivas ............................................................ 102 5.2.1 Reações discursivas engajadas ..................................................................................... 104 5.2.1.1 Engajamento ocasional ............................................................................................. 111 5.2.2 Reações discursivas compartilhadoras ........................................................................ 113 5.2.3 Reações discursivas dolentes ........................................................................................ 115 5.2.4 Reações discursivas questionadoras ............................................................................ 118 5.2.5 Reações discursivas dissonantes .................................................................................. 120 5.2.6 Reações discursivas deslegitimadoras .......................................................................... 124 5.3 Considerações parciais sobre a análise de reações no Facebook................................ 129 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 133 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 139 APÊNDICE A – Termo de autorização para a publicação das páginas das ONGs ....... 145 APÊNDICE B – Questionários enviados ao Greenpeace, SOS Mata Atlântica e AMDA ................................................................................................................................................ 149





13 INTRODUÇÃO Com mais de um bilhão de usuários em todo o mundo, o Facebook é o atual fenômeno digital da sociedade planetária. A apropriação do site de rede social digital tem modificado comportamentos e criado novos hábitos, principalmente aqueles ligados ao âmbito de discussão política e ambiental. Não é mais novidade que a tecnologia proporcionada pelo Facebook permite formar um espaço discursivo de troca comunicativa para debates que podem, assim, provocar algum tipo de mudança a partir de seus usos e apropriações. Hoje, grande parte das discussões públicas passa pelo Facebook. No site, cidadãos de todo o mundo têm acesso a temas locais e globais a todo o instante, podendo expressarem seus pontos de vistas, participarem de debates e compartilharem imagens e vídeos que podem pautar a mídia e a sociedade em geral. A apropriação do Facebook pelos usuários de Internet também modificou as formas de relacionamento, tornando-as cada vez mais virtuais e líquidas, bem como incentivou ainda o anonimato das ações por aqueles que escolhem preservar sua face ao emitir críticas e opiniões polêmicas. Para as instituições políticas, como as Organizações Não Governamentais (ONGs) estudadas aqui, o Facebook também se configura como um espaço adicional de expressão política para que elas se mobilizem e ampliem a visibilidade e legitimidade de que necessitam para suas causas. Porém, elas encontram também um ambiente virtual cada vez mais complexo, em que novos discursos são construídos por diversos usuários, com diversos posicionamentos. Diante desse cenário, nosso objetivo principal foi investigar a nova dinâmica discursiva encontrada no Facebook, considerado como espaço retórico de trocas comunicativas que pode vir a provocarem participação e engajamento em temas políticos e ambientais, originando interferências positivas ou negativas para a visibilidade e a legitimação de entidades e causas. Seguimos a hipótese de que a visibilidade de argumentos e pontos de vista de ONGs ambientais no Facebook e a interação discursiva online produzida entre os enunciados da instância de produção e recepção contribuem para a legitimação das instituições. Para explorar tal hipótese, investigamos como os discursos de três ONGs ambientais, Greenpeace Brasil, Fundação SOS Mata Atlântica e Associação Mineira de Defesa do





14 Ambiente (AMDA)1, sob a forma de posts em suas páginas no Facebook, bem como as reações discursivas provocadas por eles, contribuem para reforçar a legitimidade da instituição. Para isso, analisamos os recursos linguísticos e as estratégias discursivas utilizadas pela instância de produção (o discurso das ONGs depreendido de seus posts no Facebook) e pela instância de recepção (os comentários dos internautas-leitores gerados a partir desses posts). Por fim, visamos contribuir para a reflexão sobre o papel da rede social digital Facebook na legitimação discursiva de ONGs. A análise de conteúdos e discursos no Facebook é interesse de diversos pesquisadores em todo mundo, principalmente na área de comunicação e tecnologia, desde o surgimento do site, em 2003. Muitos trabalhos envolvem questões de interatividade, conversação e multimodalidade na nova rede. No entanto, poucas são as pesquisas que compreendem os estudos

de

linguagens

na

nova

mídia

digital.

Encontramos

algumas

pesquisas

interdisciplinares (comunicação e linguagem) que analisam discursos nas produções midiáticas e transposições para a rede como as de Soares (2011) e Rodrigues e Campos (2013). Dentre os trabalhos de análise do discurso que contemplam estudos de recepção, há a pesquisa pioneira de Arantes (2013) sobre o discurso do jornalismo popular. Entretanto, não localizamos trabalhos que apresentem uma discussão sobre a visibilidade e legitimação de práticas comunicativas de ONGs, principalmente as ambientais, na rede social Facebook. Acreditamos ser a novidade da pesquisa: trabalhar em conjunto com três dimensões diversas (política, comunicação e linguagem), que se encontram em um único suporte tecnológico virtual. Metodologia Nossa pesquisa insere-se nos paradigmas de metodologia científica quantitativo e qualitativo, pois trabalha com um tratamento quantitativo inicial dos dados documentais coletados (posts e comentários), incluindo levantamento e contagem deles, e, depois, com uma análise

1

A opção por essas ONGs justifica-se pela oportunidade de analisarmos o discurso ambiental em três âmbitos diversos: global (Greenpeace Brasil), nacional (Fundação SOS Mata Atlântica) e local (AMDA). 2 Internet com a inicial maiúscula refere-se, conforme Costa (2009, p. 147), à “rede de computadores





15 qualitativa, que visa o entendimento e a contextualização da linguagem em uso nos textos coletados. A coleta de dados foi documental e realizada no ambiente digital em que estão os discursos que analisamos, o Facebook. Com isso, o site de rede social digital foi, ao mesmo tempo, o objeto e o local de pesquisa. O Facebook é um site de rede social difuso e possui diversos conteúdos líquidos, voláteis, em constante mudança, características que demonstram a complexidade da coleta de dados no meio. O Facebook se mostra ao pesquisador como um ambiente complicado para a coleta de amostragens. Ele, que é um universo já delimitado dentro da extensa Internet2, apresenta certo dinamismo de elementos internos, que podem ser alterados ou desconfigurados a todo o momento, como também uma imensidão de interações rapidamente construídas e reconstruídas e grande variação de contextos e unidades de análise. Devido às dificuldades desse suporte, existem poucas publicações sobre a metodologia a ser aplicada nesse novo ambiente. Recuero, Fragoso e Amaral (2013) foram pioneiras em seu livro Metodologia de pesquisa para a Internet, no qual apresentam possibilidades metodológicas diante das restrições do novo cenário de pesquisa. As autoras defendem que questões e universos complexos e dinâmicos como a Internet, “requerem observações em diferentes escalas de análise, bem como desenhos metodológicos que combinem diferentes estratégias de amostragem” (p. 69). As autoras acreditam, então, que uma metodologia ideal para a Internet seja aquela desenvolvida pelo pesquisador que contemple diversas disciplinas, delimite o contexto sóciohistórico da pesquisa social e considere o campo como um ambiente em constante mudança. Consoante tais proposições de Recuero, Fragoso e Amaral (2013) para a realização de uma análise na Internet, nossa pesquisa desenvolveu um percurso metodológico que se apropria de áreas do conhecimento, como a linguagem, a comunicação e a política, para responder ao problema de pesquisa a partir do corpus analisado, que pode ser sintetizado pelo esquema abaixo (FIG.1): 2

Internet com a inicial maiúscula refere-se, conforme Costa (2009, p. 147), à “rede de computadores originalmente criada nos EUA, que se tornou uma associação mundial de redes interligadas por meio dos protocolos da família TCP/IP”. Passamos, assim, a utilizar essa noção com letra maiúscula, pois nossa pesquisa tem o foco na Internet como suporte tecnológico mundial e espaço de trocas e rede de compartilhamento público.





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Esquema 1 – Desenho representativo do percurso analítico

Fonte: Elaborado pela autora.

A FIG.1 representa o percurso analítico que escolhemos para conduzir nossa investigação, tendo como foco responder aos problemas de pesquisa levantados. O esquema evidencia o Facebook como o local em que os discursos em análise são construídos. Nota-se, primeiramente, que analisa o discurso nos posts das ONGs e, posteriormente, as reações discursivas nos comentários e os níveis de interação com os posts, para, por fim, refletir sobre a construção discursiva de visibilidade e legitimação no Facebook. Tipos de dados coletados Os dados coletados foram do tipo documentais. Como documentos, consideram-se aqui todos os posts (textos e imagens) nas páginas3 das ONGs ambientais Greenpeace Brasil, Fundação SOS Mata Atlântica e AMDA no Facebook, no período de maio a junho de 2014, como também todos os comentários dos posts selecionados. A coleta foi realizada com a utilização de recursos digitais (“copiar e colar”, printscreen e registro em formato de gravação em vídeo de todos os comentários e compartilhamentos), e os dados foram disponibilizados para análise 3

Conforme denominação no Facebook: “Páginas servem para empresas, marcas e organizações compartilharem suas histórias e se conectarem com as pessoas”. Disponível em: .





17 de forma digital e também impressa. A quantidade de posts coletados está discriminada na tabela a seguir: Tabela 1 – Quantidade de posts coletados durante a pesquisa Tipo de Dados Posts coletados (maio/junho 2014) Posts com maior engajamento (maio/junho 2014)

GREENPEACE 125 17

SOS 12 8

AMDA 39 14

Fonte: Elaborada pela autora.

Na Tabela 1, podemos visualizar as duas categorias de dados coletados (posts e comentários) e a quantidade de amostras selecionadas para seguir a análise. O período escolhido para a coleta de dados foi de maio e junho de 2014 por contarem com divulgações rotineiras na página das ONGs, sem publicações especiais, nem datas comemorativas intensas que poderiam atrapalhar a análise do discurso rotineiro das instituições. Após tal escolha e para chegar ao objetivo metodológico de levantamento de dados finais para serem analisados, nossa pesquisa teve de seguir etapas bem definidas, as quais descrevemos a partir de agora. Em um primeiro momento, reunimos os dados coletados de maio a junho de 2014 e fizemos uma filtragem quantitativa dos posts que tiveram maior engajamento com o público no período selecionado, utilizando como base os relatórios de engajamento do programa Buzz Monitor4 ( FIG.2). Figura 1 – Relatório dos dias de maior engajamento nas páginas das ONGs

4



Software gratuito para coletar e classificar dados em mídias sociais. Disponível em: .



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Fonte: www.buzzmonitor.com.br

Em um segundo momento, categorizamos qualitativamente os posts filtrados por comportamentos/papéis predominantes no ato de enunciação (alocutivo, elocutivo e delocutivo), segundo classificação analítica discursiva de Charaudeau (2012) dentro do modo de organização enunciativo. Por fim, escolhemos um post representativo de cada comportamento para cada ONG (TAB.2) e coletamos todos os comentários registrados como reações discursivas ao post selecionado para cada entidade. Tabela 2 – Descrição da amostragem final de dados Descrição Data do post selecionado para análise Comportamento enunciativo predominante Quantidade de comentários em cada post selecionado Quantidade de comentários para amostragem aleatória

GREENPEACE 29/jun Elocutivo 292 19

SOS 16/jun Alocutivo 90 16

AMDA 13/mai Delocutivo 1 1

Fonte: Elaborada pela autora.

Para validar os dados coletados, registramos a hora, data e endereços online das informações e ainda fizemos a impressão de telas das páginas em que os dados foram retirados. Mesmos dispostos em uma página pública, optamos por enviar um termo de autorização (APÊNDICE A) para que os responsáveis das páginas de cada instituição aprovassem a divulgação das páginas das ONGs ambientais nesta pesquisa. Também respeitamos o anonimato de todos os comentários para garantir a privacidade dos enunciadores.



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Utilizamos ainda como dados três entrevistas estruturadas realizadas via e-mail com um representante de cada ONG ambiental, para ampliar o entendimento quanto aos objetivos discursivos de cada instituição. Aproveitamos as perguntas já existentes na entrevista divulgada por Miguel (2011) (APÊNDICE B) em sua tese sobre o Greenpeace Brasil e acrescentamos uma pergunta referente ao nosso interesse de pesquisa (pergunta número 5). Enviamos somente a pergunta por nós elaborada ao representante do Greenpeace, uma vez que esse representante já havia respondido as outras por ocasião da pesquisa de Miguel (2011); aos demais representantes, da SOS Mata Atlântica e AMDA, a entrevista como um todo. Análise de posts e comentários coletados Para análise dos dados, nossa escolha, dentro do método qualitativo, foi pela análise do discurso. A análise discursiva visa entender a linguagem em uso, em contexto, bem como a interação, os padrões recorrentes. A avaliação de posts e comentários contou com um exame do uso da linguagem verbal e não verbal nos posts, a fim de entender os elementos que constroem o discurso online da ONG ambiental e as reações discursivas dos internautasleitores e, ainda, se tal interação discursiva e as respostas aos discursos das ONGs têm o potencial para promover a visibilidade pública e a legitimidade da instituição. O modo enunciativo de organização do discurso, vindo da teoria semiolinguística de Patrick Charaudeau, foi utilizado como fonte de classificação dos primeiros posts coletados no Facebook. Tal modo nos trouxe uma visão ampla do material coletado, pois, pela classificação do modo enunciativo, previmos como aconteceu o posicionamento do locutor em relação ao interlocutor nas enunciações publicadas nos posts, seja ela alocutiva, elocutiva ou delocutiva. As três funções do modo enunciativo descritas por Charaudeau (2012) foram utilizadas no material discursivo das ONGs no Facebook. Também utilizamos o estudo sobre o modo argumentativo para aprofundar a análise dos posts, uma vez que os textos no Facebook são altamente persuasivos, vindo até a se confundirem com a linguagem publicitária. Persuasão e razão são características dos enunciados utilizados no procedimento argumentativo. Segundo Charaudeau (2012), argumentar é uma atividade discursiva de busca pela racionalidade e pela influência. Sendo



20 assim, o modo argumentativo também está intrinsecamente ligado à argumentação, estratégia fundamental em uma divulgação política como a de ONGs ambientais, sendo imprescindível considerá-lo como a raiz desse tipo de enunciação ambiental. Para classificar o segundo grupo de dados, que continha os comentários, ou as reações discursivas dos posts selecionados, utilizamos também o modo argumentativo por entendermos que os textos continham alta carga persuasiva dos internautas-leitores, o que poderia ser explorado com riqueza pelas classificações do modo argumentativo por Charaudeau. Verificamos como padrão uma encenação de discursos nos comentários sob uma finalidade racionalizante, construindo um jogo de lógicas e raciocínios, alguns contradizendo o post da ONG e outros o apoiando. Por essa razão, optamos por utilizar as categorias de análise do modo argumentativo nos comentários. Consideramos também as restrições do suporte tecnológico em que estão inseridos e o contexto político-histórico na construção categórica para as reações discursivas que apresentaremos a seguir. Para organizar a análise das reações discursivas, agrupamos, primeiramente, tais reações em categorias propostas por nossa pesquisa. Posteriormente, analisamos os comentários selecionados para comporem o corpus e verificamos os padrões recorrentes e as estratégias discursivas utilizadas pelo público. Por fim, averiguamos se a atuação do movimento é eficiente no propósito de contribuir para a visibilidade dos discursos e para reforçar sua legitimidade como instituição. Plano estrutural do trabalho Esta dissertação está dividida em cinco capítulos, além desta Introdução e das Considerações Finais. No Capítulo 1, apresentamos os marcos históricos de movimentos sociais e ONGs, desde a década de 60, quando os primeiros movimentos sociais começaram a ganhar espaço nos meios de comunicação de massa, até a década de 90, quando a maioria deles se transformou em ONGs. No final do capítulo, apresentamos uma breve discussão sobre a dicotomia meio ambiente e tecnologia, ressaltando as possibilidades e desafios que as ONGs ambientais enfrentam ao se relacionarem com as tecnologias da comunicação. O Capítulo 2 conta com uma reflexão sobre a comunicação virtual na atualidade, realizada por mídias como o Facebook. Exibimos uma investigação sobre a interação entre a comunicação



21 virtual e a expressão política, como também investimos em uma exposição sobre os tipos de linguagens e ferramentas circulantes nesse novo cenário tecnológico-comunicativo. Ao final desse capítulo, empreendemos uma exposição sobre as redes sociais digitais e os seus respectivos sites. Reservamos o Capítulo 3 para uma revisão de termos utilizados na sociologia e nos estudos da comunicação política. Inicialmente contamos com uma exposição sobre as noções de esfera pública e discurso encontradas nas principais teorias discursivas utilizadas neste trabalho: a democrática de Habermas e a semiolinguística de Charaudeau. Por fim, investimos em uma discussão sobre a constituição de esferas públicas virtuais na Internet e sobre as noções de visibilidade pública e legitimidade. No Capítulo 4, apresentamos as principais noções e categorias da teoria semiolinguística, a vertente escolhida para as análises discursivas empreendidas nesta pesquisa. Por fim, no Capítulo 5, partimos para a análise dos discursos construídos, divulgados e difundidos nos posts e também nos comentários, bem como reações discursivas a cada post no Facebook.





22 1 ONGS AMBIENTAIS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS NA ERA DAS NOVAS MÍDIAS Iniciamos o primeiro capítulo apresentando os marcos do percurso histórico dos movimentos sociais e das ONGs. A trajetória é apresentada a partir da década de 60, quando os primeiros movimentos sociais começaram a ganhar espaço nos meios de comunicação de massa; sucedendo pela década de 70, tempo que se registrou uma intensa mobilização ativista em todo o mundo e que contou com maior disseminação planetária do discurso ecológico, vindo a fortalecer a visibilidade dos movimentos ambientais. Por fim, a década de 90 é apresentada como um marco transformador para os movimentos sociais e ambientais, pois é nesse período que a maioria deles se transformou em ONGs, a fim de se encaixarem no cenário político, econômico e social da época, fato ocorrido com as ONGs analisadas neste trabalho e que têm um resumo de suas histórias apresentado neste capítulo: o Greenpeace Brasil, a Fundação SOS Mata Atlântica e a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA). O final do capítulo foi reservado para a discussão sobre a interação entre os assuntos do meio ambiente e a tecnologia. Apresentamos as principais linhas de pensamento sobre o tema, destacando as possibilidades e desafios que as ONGs ambientais enfrentam ao se relacionarem com as tecnologias da comunicação. 1.1 O percurso histórico de movimentos sociais e ONGs Vivemos um momento histórico em que duas questões sociais intensas convivem em um tipo de sistema que apresenta uma retroalimentação constante: a atual descrença diante das instituições político-democráticas formais, ocasionando menor participação política nessas organizações, e a disseminação do discurso de “liberdade” proporcionada pelo uso ilimitado dos recursos tecnológicos da Internet. Pereira (2008, p. 108) afirma que tal descrença em relação às instituições políticas cresceu, proporcionalmente, à abertura do Estado e à participação da sociedade civil em “espaços de partilha de poder decisório”, em que se encontram hoje os movimentos sociais e as ONGs. Segundo o autor, essa abertura é positiva, pois, além de ampliar o campo de atuação dessas instituições, também contribui para que elas





23 incentivem a sociedade como um todo a participar das questões sociais e comuns do país. Conforme Pereira (2008, p. 110): Através de acções na esfera pública, os movimentos sociais podem chamar a atenção da sociedade para determinadas temáticas, pressionando desta forma o sistema político a promover as mudanças ou manutenções de políticas que os primeiros considerem relevantes. As grandes manifestações populares contra a guerra do Iraque, as já icônicas “batalhas” de Seattle e Gênova, os Fóruns Sociais Mundiais ou Regionais que vêm ocorrendo em várias partes do mundo e as ocupações e passeatas do Movimento dos Sem Terra no Brasil são exemplos entre tantos outros desta segunda possibilidade.

Com maior espaço para chamarem a atenção da sociedade, movimentos e ONGs encontraram, na atualidade, novas possibilidades para promover a transformação social. Pereira (2008, p. 49), ao citar Gohn (2008), sublinha que o movimento social é originalmente um fenômeno histórico transformador, que atua de forma coletiva, decorrendo de lutas sociais e marcando mudanças na sociedade e na política. Essas sempre foram as características latentes dos movimentos sociais, desde a década de 60, quando iniciaram seus primeiros embates amplamente divulgados na mídia. Porém, Pereira (2008) assinala, em congruência com Gohn (2013), uma série de mudanças na identidade e na forma de atuação desses movimentos com o início da década de 70 e mais transformações após a década de 90. Na década de 70, surgiram os chamados “novos movimentos sociais”. Influenciados pelo início da globalização e pelos atos contra o militarismo da época, tais movimentos eram extremamente midiáticos, atuantes de forma mais autônoma que os anteriores e buscavam mudar os valores dominantes repressores da época. Dentre esses movimentos sociais, estavam, principalmente, os movimentos ambientais estudados nesta pesquisa. 1.1.1 Movimentos ambientais Os movimentos ambientais são coletivos de denúncia da degradação ambiental que discutem assuntos cotidianos da sociedade. Altamente descentralizados, multiformes, “orientados à formação de redes e de alto grau de penetração” (CASTELLS, 1999, p. 143), os movimentos ambientais agem contra a nova ordem global que privilegia a racionalidade técnica e científica, seguindo linhas de discursos em torno de quatro temas, conforme aponta Castells (1999, p.155; 157),



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primeiro, uma relação estreita e ao mesmo tempo ambígua com a ciência e a tecnologia. [...] Segundo, o ambientalismo é um movimento com base na ciência. [...] Terceiro, os conflitos sobre a transformação estrutural são sinônimos da luta pela redefinição histórica das duas expressões fundamentais e materiais da sociedade: o tempo e o espaço. [...] Quarto, da mesma forma que o espaço, o controle sobre o tempo está em jogo na sociedade em rede, e o movimento ambientalista é provavelmente o protagonista do projeto de uma temporalidade nova e revolucionária. (grifos do autor).

O discurso ecológico promovido pelos ambientalistas em defesa da natureza utiliza esses quatro temas apontados por Castells (1999) como fundamentos para a disseminação de suas causas. Tais temas estão relacionados às principais dimensões da nova estrutura social, apontada por Castells (1999) como “sociedade em rede”, pautada pela economia, pela tecnologia e pela ciência, e perpassam o discurso revolucionário dos movimentos em prol de uma justiça ambiental. O enfoque ecológico à vida, à economia e às instituições da sociedade enfatiza o caráter holístico de todas as formas de matéria, bem como de todo processamento de informações. Nesse sentido, quanto mais adquirimos conhecimento, tanto mais percebemos as potencialidades de nossa tecnologia, bem como o abismo gigantesco e perigoso entre nossa capacidade de produção cada vez maior e nossa organização social primitiva, inconsciente e, em última análise, destrutiva. É esse o fio que costura as relações cada vez mais estreitas entre as revoltas sociais, locais e globais, defensivas e ofensivas, engajadas na luta por questões ou por valores, surgindo em torno dos movimentos ambientalistas. (CASTELLS, 1999, p. 166).

Para exercerem o desejado contrapoder - o ativismo, e mobilizarem os indivíduos, os movimentos devem garantir maior visibilidade, utilizando os meios de comunicação como aliados. O histórico das mobilizações sociais mostra que os movimentos ambientais, com sua face fortemente ativista, ganharam voz e espaço nos meios de comunicação. As organizações ambientais adaptaram-se facilmente às condições de comunicação e aos novos paradigmas tecnológicos. Ainda com a consolidação do ambientalismo, reconhecimento público e agregação da diversidade multiplicaram-se os canais de acesso às informações, o que se configura como estratégico para o movimento ambiental. (MIGUEL, 2011, p. 3).

A fácil adaptação do movimento ambiental ao meio midiático descrita por Miguel (2011) pode ter sido impulsionada pela carga persuasiva e participativa das questões que o movimento em pauta no espaço público. Dryzek (2013) diz que questões ligadas ao meio ambiente são de ordem moral e devem estar constantemente em debate na esfera pública, demandando intensas trocas argumentativas e de pontos de vista, a fim de chegar a soluções



25 capazes de assegurar desfechos considerados justos e legítimos pela maioria dos indivíduos e grupos interessados. São questões que demandam alta densidade de expressão e justificação de ordem coletiva. Castells (1999) completa dizendo que, por carregarem valores humanistas apreciados por muitos, os movimentos ambientalistas se adaptam melhor às condições de comunicação e mobilização apresentadas desde a década de 70. Eles conseguem organizar eventos não violentos e altamente midiáticos para exercerem pressão no público a que visam e ampliam o alcance de suas questões locais para o nível global, conforme aponta Castells (1999), ao criar eventos que chamam a atenção da mídia, os ambientalistas conseguem transmitir sua mensagem a uma audiência bem maior que a representada por suas bases diretas. Além disso, a presença constante de temas ambientais na mídia dotoulhes de uma legitimidade bem maior que a atribuída a outras causas. (p. 161)

Presentes nas vanguardas da comunicação e como “um dos mais importantes movimentos sociais de nosso tempo” (CASTELLS, 1999, p. 165), os ambientalistas não só destinam suas atividades para a conscientização da população, mas também objetivam a influência nas legislações e nas atitudes dos políticos. Segundo Castells (1999), a busca pela influência política demonstra uma última característica marcante dos ambientalistas: o pragmatismo político voltado para a resolução de questões. Isso fez com que, desde seu surgimento, os movimentos buscassem uma aproximação cada vez maior com a política, incorporando práticas de lobby e campanhas internas, que tendem a influenciar candidatos e eleitores em prol da problemática ambiental. 1.2 O crescimento das ONGs após a década de 90 Seja pela causa ambiental, seja pela social, as décadas após 70 contaram com ampla atuação dos movimentos. A segunda transformação importante a ser destacada na história dos movimentos sociais acontece após o ano 1990, quando se vê uma necessidade por mudança de discurso diante do novo contexto político já apontado por Pereira (2008). Segundo Gohn (2013, p. 16):

ONGs e entidades da sociedade civil que se firmaram há mais de duas décadas no cenário nacional passam a focar suas atividades em projetos sociais desenvolvidos





26 em parceria com órgãos governamentais, estruturando suas atividades em áreas temáticas priorizadas pelas políticas públicas.

Com maior pluralidade de atores, segmentação de atividades e maior preocupação com deveres civis e responsabilidades cidadãs, movimentos e ONGs começaram, na década de 90, uma investida em busca da disseminação e reflexão sobre o conceito de cidadania. Ações mais cidadãs e práticas ancoradas às políticas estatais começaram a fazer parte de suas agendas, fazendo com que a sociedade civil estivesse cada vez mais próxima da sociedade política (GOHN, 2008), a fim de contribuir para a democratização da gestão pública, fato diferente do que se viu na história dos movimentos na década de 70, em que protestar e mobilizar era agir contra o Estado e não em parceria com ele. Gohn (2008) aponta, assim, diversas transformações na atuação e na identidade dos movimentos sociais a partir de 1990. Diante da necessidade de se atuar no plano institucional e governamental, muitos movimentos se converteram em ONGs ou se juntaram às já existentes, fato que alterou, consideravelmente, o modo de organização desses movimentos. Conforme Gohn (2008, p. 82-83): Criou-se uma nova gramática na qual a idéia de mobilizar deixou de ser para o desenvolvimento de uma consciência crítica ou para protestar nas ruas. Mobilizar passou a ser sinônimo de arregimentar e organizar a população para participar de programas e projetos sociais, a maioria dos quais já vinha totalmente pronta e atendia a pequenas parcelas da população. O militante foi transformado no ativista organizador das clientelas usuárias dos serviços sociais.

Com uma intervenção mais direta, organizada, especializada e institucional, as ONGs se destacaram, nas últimas décadas do século XX, levando consigo diferentes ideais, mas com o mesmo objetivo de produzir conhecimento e democratizar informações. Tais organizações foram denominadas ONGs pela categorização da Organizações das Nações Unidas (ONU), de 1950, por não pertencerem ao setor governamental e nem ao setor mercadológico, mas ao chamado terceiro setor. Seu protagonismo atual é latente e marca a nova fase do associativismo brasileiro (GOHN, 2008). Mescladas a movimentos sociais e ambientais mais amplos, as ONGs são, hoje, os principais atores que provocam a mudança social e dão visibilidade às vozes que protestam no mundo. Mas, para isso, tiveram que enfrentar uma transformação de paradigma. Segundo Gohn (2008, p. 93),



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[...] o paradigma anterior preocupava-se com a transmissão de saberes e valores aos agentes envolvidos, tratados como sujeitos de uma história em construção, dotados de um saber próprio, que necessitava ser despertado. O paradigma atual busca subsídios num leque grande de autores e interpretações, destacando-se a do modelo inter-relativo racional; enfatiza a pluralidade da realidade e dos atores sociais, preocupa-se com as práticas comunicacionais não tanto em termos dialógicos mas sim em termos de interatividade (captando-se o aspecto racional e a subjetividade presente nas ações).

O paradigma atual seguido pelas ONGs e apontado por Gohn assinala uma busca pela reciprocidade e pela interatividade dessas instituições, bem como por resultados, ações, desafios e avaliações que comprovem a sua atuação e contribuam para a renovação dos apoios financeiros e parcerias governamentais. Outra mudança descrita por Gohn (2008) é na forma de mobilização. Diferentemente do passado, hoje mobilizar pessoas é uma busca integral das ONGs, que envolve, conforme Gohn (2008, p. 93): [...] mobilizar corpos, emoções, pensamentos e ação de forma que se a provoquem mudanças nos hábitos e no comportamento dos indivíduos, alterando o resultado de sua participação política, inserindo-o na comunidade próxima, ajudando a desenvolver um espírito fraterno e comunitário.

Esse novo paradigma adotado pelas ONGs as difere ainda mais da configuração dos atuais movimentos sociais e ambientais. Com objetivos e projetos políticos diferentes, ONGs e movimentos têm lógicas de parceria com o poder público diferentes, uma vez que aquelas são organizações estruturadas de forma hierárquica e metódica, com projetos focalizados, especializados e caráter mais educativo do que os movimentos. Também há uma diferença latente com relação à mudança de discurso, que varia de acordo com a conjuntura política, fato que pode prejudicar a posição de legitimidade de tais instituições, segundo Gohn (2008), pois demonstra certa vulnerabilidade à ação dos agentes políticos. Tais ONGs amplamente estudadas por Gohn (2008) são nosso alvo de interesse neste estudo, mais especificamente as ONGs ambientais Greenpeace Brasil, SOS Mata Atlântica e AMDA. Duas delas iniciaram como movimentos ambientais e se converteram em ONGs, o Greenpeace Brasil e a AMDA, instituições que nasceram em plena efervescência mobilizadora dos anos 70. Já a SOS Mata Atlântica foi criada ONG no final dos anos 80. Todas são organizações ambientais que promovem ações coletivas com características próprias e objetivos diferentes. A opção desta pesquisa por trabalhar com essas entidades





28 diversas justifica-se pela oportunidade de analisar o discurso ambiental em três âmbitos diversos: global (Greenpeace Brasil), nacional (SOS Mata Atlântica) e local (AMDA). O Greenpeace é a entidade ambiental mais famosa e ativa do mundo. Essa ONG atua há cerca de 50 anos na defesa do meio ambiente e possui escritórios em mais de 40 países, contabilizando mais de 4 milhões de colaboradores e 18 mil voluntários. No Brasil, a ONG está há mais de 21 anos e possui cerca de 50 mil colaboradores e 250 voluntários. A instituição é conhecida mundialmente por seus protestos polêmicos, comumente divulgados na mídia tradicional, relacionados à preservação do meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável no Brasil e no mundo. Considerado uma “verde guerrilha da paz” (GABEIRA, 1988), o Greenpeace sempre levou em seu nome e propósito o anseio pela defesa da natureza. Pioneira em despertar uma consciência ambiental em todo o mundo, a entidade venceu barreiras e até perdeu vidas ativistas até chegar ao posto de entidade ambiental mais importante do mundo. Antes, era movimento ambiental, hoje é ONG que atua de forma mais institucionalizada do que no passado. Porém, continua reconhecida por uma forma peculiar de mobilizar e protestar de forma ativa, direta e rebelde. No Brasil, a organização trabalha com o foco, principalmente, na proteção da Amazônia e em campanhas de Clima e Energia. Para esta dissertação, estudamos a página do Greenpeace Brasil (FIG. 1) no site de rede social5 Facebook, cuja página articula tanto campanhas internacionais quanto nacionais e conta com 1.600.000 fãs6, uma participação e publicação ativa, com posts diários. Nesse espaço, o Greenpeace busca divulgar suas campanhas, seus objetivos, e publicar as chamadas de notícias sobre temas relacionados ao meio ambiente e que podem conduzir para a página da instituição apresentada na FIG.2.

Figura 2 – Página do Greenpeace Brasil no Facebook 5

Recuero (2014, p. 16) define sites de redes sociais como “ferramentas que proporcionam a publicação e construção de redes sociais”. Falaremos mais sobre esse tema no próximo capítulo. 6 Acesso em: 30 maio 2015.





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Fonte: https://goo.gl/NFQtkA

Já a Fundação SOS Mata Atlântica é uma ONG criada em 1986, no Brasil, para atuar na defesa da Mata Atlântica. Tem como missão defender os remanescentes da mata atlântica, valorizar a identidade física e cultural das comunidades humanas que os habitam. Bem focada em campanhas sobre a mata, a SOS Mata Atlântica possui um caráter extremamente educativo e busca a geração de conhecimento sobre o bioma mata atlântica, educando pessoas a respeito do tema. Nascida sobre os moldes das políticas públicas de incentivo a ONGs, a SOS Mata Atlântica deixa clara, em seu manifesto público, sua intenção de incentivar a mobilização coletiva em prol da sustentabilidade e cidadania ambiental, dois termos-chave frequentemente utilizados nos discursos ambientalistas do século XXI. Em seu manifesto, a instituição também aponta o seu objetivo como ONG: “alertar, informar, educar, mobilizar e capacitar para o exercício da cidadania, catalisando as melhores práticas, os conhecimentos e as alianças” 7.

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Disponível em: . Acesso em: 30 maio 2015.



30 Ancorada nesses objetivos, a SOS Mata Atlântica atua em três frentes: floresta, mar e cidade. Esta compreende campanhas de educação ambiental, voluntariado, mobilidade, áreas verdes e qualidade de vida em ambiente urbano. Já as campanhas ligadas à floresta e ao mar têm um caráter mais ativo, pois visam alterar legislações de uso e exploração da mata, biodiversidade e recursos naturais, bem como promover trabalhos de restauração e conservação ambiental. A página da SOS no Facebook (FIG.3), estudada nesta dissertação, possui 1.000.0008 de fãs e, diferente da página do Greenpeace Brasil, não conta com post diários. Os posts são frequentes, mas possuem intervalos de publicação. A interação, contudo, entre entidade e internautas-leitores é ativa e constante no espaço de comentários, conforme podemos notar na FIG.3. Figura 3 – Página da SOS Mata Atlântica no Facebook

Fonte: https://goo.gl/joNxRL

Assim como o Greenpeace, a AMDA nasceu movimento ambiental. Atuante em protestos, por vezes conflituosos, pela defesa do meio ambiente em Minas Gerais desde a década de 1970, a 8



Acesso em: 30 maio 2015.



31 AMDA tem uma trajetória diversa. Uma caminhada que abrange intensas participações em manifestos de rua contra ações do governo militar brasileiro na década de 70 e uma forte participação na defesa das questões ambientais mineiras na década de 80, com destaque para o lançamento da “Lista suja”, com o nome dos maiores devastadores do meio ambiente em Minas Gerais. Nos anos 90, passou por uma mudança brusca em suas estratégias de atuação, passando a agir como ONG, diminuindo o desejo por conflitos e encenando um papel mais contido, a partir de parcerias políticas e empresariais, fato que confirmam os estudos de Gohn (2008) sobre a institucionalização dos movimentos. A própria entidade diz em seu site9 que “o diálogo com empreendedores interessados em mudanças ambientais passou a ser outra ferramenta da entidade para consecução de seus objetivos”. Seu foco continua no trabalho de preservação e recuperação de ambientes naturais e na promoção da sustentabilidade ambiental, porém, o realiza por meio da influência em políticas públicas e atividades privadas, da mobilização da sociedade a partir de campanhas educativas e voluntariado, de alianças com outras entidades ambientais e de parcerias. No dia 30 de maio de 2015, sua página no Facebook (FIG. 4) contava com 5.920 fãs10, o menor número entre as três analisadas, e inferimos que seja por ter sua atuação local. Na página (FIG.4), a AMDA publica posts diários com divulgações de sua agenda de atuação, datas comemorativas e temas considerados importantes para comunicar no espaço.

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Disponível em: . Acesso em: 30 maio 2015. Acesso em: 30 maio 2015.

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Figura 4 – Página da AMDA no Facebook

Fonte: https://goo.gl/K3G7YQ

1.3 A conflituosa relação entre tecnologia e meio ambiente Não só o caráter e o projeto político dos movimentos ambientais sofreram transformação nas últimas décadas, mas a forma de divulgação das causas dos movimentos também passou por mudança. Antes mediado por dispositivos analógicos de comunicação alternativa, como o jornal e o rádio, hoje o conteúdo comunicacional criado passou a circular também em ambientes digitais da Internet, em lugares repletos de possibilidades e barreiras. Muitas das práticas políticas, nos últimos anos, estão relacionadas ao desenvolvimento dessas novas tecnologias da comunicação. O uso e a apropriação das técnicas modificam comportamentos e criam hábitos, principalmente aqueles ligados à nossa relação com o meio ambiente. Sibilia (2002) diz que o projeto tecnocientífico atual não age de forma neutra, mas sim intencional, sem buscar uma melhora das nossas condições de vida ou em nossa relação saudável com natureza, porém seguindo um “impulso insaciável” e sem fim em prol da valorização da máquina: “Um impulso cego para o domínio e a apropriação total da natureza, tanto exterior quanto interior ao corpo humano” (SIBILIA, 2002, p. 48).





33 Tal apropriação da tecnologia apontada por Sibilia é a que concede ao ser humano a sensação de uma nova liberdade de produzir e agir no mundo atual. Em congruência com a autora, Bauman (2001) afirma que, diante da amplitude de ferramentas e recursos tecnológicos, as pessoas se veem possibilitadas para atuarem livremente, porém essa liberdade é encenada, líquida11 e atua dentro das regras da atual vida em sociedade: “[...] as pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus próprios esforços dedicados, contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos nichos pré-fabricados da nova ordem [...]”. (BAUMAN, 2001, p. 13). A nova liberdade difundida na atualidade, a partir do uso de tecnologias de comunicação, é altamente persuasiva e encantadora para Bauman (2001). O autor diz que o discurso libertário tecnológico é apregoado pelo sistema que controla a nova ordem mundial e tem o foco na economia e na extrema racionalidade instrumental, descartando, por vezes, as questões da natureza. Por essas razões que a nova configuração líquida (BAUMAN, 2001) e racionalista do mundo é alvo de críticas pelos ambientalistas, como também foi apontado por Castells (1999) no tópico anterior deste capítulo. Dessa constatação surge uma pergunta: se os ambientalistas são questionadores do sistema tecnológico, porque utilizam as técnicas dessa nova ordem? Uma resposta seria a possibilidade de utilizar esse meio em prol de ações ciberativistas12, ou seja, apropriar-se de algo que já está embrenhado na vida da sociedade de forma questionadora, com fins de reconstrução social. Eles se contrapõem à ordem social e à técnica vigente, que promove o discurso do lucro máximo, descartando, por vezes, a preservação ao meio ambiente, e também utilizam a tecnologia de forma radical, reivindicadora e, consequentemente, paradoxal. Para Pereira (2011), a comunicação sempre foi essencial às entidades da sociedade civil, pois, quando organizados em redes de comunicação, as entidades podem promover processos argumentativos e trocas discursivas, capazes de contribuírem para reforçar sua legitimidade e as causas que defendem. Em constante luta por espaço, as ONGs veem na comunicação 11

A metáfora da liquidez de Bauman (2001) se refere à fragilidade da atual vida em sociedade. Assim como um líquido pode se adaptar facilmente ao frasco que o delineia e também, ao mesmo tempo, esvair-se e evaporar, a vida e tudo que a compõe, como a sociedade e os relacionamentos, também são considerados por Bauman (2001) frágeis, precários e incertos, como os líquidos. Falaremos mais sobre esse conceito no Capítulo 3. 12 Pereira (2011) caracteriza ciberativismo, ou ativismo online, como o grupo de estratégias utilizadas na Internet para fortalecer a ação política de um movimento, seja por incentivo a ações que já ocorriam off-line, seja por novas ações online.





34 possibilidade de construção e definição de significados a partir da publicidade de alguns de seus discursos, a serem legitimados pela opinião pública. Nas últimas décadas, as ONGs vêm se adequando às vantagens que a tecnologia oferece para se articularem e causarem a pressão coletiva de que necessitam. A Internet, por exemplo, pode ser um meio eficiente e autônomo para a divulgação de suas causas, campanhas e reinvindicações. Nesse espaço, elas encontram uma forma alternativa de ampliar sua visibilidade pública e mobilizar atores sociais a partir da característica, própria do ambiente digital, de cyberdifusão de informações (PEREIRA, 2011). A cyberdifusão, segundo Pereira (2011), é uma rápida disseminação de informações por meio das mídias digitais e se apresenta como uma das particularidades que diferenciam a Internet de outros meios de comunicação, “superando fronteiras territoriais e alcançando locais anteriormente restritos em função das limitações de outros meios de comunicação”. (Pereira, 2011, p. 8). Pereira (2011) afirma também que, diante das possibilidades do espaço virtual, a ONG tem a chance de aprimorar a articulação de ações em escala global, por meio de cyberações campanhas ou denúncias promovidas pelas entidades em sites, blogs ou redes sociais. Ao tornar público fatos de modo virtual, “[...] as cyberações têm a função de pressionar o Estado a agir limitando as ações violentas por parte dos agressores”. (PEREIRA, 2011, p. 13). Entidades como as analisadas neste trabalho, Greenpeace Brasil, SOS Mata Atlântica e AMDA, investem em cyberdifusões e cyberações em busca de uma visibilidade pública, conscientes de que, atualmente, não existe delimitação entre os espaços de redes de Internet e a rua, e sim novas formas de viver as coletividades em um espaço híbrido, conforme Castells (2013, p. 165) aponta: O espaço do movimento é sempre feito de uma interação do espaço dos fluxos na internet e nas redes de comunicação sem fio com o espaço dos lugares ocupados e dos prédios simbólicos visados em seus atos de protestos. Esse híbrido de cibernética e espaço urbano constitui um terceiro espaço, a que dou o nome de espaço da autonomia, porque só se pode garantir autonomia pela capacidade de se organizar no espaço livre das redes de comunicação [...].

É nesse espaço de autonomia, definido por Castells (2013), que as entidades ambientais se articulam para construir e disseminar seus discursos, podendo ampliar diálogos com seus





35 públicos, que podem contribuir para recuperar a posição de legitimidade de tais entidades perante seu público, algo que já foi apontado como problemático para as ONGs na atualidade. Além de ampliar a legitimidade, Gohn (2008) enumera outros desafios que essas entidades enfrentarão nas próximas décadas, mesmo que facilitados pela comunicação. O primeiro dos desafios é a democratização das práticas das ONGs, para que possam aumentar a visibilidade pública de suas ações e torná-las mais próximas da sociedade em geral, aumentando a legitimidade da entidade. Para isso, Gohn propõe que tais entidades esclareçam as origens de seus discursos, apresentando seus projetos políticos de forma clara e transparente. Por fim, a ONG deve incentivar ao máximo a participação política dos cidadãos, para que cumpram em conjunto com eles a meta de mudança social.





36 2 COMUNICAÇÃO VIRTUAL: NOVAS FORMAS DE APRESENTAR AS QUESTÕES DA NATUREZA Este capítulo se destina a refletir, por meio de revisão bibliográfica, sobre a comunicação virtual na atualidade, realizada nos meios de comunicação digital, como o Facebook. Apresentamos, inicialmente, uma contextualização acerca da interação entre a comunicação virtual e a expressão política, seja de usuários da Internet, seja de ONGs ambientais, para depois expormos nossa investigação sobre os tipos de linguagens e ferramentas circulantes nesse novo cenário tecnológico-comunicativo. Ao final deste capítulo, empreendemos uma exposição sobre as redes sociais digitais e os seus sites. Apresentamos tais ferramentas tecnológicas como fenômenos mundiais de expressão, conversação e interação virtual, apropriados de diversas formas pela maioria dos atuais usuários de Internet. Expomos também os recursos retóricos do Facebook, maior site de rede social digital do mundo, objeto desta pesquisa, e ainda detalhes de seu desenvolvimento e as possibilidades e dificuldades da apropriação comunicativa e política deste site. 2.1 A relação histórica entre comunicação, participação política e tecnologia A necessidade de comunicação nasceu com o primeiro homem. Ao afirmarmos isso, podemos deduzir que não foram as mídias que impulsionaram a comunicação, elas foram sempre instrumentos de mediação. O homem foi criado para se comunicar por meio da linguagem, que pode ser a representação de sua fala, e se apresenta de várias formas. Porém não cabe aqui fazer uma revisão histórica sobre o ato de comunicar, intrínseco ao ser humano, senão sobre a comunicação mediada, que é objeto deste estudo. Briggs e Burke (2006) defendem o advento de uma mídia já nos primeiros manuscritos e pinturas do ano de 764 a.C., com a invenção do “mais antigo exemplar conhecido de impressão em xilogravura (Japão)” (BRIGGS; BURKE, 2006, p. 330). Sempre relacionadas a uma tecnologia e intrinsecamente ligadas às mudanças da sociedade, as mídias, para Briggs e Burke (2006), surgem para atender a certas demandas políticas, religiosas e culturais de cada época, trazendo consigo alterações significativas na participação política e no letramento de um povo.





37 Esses autores consideram como mídias todos os canais de comunicação existentes na história global, desde as pinturas rupestres, passando pelos mensageiros em navios mercantes, até a imprensa, o rádio, a televisão e, recentemente, a Internet. Briggs e Burke (2006) se valem de uma visão interligada dessas mídias, em que não há exclusão de uma após a invenção de outra, como se pode comprovar pelo excerto abaixo: [...] ao se introduzirem novas mídias, as mais antigas não são abandonadas, mas ambas coexistem e interagem. Com o surgimento das publicações, os manuscritos continuaram sendo importantes, como aconteceu com os livros e o rádio na idade da televisão. A mídia precisa ser vista como um sistema, um sistema em contínua mudança, no qual elementos diversos desempenham papéis de maior ou menor destaque. (BRIGGS; BURKE, 2006, p. 15).

Consoante a afirmação de Briggs e Burke (2006), podemos intuir que a Internet não implantou mudanças revolucionárias como defendem Castells (2003), Lemos e Lévy (2010) e Jenkins (2009). Para Briggs e Burke (2006), a mídia Internet traz heranças de outras mídias, como o telégrafo, responsável pela invenção do código Morse no século XIX. Briggs e Burke (2006) versam sobre a história da comunicação apoiados na mediação técnica que esta obteve durante os séculos, podendo, assim, ser considerados como pertencentes à linha acadêmica de ideologia tecnológica (WOLTON, 2012), mesma corrente dos autores citados no parágrafo anterior. Contudo, a divergência de Briggs e Burke (2006) frente aos teóricos citados está na descrença quanto às novas tecnologias como sinônimo de progresso e democratização. Briggs e Burke (2006, p. 312) apontam a Internet como espaço virtual para constante evolução do entretenimento e do controle na sociedade. Tal afirmação de Briggs e Burke (2006) está ancorada na concepção de que a Internet surge para ampliar o entretenimento, a informação e a educação. Mas a Internet o faz sob uma égide hierárquica, muitas vezes governamental. Podemos pressupor que, de acordo com as características de atuação da Internet apontadas por eles, tal mídia não oferece progresso democrático sem limites, o que nos leva novamente às indagações críticas e, ao mesmo tempo, ponderadas de Gomes (2008), Maia (2008) e Wolton (2012), a respeito das novas tecnologias, seja no âmbito político (GOMES, 2011; MAIA, 2011), seja no da comunicação (WOLTON, 2012). Acreditamos que tal pensamento reflexivo, crítico e menos entusiasmado acerca das novidades do mundo tecnológico contribui para analisar com certo distanciamento os novos e





38 velhos fenômenos sociais e culturais. Descartamos aqui a corrente profética, que já foi comentada, para ampliar as considerações de Maia (2011) e Gomes (2011) sobre o tema. Maia (2011) acredita que o aumento do uso de ferramentas tecnológicas como a Internet não está diretamente ligado ao crescimento da participação política, como consideravam as teorias triunfalistas. No momento atual, diversos autores têm concordado de que a mera existência da internet não leva ao aumento da organização e da participação política se os usuários não têm um interesse prévio nessas questões. Nesse sentido, estudos empíricos têm mostrado que a internet é mais utilizada para manter os laços já existentes do que para criar novos vínculo (Uslaner, 2000; Wellman, 2001; Kavanaugh e Patterson, 2001; Lilleker e Jackson, 2004). Experiências diversas mostraram que a facilitação do acesso à internet em cidades ou em ambientes específicos não redundou em mudanças significativas nos contatos interpessoais, no comprometimento com as comunidades e no engajamento cívico. (MAIA, 2011, p. 71).

Maia (2011), portanto, define sua visão relativizada sobre o tema. Mesmo sem ampliar consideravelmente a participação política, a autora diz que o uso da Internet pode ainda produzir alterações políticas importantes, principalmente com relação aos ativistas de ONGs ambientais, organizações que são foco de nosso trabalho e são analisadas no próximo capítulo. Porém, “O que os resultados dessas pesquisas têm mostrado é que as pessoas com alto grau de atuação em organizações off-line são também ativas on-line” (MAIA, 2011, p. 72). Podemos perceber, assim, a complexidade e mobilidade desse espaço digital que é a Internet. Lugar em que há conexões líquidas (BAUMAN, 2001) e visibilidades mutantes, sendo impossível definir um único público atuante nesse meio, podendo ser um público semelhante ao off-line ou não, como também que constrói novas características pessoais e políticas só no meio digital ou reproduz fielmente os ideais off-line13. Maia (2011, p. 72) utiliza-se dessa peculiaridade da Internet para explicar a atuação diversa dos sujeitos no espaço virtual: “Em primeiro lugar, o uso da internet não é uma atividade uniforme, mas, ao invés disso, compreende um sem número de ações completamente diferentes. As pessoas podem se engajar online tanto em atividades individuais quanto em atividades coletivas.”

13

Tal característica que Sibilia (2008, p. 233) diz ser latente com o advento das novas tecnologias surge sobre o discurso que “agora qualquer um pode”, criando “eus” diversos.





39 Com o foco no sujeito e, consequentemente, na sociedade civil14 e suas dimensões sociais e culturais, Maia (2011, p.78) defende, por fim, uma compreensão da Internet em relação aos sujeitos e interações que se estabelecem nela e fora dela, “no interior de arranjos sóciohistóricos”, o que seria, segundo a autora, um ideal de reflexão para os estudos atuais. “Pesquisadores e observadores que nutrem expectativas sobre o potencial da esfera civil para revigorar a democracia devem levar seriamente em consideração a heterogeneidade das associações voluntárias e os usos diversos da internet.” (MAIA, 2011, p.77). Consoante a Maia (2011), Gomes (2011) defende também um estudo da Internet que não seja voltado somente para as facilidades da técnica, pois “não será a internet a modificar o estado das coisas”. Nesse sentido, Gomes (2011, p. 36) alerta que a obsessão por participação, algo que surgiu com o advento da Internet, pode não ser benéfica, pois está sujeita a reunir iniciativas ineficientes do ponto de vista político somente pelo simples desejo de participação, constituindo, assim, uma participação que “pode ser inútil, inócua e do tipo errado”. Para o autor, o ideal seria “[...] haver participação de massa, não basta haver meios e oportunidades de participação, é preciso que tudo isso seja moderado pela posse da informação necessária a uma participação qualificada, relevante e efetiva e, last but not least, pela liberdade de participar.” (GOMES, 2011, p. 38). Não reduzir a participação política ao modismo do uso de técnicas e ferramentas tecnológicas é, assim, um modo de ver reflexivo, contextual e histórico acerca dos fenômenos da contemporaneidade. É exatamente tal postulado defendido por Wolton (2012), com o foco na comunicação. O autor francês defende uma teoria em que a comunicação não se restringe a um acontecimento técnico, como tem sido pensado, muitas vezes, na história da comunicação, em que o advento técnico de uma ferramenta, como a imprensa ou o rádio, tem sido marcado por uma “revolução”. Segundo Wolton (2012), a comunicação não depende somente de uma evolução tecnológica racionalista, mas de três dimensões: técnica, cultural e social. O 14

Como sociedade civil, consideraremos o estudo de Marques e Nogueira (2012, p. 142): “[...] a sociedade civil representa um tipo de vida associativa, que pode ser vista como cooperativa, uma vez que reúne ‘associações voluntárias, movimentos sociais e outras formas de comunicação pública, como os media (MAIA, 2011:150)’. A sociedade civil não pode ser considerada um ‘bloco’ homogêneo, reunindo grupos e atores semelhantes em torno de causas comuns, de ideais democráticos. Ela não é uma ‘esfera autônoma de atividade democrática’, ou seja, uma esfera idealizada de debate por meio da qual decisões seriam tomadas com base na busca do entendimento em um espaço público paritário, a fim de permitir o engajamento dialógico de todos os interessados. Ela só pode ser apreendida pelo exame das motivações e metas das organizações, de seus valores e relações contextuais (MAIA, 2011). A sociedade civil é, então, multifacetada, articula setores e públicos diferenciados (por vezes até antagônicos), mas que têm como fio articulador o desejo de uma participação coletiva em práticas políticas e nos processos decisórios.”





40 importante seria, então, pensar a comunicação não pelo meio técnico que pode mediá-la, mas pela forma com o qual os sujeitos se comunicam e como a sociedade se realiza a partir da comunicação. Conforme o autor, [...] sabe-se também que é impossível reduzir a compreensão da comunicação a cada uma dessas épocas, à performance maior ou menor das tecnologias do momento. Existe mesmo, na maior parte do tempo, um conflito entre essas três lógicas: técnica, cultural e social. [...] se as técnicas são claramente o que há de mais espetacular, o essencial não está nisso, nem nas performances sempre sedutoras, mas na compreensão dos laços, em maior ou menos grau, contraditórios entre sistema técnico, modelo cultural e projeto de organização da comunicação. São, sempre, esses três elementos que possibilitam compreender o estatuto da comunicação de uma época. (WOLTON, 2012, p. 15).

Nessa passagem, como vemos, o autor defende a ideia de que focar na técnica e na revolução tecnológica da sociedade a partir das facilidades das ferramentas e desconsiderar as dimensões culturais e sociais da comunicação é optar pelo estudo puramente materialista dos fenômenos comunicativos. Por isso, Wolton (2012, p. 187) diz que não se deve atribuir à tecnologia “a capacidade de resolver um problema social ou político”, como reproduzem certos discursos midiáticos e econômicos. A técnica pode atuar de forma espetacular, sedutora e performática, mas não poderá substituir a comunicação humana, por isso ela é também de ordem “antropológica e cultural”, segundo Wolton (2012). O discurso do progresso e da modernização, recentemente proclamado em diversos meios de comunicação e, principalmente, na Internet sobre ela mesma, pode parecer coerente se voltarmos nossa reflexão somente para as “facilidades” propostas pelas novas tecnologias, como a de livre acesso, a rapidez, a autopromoção, a autonomia e outras já citadas neste trabalho. Por parecer um meio democrático, comunicativo e progressista, segundo Wolton (2012, p. 84): “A Web torna-se uma figura de utopia, de uma sociedade onde os homens são livres, capazes de se emancipar por eles mesmos”. Tais possibilidades da Internet realmente existem. Porém, não deixam também de haver desigualdades, individualismo e controle excessivo, por vezes, ações antidemocráticas e excesso de informação desnecessário, muitas vezes de modo agressivo, por ser um ambiente “livre” e permitir diversas reproduções de conteúdo (MAIA, 2011; WOLTON, 2012). 2.2 Linguagens e ferramentas de comunicação na Internet





41 A Internet surge em um tempo em que a atual configuração política do mundo traz à tona questões complexas a cerca do espaço discursivo e argumentativo disponível para os cidadãos se articularem, um espaço em que o espetáculo é regra (DEBORD, 1997), em que dispositivos de poder (FOUCAULT, 1999) disciplinam e medeiam a visibilidade das atividades e ações políticas e que vivem uma modernidade líquida (BAUMAN, 2001). A partir daí, podemos intuir que o uso da linguagem para a comunicação humana em suas diversas frentes de mediação, principalmente a Internet, deve, então, atender ao padrão vigente para cumprir com eficiência seus variados objetivos. A atual linguagem precisaria ser então espetacular, disciplinada e líquida, ou ter traços de tais características. É um pressuposto que discutimos nas análises posteriores deste trabalho. A seguir, vamos entender um pouco sobre tais conceitos separadamente. Debord (1997) fundou a teoria do espetáculo como tentativa de analisar fenômenos sociais e políticos iniciados a partir dos anos 60. Considerada atual, a teoria do espetáculo se vale da metáfora teatral para evidenciar o resultado e o projeto construídos pela sociedade moderna. Conforme Debord (1997), o espetáculo é orientado pela economia e pelas aparências, constituído por representações e imagens alicerçadas pelas pessoas em um ideal selecionado para incitar ilusões e falsas consciências. Assim como no teatro, o ator que conduz o espetáculo precisa fazer ver uma “realidade” conduzida para o público e “essa alienação recíproca é a essência e a base da sociedade existente” (DEBORD, 1997, p. 15). Como principal produção da sociedade atual, o espetáculo é contrário ao diálogo, pois o espetáculo amplia a vida individual, transformando-a em social. O espetáculo é também extremamente imagético, hipnótico e sua utilização pelo poder vigente faz com que se torne um “discurso ininterrupto que a ordem atual faz a respeito de si mesma, seu monólogo laudatório. É o autorretrato do poder na época de sua gestão totalitária das condições de existência” (DEBORD, 1997, p. 20). Cidadãos e governo utilizam o espetáculo para conduzirem de forma superficial e ilusória suas relações sociais, sendo assim atuante como mediador e dispositivo de poder, fazendo aqui uma correlação com o estudo de Foucault (1999). Também chamados de “máquinas concretas” e “agenciamentos concretos”, os dispositivos são, para Foucault, formações sociais complexas de controle e poder capazes de produzir visibilidades ou invisibilidades. Nosso estudo de Foucault foi baseado também na obra de



42 Deleuze (2005) sobre Foucault, pois este autor não define e discute com vastidão o significado da noção de dispositivo em suas obras. Deleuze (2005) nos diz que dispositivos para o autor são geradores de sentido e podem ser utilizados para um determinado fim. Os dispositivos podem ser considerados, assim, máquinas de fazer, ver e enunciar, de acordo com seu regime de luz próprio, que definirá um local de visibilidade. A sociedade contemporânea conta com uma infinidade desses dispositivos que estabelecem um determinado “regime de verdade”, que marca todo um saber cotidiano, como a política e a economia. Os cidadãos, por sua vez, pertencem a esses dispositivos e agem neles, como numa espécie de enquadramento funcional da vida, para discipliná-la e delimitá-la (DELEUZE, 2005). Tomando como base os preceitos de Foucault, pode-se considerar a Internet como dispositivo, bem como todo produto midiático que é “lugar social de interação e de cooperação com intenções, funcionamento e modos de interação próprios” (PERAYA, 2002, p. 29). Além de disciplinada e espetacular, outra característica da sociedade atual apontada por Bauman (2001) é a liquidez. Uma metáfora defendida pelo autor para caracterizar o estágio presente da era Moderna. Para ele, a liquidez está presente em todas as dimensões da sociedade, que se torna, assim, uma “sociedade líquida”, fluida, não estruturada e leve, diferente da conhecida “solidez” dos tempos pré-modernos, tão defendida no passado, e que agora se encontra derretida. Para Bauman (2001), tal acontecimento representa uma mudança de paradigma e de desvio da sociedade, por vezes negativo, como explica no excerto a seguir: Os primeiros sólidos a derreter e os primeiros sagrados a profanar eram as lealdades tradicionais, os direitos costumeiros e as obrigações que atavam pés e mãos, impediam os movimentos e restringiam as iniciativas. Para poder construir seriamente uma nova ordem (verdadeiramente sólida!) era necessário primeiro livrar-se do entulho com que a velha ordem sobrecarregava os construtores. “Derreter os sólidos” significava, antes e acima de tudo, eliminar as obrigações “irrelevantes” que impediam a via do cálculo racional dos efeitos; como dizia Max Weber, libertar a empresa de negócios dos grilhões dos deveres para com a família e o lar e da densa trama das obrigações éticas [...]. (BAUMAN, 2001, p. 10).

A liquidez é apontada por Bauman (2001) e apropriada por Santaella (2007) para estudar a linguagem utilizada no meio digital da atual sociedade moderna. A autora defende que a liquidez é a principal característica da locução própria das redes planetárias de comunicação. “Essas redes produzem uma reconfiguração da linguagem, constituindo os sujeitos culturais





43 fora do padrão do indivíduo racional e autônomo que deu sustento à noção de sujeito na era da cultura impressa” (SANTAELLA, 2007, p. 90). Santaella (2007) define, assim, como “linguagem líquida”, esse novo tipo de linguagem mais volátil, fluida, maleável, múltipla do meio digital. Já não há lugar, nenhum ponto de gravidade de antemão garantido para qualquer linguagem, pois todas entram na dança das instabilidades. Texto, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzam-se. Tornaram-se leves, perambulantes. Perderam a estabilidade que a força de gravidade dos suportes fixos lhes emprestavam. Viraram aparições, presenças fugidias que emergem e desaparecem ao toque delicado da pontinha do dedo em minúsculas teclas. Voam pelos ares a velocidades que competem com a luz. São tão voláteis que um dos grandes problemas atuais encontra-se nas novas estratégias de documentação que devem ser encontradas quando os meios de estocagem tornam-se obsoletos em intervalos de tempo cada vez mais curtos. (SANTAELLA, 2007, p. 24-25).

Essa é a linguagem dos conteúdos digitais, especialmente daqueles produzidos nas redes sociais digitais que este trabalho analisa. Conteúdos produzidos para circular digitalmente em plataformas que possuem regras de composição da escrita e leitura específicas do espaço virtual. Uma gama de textos reconfigurados para a Internet que podem ser escritos e lidos com os recursos técnicos que o computador oferece. É o que defende Costa (2009, p. 20): O advento da internet parece provocar uma mudança maior, ou talvez uma “volta” às sociedades orais: virtualmente, mensagens são construídas / escritas / transmitidas / veiculadas / lidas on-line por pessoas reais em espaços diferentes, cujo ambiente virtual é o ciberespaço.

Costa (2009) ainda diz que os tipos de textos da Internet podem se assemelhar aos gêneros textuais existentes, mas possuem nomenclaturas específicas e uma nova linguagem, um “estilo hipermidiático”15. Diante desse novo ambiente complexo, líquido e mediado pelas tecnologias da computação, abriga-se a problemática sobre o processo de produção de enunciados nesse meio. Um discurso hipermidiático seria o mais adequado para caracterizar a produção no meio por usuários e seus públicos, estes que se diferenciam dos antigos interlocutores dos meios de comunicação tradicionais, como o jornal e a televisão. Nesse ambiente hipermidiático digital, 15

Segundo Costa (2009, p. 152), hipermídia é sinônimo de multimídia, termo utilizado “para definir um documento de computador composto de elementos de várias mídias, como áudio, vídeo, ilustrações e texto, porque permite a participação do usuário”.





44 locutores e interlocutores se confundem, pois ambos constroem informações constantemente. São construções realizadas a partir das apropriações de tecnologias e ferramentas na Internet. Para fazê-las, portanto, os internautas têm de conhecer as plataformas e ferramentas que têm na Internet para produzirem seus conteúdos. De tais apropriações, surgem “novos modos de agir e de comunicar, e de outro lado, vão surgindo novas habilidades” (RIBEIRO, 2012, p.19). Essa é a ideia da chamada Web 2.0, que marca a nova era de produção incessante de conteúdo por todos os usuários na Internet, uma espécie de colaboração coletiva que, como já apontado por Gomes (2011), pode ser fruto de uma obsessão por participação infrutífera para a comunicação política, devido à oscilação de qualidade das discussões e temas publicados. Na Web 2.0, encontra-se a atual linguagem da Internet, que comporta enunciados complexos em sua configuração e, ao mesmo tempo, capazes de gerar de interação, que circulam de formas específicas por diversas ferramentas de comunicação digital, sejam portais de Internet, sejam mensageiros virtuais ou as amplamente utilizadas redes sociais digitais, que estudamos no próximo tópico. 2.3 Redes sociais digitais Como rede social, considera-se a definição clássica de Recuero (2009): “um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais).” (p. 24). Tais redes se configuram em diversos lugares: em casa, em uma igreja, em sala de aula ou em um espaço virtual proporcionado pela Internet. São redes de atores e conexões, conforme Recuero (2009) apontou, mesmo que esses atores sejam virtuais. Uma rede se caracteriza por produzir uma “mente coletiva, um tipo de inteligência gerada pela interação entre os agentes em comunicação” (LEMOS; SANTAELLA, 2010, p. 25) e incita o desejo de “estar junto”, participar e compartilhar. Esse “estar junto” é questionável, por ser uma vontade abstrata, ilusória e virtual, que ao mesmo tempo conecta e desconecta. “Estar presente” em uma rede social implica estar visível por um símbolo, foto ou texto, experiência muito diversa daquela ocorrida em uma situação real e física, em que não há mediações.





45 Mesmo assim, tais redes se tornam cada vez mais, segundo Lemos e Santaella (2010), uma solução imaginária e “mágica” para resolver o problema da solidão e do distanciamento entre os seres, imbricados em uma onda de individualidade e falta de tempo. Uma das razões capazes de explicar o estouro das SMSs – mensagens virtuais - e das RSIs – redes sociais na internet, especialmente do Twitter, encontra-se na potência da era da mobilidade para a comunicação on-line, em tempo real, que acena com a promessa do perpétuo estar junto. Isso parece costurar – ou pelo menos nos dá a ilusão de costurar – o corte e a condição de desamparo que o ser humano carrega desde o instante vital que dá o primeiro grito no ar para encher os pulmões e entrar ou cair no mundo da vida. (LEMOS; SANTAELLA, 2010, p. 26).

Além de serem espaços de existência virtual, outra característica dessas redes é a criação de espaços de conversação (RECUERO, 2014a), em que há exibição pública de sujeitos privados que compartilham um mesmo ambiente simbólico e interativo de sociabilidade. É o que explica Recuero (2014a, p. 121): A cada dia, pessoas de todo o mundo conectam-se à Internet e engajam-se em interações com outras pessoas. Através dessas interações, cada uma dessas pessoas é exposta a novas ideias, diferentes pontos de vista e novas informações. Com o advento dos sites de rede social, essas conversações online passaram a criar novos impactos, espalhando-se pelas conexões estabelecidas nessas ferramentas e, através delas, sendo amplificadas para outros grupos. São centenas, milhares de novas formas de trocas sociais que constroem conversações públicas, coletivas, síncronas e assíncronas, que permeiam grupos e sistemas diferentes, migram, espalham-se e semeiam novos comportamentos. São conversações em rede.

Por abrigar inúmeras redes sociais digitais e apresentar espaços de conversação disponíveis para todos os usuários de Internet, tais sites de redes sociais são extremamente populares na atualidade: cerca de uma em cada cinco pessoas utiliza pelo menos um site de redes sociais digitais em todo o mundo, para produzir conteúdo, compartilhar, curtir ou comentar conteúdos de outras pessoas. Não é mais novidade que essas redes se tornaram um fenômeno discursivo. Incorporadas no cotidiano das pessoas, as ferramentas sociais “são modificadas, transformadas pela mediação das tecnologias e, principalmente, pela apropriação delas para a comunicação” (RECUERO, 2014a, p. 16), criando interações sem face com outros indivíduos e lugares virtuais de conversação, públicos e coletivos. Podemos dizer, então, ancorados no estudo de Recuero (2014a), que tais sites de redes sociais apresentam um potencial comunicativo. As conversações que acontecem no Twitter, no Orkut, no Facebook e em outras





46 ferramentas com características semelhantes são muito mais públicas, mais permanentes e rastreáveis do que outras. Essas características e sua apropriação são capazes de delinear redes, trazer informações sobre sentimentos coletivos, tendências, interesses e intenções de grandes grupos de pessoas. São essas conversas públicas e coletivas que hoje influenciam a cultura, constroem fenômenos e espalham informações e memes, debatem e organizam protestos, criticam e acompanham ações políticas e públicas. (RECUERO, 2014a, p. 17-18).

Tal conversação nos sites de redes sociais é, conforme Recuero (2014a), de um tipo diferente do que conhecemos no espaço físico, pois apresenta formato subvertido e reconstruído para as redes sociais. Uma conversação

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é um tipo de interação virtual proporcionada,

predominantemente, pela linguagem escrita informal e digitada. Além disso, tal conversação virtual possui elementos que antes eram típicos somente da conversação oral e foram apropriados pelos usuários da Internet. Também foram incorporados outros elementos na conversa verbal “oralizada” na Internet, como os emoticons17, as informações gráficas com imagens, as repetições de letras, sonoras e animadas (os gifs), de forma a otimizar o entendimento da mensagem, concedendo à conversação “dimensões da oralidade” (RECUERO, 2014a, p. 46), ao “indicar elementos que são essenciais para a ‘tradução’ da língua escrita em língua falada, como elementos que dão dimensão prosódica da fala e elementos não verbais, como gestos e expressões” (RECUERO, 2014a, p. 46). Um tipo de uso possibilitado pelo meio hipermidiático virtual, que pode promover a hibridização de linguagens (SANTAELLA, 2001). A conversação virtual, assim, é composta de interações que acontecem de forma a simular a conversação oral, podendo ter efeitos semelhantes aos das interações sociais não virtuais. Recuero (2014a) divide tais interações virtuais/conversações em dois tipos: síncronas e assíncronas. Essa divisão é levada em conta na análise discursiva posterior, pois a autora aponta que, para compreender uma conversação, é necessário: [...] verificar a interação e os elementos apontados entre as representações de interlocutores no ambiente virtual, dentro de um mesmo contexto interacional que é negociado pelos interagentes. Assim, os contextos são geralmente construídos sobre duas apropriações: a conversação síncrona e a assíncrona (RECUERO, 2014a, p. 50).

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Recuero (2014a, p. 49) aponta que é preciso considerar que cada tipo de ferramenta da Internet promove um espaço de conversação próprio: “[...] ferramentas diferentes vão oferecer contextos de apropriação diferentes da linguagem”. As características apontadas aqui estão relacionadas aos sites de redes sociais digitais de forma geral. No próximo tópico, veremos quais são as características específicas do site Facebook, a ser analisado nesta dissertação. 17 Segundo Recuero (2014a, p. 47), os emoticons são “conjuntos de caracteres do teclado que simbolizam expressões faciais”.





47 Segundo Recuero (2014a), síncronas são aquelas interações constituídas em tempo real, com resposta imediata. Já as assíncronas não possuem resposta imediata e são construídas com o passar do tempo. Esse tipo de conversação é típica do espaço virtual proporcionado pela Internet, que proporciona contextos que podem ser bastante ampliados, “recuperados, buscados e atualizados por novas interações, gerando conversações que podem estender-se por largos períodos de tempo” (RECUERO, 2014a, p. 51). Recuero (2014a) aponta que as categorias são diferentes entre si, mas podem coexistir em um mesmo espaço virtual, sendo comum tal fenômeno no complexo ambiente de Internet. Supomos, assim, que em um mesmo espaço conversacional, existam interações síncronas e assíncronas, como analisamos nesta dissertação. Também Primo (2011) apresenta uma categorização da interação mediada por computador. Para o autor, as interações são dividas em mútuas e reativas, a fim de “[...] distingui-las quanto ao relacionamento mantido”. (PRIMO, 2011, p. 56). Tal metodologia focada na análise das relações entre os “interagentes”, termo cunhado por Primo (2011) para definir os participantes da interação, tem o objetivo de descrever o que se passa entre os sujeitos durante a ação compartilhada que é a interação. A interação mútua é caracterizada pela negociação entre os interagentes e a cooperação no relacionamento, a fim de construir algo em comum, havendo afetação mútua. Um exemplo desse tipo de interação é a conversação em um chat ou e-mail a respeito de algum assunto, seja este polêmico, ou apenas trivial em um bate-papo. Já a interação reativa é limitada, confinada à dualidade estímulo/resposta. Nesse caso, o exemplo é do clique em um hiperlink18. Conversação e interação são, portanto, características latentes do espaço virtual proporcionado pelos sites de redes sociais digitais. Porém, como já foi dito, não podemos relacionar os efeitos da conversação produzida com o engajamento, a participação19 e a deliberação política no meio, cujos traços são ainda limitados, conforme nos apontaram Gomes (2008) e Maia (2008). Basta entender em nosso corpus como tal conversação é 18

Segundo Costa (2009, p. 69), o link ou hiperlink “é uma conexão de uma palavra, imagem ou objeto para outro, ou seja, é o nome dado à ligação, ao elo que leva a outras unidades de informação em um documentohipertexto”. 19 Segundo Costa (2009), um post é um texto narrativo, descritivo e opinativo. O nome foi originado dos blogs e agora é utilizado também nas redes sociais. Segundo Gomes (2011, p. 102), ele pode ser utilizado “em forma de texto, vídeo, imagem ou áudio, de qualquer tamanho”.





48 produzida e se ela pode contribuir para que aconteçam níveis de participação e deliberação consideráveis nas redes sociais digitais. 2.3.1 Site de rede social digital Facebook O Facebook é o mais famoso e utilizado site de rede social digital da atualidade. A plataforma de mídia foi criada em 2003 pelo estudante da Universidade de Havard Mark Zuckerberg e três amigos. Desde o início, a intenção era criar uma rede social aberta somente para o público estudantil, porém, com o passar de poucos anos, o Facebook se tornou um site de ampla utilização e originou a empresa Facebook.Inc. Hoje, contabiliza-se mais de um bilhão de usuários ativos no mundo. Seu caráter continua mais livre do que de outros sites de Internet, pois ainda permite a produção e divulgação de materiais pessoais e institucionais por qualquer pessoa que se cadastre na rede social. Porém, cada vez mais, o Facebook tem restringido a divulgação e o compartilhamento de posts, limitando a visualização de notícias pelos usuários e coagindo empresas e marcas a investirem financeiramente para expandir o alcance na visualização de suas publicações. O fenômeno Facebook torna-se, assim, cada vez mais, uma plataforma com uma considerável “engenharia da sociabilidade” que, conforme defende van Dijck (2012), ativa impulsos relacionais via uma tecnologia própria do site que promove a geração de códigos algorítmicos configurados para calcular a popularidade, atenção e conectividade das relações. Uma configuração maquínica que, segundo van Dijck (2012), transformou a esfera privada a partir de sua apropriação, sem gerar uma nova esfera pública, como acreditam os teóricos entusiastas da Internet, mas, provocando alterações a partir de seu uso. “A cena simboliza a esfera social em transformação, esfera essa que prospera com a troca de gostos, sentimentos e preferências.” (VAN DIJCK, 2012, p. 162)20. Fala-se, então, de uma esfera privada mediada no Facebook. Uma mediação promovida na plataforma de rede social que, como aponta van Dijck (2012), apresenta-se como mídia similar às antigas ou tradicionais, pois também é uma técnica que visa ao comércio, à institucionalização de processos e está vulnerável ao controle e influência da censura governamental, o que confirma a impossibilidade de se falar do surgimento de uma nova 20

Tradução nossa para: “The scene epitomizes a transforming social realm, a realm that thrives on the exchange of tastes, feelings, and preferences.” (VAN DIJCK, 2012, p. 162).





49 esfera pública, mas sim de um novo canal de publicidade, sociabilidade e exposição de privados, como afirma a autora: Para Habermas, a esfera pública só é possível em uma cultura coletiva (comum) e não corporativa. Apesar da retórica abundante de 'partilha' e da 'produção' usada em manifestos corporativos, a propriedade comum é difícil de se encontrar na web 2.0 (van Djick e Nieborg 2009). No mundo ocidental, as plataformas corporativas compõem a maior parte da mídia social, deixando apenas uma pequena porcentagem de plataformas não-comerciais, nomeadamente Wikipedia e vários sites de compartilhamento de arquivos. A menos que mais modelos de propriedade alternativas sejam desenvolvidos, plataformas digitais nunca irão cumprir os critérios de Habermas para a esfera pública. (VAN DIJCK, 2012, p. 164)21.

Sem acreditar na existência de uma nova esfera pública, van Dijck (2012) cita Junger Habermas22 para sustentar tal hipótese. A autora ainda complementa: “Habermas acredita que canais de mídia seriam uma parte formativa na criação de conhecimento público coletivo e opinião e conclui que a maioria das plataformas de mídia baseados na web são insuficientes para cumprir esta função.” (VAN DIJCK, 2012, p. 164)23. O Facebook atua, conforme van Dijck (2012), como um espaço que reproduz as normas de interação e comportamento da sociedade off-line, produzindo, a partir de seu uso, novas formas de sociabilidade e alterando as regras de proteção da esfera privada, ao contribuir para tornar tudo facilmente transparente na rede e, ao mesmo tempo, mais manipulável e controlável pelas instituições. Uma mistura entre privado e público é o que van Dijck (2012) diz acontecer no Facebook, algo possibilitado pelo excesso de autonomia, expressão de si e sustentado pela disponibilidade de maior controle de dados privados, características estas negativas para van Dijck (2012): “Enquanto muitas pessoas consideram as mídias sociais

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Tradução nossa para: “For Habermas, the public sphere is only possible in a noncorporate, collectivist (communist) culture. Despite the abundant rethoric of 'sharing' and 'produsing' used in corporate manifestoes, common ownership is hard to find in web 2.0 (van Djick and Nieborg 2009). In the Western world, corporate platforms make up the bulk of social media, leaving only a small percentage of noncommercial platforms, notably Wikipedia and several file-sharing sites. Unless alternative ownership models are developed, digital plataforms would never meet Haberma's criteria for the public sphere.” (VAN DIJCK, 2012, p. 164). 22 Junger Habermas é o principal teórico da noção de “esfera pública”, expressão que é o fundamento de sua teoria democrática. Tal estudo defende o modelo de democracia deliberativa ou participativa, com o foco na linguagem e na produção da opinião pública e de tomada de decisão por meio de “processos discursivos”. Falamos mais sobre o autor no próximo capítulo. 23 Tradução nossa para: “Habermas believes media channels to be a formative part in the creation of collective public knowledge and opinion and concludes that most web-based media platforms fall short in fulfilling this function.” (VAN DIJCK, 2012, p. 164).





50 como uma tradução técnica da sociabilidade humana, a sociabilidade é mais uma construção projetada do que um resultado da interação social humana.” (p. 168)24. A metáfora maquínica utilizada por van Dijck para representar a forma como o Facebook atua parece ser ideal para esse site. Um lugar de performances de privados, em que as presenças também são construídas, consoante os estudos de Recuero (2014a), sobre o público e privado na rede. Para ela, as “representações do self” (RECUERO, 2014a, p. 59), que fazem parte da esfera privada, são performatizadas na rede, “cuidadosamente montadas como espaços pessoalizados, que trazem impressões construídas para dar uma ou outra impressão para a possível audiência [...]”. A complexa mistura entre o privado e o público no Facebook ocorre quando o sujeito compartilha seu conteúdo performatizado na rede. Uma construção é explicitada e pode ganhar visibilidade em outras redes, diferentes das redes conectadas ao sujeito que compartilhou o conteúdo. Porém, para conquistar visibilidade, o conteúdo disseminado pelo sujeito deve atender pelo menos a uma parte do contrato comunicacional, utilizando estratégias de publicidade para ser eternizado na rede, de forma pública, sem prejudicar a imagem do sujeito, como afirma van Dijck (2012, p. 166): “A comunicação informal não é mais informal, nem efêmera, mas cada mensagem é eternizada no espaço digital: você pode (verbalmente) expressar um juízo pessoal, mas publicá-lo na web é uma estratégia completamente diferente.”25 As estratégias citadas por van Dijck (2012) são discursivas e necessárias para uma comunicação no Facebook, principalmente as construídas pelas ONGs ambientais, que apostam na comunicação para ampliam a visibilidade e a legitimidade de suas causas. Consoante a autora, Emediato (2015) caracteriza o Facebook como uma rede de discursos, configurando-se como “um espaço retórico por natureza” e, como tal, “não se faz nada em uma rede social, no sentido estrito do verbo ‘fazer’. Mas no sentido pragmático, se faz muita coisa em uma rede social, como o Facebook, por exemplo. A palavra se faz ação, efetivamente” (EMEDIATO, 2015, p. 173). 24

Tradução nossa para: “While many people consider social media to be technical translation of human sociality, sociality is rather an engineered construct than a result of human social interaction.” (VAN DIJCK, 2012, p. 168). 25 Tradução nossa para: “Informal communication is no longer informal nor ephemeral, but every message is eternalized in digital space: you may (verbally) express a personal judgment, but publishing it on the web is a diferent strategy altogether.” (VAN DIJCK, 2012, p. 166).





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Por se configurar como um espaço discursivo por excelência, é que o Facebook satisfaz o desejo de expressão da retórica humana, segundo Emediato (2015). Anseio antes limitado e controlado pelo ambiente institucional, em que a fala era exercida por homens que detinham o acesso aos dispositivos institucionais. Hoje, a expressão é possível a um número maior de humanos conectados à Internet que, por meio do Facebook, podem interagir com redes sociais distintas, construindo enunciados diversos e múltiplas imagens de si, novos afetos e debates públicos (EMEDIATO, 2015, p. 191). 2.3.2 Da linguagem do Facebook Enquanto o Facebook cresce como ferramenta social e comercial, agregando cada vez mais usuários e instituições de todo o mundo, avançam também as apropriações desse espaço para criar novos sentidos e convenções, principalmente no campo da linguagem. Como dito anteriormente, a sociedade moderna, que conta com o advento de um novo espaço discursivo digital, a Internet, inaugura um novo tipo de linguagem, a partir da apropriação e da modificação de características e linguagens já existentes em outras mídias, uma verdadeira hibridização (SANTAELLA, 2001), unida ao fortalecimento de uma linguagem líquida, espetacular e disciplinada. Já o Facebook, como um site que traduz e reconstrói redes sociais (RECUERO, 2014a), preexistentes ou não no espaço físico, permite o desenvolvimento de interações sociais, em movimento incessante, e gera a partir delas novas formas de sentidos em seu ambiente digitalmente programado para incentivar tais interações que, como já dissemos, são denominadas conversações por Recuero (2014a). Tais características comunicativas são características desse tipo de site e o torna, cada vez mais, um objeto interessante de estudo, por suas limitações e possibilidades sociais e políticas. Como inegável território virtual para expressão e conversação, o Facebook acopla conversas públicas e coletivas em rede (RECUERO, 2014a) de usuários que se apropriaram da técnica para uma prática social. No site, predomina a conversação textual, apesar de existirem ferramentas para adição de uma interação oral e visual. A linguagem é, sobretudo, informal, digitalizada e apresenta diferentes nuances, próprias de cada recurso interativo do site (FIG.4).





52 Figura 5 – Principais recursos interativos de uma página no Facebook

Fonte: https://goo.gl/A554pR

A FIG. 4 apresenta o perfil de uma marca, também chamada “página”. As páginas possuem uma Linha do Tempo, assim como os perfis pessoais, que são uma espécie de memorial da vida e representação virtual dos usuários ou, conforme o próprio Facebook, “um conjunto de fotos, histórias e experiências que contam a sua história”26. É na Linha do Tempo que estão os posts, as publicações de fãs ou amigos, as histórias que uma instituição ou pessoa foi marcada27 e também os recursos interativos indicados pelos círculos vermelhos na FIG.4. Um post no Facebook vem geralmente com um suporte visual, como fotografias ou ilustrações, configurando uma dinâmica “verbo-visual”, conforme aponta Emediato (2015), uma característica comum das redes sociais digitais. Também é usual, segundo o autor, a presença de formas de interatividade que visam constituir um “dialogismo interlocutivo”, aproximando-se dos modos dialogais. No Facebook, as formas interativas são representadas pelos botões “curtir”, “compartilhar” e “comentar”, cada um com sua função

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Disponível em: < https://goo.gl/QBH3Z1>. Acesso em: 21 de outubro de 2015 Segundo o próprio site do Facebook, a marcação é um tipo especial de link. “Ao marcar alguém, você cria um link para o perfil dessa pessoa. A publicação em que você marcar a pessoa também pode ser adicionada à Linha do Tempo dela”, sendo assim, um tipo de compartilhamento de informação. Disponível em: . Acesso em 21 de outubro de 2015

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53 específica, produzindo consequências diversas e que são compostos de visadas discursivas28 distintas, constituindo-se, de acordo com Emediato (2015) como atos de linguagem29. São recursos que apresentam funções conversacionais constituídas pela apropriação dos usuários desde o advento do Facebook. Há também outros recursos, como o uso de hiperlinks convidativos que remetem a propagandas, outros perfis no Facebook, ou sugerem a participação dos internautas, como podemos visualizar na imagem a seguir: Figura 6 – Post em página no Facebook destacando os recursos interativos mais utilizados

Fonte: https://goo.gl/fjZuSY

O botão “curtir” é o menor investimento realizado pelo internauta-leitor em sua interação com um post publicado no Facebook. Ao clicar em “curtir”, o usuário torna visível sua participação e toma parte do assunto que foi publicado, porém com pouco comprometimento. É o que explica Recuero (2014b, p. 119):

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Visadas discursivas são, para o teórico da análise do discurso, Patrick Charaudeau (2004), as intencionalidades selecionadas estrategicamente pelo sujeito produtor do enunciado para conquistar um interlocutor que ele considera ideal. Abordamos tal noção no Capítulo 4. 29 Charaudeau e Maingueneau (2014, p. 72) caracterizam como ato de linguagem a ação discursiva por meio da linguagem. Também abordaremos esse conceito no Capítulo 4.





54 É uma forma de participar da conversação sinalizando que a mensagem foi recebida. Além disso, ao “curtir” algum enunciado, os atores passam a ter seu nome vinculado a ele e tornam pública a toda a sua rede social que a mensagem foi “curtida” (essa mensagem aparece com uma notificação para as conexões de quem “curtiu”). [...] Nesse sentido, “curtir” algo adquiria uma série de contornos de sentido. Primeiro, seria uma forma menos comprometida de expor a face na situação, pois não há a elaboração de um enunciado para explicitar a participação do ator. Segundo, seria visto como uma forma de apoio e visibilidade, no sentido de mostrar para a rede que se está ali.

Já o botão “compartilhar” é utilizado pelos usuários que pretendem dar mais visibilidade ao post publicado em uma Linha do Tempo, desenvolvendo um maior alcance para o assunto após compartilhá-lo com toda sua rede social, permitindo que ele seja, posteriormente, visualizado por diversas pessoas. “Compartilhar uma informação também é tomar parte na difusão da conversação, na medida em que permite que os usuários construam algo que pode ser passível de discussão, uma vez que é de seu interesse, para sua rede social” (RECUERO, 2014b, p. 120). Emediato (2015) caracteriza o ato de compartilhar como irradiar uma publicação. Para ele, o compartilhamento “expressa uma apreciação positiva, já que compartilhar é amplificar a divulgação da publicação inicial” (EMEDIATO, 2015, p. 175). Se fôssemos medir o grau de adesão a um discurso, o compartilhamento seria o maior deles, que expressa uma ampla concordância com o tema destacado no post. A irradiação é, portanto, um fenômeno de grande importância, como descreve Emediato (2015, p. 185): O fenômeno evocado por Maingueneau (2014) da irradiação também se mostra nas redes como de grande relevância. De um lado, o poder de irradiação já é previsto no próprio dispositivo da rede pela ação de compartilhamento. Cada compartilhamento, além de irradiar conteúdos, pode transformar as versões originais e inseri-las em um novo gênero, em outra finalidade pragmática ou em outra perspectiva de problematização. O poder de irradiação das redes equivale ao do marketing viral na internet que, por sinal, já se encontra presente também no Facebook, pois as preferências de consumo do usuário já são codificadas pelas suas práticas de navegação e passam a se vincular a sua página na rede social.

Diferente da irradiação provocada pelo botão “compartilhar”, o “comentar”, dentre os três recursos interativos destacados aqui, é o que incita a conversação de forma explícita. O “comentar convida a uma ação mais efetiva do que simplesmente clicar e tornar visível uma participação por meio superficial. O usuário que clica em “comentar” está disposto a participar com um enunciado da construção da informação na Linha do Tempo da página. Dentre as ações de interatividade, comentar seria, assim, o ápice do engajamento de um





55 internauta. Como explica Recuero (2014b, p. 120): “É uma ação que não apenas sinaliza a participação, mas traz uma efetiva contribuição para a conversação”. Em pesquisa realizada por Recuero (2014b) com 300 pessoas que responderam a um questionário sobre a utilização dos recursos “curtir”, “compartilhar” e “comentar” no Facebook, 84% preferem comentar quando têm algo a dizer sobre o assunto. Tal dado confirma a hipótese de que os comentários envolvem maior participação dos sujeitos. Porém, ao mesmo tempo, identificou-se que, como a participação é a mais visível entre as existentes, existe um maior risco para a imagem do sujeito, pois “aquilo que é dito pode ser facilmente descontextualizado quando migrar para outras redes através das ferramentas de compartilhamento, de curtida ou mesmo de comentário” (RECUERO, 2014b, p. 121). Como falamos de um ambiente complexo e que apresenta movimento constante de informações, não podemos afirmar que sempre o número de comentários será menor do que o de compartilhamentos ou curtidas, por haver um maior receio em comentar. Tal constatação é relativa e varia de acordo com o assunto postado, número de participantes e de fãs, entre outras variáveis. Porém, o que podemos comprovar é a existência do receio por comentar, conforme pesquisa de Recuero (2014b, p. 122), que apontou, entre os usuários entrevistados, que “claramente há uma reticência em comentar”, indicando maior tendência dos internautas a “curtir” posts quando sentem que pode haver uma ameaça à sua reputação, devido à alta visibilidade do espaço de comentários. Além de proporcionar maior visibilidade, engajamento e interação, a estrutura do qual os comentários pertencem é hierárquica, apontam Berto e Gonçalves (2011, p. 105) para traduzir o movimento no qual “um usuário principal inicia as discussões e outros secundários a complementam”, produzindo novos elementos e valores. Tomando como base a análise do discurso, tais comentários são objeto de pesquisa desta dissertação e são considerados, deste ponto em diante, como reações discursivas30 aos posts. No Capítulo 4, explicamos o porquê de tal denominação.

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A noção de “reações discursivas” foi desenvolvida durante a pesquisa para esta dissertação. As reações discursivas são aquelas encontradas nos comentários dos posts, que incitam algum tipo de resposta ao tema publicado. Abordamos esse conceito no Capítulo 4.





56 Existem, atualmente na Espanha e na Irlanda, outros seis botões junto ao “Curtir” que ajudam a demonstrar os sentimentos em relação aos posts. Denominados Facebook Reactions, eles expressam emoções positivas como “Love” (Amei), “Haha” e “Yay” e negativas como “Sad” (triste) e o “Angry (Bravo)” O “Wow” é híbrido, já que pode ser usado para situações positivas ou negativas. Conforme a imagem a seguir: Figura 7 – Novos botões do Facebook em utilização na Espanha e na Irlanda

Fonte: http://goo.gl/rHzNmI

A novidade está sendo testada pelo Facebook, antes de decidir se a ferramenta será ajustada ou ampliada. O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, divulgou que as novidades visam

disponibilizar formas adicionais de expressão para os usuários do site, possibilitando-os interagir, por exemplo, em momentos desagradáveis e ruins, como o fim de relacionamentos ou a morte de entes queridos. Os botões negativos já são solicitados pelos usuários do Facebook há um tempo, para expressarem sentimentos negativos ou contrários, mostrando empatia em suas redes sociais durante momentos tristes ou tragédias. Espera-se, assim, que os novos botões contribuam para enriquecer o caráter conversacional e interativo do Facebook, ampliando seu papel de ferramenta de ação da sociedade virtual por meio de diversas linguagens.





57 3 DISCURSO E POLÍTICA: SOCIEDADE EM AÇÃO POR MEIO DA LINGUAGEM Neste capítulo, fazemos uma breve revisão de termos utilizados na Sociologia e nos estudos da Comunicação Política por Jünger Habermas (1984; 1997), Hannah Arendt (2010) e nos Estudos de Linguagens por Patrick Charaudeau (2012; 2013b). Apresentamos, inicialmente, as noções de esfera pública e discurso encontradas nas principais teorias discursivas utilizadas neste trabalho: a democrática de Habermas e a semiolinguística de Charaudeau. As duas noções contribuem para entender a dinâmica discursiva das ONGs ambientais em um espaço público. Posteriormente, apresentamos uma discussão sobre a constituição de esferas públicas virtuais na Internet e, especificamente, no Facebook, objeto desta pesquisa. Por fim, expomos, por meio de revisão bibliográfica, as noções de visibilidade pública e legitimidade e a mudança nesses conceitos com a passagem de esferas públicas físicas para virtuais. É importante acrescentar que consideramos esses estudos essenciais para entender a atuação ideal de públicos e ONGs ambientais em um espaço de redes digitais de comunicação. Além disso, vale a revisão literária para destacar o papel histórico do discurso como material de análise central dessas teorias e que a ele é atribuído certo poder político de engajamento e transformação social. Essa configuração do discurso como ferramenta para mudanças faz-se importante para nossa pesquisa, uma vez que este estudo analisa como os discursos podem mobilizar sujeitos, públicos e comunidades. 3.1 O discurso nas esferas públicas Desde o fim da configuração de espaços discursivos democráticos na Grécia Antiga, as conhecidas ágoras, nenhuma sociedade experimentou processo político democrático semelhante. As ágoras eram o ideal de espaço público que permitia a livre participação política dos cidadãos na época31. Não com simples votos ou “cliques” de um computador, como acontece hoje em websites de petições online ou ciberpetições32, mas com legítimos 31

Vale ressaltar que a participação política na democracia ateniana era restrita, excluindo mulheres e escravos, que não tinham voz nas ágoras. 32 Para Costa (2009, p. 52) ciberpetição é uma “formulação escrita de pedido ou reivindicação, em forma de abaixo-assinado ou não, feita na rede. Ao contrário de petição judicial tradicional, que é dirigida ao juiz competente ou que preside ao feito, não possui alto grau de formalidade linguística e interlocutiva, pois o





58 debates democráticos em que os cidadãos tinham voz e interagiam entre si em prol de uma realização coletiva. O conceito de democracia vem do grego dēmokratía, ou “governo do povo”; como o próprio sentido do nome nos traz, significa “1. Governo em que o povo exerce a soberania. 2. Sistema comprometido com a igualdade ou distribuição igualitária de poder” (HOUAISS; VILLAR, 2010, p. 225). Considerado utópico por muitos, o sistema de democracia ateniano qualifica que as questões de interesse público devem ser debatidas em uma esfera pública, lugar onde a vida pública se torna visível para gerar conversações e debates políticos igualitários e legítimos: A esfera da política, ou daquilo que afeta e concerne a todos, é a esfera pública, parte da vida humana que se destaca sobre um fundo constituído da esfera privada, que é a esfera da posse pessoal de bens e pessoas, da unidade familiar em cuja cabeça estava o senhor da casa. Sustentados na sua autonomia privada, os varões podiam emergir para a esfera dos negócios relacionados à comunidade política, domínio da visibilidade, âmbito das decisões sobre o que é comum, esfera da conversação. Nessa dimensão pública, sempre se parte de uma situação de paridade, pois aí os cidadãos devem necessariamente circular como iguais, para, em seguida, em função das habilidades demonstradas nas disputas argumentativas, estabelecerem-se as clivagens socialmente reconhecidas. (GOMES, 2008, p. 33).

Gomes (2008) sustenta suas afirmações nos estudos de Jünger Habermas33, o principal teórico da noção de esfera pública, termo que é o fundamento de sua teoria democrática. Tal estudo defende o modelo de democracia deliberativa, com o foco na linguagem e na produção da opinião pública e de tomada de decisão por meio de “processos discursivos”. Distinto dos antigos modelos liberais e republicanos de democracia, a democracia deliberativa distingue-se “entre estes a partir do meio ‘esfera pública’ ou do modo específico de sua materialização, a comunicação pública ou a discussão pública” (GOMES, 2008, p. 75).

conteúdo é variado: vai de boas causas (violação de direitos humanos, defesa do ambiente) a bobagens ou assuntos (doação de sangue raro) que podem ser pretextos de ‘caça’ a endereços eletrônicos para ‘roubo’ de informações pessoais de usuários mais incautos […]”. 33 Habermas apresentou o primeiro conceito de esfera pública em 1961 na publicação de Mudança estrutural da esfera pública, fruto de sua tese de pós-doutorado. A edição utilizada aqui é uma tradução do mesmo livro feita no ano de 1984. Em 1997, na publicação de Direito e democracia, 36 anos após Habermas apresentar um primeiro estudo em Mudança estrutural, o autor traz uma mudança no conceito de esfera pública, que não substitui a definição dada a priori, mas acrescenta uma caracterização referente ao princípio da privacidade na esfera ou nas esferas, pois também é apresentado que não há uma única esfera. Gomes (2008, p. 119) explica a mudança: “Em Direito e democracia, a esfera pública é o domínio social em que os fluxos de comunicação provenientes dos contextos da vida concreta de atores sociais, individuais ou coletivos, são condensados e filtrados como questões, indagações e contribuições, firmando-se ao redor do centro do sistema político como força tendente a influenciá-lo de modo favorável à esfera civil.”





59 Processos discursivos, para Habermas (1984), correspondem a ações públicas de formação da vontade e da opinião públicas em torno de um tema, visando sempre a um consenso. Para tais processos serem legítimos, eles precisam ter participação igualitária, coletiva, aberta e apresentar argumentos e razões disponíveis a todos. O autor defende, assim, o debate público, aberto e exposto em um espaço público por uma esfera também pública, não institucionalizada, em torno de questões referentes ao bem comum e coletivo para se chegar a um consenso democrático. Como “públicos”, Habermas (1984) considera os eventos que “[...] em contraposição às sociedades fechadas, são acessíveis a qualquer um – assim como falamos de locais públicos ou de casas públicas”. (p. 14). A esfera pública ideal de Habermas seria, então, uma espécie de dimensão social da exposição de argumentos em prol da formação de uma vontade geral ou uma opinião pública: Só a luz da esfera pública é que aquilo que é consegue aparecer, tudo se torna visível a todos. Na conversação dos cidadãos entre si é que as coisas se verbalizam e se configuram; na disputa dos pares entre si, os melhores se destacam e conquistam a sua essência: a imortalidade da fama. (HABERMAS, 1984, p. 16).

Nessa esfera habermasiana, os processos discursivos coletivos são formados pelas interações discursivas em um espaço de debate. Tal interação é que pode produzir consensos, como também, antes, fluxos de informação aos cidadãos para debaterem entre si e criarem ou modificarem seus argumentos, é o que explica Gomes (2008, p. 72) citando Habermas: A interação discursiva, a prescindir de sua capacidade de produzir diversos níveis de consenso, tem já a vantagem prévia de produzir mais informação sobre questões e problemas socialmente compartilhados, mais esclarecimento recíproco sobre perspectivas socialmente representadas, de criar oportunidades de reavaliação dos próprios pontos de vista à luz das críticas, argumentos e posicionamentos dos outros, de proporcionar chances de melhorar a qualidade das próprias razões nos procedimentos argumentativos quando todos demandam uns dos outros mais e melhores justificações.

Nota-se, nesse excerto que, no centro da teoria habermasiana, está o estudo sobre o papel da argumentação. Gomes (2008) aponta que a argumentação em uma discussão pública é a responsável pela seleção de informações por cada ator do discurso, a fim de criar certa “aceitabilidade racional” (p. 73). As esferas públicas são, assim, consideradas lócus da argumentação e da discussão, lugar onde ocorrem as práticas de interação discursiva, por vezes informal, capazes de influenciar a participação política e até alguma tomada de decisão



60 por cidadãos comuns ou atores coletivos, como as ONGs que estudamos aqui. É coerente dizer, então, que as esferas públicas são elementares para a atuação das ONGs. São nelas que as entidades expõem suas preocupações políticas e formulam suas demandas, bem como é nesse espaço que elas podem interagir com a sociedade de forma discursiva. Como discurso, valemos oficialmente nesta dissertação da conceituação vinda dos Estudos de Linguagens, especificamente da teoria semiolinguística, de Patrick Charaudeau, que considera discurso como ação, enunciação orientada a um fim, contextualizada, assumida, interativa e uma forma de unidade completa que mobiliza estruturas de uma outra ordem, diferentes da frase. Conforme Charaudeau (2013b) diz, o discurso: [...] está intrinsicamente ligado à organização da vida social como governo e como discussão, para o melhor e para o pior. Ele é, ao mesmo tempo, lugar de engajamento do sujeito, de justificação de seu posicionamento e de influência do outro, cuja encenação varia segundo as circunstâncias de comunicação, o que tornaria mais justo falar dos discursos do conceito político do que do discurso político. (p. 42-43).

Para Charaudeau (2013b), o discurso constitutivo do espaço político está, então, unido a outros espaços: de discussão, de persuasão e de decisão; necessários à organização discursiva que visa à ação política. Todos estão também conectados à argumentação, descrita por Habermas e recuperada por Charaudeau como fundamental atividade discursiva em que há uma “busca de racionalidade que tende a um ideal de verdade quanto à explicação de fenômenos do universo” (CHARAUDEAU, 2012, p. 206)34. Com isso, o teórico vai além e aponta uma segunda busca, além da razão, para a argumentação. Charaudeau (2012) defende que o sujeito que argumenta também procura uma influência, visando o olhar do outro que está participando de um debate. Persuadir pela argumentação é o segundo ponto que o autor utiliza para explicar os objetivos do ato discursivo, atualizando a conceituação de Habermas (1984) sobre a argumentação discursiva, que considera somente as lógicas de raciocínio. 34

A argumentação está ligada ao conceito de retórica, mais precisamente no contexto da nova retórica, um aprofundamento da clássica retórica de Aristóteles na Grécia Antiga (século V a.c), proposto pelo teórico Chaim Perelman. O autor foca seus estudos da nova retórica nas técnicas de argumentação, enquanto na antiga retórica o foco estava na persuasão, explica Silveira ( 2006, p.80): “Os discursos da retórica clássica eram essencialmente orais e dirigidos à multidão da ágora que, de modo imediato, aprovava ou não as palavras do orador. Atualmente as condições do discurso são bem mais complexas, porque ultrapassam limites não estabelecidos ou sequer imaginados por Aristóteles. Para Perelman, não se pode mais considerar como persuasivo apenas o que se expõe oralmente, pois a Nova Retórica se refere, também, aos textos escritos; os quais, igualmente, usam da persuasão e do convencimento para se tornarem eficazes”.





61 Ambos os autores consideram, assim, que o discurso é constitutivo da política e esta não existe sem a linguagem. É a linguagem que induz à ação política, orienta e dá sentido à atividade. Para explicarmos um pouco sobre a ação política, utilizamos Arendt (2010), fundadora de tal expressão. Agir, para Arendt (2010, p. 221), significa “tomar iniciativa, iniciar (como indica a palavra grega archein, ‘começar’, ‘conduzir’ e, finalmente, ‘governar’), imprimir movimento a alguma coisa”. Arendt (2010, p. 220) defende que a ação é indissociável do discurso e que ambos são necessários ao ser humano, para se fazerem compreender: “Por meio deles, os homens podem distinguir a si próprios, ao invés de permanecerem apenas distintos; a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos aparecem uns para os outros, certamente não como objetos físicos, mas qua homens.” Com isso, Arendt (2010, p. 189) evidencia também em seu estudo a importância da ação e do discurso para a vida coletiva democrática. Ainda para a autora: “é com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano, e essa inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato simples do nosso aparecimento físico original”35. Arendt (2010) defende, assim, que não há política sem discurso, ideia presente nos postulados de Habermas e Charaudeau. 3.2 Um debate sobre a constituição de esferas públicas virtuais O conceito de esfera pública de Habermas passou por uma transformação em seu significado ao longo dos anos, de esfera pública burguesa para esfera pública contemporânea, esta composta por uma interface forte com a comunicação de massa, a principal mudança aconteceu na mediação dos processos discursivos. Hoje, trocas argumentativas e debates passam por uma mediação tecnológica proporcionada pelos meios de comunicação modernos. Em uma atualidade mais complexa do que a da época em que Habermas teorizou sobre a esfera pública (1961), tal conceito pode parecer utópico aos olhos de quem vive uma descrença democrática atual, mas ele se apresenta como 35

A partir deste excerto, vemos que Arendt deixa também clara sua defesa pela visibilidade do homem, que deve ser aparente para ser considerado real, indicando, assim, uma contribuição para o entendimento do horizonte de nossa pesquisa, em que ação política, discurso e visibilidade estão ligados pela interface das ONGs ambientais nas redes sociais.





62 orientador para a busca por um ideal democrático, assunto que voltou a ser discutido com o surgimento de processos discursivos políticos no ambiente digital da Internet. A chamada esfera pública virtual foi idealizada com o surgimento da Internet, em meados da década de 80 (BRIGGS; BURKE, 2006; GOMES, 2008). Ela foi pensada de forma entusiasmada pelos teóricos da época, que usaram como justificativa a afirmação da teoria habermasiana de que para ocorrer democracia, os cidadãos precisariam, além de outras características, ter um fluxo considerável de informação. Entende-se que essa é uma das principais características do meio digital proporcionado pela Internet, que fez surgir, em um primeiro momento do trabalho acadêmico acerca das implicações democráticas da Internet, uma infinidade de pesquisas “triunfalistas”, sob o discurso de que a revolução tecnológica atual seria a salvação de diversos déficits da sociedade civil (LEMOS; LÉVY, 2010; CASTELLS, 2003; JENKINS, 2009). Na década de 90, podemos destacar o estudo de Lemos e Lévy (2010), dois dos principais teóricos entusiastas da Internet, que defendem suas teses ancoradas nos benefícios da chamada “cibercultura”36, espaço que, segundo os autores, inaugurou práticas e sociabilidades a partir do surgimento das novas tecnologias. Dentro dessa noção defendida por Lemos e Lévy (2010), estão os princípios de “inteligência coletiva” e também de “ciberdemocracia”. Como inteligência coletiva, Lemos e Lévy (2010) consideram um fenômeno que emerge a partir da liberação da palavra. Inteligência coletiva seria, então, um tipo de conversação mundial que fomenta opinião pública local e global, ao mesmo tempo. Por fim, ciberdemocracia é a noção que abarca a chamada esfera pública digital de Lévy, que defende a emergência de intensas deliberações coletivas democráticas como resultado da expansão do ciberespaço 37 . Para Lemos e Lévy (2010, p. 14), “a computação social aumenta as possibilidades da inteligência coletiva e, por sua vez, a potência do ‘povo’”. Entretanto, muitas são as críticas (MAIA, 2008; WOLTON, 2012) ao modelo tecnicista de Lemos e Lévy. Os teóricos contrários defendem que tais estudos são limitados à ação da 36

“A cibercultura é o “conjunto tecnocultural emergente no final do século XX impulsionado pela sociabilidade pós-moderna em sinergia com a microinformática e o surgimento das redes telemáticas mundiais; uma forma sociocultural que modifica hábitos sociais, práticas de consumo cultural, ritmos de produção e distribuição da informação, criando novas relações no trabalho e no lazer, novas formas de sociabilidade e de comunicação social.” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 21-22). 37 Lemos e Lévy (2010) acreditam que o crescimento do ciberespaço e das ferramentas tecnológicas de interação e conectividade nesse espaço proporcionam oportunidades ciberdemocráticas de ação política e deliberação na Internet.





63 tecnologia na vida das pessoas e não aos seus usos e apropriações. Wolton (2012, p. 25) chama essa corrente de pesquisa de “ideologia tecnológica”, por defender a noção de que “o avanço técnico é sinônimo de progresso, principalmente no âmbito da comunicação” (WOLTON, 2012, p. 25), ponto esse bastante questionável aos olhos de Wolton (2012), que não acredita em uma liberdade de informação ou “expressão” democrática, conforme diz Lemos e Lévy (2010), nas redes de Internet. Para Wolton (2012), o acesso amplo e direto proporcionado pelo meio digital online não tem uma relação com a democracia, pois na Internet “a democracia é, ao contrário, ligada à existência de intermediários de qualidade” (WOLTON, 2012, p. 108), em um ambiente em que impera o controle e a filtragem de informações. O autor assim justifica sua tese: Se durante dois séculos, o ideal da informação foi de produzir e difundir o mais rápido possível uma informação, diretamente acessível ao público, sem intermediários que eram como censores, a realidade de hoje é sistematicamente inversa. É preciso reintroduzir os intermediários para verificar o fornecimento e a utilização da informação, pois as capacidades técnicas são tamanhas que milhões de informações podem ser fornecidas e solicitadas sem nenhum controle. A ausência de controle, que foi um objetivo democrático a ser atingido durante séculos porque se tratava de se desvencilhar das múltiplas censuras, torna-se hoje uma das principais ameaças, porque a lógica dominante se inverteu. (WOLTON, 2012, p. 108).

Ao apontar questões sobre controle e democracia nas redes de Internet, Wolton (2012) apresenta em seus estudos uma extensa e importante discussão crítica sobre o uso das tecnologias na comunicação que é apresentada no capítulo anterior. Outro contraponto à ideologia tecnológica é o de Maia (2008), que defende o aparecimento de prováveis esferas públicas virtuais, termo informal para designar um espaço democrático que possa surgir em um ambiente na internet. Para Maia (2008), pode existir uma ou várias esferas públicas nesse meio, porém, para serem consideradas como espaços com “níveis de deliberação democrática”, precisam atender a certas características do modelo habermasiano de deliberação, que, como foi dito no princípio desta dissertação, exige debate público racional, livre e aberto, conforme aponta a autora no excerto: Contudo, se haverá ou não o processo de debate é algo que não pode ser decidido a priori, pois o debate depende da livre motivação e da ação dos próprios concernidos, que é contingencial e imprevisível. Além disso, é preciso cumprir certas condições. O “debate crítico-racional” é mais que uma pluralidade de vozes, pois é focado e se caracteriza por discussões singulares. Requer que os parceiros construam, de maneira coordenada e cooperativa, um entendimento partilhado sobre uma matéria comum. As pessoas devem expressar o que elas têm em mente; devem ouvir o que os outros têm a dizer e responder as questões e os questionamentos. Isso demanda,





64 por sua vez, uma atitude de respeito mútuo. (MAIA, 2008, p. 287, grifo do autor).

A realização de um debate crítico-racional que possa originar uma deliberação democrática depende, então, conforme Maia (2008), de uma pluralidade de vozes, ao entendimento entre as partes do debate e do respeito mútuo. Tais condições podem parecer difíceis de se obter em um ambiente virtual de Internet; por essa razão, Maia (2008) e Gomes (2008), diferentemente dos teóricos entusiastas da primeira onda de estudos da Internet, ponderam em seus estudos o fenômeno da Internet como “possível instrumento de democratização”, uma busca constante em que há uma aproximação dessas condições da deliberação e não efetivamente ela em si, a partir das possibilidades próprias desse meio digital de participação política ampliada. Ao mesmo tempo, ambos autores ressaltam algumas vantagens do meio, como: A internet oferece uma grande variedade de informações, e não apenas material de origem oficial. Reduz os custos da participação política e permite envolver diferentes parceiros da interlocução, desde a troca de e-mails numa base cidadãocidadão, chats e grupos eletrônicos de discussão, até amplas conferências. Isso significa um potencial de interação inédito, se comparado com os veículos de comunicação tradicionais. A rede pode proporcionar um meio pelo qual o público e os políticos podem comunicar-se, trocar informações, consultar e debater, de maneira direta, rápida e sem obstáculos burocráticos. Nos domínios da política institucional-formal e da sociedade civil, não há dúvidas de que estão sendo criadas plataformas suplementares importantes para a participação política. (MAIA, 2008, p. 277).

Podemos falar, assim, que ocorrem nos espaços da Internet certos “níveis” de deliberação, conversação/interação, engajamento político e participação, categorias usadas nas análises do corpus de nossa pesquisa, que é composto de posts e comentários nas páginas das ONGs no Facebook. A deliberação que pode ocorrer nas esferas – tão necessária à teoria habermasiana para se instaurar um processo democrático de produção de conversações políticas argumentativas e tomadas de decisão legítimas sobre questões que afetam o coletivo – conta com certos pressupostos para acontecer, são eles: inclusividade, igualdade, reflexividade, reciprocidade, uso da razão, ausência de coerção e respeito mútuo (MAIA, 2008). Tudo isso passa pela conversação política que pode ocorrer na Internet, porém, são somente possibilidades e níveis, como descrito nos parágrafos anteriores. Vimos que Gomes (2008) e Maia (2008) propõem uma avaliação ponderada do uso e apropriação da Internet como ferramenta de participação política, uma visão que também defendemos em nosso trabalho de pesquisa. Ambos consideram que os novos meios de comunicação digital podem fazer muito pela participação política, a partir de suas



65 características próprias como superação dos limites de tempo e espaço, número ilimitado de informações online, conveniência, facilidade de acesso, interatividade e oportunidades de vozes. Contudo, alguns problemas como falta de informação qualificada sobre política, desigualdade de acesso, sistemas midiático e político ainda fechados e a questão do controle das redes, ainda ameaçam a deliberação democrática conforme os moldes habermasianos. Uma visão mais ponderada parece-nos ideal a se seguir nos estudos da Internet como ambiente político e comunicacional, conforme Gomes (2008, p. 326), ao citar Peter Dahlgren (2001, p. 53), [...] a “questão hoje não é tanto como a internet vai mudar a vida política, mas, sobretudo, o que pode motivar mais pessoas a ver-se como cidadãos de uma democracia, a envolver-se na política e – para aqueles que têm acesso – a empregar as possibilidades que a rede ainda oferece. Algumas respostas deverão ser encontradas na própria rede, mas a maioria reside nas nossas circunstâncias sociais”.

Diante disso, conclui Gomes (2008, p. 326): “é preciso, então, que se saia o mais rapidamente possível da retórica do diagnóstico (positivo ou negativo) para uma perspectiva de responsabilidade e tarefa”. Tal visão sugerida por Gomes (2008) nos parece apropriada para uma análise de material discursivo político na Internet e foi, assim, utilizada como base para nossas reflexões posteriores. 3.3 Visibilidade pública e legitimidade nas esferas públicas virtuais Para interagirem discursivamente nas esferas públicas virtuais, as ONGs precisam dar visibilidade pública a suas demandas. A interação discursiva pode fortalecer suas alianças, criar novas alternativas de participação a distância e ainda ampliar as redes locais de participação, aumentando sua legitimidade e, assim, suas chances de influenciar nos processos de tomada de decisão. Tal dinâmica discursiva, que pode levar a uma visibilidade pública e a uma ampliação da legitimidade, é encontrada na teoria democrática de Habermas e na teoria semiolinguística de Charaudeau. Ambos os autores defendem que os sujeitos necessitam criar argumentos legítimos para que suas teses ganhem visibilidade e possam contribuir para um consenso entre os sujeitos que as debatem. Visibilidade e legitimidade são, assim, noções intimamente ligadas em Habermas e em Charaudeau, importantes para entender como se dá a configuração dos processos discursivos que visam à ação política (ARENDT, 2010).





66 Habermas (1984), em seu estudo sobre a visibilidade, ou a visibilidade pública, como o prefere denominar em sua teoria democrática, a considera um tipo de esfera pública em que está tudo o que pode ser visível ao público. Para ele, tal esfera sempre fez parte da sociedade, que vive em comunidade e administra sua vida coletiva a partir da visibilidade, que pode ser de argumentos, ações e discursos que saem da dimensão privada para a pública, a fim de se tornarem acessíveis para a discussão coletiva. Considerada por Habermas (1984) também como “publicidade social”, um princípio democrático fundamental para o debate público e, muitas vezes, confundida com a própria noção de debate nos estudos do teórico alemão, a noção de visibilidade pública ganha na atualidade um contorno duplo de exposição persuasiva ou pura exibição e, ao mesmo tempo, de discussão pública. Tal noção de visibilidade vista como publicidade social é discutida por Gomes (2008), que apresenta um contraponto a Habermas (1984). Para Gomes (2008), existem, na verdade, duas esferas separadas por conceituações próprias, que, juntas, formam a noção de publicidade social: a esfera do debate público e a da visibilidade pública. Ambas coexistem em uma democracia, pois à primeira, também chamada “esfera pública deliberativa”, não se deve somente a exposição, e sim a argumentação tão necessária para a deliberação38 de assuntos públicos. Já a esfera da visibilidade pública é a cena pública, igualmente necessária para expor as questões para a esfera da discussão pública. As duas são fundamentais, é o que confirma Gomes (2008, p. 136): Enfim, a esfera de visibilidade pública é, além disso, fundamental para a esfera da discussão pública numa democracia de massa por pelo menos duas razões: a) a esfera pública deliberativa precisa de exposição da esfera de visibilidade pública para cumprir o seu papel de discussão aberta a todos os concernidos. Numa sociedade de massa, a disponibilidade e a acessibilidade, características essenciais da esfera do debate público, podem garantir-se apenas formalmente – o que equivale a perder-se – se não se convertem em visibilidade; b) a esfera de visibilidade pública torna disponíveis, ainda que na maior parte das vezes não os produza, os temas de interesse público que são introduzidos no debate público ou que provocam a instalação de debates públicos, internos ou externos à própria cena pública. (grifos do autor)

A esfera de visibilidade pública envolve, assim, o princípio democrático de publicidade social, que garante, conforme Gomes (2008), a disponibilidade e acessibilidade de argumentos, discursos e pontos de vista, de modo que o debate gere legitimidade para 38

Deliberação é condição necessária para a obtenção de legitimidade e, segundo Maia (2008), “não é entendida como tomada de decisão que se dá num determinado momento, mas, sim, como processo argumentativo” e “intercâmbio de razões feito em público” (COHEN, 1997, p. 73 apud MAIA, 2008, p. 166).





67 proposições e seus interlocutores. Tal esfera compreende processos para tornar público e aparente o que se deseja, de modo que discursos tornados visíveis possam produzir diálogos. Arendt (2010), em seus amplos estudos sobre visibilidade, confirma a posição de Habermas (1984) e Gomes (2008) sobre a similaridade dessa noção com a publicidade e a considera também como uma esfera de “domínio público” coletiva. A autora acredita que é necessário que questões e fenômenos comuns ganhem visibilidade para atestarem que de fato existiram; a aparência constitui, assim, a realidade (ARENDT, 2010). Para Arendt, a visibilidade é, portanto, necessária à vida em comunidade: Uma vez que nosso senso de realidade depende totalmente da aparência e, portanto, da existência de um domínio público no qual as coisas possam emergir da treva de uma existência resguardada, até a meia – luz que ilumina nossas vidas privada e íntima deriva, em última análise, da luz muito mais intensa do domínio público. (ARENDT, 2010, p. 63).

A “realidade” citada por Arendt (2010), consequente da visibilidade de questões ocorridas no domínio público, antes de ser vista como “real”, passa por um processo de mediação, em que é transformada até ser adequada à “aparição pública” (ARENDT, 2010, p. 61): [...] mesmo as maiores forças da vida íntima – as paixões do coração, os pensamentos do espírito, os deleites dos sentidos – levam espécie de existência incerta e obscura, a não ser que, e até que, sejam transformadas, desprivatizadas e desinvidualizadas, por assim dizer, de modo que assumam um aspecto adequado à aparição pública.

Na era tecnológica atual, tal mediação da visibilidade apontada por Arendt (2010) é realizada na esfera dos meios de comunicação de massa, antes de chegar à esfera de domínio público comum, fundando, assim, uma nova visibilidade, de caráter midiático, como nos assegura também Thompson (2008, p. 21): O desenvolvimento das mídias comunicacionais trouxe, desse modo, uma nova forma de visibilidade – ou, para ser mais preciso, novas formas de visibilidade cujas características específicas variam de um meio para outro – que se diferencia em aspectos essenciais da visibilidade situada da co-presença.

Tal transformação na visibilidade pública é consequência de uma mudança nos processos de comunicação que ocorreu com o advento dos meios de comunicação, como a imprensa, que, segundo Gomes (2008, p. 45), iniciou o processo de “[...] intermediar o raciocínio das pessoas privadas reunidas num público”. A mídia, detentora de ferramentas de comunicação, interfere



68 na esfera pública, que passa de dimensão coletiva argumentativa, visando a um bem comum coletivo, para uma “dimensão social da exibição discursiva midiática de posições privadas que querem valer publicamente” (GOMES, 2008, p. 53). Exibição, encenação, persuasão e sedução, são, assim, características latentes dessa nova esfera de visibilidade pública midiatizada e, se um argumento precisa ser exposto, é nessa esfera que ele deve circular. Segundo Gomes (2008, p. 118), grande parte dos cidadãos, instituições e práticas políticas democráticas “[...] estabelece relações fundamentais com o espaço discursivo predominante: a cena midiática”. Entretanto, vale aqui destacar que nem todos os argumentos e práticas políticas devem ou se fazem visíveis para o público. Muitas vezes selecionados por instituições ou devido a artimanhas políticas para se fazerem invisíveis e inacessíveis aos cidadãos, certos temas não são expostos e, por consequência, são indiscutíveis na esfera pública deliberativa. A não transparência (GOMES, 2008) se configura, assim, como um tipo de estratégia política do âmbito democrático, muitas vezes considerada pelo senso comum como prejudicial ao debate público por inviabilizar o conhecimento dos temas necessários para discussão, mas atuante também como ferramenta eficiente para a artimanha dos agentes políticos. De qualquer modo, os temas e argumentos que são visíveis na esfera de discussão pública se fazem assim para serem legitimados ou, como aponta criticamente Gomes (2008, p. 138), apenas para “[...] obter adesão ou, pelo menos, tolerância do conjunto dos cidadãos”. Intimamente ligada ao conceito de visibilidade, a legitimidade é outro aspecto que nos interessa abordar nessa pesquisa tendo em vista que, para alcançar a adesão de mais pessoas, o discurso ambientalista tem que se apresentar como legitimado para levantar suas bandeiras. Essa noção tem sido historicamente discutida desde Platão e Kant até, recentemente, pelos autores evocados em nossa pesquisa: Habermas (1997), Weber (1999) e Charaudeau (2013b) – sendo que este que faz uma retomada dos anteriores, acrescentando discussões sobre o papel da linguagem em interface com o conceito de legitimidade.





69 Nos estudos sociológicos de Weber (1999)39, a legitimidade foi comparada com autoridade, verdade e lei. Habermas (1997), por sua vez, toma esse conceito de Weber para apresentar uma visão diferente da legitimidade, afastada da noção de legalidade. Ao refutar a ligação entre tais noções, Habermas (1997, p. 319) apresenta um novo fundamento para a legitimidade, dizendo que ela “não deriva mais de um direito moral superior, porém ele pode consegui-la através de um processo de formação da opinião e da vontade, que se presume racional”. Com essa afirmação, Habermas confirma sua teoria do discurso, que, como já foi apresentada no início de nossa dissertação, pressupõe o debate democrático racional entre sujeitos como produtor de consensos que visam legitimar normas e modos de agir. Segundo o autor, [...] à luz desse princípio do discurso, os sujeitos examinam quais são os direitos que eles deveriam conceder uns aos outros. Enquanto sujeitos do direito, eles têm que ancorar esta prática da autolegislação no medium do próprio direito; eles têm que institucionalizar juridicamente os próprios pressupostos comunicativos e os procedimentos de um processo de formação da opinião e da vontade, no qual é possível aplicar o princípio do discurso. Por conseguinte, o estabelecimento do código do direito, levado a cabo com o auxílio do direito geral a liberdades subjetivas de ação, tem que ser completado através de direitos de comunicação e de participação, os quais garantem um uso público e equitativo de liberdade comunicativas. Por este caminho, o princípio do discurso assume a figura jurídica de um princípio de democracia. (HABERMAS, 1997, p. 319, grifos do autor).

Socialmente legítimas para Habermas seriam, então, as questões que foram, “[...] submetidas a um tirocínio racional, lealmente conduzido, aberto a todos os concernidos, orientado pelo princípio do melhor argumento”. (GOMES, 2008, p. 123). Para se tornarem legítimos e de direito, tais argumentos passam por um processo de legitimação, muitas vezes influenciado pela mídia, que consiste em fazer primeiro com que as decisões e opiniões ganhem a esfera de visibilidade pública, para serem discutidas, posteriormente, na esfera deliberativa e, por fim, legitimadas pelos cidadãos por “[...] assentimento, adesão ou, pelo menos, uma simpática tolerância”. (GOMES, 2008, p. 124). Consoante a Habermas, Charaudeau (2013b) considera a legitimidade como algo que necessita de um processo de legitimação para se tornar de direito e, uma vez conquistada, a legitimidade precisa passar, constantemente, pelos processos de legitimação para que seja reforçada. A legitimidade é, assim, o resultado de um reconhecimento pelos sujeitos de um 39

Weber (1999, p. 155) defende legitimidade como “conformidade à lei”, muitas vezes confundida com autoridade e norma. A sua legitimidade, conforme Habermas (1997, p. 93), “depende da fé na legalidade do exercício do poder”.





70 grupo ou de uma sociedade. Esses sujeitos legitimadores são também os alvos do discurso emitido, pois a intenção final do processo é legitimar pessoas, argumentos ou circunstâncias. Em nossa pesquisa, consideramos que a legitimidade de direito é algo que as ONGs ambientais já possuem, pois foi algo já instituído em sua inscrição no terceiro setor. Por isso, optamos por falar aqui de legitimação, que é a utilizada “para significar que o sujeito falante entra em um processo de discurso, que deve conduzir a que reconheça que tem direito à palavra e legitimidade para dizer o que diz” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p. 295). Ao chamado processo de legitimação, fazem-se necessárias as “estratégias de legitimação” (CHARAUDEAU, 2013b), a serem utilizadas taticamente nos discursos circulantes na esfera de visibilidade pública, que é midiatizada, encenada, lugar em que o espetáculo ganha atenção da sociedade. Como estratégia de discurso, Charaudeau (2013b) considera que tal legitimação40 é conduzida pelo sujeito falante. É ele quem constrói ou adquire uma posição de autoridade 41 como locutor de enunciados legítimos e, para manter tal posição, precisa empregar recursos discursivos de legitimação para ser reconhecido por outros sujeitos. As estratégias de legitimação utilizadas para conquistar ou ampliar a legitimidade estão ancoradas na atividade de persuasão e sedução do olhar do outro sujeito legitimador, produzindo um reconhecimento recíproco entre as partes. É o que afirma Charaudeau (2013b, p. 76): É preciso que essas duas partes alimentem permanentemente essa relação de investidura e de controle: o que foi investido de um poder tem necessidade de assegurar que ele seja sempre reconhecido como legítimo; o que delegou deve verificar se a investidura encontra-se sempre justificada.

Há, portanto, também outras duas estratégias que alimentam a estratégia de legitimação, que são as de captação e as de credibilidade. As três juntas constituem-se os três espaços das estratégias do discurso para Charaudeau e Maingueneau (2014). As estratégias de captação

40

A essa legitimidade focada na identidade social do indivíduo, Charaudeau (2013b) nomeia “legitimidade discursiva”, noção defendida por nossa pesquisa e utilizada nas análises da dissertação. 41 Charaudeau (2013b, p. 68) alerta que não se pode confundir legitimidade com autoridade. A posição de autoridade de um sujeito em um determinado momento não conduz imediatamente à interpretação que ele é legítimo. Legitimidade é direito adquirido e autoridade está ligada à submissão do outro.





71 são aquelas que, utilizadas por um enunciador, visam a seduzir ou persuadir um interlocutor, por meio de atitudes polêmicas ou dramáticas. Já as estratégias de credibilidade são aquelas utilizadas pelo enunciador para definir uma posição de verdade, a fim de que ele seja levado a sério. Charaudeau (2013b, p. 67) distingue conceito de legitimidade de credibilidade. Ligada ao direito, a legitimidade é resultado do reconhecimento de um sujeito legítimo para dizer ou fazer algo. Já a credibilidade está relacionada à “capacidade do sujeito de dizer ou de fazer” (CHARAUDEAU, 2013b, p. 67). O autor exemplifica: “Questionar a legitimidade é questionar o próprio direito e não a pessoa; questionar a credibilidade é questionar a pessoa, uma vez que ela não apresenta provas de seu poder de dizer ou de fazer.” (CHARAUDEAU, 2013b, p. 67). A constante busca pelo olhar do outro apontada por Charaudeau passa também pelo engajamento do sujeito falante na construção de um ethos discursivo e legítimo. Esse sujeito utiliza seu discurso para construir um ethos ou “imagem de si” (CHARAUDEAU, 2013b), por meio dos enunciados estrategicamente selecionados para serem visíveis. Nesse sentido, o enunciador constrói seu discurso tentando se adaptar a seus interlocutores imaginados, visando a reforçar sua posição de legitimidade. No próximo capítulo, adentramos na teoria semiolinguística de Charaudeau, destacando as principais noções que utilizadas nas análises discursivas empreendidas no Capítulo 5.





72 4 BASES TEÓRICAS DA ANÁLISE DO DISCURSO Neste capítulo, procuramos relacionar aspectos internos e externos do discurso das ONGs, uma temática já iniciada no Capítulo 3, quando abordamos a importância do discurso para a ação política das organizações coletivas. Por meio de revisão bibliográfica, apresentamos as principais noções e categorias da análise do discurso, principalmente da teoria semiolinguística, a escolhida para grande parte das análises empreendidas nesta pesquisa. Para uma compreensão do fenômeno comunicativo por nós investigado, recorremos aos conceitos de ato de linguagem, contrato de comunicação, visadas discursivas e modos de organização do discurso propostos por Patrick Charaudeau na teoria semiolinguística. Resgatamos, também, os conceitos de logos, ethos e pathos, originários da retórica antiga e retomados por esse teórico, para complementar nossa revisão de noções que contribuíram para a investigação do discurso de ONGs no Facebook. É importante ressaltar que consideramos político o discurso das ONGs ambientais no Facebook. Avaliamos isso ao tomar como base Charaudeau (2013b, p. 40), que diz não ser “o conteúdo do discurso que assim o faz, mas é a situação que o politiza”. O discurso das ONGs é politizado por uma situação de comunicação no Facebook, estabelecida como favorável para enunciados carregados de intenções políticas, que buscam transformações coletivas e engajamento de pessoas para a causa ambiental. O discurso político não está, assim, somente reservado aos governantes, mas também àqueles movimentos ou cidadãos que produzem sentido a partir de uma motivação política de transformação, adesão ou interação, mesmo que os enunciadores não tenham o poder de decisão. Para Charaudeau (2013b, p. 40), o discurso político, nesse sentido, é “resultado de uma atividade discursiva que procura fundar um ideal político em função de certos princípios que devem servir de referência para a construção das opiniões e dos posicionamentos”. Sendo assim, podemos considerar aqui os discursos políticos das ONGs como motivadores de sistemas de pensamento político, a fim de engajar cidadãos nas causas que compartilham. 4.1 A teoria semiolinguística de Patrick Charaudeau





73 Patrick Charaudeau, com a sua teoria semiolinguística, procurou demonstrar que a linguagem mantém uma estreita relação com o contexto psicossocial no qual determinado discurso se realiza. Dessa forma, essa teoria concebe o ato de linguagem como uma configuração semiológica e uma soma dos saberes acionados pelos sujeitos durante o processo de produção e de interpretação desse ato. Essa teoria é multifacetada e se alimenta de categorias de diversos campos de conhecimento, sendo, portanto, considerada interdisciplinar. Segundo Charaudeau (2005), considera-se, para explicar o objetivo de tal teoria, a junção entre dois termos: semio-, de “semiosis”, noção relacionada ao nível abstrato, composto pelos diferentes sistemas semiológicos presentes na construção do sentido, sob a responsabilidade de um sujeito intencional que atua com um projeto de influência social, num determinado quadro de ação; e linguística, utilizado para evidenciar que a análise discursiva proposta por essa teoria se baseia também no material verbal, como as marcas linguísticas, formais. A perspectiva linguística, no sentido amplo, para o autor, é a que articula os questionamentos semiológicos. Segundo Charaudeau (2005, online), [...] se há comunicação, é de uma comunicação particular que tratamos : aquela que se realiza através da linguagem verbal; se há construção do sentido, trata-se da construção que se faz pelas formas verbais ; se há construção de um texto, trata-se daquela que depende das regras de “ordenamento” do verbal.

Com o excerto, Charaudeau apresenta os fundamentos de sua teoria. O autor considera necessária a ligação do sujeito falante com os signos para conceder referências ao falante que signifiquem suas intenções e contribuam para que ele se comunique socialmente. Mas é por meio da linguagem que ele constrói o sentido e dá forma à sua comunicação. Há, portanto, que considerar uma articulação entre o nível semiológico e o linguístico na abordagem semiolinguística de análise do discurso. Para Charaudeau (2005), o discurso está associado, principalmente, à encenação de um ato de linguagem e este deve ser analisado por um viés psicossocial-linguageiro, realizando-se “através da intervenção de um sujeito, sendo, ele próprio, psico-sócio-linguageiro” (CHARAUDEAU, 2005, p. 1). Ao colocar os sujeitos no centro da linguagem, o teórico considera que o sujeito é o responsável pela encenação do ato de linguagem, conduzindo uma troca comunicativa intencional condicionada a alguns pontos apresentados pelo autor: “Em decorrência, esse ato depende da identidade dos parceiros, visa uma influência e é portador de uma proposição sobre o mundo. Além disso, realiza-se num tempo e num espaço



74 determinados, o que é comumente chamado de situação. (CHARAUDEAU, 2005, online, grifos do autor). Tal explicação de Charaudeau sobre o funcionamento do ato de linguagem mostra que ele considera duas dimensões ou circuitos em sua teoria: um circuito externo ou “espaço externo”, em que estão a ação social, o Fazer, e os seres agentes que atuam em uma determinada situação de comunicação; e um circuito interno ou “espaço interno”, em que estão os seres de fala, lugar da encenação do Dizer. Podemos relacionar tais dimensões aos níveis apresentados nos parágrafos anteriores. Na dimensão ou circuito externo estaria o nível semiológico, composto pelos signos psicossociais que definem as restrições do ato de linguagem, ou seja, as maneiras de falar, a identidade dos parceiros da troca e os papéis encenados, as finalidades do ato de linguagem, o domínio do saber e o dispositivo42 em que a comunicação acontece. Já no circuito interno, estão as marcas linguísticas e discursivas que evidenciam o comportamento linguageiro do sujeito e, é nesse circuito, que está o texto material produzido pelo sujeito, articulado com o circuito externo. A dinâmica do ato de linguagem é mais bem exemplificada no esquema abaixo (FIG. 6), proposto por Charaudeau como base para sua Teoria Semiolinguística.

42

O dispositivo comunicacional de Charaudeau tem uma conceituação diferente do dispositivo de poder de Foucault (1999) apresentado no capítulo anterior. Foucault (1999) considera o dispositivo como um mecanismo de poder que visa o controle de discursos e práticas. Já para Charaudeau, o dispositivo é visto como técnica que media os processos de comunicação, uma espécie de suporte físico para a comunicação se estabelecer.





75

Esquema 2 – Ato de Linguagem por Charaudeau

Fonte: Charaudeau, 2012

Essa relação interna e externa, implícita e explícita, proposta por Charaudeau, contribui para entender o discurso de uma forma mais ampla, pois incentiva um olhar geral e analítico para o ato de linguagem encenado pelos sujeitos, conforme o autor coloca: “A maneira pela qual abordamos o discurso insere-o numa problemática geral que procura relacionar os fatos de linguagem a alguns outros fenômenos psicológicos e sociais: a ação e a influência.” (CHARAUDEAU, 2005, online). Com o foco no sujeito e na encenação produzida por ele em sua troca comunicativa, a situação de comunicação apresentada no ato de linguagem produz, segundo Charaudeau (2013a), uma dupla identidade do sujeito, sendo ele, ao mesmo tempo, social, sobredeterminado por sua história social e familiar; como também individual, pois possui sua própria história, uma marca de sua individualidade. Essas duas dimensões do sujeito estão articuladas durante suas “encenações” diárias, momentos em que ele atua em interação comunicacional com outros sujeitos, ambos envolvidos em um “contrato de comunicação”. O necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação pelos parceiros da troca linguageira nos leva a dizer que estes estão ligados por uma espécie de acordo prévio sobre os dados desse quadro de referência. Eles se encontram na situação de dever subscrever, antes de qualquer intenção e estratégia particular, a um contrato de reconhecimento das condições de realização da troca linguageira em que estão envolvidos: um contrato de comunicação. (CHARAUDEAU, 2013a, p. 68, grifo





76 nosso).

Tal contrato de comunicação prevê a atuação de um EUc que comunica, outro EUe que enuncia; e de um TUd destinatário e um TUi que interpreta (FIG. 6). Conforme o autor, O EUe (sujeito enunciador) é um sujeito de fala (como o TUd) realizado e instituído na fala. O EUe é responsável por um certo efeito de discurso produzido sobre o Interpretante. Porém, como esse efeito de discurso depende igualmente do que é o TUi, é o TUi que, em compensação constrói (para si) uma certa imagem do EUe [...]. O EUc (sujeito comunicante) é um sujeito agente (como o TUi), localizado na esfera externa do ato de linguagem, mas, responsável por sua organização. O EUc é o iniciador – responsável pelo ato de produção e é a relação EUc -EUe que produz um certo efeito pragmático sobre o Interpretante. (CHARAUDEAU, 2012, p. 51-52, grifo do autor).

O esquema dos sujeitos de Charaudeau (2012) nos mostra que o autor considera em sua teoria a existência de sujeitos ativos e em constante troca discursiva, que permite aos mesmos atuar de forma recíproca e interativa. Tal formato interativo da comunicação, amplamente difundido hoje como fundado pelos meios digitais e exclusivo deles, já era estudado pelos autores do campo linguístico como Charaudeau, que disseminam há tempos em seus estudos que há interação no ato discursivo. No campo dos estudos linguísticos, a ideia de um interlocutor passivo foi descontruída antes mesmo das teorias da comunicação. Bakhtin (2000), por exemplo, ao falar de dialogismo rompe com a visão de um sujeito enunciador controlador de toda cena enunciativa, como também com a visão de um destinatário passivo, somente alvo do discurso do outro. Bakhtin (2000) defende que o discurso é produto das relações do indivíduo consigo e com os indivíduos. É nessa relação que a possibilidade do diálogo é criada. O autor considera como diálogo todo o processo de comunicação, não apenas a interação face a face. Tal diálogo é caracterizado por um movimento de idas e vindas que cria a possibilidade de modificação recíproca dos sujeitos, que carregam em si todas as vozes que o antecederam, o que é notado no seu próprio discurso. [...] a compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz; [...] o ouvinte que recebe e compreende a significação de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar. (BAKHTIN, 2000, p. 290).





77 O autor diz, assim, que a linguagem está sempre em movimento e é inacabada, uma vez que sujeita à renovação pela dependência da compreensão que acontece no diálogo, em que se constitui a singularidade, uma vez que a intersubjetividade é anterior à subjetividade e que a relação entre os interlocutores é a responsável pela construção dos sujeitos produtores de sentido. Ao defendermos o discurso como interativo e recíproco, consideramos como base teórica desta dissertação os estudos linguísticos vindos de Bakhtin até Charaudeau. Porém, tais estudos utilizam como objetos de pesquisa as mídias tradicionais, como jornais impressos e redes de televisão, em que o lugar das instâncias de produção e de recepção está bem definido. Diferente do que acontece nos ambiente de Internet, como o Facebook. No espaço virtual, locutores e interlocutores se misturam e verifica-se, em alguns casos, uma produção colaborativa entre eles. No Facebook, tal complexidade discursiva é ampliada. No site de rede social, veem-se novos discursos sendo construídos a todo o momento por qualquer internauta em uma movimentação incessante de posicionamentos e papéis. É inegável que o Facebook apresenta maior espaço para expressão e interação entre sujeitos. Um lugar propício para construção ou reprodução de informações variadas por sujeitos reais ou fictícios, que atuam no papel de proprietários de perfis e também como internautas-leitores. Esses que não são de nenhuma forma passivos e amplos produtores de informações, sejam apenas icônicas, sejam textuais. Segundo Lemos (2006), vivemos hoje o fenômeno do excesso de informação no ambiente virtual proporcionado pela evolução da tecnologia. As pessoas estão produzindo mais conteúdos, criando comunidades, diálogos e trocando dados entre si por meio da Internet. Se o interlocutor já não poderia ser considerado passivo nas mídias tradicionais, agora sua potencialidade discursiva foi ampliada com o uso das ferramentas digitais. Lemos (2006) dá a esse fenômeno o nome de “liberação do pólo da emissão”. O autor defende que havia um polo controlado pelas grandes mídias; hoje esse polo comunicativo de emissão é potenciado por qualquer pessoa que se dispõe a produzir conteúdos diversificados na Internet e a compartilhá-los em rede. Conforme Lemos e Lévy (2010, p. 25): “[...] a liberação da emissão é correlata ao aumento da esfera pública mundial e da emergência de novas formas de conversação e de veiculação da opinião pública, agora também planetária”. Observamos que essa transformação da sociedade, em que todos podem tomar a palavra sobre qualquer



78 assunto, produz um novo cenário discursivo, com novos atos de linguagem, assunto tratado no próximo tópico. 4.2 Atos de linguagem no Facebook Diante das novas características do atual espaço discursivo digital no Facebook, intentamos uma atualização da teoria semiolinguística com base nos estudos da comunicação na Internet. Avaliamos que os sujeitos no Facebook podem atuar nos papéis de comunicadores e enunciadores (EUc e EUe), bem como se apresentam como sujeitos interpretantes e destinatários (TUi e TUd). Após a apropriação do espaço Facebook pelos sujeitos, há uma troca crescente de informações que é ampliada pelos recursos de Internet, constituindo vários contratos de comunicação (FIG.6), como podemos notar no esquema abaixo (FIG.7): Esquema 3 – Exemplo de Atos de Linguagem no Facebook





79

Fonte: Elaborada pela autora com base em Charaudeau, 2012.

O esquema mostra que a cada “tomada de palavra” durante o ato de linguagem, temos um novo contrato, dentro de um contrato maior, inaugurado pelo post seguido das reações discursivas. Acreditamos que, para categorizar os comentários em análise neste trabalho, a expressão mais apropriada seja “reações discursivas”. Dizemos reações discursivas aquelas configuradas nos comentários gerados pelo post das ONGs para nos afastarmos da ideia de um interlocutor passivo, alheio às manobras discursivas do locutor. No esquema (FIG.7), a instância de produção (EUc e Eue) e a instância de recepção (TUi e TUd) encenam no ato de linguagem diversos papéis comunicacionais e posições enunciativas, que são trocadas na medida em que desenvolvem sua enunciação particular da Internet. Eles



80 estão sob a restrição do contrato de comunicação e de um projeto de fala específico, elementos externos, e utilizam elementos internos que organizam o discurso, como as visadas discursivas e os modos de organização do discurso, noções de Charaudeau que abordamos a seguir. A primeira enunciação apresentada no esquema (FIG.7) é realizada pela ONG ambiental por meio do post no Facebook, que pode gerar reações discursivas de sujeitos interpretantes (TUi). O TUi, por sua vez, torna-se sujeito comunicante (EUc2) que aciona um enunciador (EUe2) ao encenar uma reação discursiva (engajada ou contrária, por exemplo), por meio de um espaço de comentários. Tais reações do EUc2 (antes TUi) também geram outras reações discursivas em cadeia, que podem ser da ONG ambiental, como resposta ao comentário de EUe2, ou de outros internautas-leitores que reagem discursivamente à EUe2, originando, assim, diversas faces de TUi2 (depois EUc3). Nota-se que tal esquema pode não ter um fim definido, pois sempre gerará novas reações discursivas no espaço de comentários no Facebook. O elemento limitador é a motivação para a continuidade das reações discursivas ao post ou aos comentários de internautas-leitores. Essa dinâmica interativa no Facebook evidencia a complexidade do cenário em que estão inseridos os discursos do novo espaço proporcionado pela Internet. Nas redes sociais digitais, há uma infinidade de produtores de conteúdo que interagem com discursos divulgados e promovem reações discursivas ou simplesmente utilizam os espaços para divulgar seus discursos. Os antigos interlocutores, antes analisados como passivos, ampliam suas possibilidades de comunicação, para apresentarem suas percepções e interagirem com outros usuários no novo espaço público virtual. Emediato (2015, p. 173) diz que se encontra em tal ambiente uma dinâmica discursiva surpreendente de “circulação de falas, uma vasta e complexa cadeia enunciativa que coloca em cena um dialogismo sem igual”. O fenômeno dialógico no Facebook é também para Emediato (2015, p. 174) apresentado como um trílogo, “assumindo uma forma mais complexa, com um locutor (L1) se dirigindo a um segundo locutor (L2), mas tendo sempre em vista um destinatário indireto (L3), de natureza coletiva, representado pelo ‘grupo de amigos’ da rede”. Tal descrição desse autor contribui para nossa defesa de que há diversos contratos de comunicação no Facebook, pois há uma rica e, por vezes, infinita troca discursiva viabilizada a partir das mudanças de papéis comunicacionais e posições enunciativas, por meio dos sujeitos que participam das



81 construções discursivas no site de rede social. Emediato (2015, p. 186) define tal dinâmica entre locutores no Facebook como uma espécie de “gestão interacional de pontos de vista”, que faz surgir uma rede de subenunciadores, sobre-enunciadores e coenunciadores. Como explica o autor: A perspectiva de análise do processo de enunciação na rede social como uma gestão interacional de pontos de vista é rica de consequências. Desde a curtição, que faz surgir um subenunciador que se limita a “curtir” e, portanto, validar o ponto de vista do locutor (L1), ao compartilhamento, que também põe em cena um subenunciador que distribui e divulga o ponto de vista de um locutor-fonte que, por isso, surge como sobreenunciador (sic) a serviço do qual se colocam os outros locutoresenunciadores na rede. Essa perspectiva coloca em evidência um poder importante que se instaura na rede entre sobreenunciadores, subenunciadores e coenunciadores. (EMEDIATO, 2015, p. 186, grifo nosso).

Para Emediato (2015), os sujeitos subenunciadores são aqueles que submetem suas enunciações às enunciações de outro sujeito, conduzindo uma dupla enunciação. Já os sobreenunciadores assumem-se como enunciadores autônomos ou comentam uma enunciação e interpretam os pontos de vista de outro locutor. O coenunciador seria, então, o que compartilha as informações, enunciando em conjunto com outro enunciador. Neste trabalho, consideramos somente os sujeitos sobre-enunciadores e coenunciadores, que são os que comentam e compartilham, respectivamente, nosso foco de pesquisa. 4.3 Visadas discursivas Os sujeitos enunciadores no Facebook utilizam estratégias discursivas durante o ato de linguagem para conquistarem os efeitos visados nos seus interlocutores imaginados. Dentre tais estratégias internas, estão as visadas discursivas. Segundo Charaudeau (2004, online), “as visadas correspondem a uma intencionalidade psico-sócio-discursiva que determina a expectativa (enjeu) do ato de linguagem do sujeito falante e, por conseguinte, da própria troca linguageira”. As visadas definem, portanto, o caminho que a enunciação seguirá a partir do discurso enunciado pelo EUe. Charaudeau (2004, online) aponta as principais visadas existentes: - a visada de “prescrição”: eu quer “mandar fazer” (faire faire), e ele tem autoridade de poder sancionar ; tu se encontra, então, em posição de “dever fazer”. - a visada de “solicitação”: eu quer “saber”, e ele está, então, em posição de inferioridade de saber diante do tu mas legitimado em sua demanda ; tu está em posição de “dever responder” à solicitação. - a visada de “incitação”: eu quer “mandar fazer” (fairefaire), mas, não estando em





82 posição de autoridade, não pode senão incitar a fazer ; ele deve, então “fazer acreditar” (por persuasão ou sedução) ao tu que ele será o beneficiário de seu próprio ato ; tu está, então, em posição de “dever acreditar” que se ele age, é para o seu bem. - a visada de “informação”: eu quer “fazer saber”, e ele está legitimado em sua posição de saber ; tu se encontra na posição de “dever saber” alguma coisa sobre a existência dos fatos, ou sobre o porque ou o como de seu surgimento. - a visada de “instrução”: eu quer “fazer saber-fazer”, e ele se encontra ao mesmo tempo em posição de autoridade de saber e de legitimação para transmitir o saber ; tu está em posição de “dever saber fazer” segundo um modelo (ou modo de emprego) que é proposto por eu. - a visada de “demonstração”: eu quer “estabelecer a verdade e mostrar as provas” segundo uma certa posição de autoridade de saber (cientista, especialista, expert) ; tu está em posição de ter que receber e “ter que avaliar” uma verdade e, então, ter a capacidade de fazê-lo.

Tomando como base Charaudeau (2004), podemos dizer que há visadas dominantes, impostas pelo contrato de comunicação. No Facebook das ONGs ambientais, por exemplo, podemos inferir que são elas: a visada de informação, ou “fazer saber”, que pode, ou não, conduzir o TUi a entender a enunciação como esclarecedora para ele e a justificar a utilização do espaço comunicativo do Facebook como lugar de informação midiática; e a visada de incitação, ou “fazer acreditar”, que procura captar a atenção dos internautas-leitores a partir de um discurso atraente da ONG. Porém, ao avaliar cada post das ONGs, podemos inferir que há outras visadas intencionais na construção discursiva realizada pelos internautas-leitores, como também visadas utilizadas pelos internautas em suas sobre-enunciações e coenunciações. As visadas são consideradas, assim, as atitudes enunciativas orientadas pela finalidade do ato de linguagem que encontramos em um corpus de estudo. Elas são definidas, conforme Charaudeau (2004), por um duplo critério ancorado na finalidade: a intenção de um EU que o liga a um TU e a posição que um TU deve ocupar segundo as intenções. Em uma situação de comunicação, podemos encontrar uma ou várias visadas, sendo que uma pode ser dominante, como já apontamos no parágrafo anterior. 4.4 Modos de organização do discurso Os modos de organização do discurso são componentes internos ao ato de linguagem em que sujeitos e interlocutores estão inseridos. Tais modos são considerados “condições de construção do discurso que o sujeito falante disporia para organizar sua intenção discursiva, e não como a esquematização do texto” (CHARAUDEAU, 2004, p. 3). Eles se configuram, assim, em função da finalidade comunicativa dos sujeitos (descrever, narrar, argumentar).



83 Cada um tem seu princípio de organização próprio e eles podem ser em: enunciativo, narrativo, descritivo e argumentativo. Centraremos nos modos enunciativo e argumentativo, por serem os modos utilizados como base para as análises do material discursivo no Facebook, considerados dominantes na composição discursiva de posts e comentários, que compõem o corpus de nossa pesquisa. O modo de organização enunciativo tem o foco nos protagonistas da enunciação (eu, tu e ele) e permite organizar o papel destes na cena discursiva, por meio de processos de modalização chamados alocutivo, elocutivo e delocutivo. Charaudeau (2012) classifica como alocutiva aquela enunciação que visa uma relação de influência do locutor sobre o interlocutor, já elocutiva seria uma relação do locutor consigo mesmo e delocutiva com um terceiro. Cada uma dessas categorias possuem determinados procedimentos de construções enunciativas, linguísticas e discursivas, conforme resumido na tabela abaixo (FIG.8): Figura 8 – Procedimentos da construção enunciativa COMPORTAMENTOS ENUNCIATIVOS

ESPECIFICAÇÕES ENUNCIATIVAS

CATEGORIAS DE LÍNGUA

RELAÇÃO DE INFLUÊNCIA

Relação de força (locutor/interlocutor) +-

Interpelação Injunção Autorização Aviso Julgamento Sugestão Proposta

Relação de pedido (locutor/interlocutor) -+

Interrogação Petição

(relação do locutor ao interlocutor)

=> ALOCUTIVO

PONTO DE VISTA SOBRE O MUNDO

Modo de saber

Constatação Saber/Ignorância

Avaliação

Opinião / Apreciação

Motivação

Obrigação / Possibilidade / Querer

(relação do locutor consigo mesmo) => ELOCUTIVO





84 Engajamento

Promessa / Aceitação / Recusa / Acordo/ Desacordo / Declaração

Decisão

Proclamação

APAGAMENTO DO PONTO DE VISTA

Como o mundo se impõe

Asserção

( relação do locutor com um terceiro)

Como outro fala

Discurso relatado

=> DELOCUTIVO

Fonte: Charaudeau, 2012

A tabela de Charaudeau (2012) apresenta um resumo das características de cada comportamento enunciativo e os procedimentos da construção enunciativa que são de duas ordens: linguística, que envolve os diferentes tipos de relações do ato enunciativo, por meio dos processos de modalização; e a discursiva, que coloca em cena os outros modos de organização do discurso (descritivo, narrativo, argumentativo), conforme apresentado na FIG.8. Esse último processo faz com que o modo enunciativo perpassa os outros três, pois tem como referência o ponto de vista do sujeito falante e, com isso, organiza o discurso. Tal modo é base para os outros, pois o ato de enunciar, segundo Charaudeau (2012, p. 82), referese à totalidade de um ato de linguagem, “sendo sinônimo de expor, formular, exprimir”. Já o modo argumentativo organiza a argumentação, conceito já apresentado no Capítulo 2 desta dissertação como fundamental para ordenar o discurso político, visando uma influência por meio da razão. Segundo Charaudeau (2012, p. 204), “o aspecto argumentativo de um discurso encontra-se frequentemente no que está implícito”. Um sujeito que argumenta o faz, assim, por expressar uma convicção própria, racional, a um interlocutor que deseja persuadir a modificar seu comportamento. Essa dinâmica constitui uma dupla busca: por racionalidade, que tende a um ideal de verdade, e por influência, que tende a um ideal de persuasão. Conforme Charaudeau (2012, p. 204, grifos do autor), para que aconteça uma argumentação, é necessário haver: “uma proposta sobre o mundo que provoque um questionamento”, “um sujeito que se engaje em relação a esse questionamento (convicção) e desenvolva um



85 raciocínio para tentar estabelecer uma verdade” e “um outro sujeito que, relacionado com a mesma proposta, questionamento e verdade, constitua-se no alvo da argumentação”. Proposta sobre o mundo, sujeito argumentante e sujeito alvo constituem, assim, a relação triangular necessária para uma argumentação. O modo argumentativo é a mecânica que permite a construção das argumentações de diversas formas, organizando a lógica argumentativa e estabelecendo uma prova de encenação argumentativa. Segundo Charaudeau (2012, p. 231): A encenação argumentativa consiste, para o sujeito que quer argumentar, em utilizar procedimentos que, com base nos diversos componentes do modo de organização argumentativo, devem servir a seu propósito de comunicação em função da situação e da maneira pela qual percebe seu interlocutor ( ou seu destinatário).

Utilizamos, nas análises empreendidas, as categorias da encenação argumentativa, descartando as da lógica argumentativa, por acreditarmos que a análise da razão persuasiva de uma encenação argumentativa contribua para atingirmos o objetivo de investigar argumentos utilizados como prova para justificar as propostas dos discursos em posts e comentários. Compõem a encenação argumentativa, segundo Charaudeau (2012), o dispositivo argumentativo, o contrato de fala, a tomada de posição e os procedimentos semânticos e discursivos e de composição, que contribuem para o encadeamento e a valoração dos argumentos utilizados em uma enunciação. Como dispositivo argumentativo, o autor considera composto por três quadros: proposta, proposição e persuasão. Também aponta categorias para definir os tipos de configuração da troca e do contrato de comunicação da argumentação e ainda as posições que o sujeito argumentante pode adquirir durante o ato de linguagem argumentativo. O quadro abaixo (FIG.7) contém os componentes apontados por Charaudeau (2012): Figura 9 – Resumo dos componentes da encenação argumentativa. O dispositivo argumentativo

Os tipos de configuração



- Proposta - Proposição - Persuasão

- “Tese” - “Quadro de questionamento” - “Quadro de raciocínio

- Situações de troca

- “Monologal”



86 - “Dialogal” - Contrato de comunicação

- “Explícito” - “Implícito

- Com relação à proposta

- “Tomada de Posição” (A Favor/ Contra) - “Não tomada de posição”

- Com relação ao emissor (E) da proposta

- “Rejeição do estatuto” - “Aceitação do estatuto” - “Autojustificativa

- Com relação a sua própria argumentação

- “Engajamento e argumentação polêmica” - “Não engajamento e argumentação racional

As posições do sujeito

Fonte: Charaudeau, 2012

Charaudeau (2012) divide em três os tipos de procedimentos da encenação argumentativa (FIG.8) para distinguir as categorias da língua, do discurso e dos tipos de textos. O autor os considera como três domínios de uma construção enunciativa, que mantêm uma relação uns com outros e contribuem para a argumentação, separadamente ou em conjunto. Como procedimentos semânticos, Charaudeau (2012, p. 232, grifo do autor) caracteriza aqueles em que o sujeito falante utiliza “um argumento que se fundamenta num consenso social”. Já como discursivos, o autor denomina os procedimentos argumentativos que utilizam “certas categorias da língua ou de procedimentos de outros Modos de organização do discurso” (CHARAUDEAU, 2012, p. 236), como a comparação e a descrição narrativa, por exemplo. Por fim, como procedimentos de composição, Charaudeau (2012, p. 243) define aqueles que otimizam a articulação do raciocínio ou da compreensão das conclusões da argumentação, sendo assim um procedimento que visa “repartir, distribuir, hierarquizar os elementos do processo argumentativo ao longo do texto”. A seguir um resumo das categorias internas a cada procedimento: Figura 10 – Resumo dos procedimentos da encenação argumentativa.





87 1 – Os procedimentos semânticos

2 – Os procedimentos discursivos

(a) Os domínios de avaliação

< de Verdade < Ético < Estético < Hedônico < Pragmático

(b) Os valores

< domínios da Verdade, do Estético, do Ético, do Pragmático, do Hedônico.

(a) A definição

< de um ser < de um comportamento

(b) A comparação

< por semelhança / dessemelhança (igualdade, proporção, extensão) < objetiva / subjetiva

(c) A descrição narrativa (d) A citação

< de um dizer < de uma experiência < de um saber

(e) A acumulação

3 – Os procedimentos de composição

(f) O questionamento

< incitação a saber < proposta de uma escolha < verificação de um saber < provocação < denegação

(a) A composição linear

< etapas < vai e vem < tempos fortes

(b) A composição classificatória

< resumos, quadros, figuras

Fonte: Charaudeau, 2012

Com amplas categorizações, o modo de organização argumentativo é um dos mais complexos, segundo Charaudeau (2012). Ainda é um dos que conta com uma maior carga histórica, pois o fascínio pelo estudo da argumentação existe há séculos, desde a retórica clássica grega, considerada como a antiga arte de persuadir já estudada por Aristóteles, que propunha temáticas para a análise da oratória. O autor já dizia que um discurso sempre pode



88 ser analisado a partir do logos, que se refere à argumentação ou o discurso em si mesmo; a partir do pathos, que contempla a instância de recepção; ou a partir do ethos, que constitui o caráter do orador e sua influência no auditório. 4.5 Estratégias discursivas logos, ethos e pathos Além do logos, que se remete à argumentação, já descrita aqui como a arte de persuadir pela razão e pela influência, a retórica também aponta como estratégias discursivas o ethos e o pathos. O ethos é a imagem de si mesmo e está relacionado à identidade discursiva do sujeito falante, como citado no Capítulo 3. Construído pelo sujeito para conquistar legitimidade para sua fala, o ethos tende, segundo Charaudeau (2009), responder à pergunta: “Estou aqui para falar como?” e, após defender uma imagem de si, responder à questão: “como fazer para ser levado a sério?”. Para isso, o sujeito pode adotar diferentes atitudes discursivas, como a de neutralidade, de distanciamento ou de engajamento, de acordo com a identidade discursiva que ele estrategicamente quer apresentar ao seu interlocutor. O ethos foi, principalmente, estudado pelo analista do discurso Maingueneau (2004). O autor defende que o ethos se manifesta também no “tom” falado ou escrito e percebido pelo interlocutor. Segundo Maingueneau (2004, p. 98, grifo do autor): “Com efeito, o texto escrito possui, mesmo quando o denega, um tom que dá autoridade ao que é dito. Esse tom permite ao leitor construir uma representação do corpo do enunciador [...]”. Tal noção de ethos o compreende como um conjunto de dimensões físicas, psíquicas e vocais, ligado “pelas representações coletivas à personagem do enunciador”. Mesmo sendo construída pelo falante com uma margem de autonomia, a identidade discursiva, segundo Maingueneau, pode necessitar seguir a uma predefinição de papéis para se expressar como imagem de si, de acordo com o cenário discursivo em que se insere. Denominada como estereótipo, tal imagem prévia ou ethos prévio que o interlocutor pode ter do falante se caracteriza como “um arsenal de representações coletivas que determinam, parcialmente a apresentação de si e sua eficácia em uma determinada cultura” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p. 221). Além de uma busca por uma identidade adequada, o sujeito falante também pode direcionar sua enunciação para a busca da emoção. A fim de tocar o outro, o sujeito enunciador ingressa



89 em um processo de dramatização, utilizando argumentos que apelam aos sentimentos e à emoção do sujeito destinatário. O fenômeno da busca pela emoção, que é o chamado pathos, é considerado uma noção “[...] utilizada para assinalar as discursivizações que funcionam sobre efeitos emocionais com fins estratégicos” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p. 372). Avaliado como uma estratégia de apelo à emoção, o pathos, segundo Charaudeau (2007a), não é uma tática discursiva inconsciente, como muitas vezes o universo das emoções é considerado. O teórico defende a ocorrência de uma “racionalidade subjetiva” das emoções, em que o sujeito é orientado sempre por uma intencionalidade de seu ato de linguagem e as emoções “são orientadas em direção a um objeto ‘imaginado’ já que este objeto é extirpado da realidade para se tornar um ‘real’ significante” (CHARAUDEAU, 2007a, online). Para ativar a emoção do interlocutor pelo discurso, Maingueneau e Charaudeau (2014) apontam algumas regras de construção do pathos: a) pela identificação patêmica, que se apoia em um ethos capaz de mostrar que o orador está no estado emocional que transmite; b) através de meios extradiscursivos enquadrados discursivamente, como imagens polêmicas e aterrorizantes; c) pela descrição, utilizando, por exemplo, uma linguagem que “amplifique os dados emocionantes”, despertando a atenção do interlocutor. Segundo Charaudeau (2007b), algumas marcas verbais também podem ativar o pathos. São palavras que remetem a um universo emocional e podem ser empregadas explicitamente, como “horror” e “raiva”; ou outras implícitas, como “assassinato” e “vítimas”. Também há enunciados neutros, sem palavras que emocionam, mas “são susceptíveis de produzir efeitos patêmicos, desde que tenhamos conhecimento da situação de enunciação: ‘Basta!’, gritavam as pessoas vítimas do milésimo bombardeamento da sua cidade” (CHARAUDEAU, 2007b, online). Essas estratégias discursivas, vindas da antiga retórica, bem como todos os conceitos apresentadas neste capítulo, são fundamentos para as análises empreendidas no próximo capítulo. É a partir da descrição e da compreensão de tais noções, no âmbito da análise do discurso, que se torna possível, para esta pesquisa, propor uma investigação sobre o tema aqui assinalado. Prosseguimos, então, para o capítulo de análises do corpus selecionado para esta pesquisa.





90 5 A ENCENAÇÃO ENUNCIATIVA NAS PÁGINAS DAS ONGS AMBIENTAIS Com os propósitos comuns de engajar, conscientizar e interagir com os internautas-leitores, as ONGs ambientais utilizam o Facebook para realizar suas construções discursivas, valendo-se de diversas estratégias ancoradas na identidade construída a partir de um contrato de comunicação que, por sua vez, influencia o projeto de fala da ONG encenado no post. A partir dessa divulgação devidamente montada nas páginas das ONGs, internautas-leitores podem reagir discursivamente e construir outras enunciações, que interagem ou não com o post da instituição, alimentando, assim, maior visibilidade e legitimidade para a ONG ou apenas utilizando o espaço para se autopromoverem. Sob tal entendimento da movimentação circular e complexa dos discursos nas páginas das ONGs e, a fim de refletir sobre como os discursos são projetados nesse espaço virtual e como podem vir a mobilizar pessoas, partimos neste capítulo para uma interpretação empírica das estratégias utilizadas por ONGs e internautas ao seguir a análise específica dos discursos construídos, divulgados e difundidos nos posts e também nos comentários como reações discursivas a cada post no Facebook. 5.1 Post: ato de linguagem inaugural das trocas enunciativas Analisamos aqui os discursos construídos e difundidos nos posts publicados pelas ONGs ambientais em páginas próprias no Facebook, um site de rede social digital que permite diversas interações entre enunciados voláteis e líquidos, como já citamos no Capítulo 2. Para isso, consideramos as possibilidades comunicativas e políticas do Facebook que podem levar à maior visibilidade pública e legitimidade da ONG, como também as restrições dessa rede, como apontou van Dijck (2012). Entendemos que o site de rede social permite, ao mesmo tempo, que a ONG ambiental realize suas construções discursivas com certa liberdade, porém oferece um espaço limitado em uma página, com a visualização direta somente de textos que estejam com poucos caracteres (cerca de 400), extremamente atraentes, por vezes, altamente publicitários e adequados ao espaço discursivo do site de rede social. Avaliamos, assim, que as ONGs ambientais têm no Facebook o desafio de conquistar os internautas-leitores de sua página com um discurso atraente para o interlocutor e adequado ao meio digital extremamente gráfico e visual. Por isso, uma das preocupações das ONGs é



91 produzir posts com imagens ilustrativas, informativas e publicitárias, construindo um estilo único, hipermidiático, como também já foi apontado no Capítulo 2. Com base no ESQ. 3, consideramos que o post da ONG é um ato de linguagem inaugural que desencadeia outros atos de linguagens, que podem ser “curtidas”, comentários ou compartilhamentos realizados pelos internautas-leitores que reagem ao post. Tanto a ONG, como os internautas realizam uma encenação enunciativa em seu discurso, construindo, por vezes, uma troca argumentativa no Facebook, que, como já apontamos, é um espaço retórico por excelência. A seguir, são apresentadas as empreitadas utilizadas pelas ONGs para tornar seus enunciados mais visíveis e legítimos no Facebook. Para isso, identificamos as marcas linguísticas e recorrências para analisarmos prováveis estratégias discursivas e modos de organização do discurso utilizados em seus posts.

5.1.1 Greenpeace Brasil Figura 11 – Post Greenpeace Brasil





92

Fonte: http://goo.gl/OT7ULy

No post do Greenpeace Brasil do dia 29/6/2014 (FIG. 11), selecionado para a análise empreendida nesta dissertação, observa-se o uso de recursos linguísticos e retóricos próprios da comunicação virtual que são os hiperlinks43. Eles permitem ao internauta-leitor se engajar 43

Segundo Costa (2009), o link ou hiperlink “é uma conexão de uma palavra, imagem ou objeto para outro, ou seja, é o nome dado à ligação, ao elo que leva a outras unidades de informação em um documento-hipertexto” (p. 69).





93 proativamente por meio do abaixo-assinado que está em http://salveoartico.org.br; ou informar-se mais quando apresenta a assertiva: “Entenda por que um novo Atlas”. Tais recursos colaboraram para a visada informativa empreendida pelo enunciador ONG. Mesmo que o enunciador proponha visadas de incitação com as assertivas “Ajude”, “Assine”, “Entenda”, altamente persuasivas e convidativas, no texto e na imagem do post, a visada informativa é a predominante, apresentando dados sobre o derretimento de gelo no Ártico para que o leitor entenda por que é necessário se engajar nessa luta. Ao investir predominantemente em um texto e em uma imagem repletos de dados informativos, a ONG empreende um logos. A fonte foi indicada no final do post, com letras pequenas, quase imperceptíveis, com os dizeres: “Fonte: Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo. Observatório Terrestre Nasa”. Ao investigarmos o dispositivo e a encenação argumentativa proposta no enunciado da ONG, utilizando como base o modo argumentativo de Charaudeau (2012), identificamos que a proposta colocada é: se não ajudarmos a salvar o Ártico, ele vai desaparecer. Diante de tal tese, a ONG toma uma posição a favor da causa, autojustificando-se como defensora de uma atitude engajada ao dizer “Ajude a salvar o Ártico”. A frase apresenta uma convocação ao leitor, chamando-o a agir encenando um ethos heróico para salvar o Ártico. Notamos também um apelo argumentativo na frase “Precisa dizer mais alguma coisa?”, que utiliza o procedimento discursivo descrito por Charaudeau (2012, p. 242) como “questionamento de provocação”, mais um recurso utilizado pela ONG para colocar o questionado em causa, chamando-o à reflexão e trazendo para o post as conclusões próprias do leitor. Ao utilizar a visada informativa, a ONG confere a si um ethos de especialista no assunto, autorizado, então, a falar sobre o tema e a convocar seguidores para tal. O enunciador opta por construir o papel de um ethos de autoridade, uma vez que, em seu discurso, encontramos o vocabulário próprio desse campo de saber, evidenciado pelos itens lexicais “calotas polares”, “novo Atlas” e também pela oração adjetiva “[o gelo do ártico] do qual todos nós dependemos”. Tal ethos pode ser justificado pelo histórico dessa ONG, a maior e mais atuante do mundo, características que podem lhe conferir certa noção de si como amplamente credível perante o público e a mídia. Carregada dessa noção, o Greenpeace investe, sem precisar apresentar referências, na identidade discursiva de especialista.





94 Outro ethos encenado pela ONG no post é o polêmico. Também passível de ser justificado pelo histórico de atuação rebelde do Greenpeace, como já apresentado no Capítulo 1. Tal ethos pode ser encontrado, principalmente, no enunciado que segue a imagem que ilustra o derretimento do Ártico: “o gelo do Ártico derreteu tanto que precisamos de um novo atlas”. A assertiva, bem como a cronologia apresentada e a imagem, encena uma denúncia alarmante e extremista ao leitor, posicionando o enunciador como polêmico, ao dizer que é necessária uma transformação nos mapas geográficos mundiais, devido ao grande derretimento das calotas polares. Charaudeau (2009) diz que o jogo enunciativo que utiliza a polêmica quer influenciar o interlocutor pelo questionamento de valores defendidos por ele ou por um outro. Segundo o autor, “trata-se de ‘destruir um adversário’ questionando suas idéias, e, até mesmo, sua pessoa” (CHARAUDEAU, 2009, online) A polêmica alarmante encontrada no enunciado e na imagem do Greenpeace também traz à tona a estratégia do pathos, pode ser observada na frase apresentada no parágrafo anterior, como também no uso das formas interlocutivas, “ajude”, “assine” e “entenda”, que trazem para a cena enunciativa o internauta-leitor. Também há um investimento patêmico na asserção categórica e alarmante “O Ártico está derretendo”, que pode tocar a emoção do internautaleitor, que, captado, pode engajar-se na causa. Outro empreendimento patêmico que visa o engajamento é visto no enunciado: “O gelo do Ártico, do qual todos nós dependemos, está desaparecendo rapidamente”. Nesse caso, o pathos ativado é o da proximidade, trazendo o leitor para refletir sobre sua dependência vital com relação ao gelo que vem do Ártico. Essas são estratégias interpelativas e podem conduzir ao aumento da visibilidade e da legitimidade desejadas pela ONG. Porém, a característica do Facebook mais do que um espaço de expressão, que possui alto potencial comunicativo, incentivando trocas interativas e conversações digitais entre seus usuários, pode complicar a cyberdifusão do movimento ambiental por meio desse suporte. Ao possibilitar interações, construídas após uma apropriação dos sujeitos interagentes, o espaço midiático do Facebook é modificado e transformado em ambiente de conversação por qualquer usuário, inclusive os contrários à instituição, podendo prejudicar a visibilidade e legitimidade da ONG. É o que vemos nos próximos tópicos deste capítulo, que visam à análise dos comentários. 5.1.2 Fundação SOS Mata Atlântica



95

Figura 12 – Post Fundação SOS Mata Atlântica

Fonte: http://goo.gl/TMjLEA

Nesse post do dia 16/6/2014 (FIG. 12), selecionado para esta pesquisa, fica evidente a escolha da ONG SOS Mata Atlântica por utilizar elementos hipermidiáticos para conceder um caráter mais interativo. O investimento realizado pela ONG é em recursos como imagens e hiperlinks que complementam as informações disponibilizadas e contribuem para o entendimento do tema divulgado. Verificamos também que a imagem utilizada para ilustrar a temática enunciada no post está carregada de um apelo estético, apresentando o óleo de cozinha de maneira eufórica. Charaudeau (2010) apresenta a euforia como uma estratégia discursiva



96 manipuladora de provocação do afeto, distinta da disforia, que provoca temor e afasta um provável interpretante do enunciado. Tal estratégia de manipulação é comum em discursos políticos, segundo Charaudeau (2010), principalmente aqueles considerados propagandistas, que também estão ligados ao gênero publicitário e promocional. Essa constatação confirma nossa hipótese de que os discursos hipermidiáticos das ONGs no Facebook são cada vez mais compostos de uma mistura entre linguagem informativa e publicitária. Ao utilizar a estratégia eufórica, podemos notar que a empreitada da ONG SOS Mata Atlântica é a de amenizar a tensão da temática abordada, a fim de que seja apresentada de forma mais atraente para o internauta-leitor. Miguel (2014) diz que tais estratégias podem ser “esquizofrênicas”, pois tratam de temas polêmicos de maneira lúdica. Como esquizofrênica, a autora considera, ao dissociar do significado psiquiátrico, uma cenografia discursiva montada ao apresentar assuntos sérios e alarmantes com discurso desconexo, paradoxo e distante. No caso do post da SOS Mata Atlântica, foi apresentada uma cenografia alarmante sobre a contaminação do óleo com um discurso visual agradável, denotando certa esquizofrenia da encenação proposta. A ONG ambiental também aposta na influência linguístico-textual, valendo-se das estratégias discursivas já descritas no Capítulo 4 para captar o internauta-leitor: ethos, pathos e logos. Em seu post, a SOS Mata Atlântica reafirma um ethos pedagógico, reproduzindo um conteúdo altamente educativo. O enunciador opta por utilizar visadas de informação como estratégias persuasivas para encenar certo apelo informativo e objetivo ao tema, mas a visada dominante é a de incitação, que visa interpelar o leitor. Nota-se que algumas palavras marcam e interpelam o internauta a seguir as orientações da instituição, são elas: “armazene”, “entregue”, “para saber mais”, “acesse” e “não jogue”. Tais escolhas são alocutivas, tomando como base o modo de organização enunciativo, já exposto no Capítulo 4, e sempre seguidas de um argumento racional utilizado pela ONG para justificar a interpelação proposta. Vê-se em “Não jogue restos de azeite óleo de cozinha pelo ralo da pia”, que a justificativa é a de que “Os resíduos são descartados no esgoto e desequilibram o meio ambiente”. É também em busca da simulação de uma veracidade que a ONG SOS Mata Atlântica encena um ethos pedagógico e disciplinar. Ao interpelar os leitores a atuar conforme o indicado no texto, a ONG apela ao discurso de ordem moral, considerado como legítimo para a sociedade como o discurso próprio das questões ambientais e coletivas, de acordo com o que



97 descrevemos no Capítulo 1. A ONG se apresenta, então, como mediadora de tais assuntos, investindo em um aparente ethos pedagógico e dominante, visando à identificação do interlocutor com o enunciador. Tal ethos é frequente nos posts coletados da SOS Mata Atlântica para esta pesquisa, talvez por seu histórico de atuação dedicado em grande parte aos programas educativos e sensibilizadores. É devido, assim, ao seu caráter pedagógico que a ONG utiliza visadas incitativas e assertivas patêmicas e alocutivas. É assim que o ethos ou “imagem de si” (CHARAUDEAU, 2013b) é construído, por meio de enunciados estrategicamente selecionados para serem visíveis, construídos de forma que a ONG possa alcançar uma legitimação frente a seus interlocutores imaginados. A ONG investe em um logos ao apresentar dados no post, mesmo sem indicar referência, bem como na imagem publicada que evidencia a água contaminada por óleo de cozinha. Pelo logos, a ONG empreende uma racionalização em seu discurso, a fim de justificar seu posicionamento político pela encenação argumentativa. Tomando como base o estudo do modo argumentativo de Charaudeau (2012), podemos investigar o dispositivo e a encenação argumentativa encontrados no enunciado. Sob a proposta ou tese enunciada no post de que jogar óleo pelo ralo da pia faz mal ao meio ambiente, a ONG toma uma posição a favor da tese. Enquanto sujeito argumentante, a entidade justifica seu próprio estatuto de locutor, recorrendo às informações que ela mesma divulga e se coloca como fonte de dados ao evitar indicar referências, apresentando, assim, uma autojustificativa do seu estatuto. Ao fazer-se como fonte, a entidade se engaja pessoalmente em uma argumentação polêmica no post, defendendo-a como causa própria ao utilizar o procedimento semântico, descrito por Charaudeau (2012, p. 232) como “domínio de avaliação do pragmático”. Segundo o autor, esse tipo de argumento é da ordem do interesse final de uma ação humana, apresentando o que será útil ou inútil para o leitor, caso cumpra aquilo que se evidencia no argumento. Vê-se tal procedimento nas frases: “Os resíduos são descartados no esgoto e desequilibrar o meio ambiente”, “onde ele será transformado em sabão, detergente e até biodiesel”, “1 litro de óleo contamina 1 milhão de litros de água”. A ONG utiliza tais argumentos que se fundam em consensos sociais, acreditando que os internautas compartilham os mesmos valores. O tipo de procedimento pragmático é utilizado pela ONG para mostrar a consequência de uma ação considerada correta ou errada pela entidade. No caso, a ação avaliada como ilícita seria jogar o óleo que contaminaria a água e a correta seria transformar o óleo em sabão.





98 Já o pathos pode ser percebido na utilização das formas alocutivas que visam à incitação, marcadas pelas assertivas “armazene”, “entregue”, “para saber mais”, “acesse” e “não jogue”, reforçadas pelos argumentos alarmantes que seguem cada interpelação e justificam a convocação do leitor para se engajar em prol da causa apresentada pelo movimento. O uso do pathos é uma estratégia discursiva comum entre as ONGs estudadas aqui. Elas optam por tal tática, a fim de engajar os sujeitos leitores no Facebook, influenciando-os politicamente de acordo com os interesses visados no post. Esse é um jogo de encenação apelativo, que visa provocar emoção no interlocutor pela dramatização do enunciador, uma emoção que é trazida à tona no discurso da ONG pelo apelo verossímil e próximo que as assertivas alocutivas podem causar. Segundo Charaudeau (2007a), essa é uma característica no discurso político. O autor o considera “um lugar de uma verdade de mãos atadas, de faz de conta, já que o que é considerado não é tanto a verdade desta fala lançada publicamente, mas sua força de ‘veracidade’” (CHARAUDEAU, 2007a, online).

5.1.3 AMDA Minas Gerais Figura 13 – Post AMDA Minas Gerais





99

Fonte: http://goo.gl/AGa8PY

Nesse post da AMDA do dia 13/5/2014 (FIG. 13), diferente dos dois outros posts apresentados aqui, a escolha foi pelo discurso citado como recurso que se apropria da fala de um outro enunciador para expressar um pensamento que é também compartilhado pela ONG. Segundo Charaudeau e Maingueneau (2014, p. 172), o discurso citado “trata dos diversos modos de representação, no discurso, de falas atribuídas a instâncias outras que não a do locutor”. Ao utilizar tal estratégia, a ONG se alinha ao discurso da citação. O discurso citado também é uma forma delocutiva, tomando como base o modo de organização enunciativo, de encenar um comportamento enunciativo predominante do locutor com um terceiro. Tal enunciação delocutiva é aparentemente objetiva, pois se mostra desvinculada de uma subjetividade do enunciador, tentando apagar o ponto de vista dele. Ainda que a citação utilizada no post não apresente uma referência de autoridade, ao mostrar um autor desconhecido, ela transfere a responsabilidade da fala para um outro ao não se colocar como autora do texto. Isso a exime diretamente de possíveis críticas ou ataques, protegendo uma parte de sua visibilidade. Porém, não a capacita como fonte de informação



100 própria, podendo fazer com que internautas deixem de buscar sua página como fonte de alimentação sobre a defesa do meio ambiente. A citação utilizada no post coloca em questão a tradicional dualidade capitalismo versus natureza, estabelecendo como “inimiga” da natureza a “ganância humana”. Um discurso anticapitalista bem típico dos movimentos ambientais da década de 70 e que é resgatado nesse post pela AMDA, uma ONG que, como já mostramos no Capítulo 1, iniciou-se como movimento ambiental muito ativo nessa década. Ao tematizar, por meio de citação, tal dualidade, a AMDA expressa timidamente uma valoração, encenando um ethos avaliador. Podemos dizer que a ONG também utiliza em seu post, como estratégia discursiva, uma visada de demonstração, ao estabelecer como verdade o fato da ganância humana ser inimiga da natureza e a prova mostrada por ela para tal verdade vem do testemunho citado de um outro, algo que pode ser persuasivo por trazer mais de uma pessoa para a defesa do discurso. O recurso do discurso citado nesse post pode visar também tocar a emoção do leitor, fazendo com que identifiquemos um investimento no pathos pela ONG, quando compartilha uma frase que pode exaltar uma indignação ao leitor. O autor desconhecido relata um pior inimigo da natureza, fazendo com que os defensores possam sentir desprezo pela ganância humana. Já o logos é identificado durante a análise do modo argumentativo. No dispositivo argumentativo (CHARAUDEAU, 2012) utilizado no enunciado, encontramos a proposta ou tese de que se houver ganância humana, há uma ameaça para a natureza. O enunciador demonstra pelo compartilhamento da citação tomar uma posição de acordo com tal proposta, aceita o estatuto do locutor do enunciado, mesmo sendo anônimo, e sua argumentação passa a se confundir com os argumentos da citação, uma vez que legitima a voz do outro. O post poderia, assim, evidenciar um não engajamento da ONG, pois ela não se implica pessoalmente na argumentação, mantendo certa distância ao utilizar o discurso citado. Contudo,

retomando

a

noção

de

estratégias

de

credibilidade

(CHARAUDEAU;

MAINGUENEAU, 2014, p. 143), podemos identificar tal estratégia utilizada pela ONG para ser levada a sério. Embora mostre certa posição enunciativa de distanciamento, o que pode aparentar uma atitude fria e neutra, a ONG investe em compartilhar um conteúdo proposicional que pode ser irrefutável ao interlocutor, uma máxima, referendada por todos e moralmente reconhecida. Ação esta que pode afetar positivamente a credibilidade da ONG e,





101 por conseguinte, sua legitimidade como fonte de informação qualificada e instituição engajada na defesa do meio ambiente. Por meio da análise da encenação argumentativa, também identificamos o uso da citação como um procedimento discursivo. É um tipo de citação de uma máxima, que relata um discurso pertencente a um consenso social. Charaudeau (2012, p. 241, grifo do autor) diz que, nesse caso, “seu efeito de autenticidade, porém, é ambíguo, na medida em que o saber popular é ambíguo, pois a toda máxima ou provérbio citado pode-se opor uma outra máxima ou um outro provérbio”. A citação como máxima é, então, vista com certa distância da tradicional definição da citação como fonte de verdade e testemunho, podendo trazer desconfiança ao leitor. Entretanto, como já dissemos, o conteúdo proposicional dessa máxima toca em um valor caro à sociedade, um valor moral que se aproxima de um pecado capital, que é a ganância, possuindo um forte efeito patêmico. Por fim, é necessário evidenciar que as análises empreendidas aqui nos posts das ONGs, Greenpeace, SOS Mata Atlântica e AMDA mostram apenas as escolhas encenadas por cada instituição. Contudo, serão as reações discursivas nos comentários que ajudarão a responder sobre as construções de visibilidade e de estratégias de legitimação realizadas pelas ONGs no Facebook, como veremos nos próximos tópicos deste capítulo. A seguir, apresentamos um resumo de todas as análises empreendidas nos posts. Tabela 3 – Resumo da análise dos posts Categorias

Greenpeace

SOS Mata Atlântica

AMDA

Elocutivo

Alocutivo

Delocutivo

Tomada de posição a

Tomada de posição a

favor e autojustificativa.

favor e engajamento.

Uso do procedimento

Uso do

argumentativo

procedimento

“avaliação do

discursivo “citação

pragmático”.

de uma máxima”.

Pedagógico

Avaliador

Comportamentos enunciativos predominantes Tomada de posição a favor Encenação argumentativa

e autojustificativa. Uso do procedimento discursivo “questionamento de provocação”.

Ethos



Especialista / Polêmico



102 Categorias

Greenpeace

SOS Mata Atlântica

Pathos ativado

Denúncia

Proximidade

Indignação

Hiperlinks e interpelação

Hiperlinks e interpelação

Discurso citado

Visada de informação

Visada de incitação

Recursos Linguísticos Visada predominante

AMDA

Visada de demonstração

Fonte: Elaborada pela autora.

5.2 Categorização e análise de reações discursivas Após identificarmos quais as estratégias discursivas e os modos de organização do discurso utilizados nos posts de ONGs ambientais no Facebook, partiremos agora para a análise dos comentários divulgados como reações discursivas aos posts. Para fazermos isso de uma maneira empiricamente adequada e teoricamente admissível, parece-nos necessário, ao mesmo tempo, agrupar características comuns entre as reações, estabelecendo categorias durante a construção das análises. Nosso objetivo é analisar as reações discursivas em relação ao conteúdo proposicional dos posts das três ONGs ambientais (Greenpeace Brasil, SOS Mata Atlântica e AMDA) no Facebook. O post da ONG provoca um processo de encadeamento de discursos ou ecos; por isso, o chamamos de ato de linguagem inaugural. Tais ecos podem se relacionar diretamente ao post e ao seu conteúdo, mas podem também responder ou reagir a outros comentários, originando vários outros atos de linguagem, como foi apresentado no Capítulo 4. Para classificar e agrupar tais reações discursivas, tomamos inicialmente como base Charaudeau (2012), que define os quatro tipos de sujeitos existentes em um ato de linguagem: sujeito comunicante (EUc), sujeito enunciador (EUe), sujeito destinatário (TUd) e sujeito interpretante (TUi), como já apresentamos no Capítulo 4. Levamos em conta ainda que o espaço virtual, como dispositivo comunicacional, é o ambiente de difusão autônoma de opiniões dos internautas-leitores, agentes responsivos de enunciados divulgados em jornais online, blogs e redes sociais como o Facebook, aqui pesquisado. Nesse espaço, inúmeras conversações são geradas e imprescindíveis para fortalecer o discurso da ONG, podendo influenciar sujeitos e ampliar, ou não, a visibilidade pública e a legitimidade da entidade e suas causas no Facebook (GOHN, 2008; PEREIRA, 2011). Como vimos, tais



103 interações discursivas com o post podem durar ou não, o que definirá a duração do assunto são os níveis de engajamento que os internautas-leitores possuem com o enunciado da ONG. Apresentaremos também os níveis de participação e deliberação que possam vir a interferir no discurso do movimento de forma positiva ou negativa, conforme aponta Maia (2008). É certo que a ONG ambiental procura levar suas causas para a esfera de visibilidade pública, a fim de legitimá-las e também se legitimar como defensor do meio ambiente. Já o internauta-leitor (EUc), disposto a reagir discursivamente à publicação da ONG, pode se revestir de diferentes eu-enunciadores (EUe), investindo em diversas visadas, que não necessariamente configurem participação política. Cabe observarmos se essa participação pode, ou não, ser uma forma de ativismo, que seria o ideal perseguido pelo movimento em seu discurso de defensor do meio ambiente. Tomando como referência a ideia de níveis e concomitantemente ao agrupamento de reações, identificaremos, de acordo com a FIG. 14, as formas de interação, participação, reconhecimento da legitimidade e as marcas de visibilidade nos comentários inseridos no Facebook, investigando o ethos criado pelos internautas-leitores e o jogo lúdico de subjetividades. As categorias transdisciplinares apresentadas na FIG. 14 são de nossa autoria, criadas especialmente para esta pesquisa e apropriadas da teoria semiolinguística de Charaudeau, como também nos estudos políticos (HABERMAS; GOHN; GOMES; MAIA; PEREIRA) e tecnológicos (BAUMAN; PRIMO; RECUERO; SANTAELLA; VAN DIJCK; WOLTON), já expostos no início desta dissertação, para dar suporte à análise específica de comentários no ambiente complexo das páginas do Facebook, conforme pode ser visualizado abaixo:

Esquema 4 – Categorias para análise das reações discursivas



104

Fonte: Elaborada pela autora

Analisaremos a seguir as reações discursivas de acordo com as categorias da FIG. 14, organizando, ao mesmo tempo, o agrupamento das reações. Com isso, discutiremos mais profundamente os dados, a fim de analisarmos como os discursos mobilizam as pessoas e como as reações discursivas dos internautas contribuem para ampliar a visibilidade pública dos discursos das ONGs. Por fim, nosso objetivo é refletir sobre o papel da rede social digital Facebook no fortalecimento da legitimidade discursiva de uma ONG ambiental e de suas causas. 5.2.1 Reações discursivas engajadas Denominamos “reações discursivas engajadas” aquelas em que há a referência ao tópico frasal do post, evidenciando, assim, uma adesão ao conteúdo proposicional do discurso da ONG. Elas foram encontradas em alguns comentários postados por internautas-leitores que estão entre os que encenaram em seus enunciados as atitudes mais alinhadas ao tema do post. Tais reações apresentam-se sob diferentes formas linguísticas, mas com direcionamento



105 discursivo comum definido por nós como engajado, como podemos notar nos comentários das figuras abaixo: Figura 14 – Reações “engajadas” que se referem ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico ENGAJADO 1 O q faremos para reverter? Curtir · Responder · 29 de junho às 15:06 ENGAJADO 2 e preciso fazer alguma coisa sim, e a começar por nos, tambem me incluo,comprar carros eletricos quem tem posses, desligar o carro quando esta em fila de espera,arranjar parceiros para o seu proprio carro ou andar de bus nao deitar sacos plasticos fora para a rua, incentivar outros a fazer o mesmo, entre outras, pois e, eu sei que e dificil fazer estas mudanças todas, porque afinal, nos os humanos somos preguiçosos, e dizem, o nao sou so eu Curtir · Responder · 30 de junho às 11:14 ·Editado ENGAJADO 3 Ficamos ligados! !! Curtir · Responder · 29 de junho às 17:23 ENGAJADO 4 Esse derretimento implica em muitas coisas ruins para nós. O derretimento dele não é só um sinal do aquecimento. Ele é extremamente importante pois tem a função de refletir muito dos raios solares que caem sobre nós! Curtir · Responder · 1 · 29 de junho às 13:20 Fonte: https://goo.gl/TNDqGL

Figura 15 – Reações “engajadas” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente ENGAJADO 5Na minha casa juntamos todo resto de óleo de cozinha e fazemos sabão. Curtir · Responder · 7 · 16 de junho às 16:22 ENGAJADO 6 Faz ums 5 anos que produzo o meu próprio sabão de óleo usado. Faço detergente, na net está cheio de receitas é fácil e barato e legal fazer. Siga as instruções dadas. Vamos fazer nossa parte. Curtir · Responder · 2 · 16 de junho às 16:51 ENGAJADO 7é isso fundação to c vcs, pois e meu esposo guardamos restos de óleo para produzimos o próprio sabão!!!!!!!!! Curtir · Responder · 2 · 16 de junho às 19:19 ENGAJADO 8Combatamos esse absurdo, com conscientização! Curtir · Responder · 1 · 9 h Fonte: https://goo.gl/9R65p3





106 Figura 16 – Reação “engajada” que se refere ao post da AMDA que enfatiza a ganância humana como pior inimiga da natureza ENGAJADO 9VERDADE, Curtir · Responder · 1 · 13 de maio de 2014 às 22:09 Fonte: https://goo.gl/jMtr8E

Nos comentários acima, observamos que há uma concordância com o argumento defendido nos posts estudados. Vimos nas FIG. 15, 16 e 17 que internautas-leitores manifestam reações discursivas engajadas para difundir suas ideias positivas com relação ao enunciado da ONG, vindo a encenar um papel comunicativo que pode ser entendido pelo interlocutor como engajado e ativista ambiental. Um exemplo disso se vê em Engajado 3, Engajado 6 e Engajado 8. Ao utilizarem termos como “ficamos ligados”, “vamos fazer”, “combatamos esse absurdo”, os sujeitos interpelam um provável TUd a participar de uma ação coletiva e podem induzir interpretações ao TUi de que ele deve fazer parte também, agindo em prol da defesa do meio ambiente, como ele também o faz. Ele se apresenta como ser engajado e, ao pronunciar os termos que incitam coletividade, descreve ações por meio de sua fala, o que faz TUi imaginar que o EUc tenha autoridade sobre a fala performada. Identificamos também que os internautas-leitores interagem “reativamente” com o post da ONG, em consonância com a categorização de Primo (2011), apresentada no Capítulo 2, que aponta tal tipo de interação reativa como limitada à dualidade estímulo/resposta. A interação é reativa, pois não notamos a formação de um diálogo ativo entre o enunciador do post e as reações engajadas, somente concordâncias com o discurso da ONG. As interações identificadas nas reações engajadas, bem como em todas as outras, podem ser caracterizadas ainda como síncronas, constituídas em tempo real, e também assíncronas, construídas com o passar do tempo, conforme categorias de Recuero (2014a), apresentadas também no Capítulo 2. Vimos que as reações engajadas são apresentadas nos comentários ao post das ONGs com o passar do tempo. Elas começam no mesmo dia, algumas reações podem durar até quatro dias, como foi o caso dos comentários ao post do Greenpeace Brasil. Já o da AMDA, em que há somente um comentário, possui uma única resposta síncrona no mesmo dia. Marcas fortes de engajamento podem ser encontradas nos enunciados que expressam argumentos a favor do enunciado que a ONG ambiental divulgou em seu post. Os comentários engajados encenam reações de adesão ao discurso da ONG ambiental, uma vez que o reforçam em seu enunciado. O nível de participação engajado justifica-se pela



107 interpretação positiva que os internautas-leitores encenam em seus comentários como reações discursivas ao post, demonstrando uma continuidade para o assunto divulgado pela ONG. Notamos isso em todos os comentários descritos acima, que retomam os tópicos frasais dos posts. Justificam-se nas assertivas do Greenpeace Brasil (FIG. 15): “O q faremos para reverter?” (Engajado 1), “e preciso fazer alguma coisa sim, e a começar por nos, tambem me incluo” (sic) (Engajado 2), “Ficamos ligados! !!” (Engajado 3), “Esse derretimento implica em muitas coisas ruins para nós” (Engajado 4). Tais assertivas utilizam argumentos que concordam com o tópico frasal do Greenpeace Brasil: “O Ártico está derretendo” (FIG.12). Assim como nas reações da SOS Mata Atlântica, os internautas-leitores do Greenpeace Brasil encenam uma concordância, com tomada de posição a favor e uma aceitação do estatuto da ONG ambiental (CHARAUDEAU, 2012). Indicando que o modo de organização do discurso argumentativo foi o predominante também nessas reações. Tais textos visam, então, a reforçar a adesão a uma tese. Na cena argumentativa criada pelos internautas em seu discurso, pode-se observar a utilização de diversos procedimentos semânticos e discursivos como estratégias para reforçar a posição tomada e o argumento criado na reação discursiva do internauta. A reação encontrada em Engajado 1 visa a interpelar outros internautas, ou até mesmo o Greenpeace, a uma reflexão com a frase “O que faremos para reverter?”. O procedimento escolhido por ele é discursivo e denominado “questionamento que visa incitação a fazer” (CHARAUDEAU, 2012, p. 242). Esse procedimento consiste em colocar uma questão que, para se realizar, precisa de uma resposta do interlocutor. Esse internauta utiliza uma espécie de convite que reforça um desejo por ação política e incita um debate, que não ocorre por falta de respostas. Tal atitude do internauta parece ser ideal para iniciar uma discussão racional sobre o tema, podendo levar a uma maior participação política entre outros internautas. Porém, a conversa é esvaziada, já que não houve um comentário sobre a interpelação proposta. Como vimos no Capítulo 3, uma discussão crítica-racional originada a partir de um tema polêmico ou de interesse público é fundamental para que aconteça uma deliberação democrática a respeito desse assunto. Enfatizamos a máxima que a sociedade se faz ação por meio da linguagem e não há política sem discurso. Em assuntos políticos, como os relacionados ao meio ambiente, levar para a esfera pública, seja ela virtual ou física, um assunto que possa gerar debates racionais contribui para que transformações coletivas sejam otimizadas para a sociedade de forma legítima. A argumentação, portanto, faz-se necessária



108 para a vida coletiva democrática (ARENDT, 2010; HABERMAS, 1984; GOMES, 2008), quando isso não acontece, o debate torna-se esvaziado e a visibilidade das causas ambientais se enfraquece. Diferente das tentativas argumentativas de Engajado 1, Engajado 5 aposta no procedimento semântico de “domínio do Ético”, denominação de Charaudeau (2012, p. 232, grifos do autor) para os argumentos que se definem “em termos de bem e de mal o que devem ser os comportamentos humanos”, em torno de uma moral externa ou interna. Nesse comentário, o internauta utiliza um argumento que se fundamentou no consenso social de que o derretimento do gelo trará consequências ruins para ele e todos que leem seu texto. Ao expor seu argumento jogando com um imaginário coletivo, o internauta ingressa na esfera do ético, julgando o que é mau, de acordo com as crenças sociais, a fim de tocá-lo. O apelo à emoção é uma estratégia utilizada pelos internautas engajados, tanto em Engajado 1, como Engajado 5. Os internautas recorrem ao discurso patêmico com a intenção de reforçarem sua tomada de posição em favor do tema apresentado pelo Greenpeace. Em Engajado 1, a reação pode ser de temor quanto ao argumento apresentado pela ONG. A intenção patêmica é de tocar o outro, fazê-lo aceitar que o tempo vivido é de alerta constante. Já Engajado 4, ao afirmar que o derretimento do Ártico “implica em muitas coisas ruins para nós”, também visa incitar o pathos no interlocutor, o que poderá provocar uma emoção de terror, pânico. Já Engajado 2 constrói sua argumentação ao evidenciar-se como um sujeito sabe de mais lugares e situações que precisam ser transformadas, o que colocaria em evidência sua identidade informada, uma autoconstrução de sujeito sábio. Engajado 2 complementa, assim, as denúncias feitas pelo Greenpeace Brasil em seu post e reforça positivamente o pedido de assinatura, como se convidasse outros para participarem com ele. E afirma ainda uma identidade engajada ao fazer afirmações como “e preciso fazer alguma coisa sim”, e também se mostra conhecedor do assunto em pauta, enumerando as ações a serem realizadas. Assim, tal sujeito-comentador torna visível seus saberes por meio do dispositivo, uma vez que o espaço é plural e lhe permite isso. Também notamos algumas marcas de engajamento nas assertivas dos comentários na página da SOS Mata Atlântica (FIG. 16): “Na minha casa juntamos todo resto de óleo de cozinha e



109 fazemos sabão.” (Engajado 5), “Faz ums 5 anos que produzo o meu próprio sabão de óleo usado” (Engajado 6), “e meu esposo guardamos restos de óleo para produzimos o próprio sabão!!!!!!!!!” (Engajado 7), “Combatamos esse absurdo, com conscientização!” (Engajado 8). Todas utilizam argumentos que respondem ao tópico frasal da SOS Mata Atlântica: “Não jogue restos de azeite ou óleo de cozinha pelo ralo da pia” (FIG. 11). A concordância com o argumento no post da SOS Mata Atlântica pode ser notada pela encenação argumentativa encontrada nas reações engajadas. Em tais comentários, vimos que os internautas-leitores optam por encenar uma argumentação engajada,apresentando uma aceitação ao estatuto da ONG e criando um argumento a favor de sua divulgação. A argumentação reforça a tese do post e ainda cria um imaginário de participação política mútua, como podemos notar com o uso dos verbos “juntamos”, “produzo”, “guardamos” e “combatamos”, que denotam uma ação positiva por parte dos internautas, mostrando, assim, seu papel mobilizador com a ONG. Dizemos, assim, que, predominantemente, argumentativo foi o modo de organização do discurso nas reações engajadas, em um movimento linguístico de persuasão pela encenação argumentativa. Na cena argumentativa criada pelos sujeitos engajados em suas reações discursivas, encontram-se dois tipos de estratégias discursivas utilizadas para reforçar a posição tomada e o argumento criado por eles: a exibição de um ethos exemplar e a construção patêmica pela interpelação. Charaudeau (2012, p. 225) diz serem táticas para “estabelecer a prova da posição adotada”. Para os internautas-leitores engajados construírem o ethos exemplar, eles utilizam o procedimento “semântico” na encenação argumentativa, que toma, segundo Charaudeau (2012, p. 232): “ [...] um argumento que se fundamenta num consenso social [...]”, como descrevemos no Capítulo 4. Conforme categorização de Charaudeau (2012), verifica-se que tal procedimento semântico atua no “domínio da verdade”, quando, por exemplo, Engajado 5 diz “Na minha casa juntamos todo o resto de óleo de cozinha e fazemos sabão”. É uma experiência aparentemente real no mundo físico, um testemunho compartilhado para reforçar o caráter exemplar da conduta do ser engajado. O interlocutor pode assimilar como uma assertiva autêntica e apenas isso, pois pertence ao âmbito do saber de somente de quem escreve, não deixando espaço para dúvidas. Para construírem um efeito patêmico em seus argumentos, os internautas-leitores apelam para o procedimento “discursivo” (CHARAUDEAU, 2012) em sua encenação argumentativa. Tal



110 procedimento tem o objetivo de persuadir o interlocutor. Nos comentários, notam-se assertivas que apelam à emoção utitilizando a atividade inerente ao procedimento discursivo e denominada por Charaudeau (2012) de “definição de um comportamento”. Com as frases “Combatamos esse absurdo, com conscientização!” e “Vamos fazer a nossa parte”, o internauta-leitor defende, implicitamente, um tipo de conduta definida como ambientalmente correta com relação ao despejo de óleo de cozinha. Ao considerar “absurdo” o despejo incorreto, na primeira frase, o internauta dá a entender que o comportamento correto seria o contrário. Já na segunda frase, o que fica mais evidente é a interpelação para o engajamento em prol de uma atitude considerada positiva por ele: a ambientalmente correta. Já na única reação discursiva encontrada no post da AMDA, que se apresenta com a assertiva “Verdade” (FIG. 17), avaliamos que há uma tomada de posição a favor, uma aceitação do estatuto da AMDA, que ativa somente um procedimento da encenação argumentativa: o semântico, definido pelo significado da palavra proferida. Tal procedimento é da ordem do “domínio de avaliação” (CHARAUDEAU, 2012, p. 232). Finalizamos, assim, as primeiras marcas de engajamento encontradas nesse grupo de reações discursivas. Partiremos agora para a análise das marcas de visibilidade reconhecimento da legitimidade. O primeiro indício que investigamos como marcas de visibilidade são as visadas discursivas utilizadas nas reações engajadas. Em todos os casos, a visada predominante é a de incitação, que visa interpelar um possível interlocutor a se mobilizar com o enunciador. Segundo Charaudeau (2004), tal visada incita um “fazer acreditar” e deve influenciar o interlocutor a “dever acreditar” que a ação proposta é para o seu bem. A visada de incitação pode ser encontrada até mesmo na reação da FIG. 17, em que há somente a palavra “verdade”, uma vez que a intenção do sujeito engajado é de seduzir um possível interlocutor apontando-lhe o que é credível. O objetivo da visada é tornar o comentário visível, bem como, no caso das reações engajadas, a visada também contribui para reforçar a visibilidade do post da ONG. A visada ainda tem a meta de induzir a participação no tema apontado pelas ONGs, uma vez que as reações engajadas já apresentam a retomada do discurso dos post, podemos considerar que os sujeitos que comentam também buscam engajar outros interlocutores, como já observamos explicitamente em algumas reações. Porém, a deliberação somente é instigada, não havendo finalização do debate online visível nos comentários de nenhum dos posts estudados aqui. Com isso, retomamos Maia (2008), que



111 aponta apenas “níveis de deliberação democrática” em ambientes de Internet, como o Facebook. Nas reações engajadas, há uma incitação ao debate crítico-racional que pode originar uma deliberação democrática, porém esta não se efetiva devido à falta de entendimento mútuo entre as partes do debate. Encontramos indícios das outras condições para se realizar uma deliberação, descritas por Maia (2008) nesta dissertação, como respeito mútuo e pluralidade de vozes, mas de forma também limitada, não apresentando uma continuidade que possibilite uma tomada de decisão coletiva no meio online. Em se tratando de marcas de reconhecimento da legitimidade, retornamos à investigação sobre duas estratégias discursivas que servirão para uma compreensão dessas marcas: o ethos e o pathos. Vimos nos parágrafos anteriores que os sujeitos que emitem as reações engajadas constroem seus ethos específicos, como o “exemplar”, mas principalmente o “engajado”, “ativista”, “militante”, ao utilizarem, predominantemente, o pathos de interpelação e um logos diverso, que envolve procedimentos argumentativos semânticos e discursivos. Com essas comprovações, compreendemos que as reações engajadas se espelham no comportamento discursivo das ONGs, pois apresentam características discursivas similares. Ambos querem trazer à tona causas ativistas de interesse geral. Como há uma resposta positiva pelas reações engajadas, podemos dizer que a compreensão das estratégias nos posts foi de acordo com os objetivos das ONGs ambientais, que atendem, com isso, aos três desafios das entidades enumerados por Gohn (2008) no Capítulo 1: a) democratizar suas práticas – meta realizada nas reações engajadas que encenam apoiar tais práticas; b) esclarecer as origens de seus discursos – desafio cumprido pela legitimidade da ONG, que foi aceita pelos internautas engajados; c) incentivar ao máximo a participação política dos cidadãos – objetivo se mostrou cumprido pela adesão ao discurso da ONG apresentada na reação. 5.2.1.1 Engajamento ocasional Tais sujeitos engajados, como os outros internautas-leitores deste estudo, expressam sua opinião em um espaço que se apresenta, cada vez mais, “livre” sob o discurso que “qualquer um pode”, criando “eus” diversos. É o que diz Sibilia (2008, p. 233-234): pois graças a esse poderoso arsenal que hoje está à disposição de praticamente





112 qualquer um, de fato agora você também pode criar livremente aquilo que seria a sua principal obra. Isto é: a sua personalidade, que deve consistir em um modo peculiar de ser, impregnado com vestígios do antigo estilo artístico de ares românticos, mesmo que as belas artes da era burguesa tenham pouca relação com estas práticas. Mas se é isso o que se constrói e se cultiva com esmero nesses espaços da internet saturados de eu, o que seria mesmo uma personalidade? Existem várias definições possíveis para esse termo tão rico em conotações. Neste contexto, porém, a personalidade é sobretudo algo que se vê: uma subjetividade visível, uma forma de ser que se cinzela para ser mostrada.

Diante da autonomia de expressão possibilitada pelo Facebook, vale ressaltar aqui que os internautas-leitores podem construir suas reações engajadas de forma ocasional, não apresentando qualquer relação com elas na vida física. Nesse caso, as atitudes engajadas são encenadas para fins de estratégia discursiva, não oferecendo uma participação real, uma vez que não é garantido que ela se consume em ambiente físico, off-line. O que é uma característica própria da Internet, segundo Santaella (2007, p. 95): “Livre de sua fisicalidade e de seus referenciais orgânicos, nesses ambientes, o corpo entra completamente no reino do simbólico, pois seus significados estão atados às suas descrições virtuais”. Discursos e sujeitos hipermidiáticos se encontram em um universo de “aparências superficiais” (SANTAELLA, 2007, p. 95) e encenações próprias de um ambiente de visibilidade mediada. Tal espaço que “opera certo recorte do mundo social que, para cada comunidade, reúne os conhecimentos e as crenças sobre esse mundo e que as mídias se encarregam de tornar visível através de uma apresentação estruturante” (CHARAUDEAU, 2013a, p. 143). O espaço virtual oferece, assim, um cenário propício à atuação de sujeitos enunciadores de diversos tipos, que tem a liberdade de escolher sua identidade e mudar de ethos a todo instante no ambiente digital. Pereira (2008) caracteriza tal engajamento como ocasional realizado pelo “internauta militante ocasional”. Como engajado ocasional, pode-se considerar aquele sujeito que se mobiliza somente quando responde a uma interpelação, segundo Pereira (2008): “Trata-se de uma militância à la carte, pois trata-se de um engajamento periódico e algumas vezes distanciado, uma vez que o internauta não precisa se expor às pressões sociais que normalmente acompanham este tipo de actividades.” (p. 209). Um sujeito engajado ocasional, geralmente, é aquele que participa com um clique ou assinatura de uma petição e apenas com isso. Esse tipo de sujeito pode ser considerado engajado e TUi ideal, porém necessita de uma estratégia forte de convencimento por parte do EUe. Ele também pode ser um EUe importante para o aumento da visibilidade do movimento,





113 uma vez que seus enunciados são positivos e, uma vez visíveis, podem “contaminar” outros sujeitos ocasionais. É o que defende Pereira (2008, p. 210): Para que estes internautas militantes eventuais sejam “seduzidos” a participar das acções de mobilização promovidas pelas entidades é necessário que exista uma acção volitiva dos mesmos, de forma tal que estejam dispostos a acessar as páginas das entidades e possam ver o que está a acontecer em termos de mobilização, ou que estejam vinculados a alguma lista de discussão ou lista de emails para que estejam informados sobre o que está a ocorrer. Outra possibilidade destes movimentos de alcançar tal público-alvo é através de uma rede informal e da disponibilidade de militantes mais activos que distribuam para as suas respectivas listas de contacto pessoal as mensagens convocatórias das acções. Este caminho se processa inicialmente no sentido das entidades para os seus filiados e, depois, através de redes pessoais, para um público mais alargado que receberá um email convocando para uma determinada actividade. Trata-se de um processo de recrutamento de apoiadores e participantes.

Mesmo partindo de uma interação complexa e volátil, as reações engajadas podem ser consideradas as que mais contribuem para a visibilidade do movimento. Isso porque eles reforçam o enunciado da organização e ainda incentivam outros sujeitos a serem ativos e engajados. 5.2.2 Reações discursivas compartilhadoras Diferente do ato de “compartilhar” competente ao botão que leva o mesmo nome no Facebook, denominamos como reações discursivas compartilhadoras aquelas de internautasleitores que optaram por convidar outros internautas a participarem da conversação incitada pelo post, como podemos notar nos comentários abaixo: Figura 17 – Reações “compartilhadoras” que se referem ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico COMPARTILHADOR 1

Internauta 1, verdade?

Curtir · Responder · 30 de junho às 19:39 COMPARTILHADOR 2

Internauta 2da uma olhada!

Curtir · Responder · 30 de junho às 16:50 Fonte: https://goo.gl/TNDqGL

Figura 18 – Reações “compartilhadoras” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente





114 COMPARTILHADOR 3 Olha essa Internauta 3 Curtir · Responder · Ontem às 14:53 COMPARTILHADOR 4

Internauta 4

Curtir · Responder · 16 de junho às 16:03 ·Editado Fonte: https://goo.gl/9R65p3

Nos comentários acima, podemos perceber que os internautas apenas convidam outros internautas de sua rede social a lerem o post ou a participarem da discussão. Tomando como base a categorização de Primo (2011), podemos notar que a interação com o post é reativa, pois envolveu somente uma resposta rápida como reação. Assim como as reações engajadas, as interações identificadas nesse tipo de reação também podem ser dos tipos síncronas e assíncronas (RECUERO, 2014a), pois contabilizamos muitas desse tipo em diferentes momentos e dias após a publicação do post. Tais reações visam incitar outros internautasleitores a compartilharem aquilo que está sendo lido, ativando um ethos conselheiro, que pretende orientar outros internautas a fazerem o mesmo que ele, que é replicar a ação. Ao investigarmos as marcas de engajamento desse grupo de reações, notamos que os internautas convidam outros e não criam argumentos, somente apontam para o tema do post. Há, portanto, mesmo que mínima, uma participação política com o assunto da ONG. Ainda que se apresente, como em Compartilhador 1, na expressão “verdade?”, tal questionamento é voltado para o Internauta 1 e demonstra uma continuidade ao assunto do post, possibilitando um debate, que, como nas reações engajadas, não é consumado. Mas, como a abordagem do tópico frasal das ONGs não é retomada nas reações compartilhadoras, não há como afirmarmos, a partir das marcas linguísticas apresentadas, que elas demonstram uma tomada de posição a favor explícita, apenas supomos que, de forma implícita, há uma tomada de posição positiva pelo ato de “compartilhar” a informação com outros internautas. Sem argumentar e só apresentando uma interação reativa rápida, convidando outros internautas a compartilharem do assunto do post, percebemos que as reações compartilhadoras são as que mais garantem uma “preservação da face” ou da “fachada” (GOFFMAN, 2011) 44 ao sujeito que comenta no Facebook. Maingueneau (2004) explica que 44 O

conceito de preservação da face e fachada é inaugurado por Goffman (2011) e reutilizado por Maingueneau (2004) e Recuero (2014b) em seus estudos. Goffman (2011, p.20) define o conceito: “A preservação da fachada





115 a teoria das faces é aquela que estuda os fenômenos de polidez de um ato de linguagem. O autor considera que: [...] todo indivíduo possui duas faces; o termo “face” deve aqui ser tomado no sentido que este termo possui numa expressão como “perder a face”: – uma face negativa, que corresponde ao território de cada um (seu corpo, sua intimidade, etc.); – uma face positiva, que corresponde à “fachada” social, à nossa própria imagem valorizante que tentamos apresentar aos outros. (p. 38, grifos do autor).

Considerando a descrição de face negativa e positiva de Maingueneau (2004), já apontado como uma releitura de Goffman (2011), podemos deduzir que os internautas que optaram por reagirem de forma a apenas compartilharem a informação do post com outros internautas estariam buscando preservar sua face positiva, livrando-se da ameaça a sua face. Eles também evitam falas ameaçadoras para a face positiva do destinatário, que poderia ser a ONG, suprimindo críticas, por exemplo, e preservam a polidez do seu discurso. 5.2.3 Reações discursivas dolentes Observamos que, muitas vezes, a reação publicada no post da ONG correspondeu somente a um lapso de participação. Como se pode identificar nos comentários publicados por internautas-leitores abaixo (FIG. 20 e 21), que só lamentaram a informação recebida. Eles reforçam o enunciado do Greenpeace, porém só reagem, sem argumentar sobre o assunto. Figura 19 – Reações “dolentes” que se referem ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico DOLENTE 1 muito horrivel!!! Curtir · Responder · 29 de junho às 11:56 DOLENTE 2 Infelizmente já era ! Curtir · Responder · 29 de junho às 16:33 DOLENTE 3 Só Deus para ter misericórdia Curtir · Responder · 29 de junho às 15:28 Fonte: https://goo.gl/TNDqGL serve para neutralizar ‘incidentes’ - quer dizer, eventos cujas implicações simbólicas efetivas ameaçam a fachada”.





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Figura 20 – Reações “dolentes” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente DOLENTE 4 Que vergonha para nossa mãe natureza !!!!! Curtir · Responder · Ontem às 07:08 DOLENTE 5 nao podemos de forma alguma Curtir · Responder · 16 de junho às 17:40 Fonte: https://goo.gl/9R65p3

Como podemos notar nas Figuras 20 e 21, as reações dolentes expressam lamentações dos internautas-leitores. A interação é reativa (PRIMO, 2011) e também, assim como todas as outras já analisadas, síncronas e assíncronas (RECUERO, 2014a). Dentre as marcas de engajamento apresentadas pelas reações dolentes, compreendemos, inicialmente, que a reação encenada é de adesão ao discurso das ONGs nos posts. Ao expressarem lamentações, como nas assertivas “Que vergonha” (Dolente 4), “horrível”, (Dolente 1), “Infelizmente” (Dolente 2) e “Só Deus para ter misericórdia” (Dolente 3), as reações dolentes aparentam interpretar como legítimo o discurso apontado pela ONG no post e o reforçam, com uma aceitação de seu estatuto, avaliando de acordo com as categorias do modo de organização argumentativo. As reações dolentes não criam um argumento explícito, mas podem apresentar uma atitude positiva, uma vez que não expressam nada que ameace a face da ONG e também nada que ameace sua própria face positiva. Elas só reforçam o enunciado do Greenpeace, sem retomar o tópico frasal dos posts, não mostrando uma continuidade ao assunto, apenas esboçando uma reação. Tal falta de argumentação dos internautas-leitores que emitem reações, categorizadas aqui como “dolentes”, esgota um possível debate racional-crítico entre outros sujeitos, torna mínima sua participação política e zera seu ativismo. Como ativismo, considera-se uma forma de ação política (ARENDT, 2010), seja por atos, seja por palavras, como apontamos no Capítulo 3. Habermas (1984), por meio de sua teoria democrática discursiva, também defende que a ação discursiva de sujeitos, com sua consequente argumentação em um meio, é fundamental para a deliberação de assuntos públicos, como os ambientais, que são foco de nossa análise.



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Vimos que as ONGs ambientais lançaram, na esfera da visibilidade pública virtual, argumentos sobre um assunto que poderiam estender um debate entre todos os internautas, sendo considerados legítimos por eles. No caso dos internautas-leitores dolentes, não houve debate racional com trocas de argumentos, apenas uma concordância com o argumento do Greenpeace. Diferente do que pensavam os primeiros teóricos entusiastas da Internet, que versavam sobre um novo tempo para a democratização e o desenvolvimento da participação política em meio online, o que se vê hoje é o esvaziamento da conversação e a falta de participação política digital. Conforme Gomes (2008), o que parece ser um fenômeno da nova realidade virtual, na verdade é um reflexo da sociedade contemporânea. Verificando as marcas de visibilidade e legitimidade nos enunciados dolentes, notamos que a visada predominante é a de expressão, pois o enunciador somente quer fazer saber um sentimento. Ele não dá continuidade a uma deliberação e nem a incita em sua fala, pois não apresenta argumentação racional que consista em algum nível de debate. Mesmo sem provocar uma continuidade ao assunto, os internautas que emitem reações dolentes parecem legitimar a fala da ONG, compreendo-a de acordo com o ethos ativado no post. Eles também expressam ter se deixado tocar pelas estratégias patêmicas dos posts e, a partir disso, constroem enunciados também patêmicos, encenando reações avaliadoras como em Dolente 4, com a expressão “Que vergonha”, bem como dramáticas, dolorosas, em Dolente 1, na assertiva “muito horrivel!!!”, ainda angustiadas, quanto em Dolente 2 e 3. Este ainda utiliza um recurso altamente patêmico que é o apelo ao discurso religioso, ao escrever “só Deus”, contribuindo para tocar a emoção da grande parcela religiosa de interlocutores brasileiros. Charaudeau (2007b) compreende a “dor” como uma emoção, vista pelo aspecto mental, que mostra a insatisfação de um desejo, com a exteriorização de um mal estar profundo, no caso do post da SOS Mata Atlântica, desencadeado pela situação de provável contaminação da água e, no post do Greenpeace, pela situação alarmante de derretimento do gelo do Ártico. O autor diz que tal emoção é provocada “pela mobilização de uma rede de crenças” (2007b,online), que coloca uma situação em posição de “vítima moral”. Já a emoção de “angústia” ativada pelas reações dolentes é um estado de espera perigosa para o enunciador, segundo Charaudeau (2007b). Vimos isso na reação do Dolente 5, que, ao dizer “nao podemos de forma alguma”, denota uma representação negativa da situação apontada,



118 como se dissesse: “o que nos espera é terrível”, mostrando que se sente ameaçado. Por isso, o autor diz que a angústia está ligada a uma emoção de “medo”, partilhando com o interlocutor esse pânico sentido, a fim de que ele se compadeça de tal sentimento, influenciando-o. 5.2.4 Reações discursivas questionadoras Consideramos como reações discursivas questionadoras aquelas que criam perguntas voltadas às ONGs ambientais, interrogando-as. Como podemos notar nos comentários abaixo: Figura 21 – Reação “questionadora” que se refere ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico QUESTIONADOR 1 Interessante. Precisa de um atlas a cada verão, então? Curtir · Responder · 1 de julho às 01:41 Fonte: https://goo.gl/TNDqGL

Figura 22 – Reações “questionadoras” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente QUESTIONADOR 2 O SABÃO que vai para o esgoto não contamina ainda mais, já que para fazer SABÃO além do óleo aí.da se uso soda cáustica é outros produtos químicos como até mesmo o etanol. ?!? Curtir · Responder · 12 · 16 de junho às 16:34 Fundação SOS Mata Atlântica Olá,QUESTIONADOR 2, tudo bem? Quando a soda cáustica é empregada na fabricação de sabão ocorre uma reação química de saponificação. A soda cáustica reage com os óleos no processo e resulta em sabão mais glicerina. Desta forma, quando o sabão passa por um processo de cura, toda soda cáustica presente reage com os óleos, formando um produto de pH próximo ao neutro. Abraços! QUESTIONADOR 3 então por que os rios poluidos se enxem de espuma? Curtir · 3 · 16 de junho às 20:01 Fundação SOS Mata Atlântica Olá, QUESTIONADOR 3, tudo bem? O sabão ecológico traz inúmeros benefícios por não agredir a natureza e poluir o meio ambiente. Além de superar a qualidade do material produzido nas indústrias comuns, o sabão ecológico não agride a pele e não contém produtos químicos como os industrializados. O produto é 100% biodegradável e ao se decompor em contato com colônias de micro-organismos existentes em água corrente perde as propriedades químicas nocivas ao meio ambiente. Abraços! Fonte: https://goo.gl/9R65p3

A interação em Questionador 1 é do tipo reativa (PRIMO, 2011). Porém, diferente das outras reações estudadas até agora, as questionadoras podem ativar também o tipo de interação mútua (PRIMO, 2011), que é marcada pelo diálogo entre enunciador e interlocutor, havendo



119 afetação mútua. Essas são as únicas reações discursivas que possuem tal tipo de conversação dialógica, com existência de estímulo e resposta, como se vê em Questionador 2 e 3. Nesses casos, os interlocutores interagem questionando assuntos do post e obtêm uma resposta ativa da ONG SOS Mata Atlântica. O conceito de diálogo já pressupõe essa troca entre os falantes, segundo Charaudeau e Maingueneau (2014), porém, os diálogos apresentados entre ONGs e internautas-leitores nas reações questionadoras coletadas no corpus são limitados, como em Questionador 2 e 3. Podem ser considerados, assim, “falsos diálogos” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p. 164), pois, mesmo que exista uma intenção do internauta-leitor em criar um diálogo inicial ao emitir a pergunta, tal troca construtiva não é desenvolvida. Ora, finalizou com sua pergunta, que não obteve resposta (Questionador 1), ora obteve resposta (Questionador 2 e 3), mas o internauta não replicou, a fim de chegar a um consenso e finalizar o diálogo. Em todos os casos, a reação encenada pelo questionador é a de dúvida. Uma incerteza que pode estar ligada a uma desconfiança, no caso de Questionador 3, ao iniciar seu enunciado com o item lexical “então”. A palavra pode instigar a interpretação de que o internauta não aceitou de imediato o discurso proferido no post da ONG, discutindo sua legitimidade, o que veio a ser motivo para a questão levantada. Porém, a expressão “então”, quando utilizada no final da frase por Questionador 1, pode remeter a uma concordância com o post da ONG. Supomos que a palavra tenha sido utilizada apenas para confirmar e retomar o discurso do post, uma vez que finaliza com os dizeres positivos: “Interessante. Precisa de um atlas a cada verão”. Vale aqui também registrar as interpretações sobre as respostas das ONGs, uma vez que falamos sobre possíveis diálogos. O Greenpeace Brasil prefere não interagir com nenhuma das reações questionadoras no post analisado, preservando sua face positiva, mas pode correr o risco de ativar uma face negativa por deixar o interlocutor sem respostas. Seu silêncio tende levar o questionador, bem como outros internautas, a diversas interpretações, que podem fugir de uma orientação positiva. O mesmo não acontece com a SOS Mata Atlântica, que prefere arriscar sua face ao responder os questionamentos propostos. Ativando seu ethos pedagógico apresentado no discurso do post, ao divulgar orientações sobre como evitar jogar óleo na água produzindo sabão ecológico. A resposta serviu, assim, como um complemento ao post divulgado anteriormente. A ONG ainda utiliza de cumprimentos e despedidas informais como



120 “Olá”, “tudo bem?” e “Abraços!” para se dirigir aos questionadores, ativando o pathos da proximidade, uma ferramenta para seduzir o interlocutor pela emoção. As reações questionadoras indicam, mesmo que de forma tímida, uma participação política diante do assunto apresentado pelo post. Elas encenam dúvidas e levantam questões pertinentes ao discurso da ONG no enunciado, sem uma empreitada argumentativa explícita de tomada de posição a favor ou contra o discurso da ONG, mas podemos investigá-la de forma implícita. Em alguns casos, como Questionador 1, identificamos uma adesão ao discurso do post, pois há uma retomada do argumento do Greenpeace que precisamos de um novo atlas. A reação questionadora confirma a necessidade desse Atlas e ainda questiona se é preciso um novo a cada verão. Nos outros dois casos, Questionador 2 e 3, os internautasleitores propõem perguntas técnicas, solicitando uma resposta orientadora da ONG. Nesse caso, eles parecem confiar nos saberes da entidade, o que pode indicar uma adesão à tese proposta. Indícios de uma cena argumentativa podem ser investigados na utilização do procedimento discursivo de “questionamento de verificação do Saber”, definido por Charaudeau (2012, p. 242) como uma “situação de troca polêmica”. Os questionamentos levantados nas reações das FIG. 22 e 23 utilizam também da, denominada por Charaudeau (2004), visada de “solicitação” como estratégia discursiva, que quer “saber” algo de um interlocutor que está em posição de “dever responder” a solicitação. Com isso, as reações questionadoras incitam possíveis deliberações sobre os assuntos levantados pelas ONGs. Porém, tais indícios não levantam intensas trocas argumentativas, que seriam necessárias para que se estabelecesse um intercâmbio de razões em um debate racional-crítico (MAIA, 2008). Se houvesse um debate mais ampliado, tais reações poderiam promover ainda mais o Facebook como espaço retórico, incitando novos questionamentos a respeito da causa defendida no post e confirmando o papel da Internet como esfera pública virtual. Por essa razão, as reações questionadoras podem vir a ser que ativam um maior nível de deliberação entre as reações categorizadas. 5.2.5 Reações discursivas dissonantes Outra categoria de comentários encontrada nas reações discursivas aos posts das ONGs é a de sujeitos que desejam apenas a visibilidade e fogem totalmente de uma resposta positiva ou negativa. Nesse caso, pode haver uma mobilização, mas por outros assuntos que nada têm a



121 ver com os temas difundidos pelas ONGs. Por essa razão, as denominamos “reações dissonantes”. Conforme as FIG. 24 e 25 apresentam: Figura 23 – Reações “dissonantes” no post do Greenpeace Brasil DISSONANTE 1http://edsonjnovaes.wordpress.com/.../conheca-13.../ Curtir · Responder · 1 · 29 de junho às 18:27 DISSONANTE 2 Gosto de aprender com os jovens cultura Curtir · Responder · 29 de junho às 13:45 DISSONANTE 3 Melhor goleiro do mundo e o nosso Julio Cesar Curtir · Responder · 1 · 29 de junho às 20:17 Fonte: https://goo.gl/TNDqGL

Figura 24 – Reações “dissonantes” no post da SOS Mata Atlântica DISSONANTE 4 por favor em Duque de Caxias, RJ.. arvores centenarias estão sendo cortadas para dar lugar para mais um shopping e a empresa esta desrespeitando ordens judiciais para não cortarem nada.. http://www.youtube.com/watch?v=n3NI4DONaLA&feature=share Curtir · Responder · há 16 horas DISSONANTE 5 frituras para coração morre cedo Curtir · Responder · há 21 horas Fonte: https://goo.gl/9R65p3

Nos comentários acima, que possuem somente reações dissonantes, notamos que os internautas-leitores investem em argumentações próprias que não retomam o tópico frasal dos posts das ONGs. Não há, portanto, participação, deliberação e interação com a entidade e suas causas, apenas uma encenação argumentativa de outros assuntos que desviam do tema difundido pelas entidades ambientais. Sem tomada de posição, argumentação ou engajamento com os posts, as reações dissonantes somente podem reforçar a visibilidade do sujeito e, por vezes, da causa que ele divulga. Nesses comentários opinativos, pode-se perceber uma fuga total do assunto do post, fazendo concluir que tais reações discursivas tiveram a intenção única de autoconstrução de si, reforçando a visibilidade do sujeito e, por vezes, da causa que ele divulga. Esse tipo de estratégia ganhou amplitude com o surgimento da Internet, conforme Sibilia (2008, p. 242):



122

Os novos canais inaugurados na internet também se colocam a serviço desse mesmo fim: a construção da própria imagem. Ao permitirem a qualquer um ser visto, lido e ouvido por milhões de pessoas – mesmo que não se tenha nada específico a dizer -, também possibilitam o posicionamento da própria marca como uma personalidade visível.

O fenômeno atual da autoconstrução de si (SIBILIA, 2008) na Internet também é descrito por Recuero (2014a) como “representações do self” e por Emediato (2015) como uma artimanha performática de “autoexibição de si”, em que há exposição de assuntos, imagens e personagens, que antes eram de propriedade privada. Tudo isso é estrategicamente perfomatizado para trazer a impressão que agrade uma possível audiência. Como podemos notar em Dissonante 4, que, sem referenciar o assunto do post da SOS Mata Atlântica, apresenta um enunciado sobre uma outra causa ambiental: árvores centenárias cortadas de forma ilícita em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Este internauta-leitor parece querer somente uma autoexposição de si e de sua causa, construindo um ethos engajado ambientalmente, em uma visada de “demonstração” (CHARAUDEAU, 2004), que estabelece um argumento como verdade e mostra as provas. Tais provas estão em um vídeo que o interlocutor tem acesso ao clicar no link proposto no enunciado. Altamente patêmico, o vídeo (FIG. 26) registra os momentos em que foram cortadas as árvores em Duque de Caxias de uma perspectiva ativista. Figura 25 – Vídeo cujo link está na reação Dissonante 4

Fonte: http://goo.gl/12w4Zk





123 Mesmo se tratando de um enunciado engajado, a reação demonstra um discurso dissonante, que se distancia de uma participação política favorável à causa apresentada no post da ONG SOS Mata Atlântica. Tal sujeito utiliza o espaço somente como lugar de performance, encenando uma proposta que não responde ao post, mas que pode vir a alimentar um debate sobre um novo tema com outros internautas. O interlocutor pode vir a ser tocado pelo discurso emocional ativado pelo vídeo e também pelos dizeres “por favor”, fazendo ao interlocutor um pedido de solidariedade, podendo o persuadir à adesão de sua causa. Podemos notar que Dissonante 1 também é autocentrado, já que o internauta-leitor somente divulga a sua plataforma individual, fazendo, assim o seu marketing pessoal. Ao investigarmos o link que Dissonante 1 divulga em seu comentário (FIG. 27) , vimos que o conteúdo é ambiental, porém divulga o tema reaproveitamento de alimentos, que nada tem de similar com o post do Greenpeace, como Dissonante 4 também fez em seu enunciado. Figura 26 – Página da Internet cujo link está na reação Dissonante 1

Fonte: https://goo.gl/O39aLb

Nesse e em todos os outros casos, temos uma mudança de protagonista. Se antes o movimento é que se mostra como aquele que propõe as bandeiras e os motivos para as lutas ambientais, nesse momento, se o outro internauta-leitor engajar-se nessa proposição e clicar nesse hiperlink, será conduzido para o discurso desse outrem. Os enunciadores lançam mão de





124 asserções vazias de significação para o contexto colocado, desvirtuando, assim, o encadeamento discursivo que possivelmente vinha sendo construído. Diante dessa ânsia por se manterem visíveis, os internautas podem, muitas vezes, disseminar enunciados com falta de sentido, demonstrando uma “certa fragilidade nessa auto-exposição” (SIBILIA, 2008, p. 242). Como se vê em Dissonante 2, 3 e 5, que apresentam enunciados desconexos, emitindo opiniões sobre temas diversos que não se encaixam no universo ambiental que as ONGs fazem parte. Assim como em Dissonante 1 e 4, as reações contribuir para esvaziar a deliberação sobre o tema apresentado no post, conduzindo os interlocutores a outros debates. Os internautas-leitores podem, assim, interferirem na visibilidade e na legitimidade da ONG e suas causas, porém também são atraídos por esse espaço de visibilidade construído para refletirem seus próprios enunciados, podendo esta ser também a intenção implícita em todos os outros comentários analisados. 5.2.6 Reações discursivas deslegitimadoras Como vimos no tópico anterior, a maior liberdade de construção discursiva na rede não representa, consequentemente, uma participação política e uma visibilidade favorável para o movimento expor suas causas como legítimas. Há aqueles internautas-leitores que discordam do argumento apresentado pelas ONGs ambientais, tomando uma posição contrária à tese do movimento. Explicitamente deslegitimadoras, as reações discursivas que apresentaremos a seguir arriscam a face para se posicionar contra os discursos das ONGs emitidos nos posts e constroem argumentos para isso. Como podemos notar nos comentários a seguir: Figura 27 – Reações “deslegitimadoras” que se referem ao post do Greenpeace Brasil sobre o derretimento do gelo do Ártico DESLEGITIMADOR 1 Que derreta Curtir · Responder · 3 · 29 de junho às 13:47 DESLEGITIMADOR 2 Tenho minhas dúvidas quanto a veracidade! Curtir · Responder · 29 de junho às 20:24 DESLEGITIMADOR 3 Pegar uma imagem do inverno polar e a outra do verão não vale hahahahah Curtir · Responder · 30 de junho às 10:47





125 DESLEGITIMADOR 4 Notem que a foto em si já é uma fraude, uma montagem grotesca. Como acreditar em uma ONG que protesta contra plataformas petrolíferas com barcos movidos a derivados de petróleo? Onde os ativistas lutam contra usinas nucleares ou hidrelétricas, mas não abrem a mão do conforto do ar condicionado em casa? Greempeace , uma ONG hipócrita, com ativistas que não passam de massa de manobra para arrecadação de “fundos” para “causas” que não existem. Curtir · Responder · 1 de julho às 10:58 Fonte: https://goo.gl/TNDqGL

Figura 28 – Reações “deslegitimadoras” que se referem ao post da SOS Mata Atlântica sobre não jogar óleo nos rios para evitar o desequilíbrio ao meio ambiente DESLEGITIMADOR 5 Tudo blá blá blá, óleo produzido das sementes oleaginosas , naturais que a própria terra produz e absorve Curtir · Responder · 16 de junho às 23:23 DESLEGITIMADOR 6 A própria sabesp desmentiu esse cálculo....o máximo que 1 litro de.óleo contamina são 20mil litros d'água Curtir · Responder · Ontem às 10:45 Fonte: https://goo.gl/9R65p3

Observamos que os comentários anteriores apresentam uma discordância quanto ao discurso da ONG ambiental. Os internautas-leitores utilizam o espaço de comentários para manifestarem, assim, suas reações discursivas deslegitimadoras, construindo argumentos em sua defesa. Todavia, podemos verificar que há uma interação reativa (PRIMO, 2011) com o post da ONG, indicando também um nível de participação considerável nos assuntos levantados na página. O internauta expressa sua opinião contrária, retomando o tema do post, indicando uma interação com o discurso da entidade ambiental, mesmo que negativa para a face da ONG. Uma motivação possível que sustenta tais argumentos contrários pode ser a de construir um conflito com o Greenpeace ou com outros ativistas positivos da causa que o movimento defende no post. Ao encenar uma argumentação adversa ao discurso da ONG, as reações deslegitimadoras retomam o tópico frasal do post para questioná-lo de forma negativa. O nível de participação deslegitimador justifica-se, assim, pela interpretação negativa que os internautas-leitores encenam em seus comentários como reações discursivas ao post, demonstrando uma continuidade para o assunto divulgado pela ONG, só que, ao das reações engajadas, tal sequência é contrária ao esperado pela entidade ambiental. Podem notar nas assertivas dos comentários na página do Greenpeace (FIG. 26): “Que derreta” (Deslegitimador 1), “Tenho



126 minhas dúvidas” (Deslegitimador 2), “não vale hahahahah” (Deslegitimador 3), “Notem que a foto em si já é uma fraude, uma montagem grotesca” (Deslegitimador 4). Em todas as assertivas, podemos notar a discordância com o tópico frasal do Greenpeace que se refere ao derretimento do gelo do Ártico. Nas reações deslegitimadoras, encontramos, então, seguindo as categorias de Charaudeau (2012), uma tomada de posição contra o argumento da ONG e ainda uma rejeição do estatuto da entidade ambiental. Algumas reações como Deslegitimador 1 e Deslegitimador 2 não apresentam uma justificativa racional para suas discordâncias. Eles utilizam o espaço apenas para registrarem que não concordam com o post do Greenpeace, encenando um papel contrário. As reações deslegitimadoras são de sujeitos que querem estar presente na construção de sentido, fazerem parte de alguma forma, seja denunciando ou exaltando seus saberes em prol de uma participação na temática, como em Deslegitimador 4, que apresenta uma crítica extensa ao Greenpeace e ao assunto do post. Já Deslegitimador 3 se utiliza de um posicionamento irônico, marcado pela expressão “não vale hahahahah” para registrar sua opinião contrária e rebater o argumento do Greenpeace, uma manobra implícita para desqualificar a legitimidade do post. O mesmo acontece em Deslegitimador 5 com a expressão “Tudo blá blá blá”, que desqualifica o post da SOS Mata Atlântica. Tratam-se também de argumentações polêmicas, que trazem à tona novas informações que desqualificam o discurso das ONGs, considerando-o falso: em Contrário 3, a de que o movimento publicou imagens de estações diferentes e não de anos diferentes como o Greenpeace afirma no post; em Deslegitimador 5, a informação é a de que o óleo é absorvido pela terra, o que faz deduzir que não prejudicará as águas, como a ONG apresenta em seu post. A argumentação proposta por Deslegitimador 3 e 5 é, portanto, qualificada pelo procedimento semântico de “domínio da verdade” (CHARAUDEAU, 2012), apresentando como verdade o que eles enunciam e estabelecendo, assim, como falsas as assertivas da ONG ambiental no post. Também há a estratégia de apelo para a ironia. A ironia é um recurso textual que possui um caráter defensivo (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014). Nela, “há um efeito de não assumir a enunciação por parte do locutor e de discordância em relação à fala esperada em tal tipo de situação” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p. 291, grifo do autor). O uso da ironia nesse caso é uma máscara que o internauta se propõe a vestir para criticar os argumento das ONGs



127 de uma forma menos agressiva, um disfarce textual que encena um argumento polêmico em um espaço virtual, ambiente este já discutido aqui e que permite o jogo comunicativo imprevisível a que o sujeito se propõe. Tudo depende do ethos a que os sujeitos se propõem no momento da interação. No ambiente virtual, o internauta-leitor pode criar “identidades múltiplas” (SANTAELLA, 2007, p. 83), em uma comunicação não linear, “[...] rodeada de ambiguidades, geradas, por exemplo, pelo potencial para o anonimato, para a construção múltipla de eus [...]” (SANTAELLA, 2007, p. 83). De forma defensiva, observamos que a reação Deslegitimador 4 apresenta uma discordância quanto ao post do Greenpeace, com engajamento em uma tese contrária e argumentação polêmica dada pelo internauta, mostrando seu desejo pela participação política e pelo debate público futuro. Nesse comentário, o internauta emprega alguns traços de acusação e questionamento em sua argumentação polêmica como “é uma fraude”, “Como acreditar”, “ativistas que não passam de massa de manobra”. São expressões utilizadas pelo internauta sem referência racional, apenas como argumentos que levantam polêmicas e que podem iniciar novos debates na rede. Para defender seu argumento, Deslegitimador 6 também apela a visadas de demonstração, quando utiliza a expressão “Notem que a foto em si”, tomando e divulgando como verdade que a foto é uma “montagem grotesca”. Consoante as reações irônicas, os argumentos de Deslegitimador 6 também estão ligados ao procedimento semântico descrito por Charaudeau (2012) como de “domínio da verdade”, pois define como falsa a foto apresentada pela ONG. Deslegitimador 6 se coloca em uma posição de autoridade para investir em uma visada de demonstração ao apresentar assertivas que ele considera verdadeiras como “ONG que protesta contra plataformas petrolíferas com barcos movidos a derivados de petróleo” e “ativistas lutam contra usinas nucleares ou hidrelétricas, mas não abrem a mão do conforto do ar condicionado em casa”. Deixando ainda claro ao final qual o seu julgamento quanto ao Greenpeace: “uma ONG hipócrita, com ativistas que não passam de massa de manobra para arrecadação de ‘fundos’ para ‘causas’ que não existem”. Ao lançar mão de diversos recursos patêmicos, Deslegitimador 6 provoca um argumento contrário que se encaixa na categoria “questionamento de provocação”, considerado um “procedimento discursivo” por Charaudeau (2012), conduzindo uma encenação argumentativa similar àquela realizada pela ONG Greenpeace Brasil em seu post, que traz reflexões provocativas para o enunciado.





128 Com tais frases de revolta, o enunciador pode incitar o pathos pelo apelo à emoção de antipatia, quando apresenta provas contra o discurso da ONG ambiental. A antipatia, segundo Charaudeau (2007b), é uma emoção que está centrada em uma “relação triangular” orientada contra alguém, em que há uma vítima de um mal, um responsável e uma testemunha. No caso de Contrário 6, o sujeito enunciador, ao dizer “Como acreditar”, faz-se de vítima que se sente enganada pelo Greenpeace, que é colocado como responsável pela ação enganosa. A testemunha seria, então, o interlocutor, que ele convida para partilhar sua indignação ao incitar o questionamento de provocação. Os questionamentos de provocação e o apelo ao procedimento domínio da verdade são mobilizados por Deslegitimador 6 para mostrar sua indignação como vítima, apresentando certo comportamento de denúncia do responsável pelo seu sofrimento, o Greenpeace. Como sua investida no comentário foi extensa, podemos supor que sua indignação também é grande. Ao se mostrarem antipáticos ou irônicos, os sujeitos que reagem de forma contrária ao post das ONGs ambientais parecem atribuir às entidades um ethos enganador, mentiroso, desqualificando seu discurso e ainda apelam ao pathos para construírem novas argumentações deslegitimadoras que possam conquistar outros internautas e fazê-los questionar a legitimidade da entidade e do post. Altamente patêmicas é também a assertiva Deslegitimador 6, que faz parte das reações deslegitimadoras ao discurso da SOS Mata Atlântica. Ao argumentar que “A própria sabesp desmentiu esse cálculo....o máximo que 1 litro de.óleo contamina são 20mil litros d’água”, o sujeito enunciador encena uma reação contrária ao discurso da ONG, negando a informação apresentada no post. Deslegitimador 6 também apresenta um argumento de autoridade: “A própria sabesp”. Charaudeau (2012, p. 240) classifica esse tipo de procedimento do âmbito discursivo como “citação de um saber”. Tal argumento com referência pode influenciar o leitor pelo testemunho do terceiro citado, sem deixar margem para dúvidas. Ele também cita números para comprovar sua tese contrária, utilizando-se da visada de demonstração para trazer à tona uma justificativa para o que defende ser correto e provar o que é falso. Observamos que Deslegitimador 6 dá continuidade ao tema do post, mas de uma forma contraditória, pela incitação à refutação, um “ato reativo argumentativo de oposição”, segundo Charaudeau e Maingueneau (2014). Os autores consideram a refutação como uma rejeição explícita de uma posição, no caso a encontrada no post da SOS Mata Atlântica, que



129 foi destruída pela reação contrária. Identificada como “desqualificação do discurso” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p. 423), a refutação apresentada por Deslegitimador 6 incide sobre o discurso da ONG, contradizendo as informações divulgadas. Tal nível de mobilização contrária e provocativa dos internautas-leitores pode acender debates e proceder a discussões racionais em prol de uma possível deliberação sobre o tema. Porém, a participação cessa nos comentários, não havendo resposta defensiva da ONG após a publicação das reações deslegitimadoras e nem há conversação entre os outros usuários. Pode ser uma especificidade limitada somente ao assunto difundido no post, porém a constatação da falta de continuidade na conversação política gerada pelo post já é um indício negativo para a comunicação da ONG e sua manutenção de legitimidade. Nessa compreensão das reações deslegitimadoras, algumas hipóteses podem ser levantadas sobre ação subjetiva de internautas neste enunciado: eles podem ser parte de uma organização contrária as ONGs ambientais e, por essa razão, tentam difamá-las; ou os internautas podem realmente conhecer as razões que caracterizam a entidade como ruim. Em todos os casos, a visibilidade pública do movimento será afetada. Em alguns casos, como no de Deslegitimador 4, que produz uma extensa argumentação, o sujeito pode visar mascarar um discurso de engajamento em torno de visibilidade própria. O sujeito faz isso evidenciando seus saberes na maior parte do comentário, deixando apenas a última frase para falar sobre o Greenpeace. 5.3 Considerações parciais sobre a análise de reações no Facebook A partir das análises empreendidas nas reações discursivas, sob a luz da teoria semiolinguística de Charaudeau acerca da encenação do ato de linguagem e dos sujeitos do discurso, em conjunto com as bases teóricas da política (HABERMAS; GOHN; GOMES; MAIA; PEREIRA) e da tecnologia (BAUMAN; PRIMO; RECUERO; SANTAELLA; VAN DIJCK; WOLTON), foi possível perceber novas configurações de sujeitos e discursos no espaço virtual e observar que a ideia de encenação proposta pelo autor se encaixa também no discurso hipermidiático circulante no meio digital. Vimos que há reações discursivas bem diferentes entre si, que vão das que possuem maiores níveis de engajamento para a ONG, como as reações engajadas e questionadoras, passando pelas neutras, como as compartilhadoras e dolentes, até as que apresentam um baixo nível de



130 engajamento, como as dissonantes e as deslegitimadoras. Conforme podemos observar no gráfico a seguir: Esquema 5 – Níveis de engajamento encontrados nas reações discursivas

Fonte: Elaborado pela autora.

Algumas reações discursivas, por um lado, objetivam reforçar os argumentos das ONGs contidos nos posts, podendo interferir de forma positiva na construção de sua imagem. Por outro lado, há outras reações que visam causar polêmica de forma a prejudicar a visibilidade e legitimidade da ONG. Notamos que, em alguns casos, os enunciadores podem ter somente a intenção explícita de fixarem sua identidade e ampliarem seu universo de visibilidade no espaço virtual, que está disponível, em tempo real, para trazer à tona discursos e máscaras, criados e recriados a todo o tempo, por qualquer um. Resumimos as categorias de reações encontradas na tabela a seguir: Tabela 4 – Categorias de análise das reações discursivas TIPOS DE REAÇÕES ENGAJADAS COMPARTILHADORAS DOLENTES QUESTIONADORAS DISSONANTES DESLEGITIMADORAS

CARACTERÍSTICA PRINCIPAL Respondem positivamente ao post da ONG. Somente compartilham a informação, não respondem. Somente lamentam o ocorrido, sem demonstrar engajamento. Questionam a ONG com perguntas que podem incitar debates sobre o tema. Não há interação, nem resposta ao post. Fogem do assunto e criam outro enunciado. Respondem negativamente ao post da ONG. Fonte: Elaborada pela autora.





131 Notamos que, dentre as categorias de reações analisadas, há retomada do tópico frasal dos posts das ONGs ambientais nas reações engajadas e nas reações deslegitimadoras, podendo haver também nas reações questionadoras. A retomada promovida pelas reações engajadas indicou uma resposta positiva pelo internauta-leitor, que reagiu favoravelmente ao discurso da ONG. Já a retomada realizada pelas reações deslegitimadoras visou desqualificar o discurso da ONG, de forma a refutá-lo, apresentando uma ironia ou antipatia e podendo vir engajar outros interlocutores a partilharem essas emoções contrárias ao post da ONG. Quanto às reações questionadoras, a retomada do tópico frasal pode ser realizada de forma a justificar sua participação na página, somente para embasar as perguntas realizadas. Porém, há de se destacar novamente a complexidade que a ONG ambiental enfrenta nas redes sociais digitais. Ao mesmo tempo em que tem o papel de EUe, a entidade compartilha o espaço de enunciação com outro EUe, o internauta-leitor, que, como vimos, também usa estratégias para construir seu discurso no espaço de comentários. Um ambiente que pode ser utilizado por ele para, simplesmente, fixar sua identidade e ampliar seu universo de visibilidade, como no caso das reações dissonante. Nesses casos, observamos que há uma espécie de visibilidade retroalimentada no meio, em que a ONG destaca seu enunciado em prol de uma visibilidade e precisa compartilhar o espaço com outros enunciados de internautas-leitores também desejosos de visibilidade. A análise das reações discursivas apresenta a evidencia dessa complexidade que a ONG ambiental enfrenta nas redes sociais digitais para alcançar a visibilidade e reforçar sua legitimidade, tão importantes para que suas causas sejam reconhecidas publicamente e conquistem o engajamento desejado também no ambiente offline. Antes de partimos para as Considerações Finais, vale ressaltar aqui que a análise das reações discursivas foi realizada com base na Figura 14, organizada para amparar a identificação de formas de interação, marcas de participação, reconhecimento da legitimidade e marcas de visibilidade. Vimos que em algumas reações, como as compartilhadoras e dolentes, não foi possível utilizar todas as categorias de análise da Figura 14, pois o que norteou o estabelecimento dessas categorias foi uma reação que estivesse de acordo com os efeitos visados pelas ONGs, que estariam de acordo com os apresentados pelo internauta-leitor com reação engajada. Também identificamos que algumas categorias foram iguais para todas as reações, como a forma de interação síncrona ou assíncrona.





132 Destacamos ainda que houve somente uma reação no post da AMDA, de categoria engajada, analisada no tópico sobre tal categoria, porém, como indicamos no primeiro tópico deste capítulo, o post utiliza uma máxima que pode ser irrefutável e moralmente aceita, sem gerar debates. Concluímos também que, pode ser por essa razão, que há um único comentário, pois os outros interlocutores somente referendaram com curtidas. Resumimos as análises na tabela a seguir: Tabela 5 – Resumo das análises das reações discursivas Categorias de reações

Formas de Interação

Engajadas

Reativa. Síncrona e Assíncrona.

Compartilhadoras

Reativa Síncrona e Assíncrona

Dolentes



Reativa Síncrona e Assíncrona

Marcas de Participação Reação de adesão. Tomada de posição a favor. Aceitação do estatuto da ONG. Engajamento argumentativo. Procedimentos semânticos (domínio do Ético / domínio da Verdade / domínio de avaliação) e discursivos (questionamento que visa incitação a fazer / definição de um comportamento). Reação de adesão. Aceitação do estatuto da ONG. Não tomada de posição explícita, mas o ato de compartilhar indica adesão. Reação de adesão. Aceitação do estatuto da ONG. Não criam argumentos, só lamentações.

Reconhecimento da Legitimidade

Marcas de Visibilidade

Compreendem ethos engajado da ONG. Ativam pathos temoroso.

Visada de incitação.

Visada de incitação. Compreendem ethos engajado da ONG. Compreendem ethos da ONG. Ativa pathos avaliador, angustiado e temoroso.

Visada de expressão.



133 Categorias de reações

Questionadoras

Dissonantes

Deslegitimadoras

Formas de Interação

Marcas de Participação

Reconhecimento da Legitimidade

Marcas de Visibilidade

Mútua / Reativa Síncrona e Assíncrona

Reações podem ser de adesão ou não. Podem criar ou não argumentos com o procedimento discursivo "questionamento de verificação do Saber”.

Compreendem ethos da ONG. Ativa pathos da dúvida.

Visada de solicitação.

Não há.

Autoconstrução de si. Engajamento argumentativo por meio de assuntos diversos, diferentes do post.

Não há.

Visada de demonstração.

Reativa Síncrona e Assíncrona

Reação de discordância. Rejeição do estatuto da ONG. Tomada de posição contra. Engajamento argumentativo por meio de procedimentos semânticos (domínio da verdade) e discursivos (questionamento de provocação / citação de um saber).

Compreende ethos da ONG como enganador. Pathos da ironia, antipatia e refutação.

Visada de demonstração.

Fonte: Elaborada pela autora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS As preocupações ambientais de alcance internacional, centro de ONGs ambientais, se mostram com uma importante questão na condução dos debates políticos da atualidade. As estratégias dessas organizações sempre estiveram associadas à busca de apoio da sociedade para suas causas; contudo, devido à dificuldade de formação de redes de cooperação, a popularização da causa ambiental, por um longo período, esteve sujeita, muito fortemente, ao apoio da mídia tradicional. Com a Internet, a popularização da causa ambiental e das implicações decorrentes da falta de cuidado com o meio ambiente é, cada vez mais, conhecidas, graças ao crescente uso das novas tecnologias de informação.



134

Nesse novo cenário, o Facebook consubstancia-se como um espaço que permite um nível considerável de expressão, seja ela política ou não. Tal expressão pode resultar em deliberação, conversação, participação, engajamento ou se esgotar no espaço líquido. Questões ambientais como as defendidas pelas ONGs estudadas aqui se mostram importantes na condução dos debates políticos no Facebook. Para serem legitimadas, as discussões ambientais precisam obter o conhecimento e o engajamento da sociedade. No Facebook, a possibilidade de popularização da causa ambiental é aumentada pelo espaço de visibilidade oferecido pela ferramenta e utilizado de forma política pelos usuários. Tal apropriação é que pode vir a criar uma mobilização. Adotamos neste trabalho a hipótese de que a visibilidade de argumentos e pontos de vista de ONGs ambientais no Facebook e a interação discursiva online produzida entre enunciados da instância de produção e recepção contribuem para a construção da legitimidade das instituições. Para a comprovação de tal hipótese, analisamos as construções discursivas de três ONGs (posts do Greenpeace Brasil, Fundação SOS Mata Atlântica e AMDA) e as reações discursivas dessas construções (comentários de internautas) nas páginas do Facebook de cada entidade, considerando todos como atos de linguagem nesse ambiente digital. Com tal análise, tivemos a oportunidade de investigar o discurso ambiental nos âmbitos global (Greenpeace Brasil), nacional (SOS Mata Atlântica) e local (AMDA), aperfeiçoando, assim, um estudo aprofundado sobre as possibilidades discursivas e políticas do Facebook para uma ONG ambiental. Observamos que ONGs e internautas-leitores preparam suas encenações enunciativas e argumentativas, estrategicamente, por meio do espaço retórico oferecido no Facebook. No ambiente interconectado, ambos constroem e difundem seus discursos estrategicamente, como foi apresentado nas análises apreendidas no Capítulo 5. Vimos, por meio das análises, que as ONGs utilizam estratégias discursivas diversas que visam utilizar o espaço de expressão disponível no site para conquistarem visibilidade e legitimarem suas causas defendidas, objetivando também atender aos três desafios das entidades enumerados por Gohn (2008) no Capítulo 1: democratizar suas práticas; esclarecer as origens de seus discursos e incentivar ao máximo a participação política dos cidadãos.





135 Ao analisarmos os recursos retóricos, linguísticos, emocionais, políticos e comunicacionais acionados tanto pela instância de produção, quanto pela instância de recepção, no corpus em questão, conseguimos ter uma perspectiva ampliada da nova dinâmica retórica no Facebook. Vimos que, mesmo investindo em diversas estratégias discursivas, as ONGs nem sempre obtêm o efeito visado favorável e que certas estratégias têm efeito quase nulo para a participação política no site de rede social digital, como as utilizadas pela ONG AMDA ao divulgar apenas uma imagem com uma citação. Nesse caso, houve apenas uma reação discursiva, engajada, porém que não tem a mesma influência política dos outros casos analisados como reações engajadas. Conseguimos investigar as questões levantadas na Introdução por meio da análise de reações discursivas que contribuíram para responder sobre as possibilidades de participação política no Facebook, como os discursos mobilizam pessoas, como as ONGs e internautas-leitores projetam seus discursos no meio e quais as consequências para a ONG da participação no Facebook. Sobre as possibilidades de participação, identificamos seis categorias de reações discursivas

(engajadas,

compartilhadoras,

dolentes,

questionadoras,

dissonantes

e

deslegitimadoras). Ao avaliarmos os resultados obtidos por meio das reações discursivas, identificamos a existência de altos níveis de engajamento na maior parte das reações, que podem contribuir para a visibilidade e legitimação da ONG e de suas causas, como vimos no Gráfico 1. Algumas dessas reações se configuraram em formas que encenam um certo ativismo, retomando o tópico frasal da ONG e dando continuidade ao assunto de forma positiva para a visibilidade e legitimidade da entidade, como as engajadas, compartilhadoras e dolentes. Outras reações, embora sinalizassem certa participação, não incitaram engajamento favorável às ONGs, como as reações questionadoras. Há aquelas também que não configuram nenhuma interação com a ONG, como vimos nas reações dissonantes em que os internautas-leitores usam o espaço do Facebook somente para se autopromoverem. Por fim, identificamos as reações discursivas deslegitimadoras, que são aquelas cujos internautas-leitores arriscam sua face ao emitirem enunciados discordantes, antipáticos, irônicos, que refutam o post da ONG, questionando, assim, a face positiva da entidade ambiental. Objetivando polêmica na esfera de visibilidade pública e um possível conflito de argumentos, tais reações deslegitimadoras são provocativas e podem incitar também a possibilidade de uma visibilidade contrária aos posts, fazendo com que a ONG não amplie a desejada legitimidade de si e de suas causas.



136

É importante ressaltarmos que, apesar de somente um tipo de reação (dissonante) explicitar o interesse do internauta-leitor em se autopromover e alcançar visibilidade pública por meio do Facebook, observamos que, pelas investidas retóricas do ethos, pathos e logos encontradas nas demais reações discursivas, de uma forma ou de outra, mais ou menos explícita, todos visam maior visibilidade por meio do ambiente digital. Nesse meio complexo do Facebook, pode-se dizer que o desejo pela visibilidade é, assim, comum entre ONGs e internautas. Nesse jogo de visibilidades mutantes e líquidas, a participação proposta pela ONG ambiental em seu enunciado também pode ter a finalidade de mera encenação, a fim de garantir maior número de ativistas cadastrados e “apoio público” (SIBILIA, 2008). Mais do que a visibilidade do conteúdo criado nos posts, as ONGs necessitam de sua visibilidade como entidade e do reconhecimento de sua legitimidade, “pois a verdadeira criação colocada em jogo é subjetiva, portanto são os autores que precisam dessa legitimação concedida pelo olhar alheio”. (SIBILIA, 2008, p. 36). Porém, a visibilidade conquistada pela ONG também é volátil. Ela depende das construções e recortes realizados pelos internautas-leitores, que, como apontamos, também são desejosos de visibilidade, formando um fenômeno categorizado aqui como de retroalimentação. Consideramos como “visibilidade retroalimentada” um sistema que funciona a partir do momento em que a ONG produz enunciados em busca de visibilidade e legitimidade e, como reação, os sujeitos comentam para tornarem algo também visível e legítimo em um meio que eles consideram como favorável para tal. Os internautas-leitores podem, assim, interferirem na visibilidade e legitimidade da ONG, porém também são atraídos por esse espaço de visibilidade construído para fazerem refletir seus próprios enunciados. Esquema 6 – Fenômeno “visibilidade retroalimentada”





137

Fonte: Elaborada pela autora.

Dentro do sistema de visibilidade retroalimentada no Facebook, alguns internautas-leitores tendem a arriscar sua face positiva ao emitirem comentários mais elaborados e com uma carga política opinativa mais polêmica, que poderiam acender a debates na rede. Eles não são anônimos, mas sua identidade é construída virtualmente. Artimanha que pode oferecer a eles maior liberdade para exporem suas opiniões na rede. Porém tais deliberações são mínimas e somente chegam a um nível superficial de debate racional-crítico, como observamos nas reações questionadoras. Talvez seja pela extrema visibilidade do espaço de comentários que a participação seja autocensurada e a ocorrência de debates mais intensos prejudicada, pois os internautas-leitores podem optar pela preservação de sua face. Também concluimos que a ONG ambiental precisa monitorar o Facebook de forma constante e reativa, de forma a participar dos debates incitados em seus posts, a fim de garantir a preservação de sua face positiva. Fato que vimos com maior incidência somente na página da SOS Mata Atlântica. Vimos, assim, os desafios e possibilidades com os quais uma ONG ambiental precisa se confrontar em um ambiente difuso. Tal espaço pode servir somente como lugar de performance e pura identificação, eliminando o ativismo buscado pela ONG. Entretanto verificamos que o Facebook possui um papel fundamental para a legitimação da ONG. O site de rede social digital contribui para trazer à tona as opiniões e faces dos internautas-leitores, sujeitos que podem ser, no futuro, membros ativistas de suas discussões ou mesmo discordantes, que possam acender debates que levem a tomadas de posição importantes para a





138 transformação de causas coletivas. Eles têm, assim, a chance de conhecer os sujeitos virtuais e interagir com eles. Ao dar voz a todos os internautas no Facebook, mesmo os que são contrários, a ONG pode fortalecer uma imagem de entidade democrática que está aberta a críticas, mas vimos que é necessário a ONG se posicionar frente a esses argumentos contrários. Compete à entidade sustentar a continuidade e intensidade das reações discursivas, por meio de um melhor monitoramento de suas atividades no Facebook, a fim de incentivarem a troca discursiva e a participação política em suas páginas. Como foi discutido no Capítulo 3, o Facebook é um ambiente propício para a ONG ambiental estabelecer uma troca discursiva mais autônoma e dispõe de maior espaço para os internautasleitores apresentarem seu jogo discursivo. Conforme os resultados obtidos, concluímos que o site de rede social também se configura como espaço de legitimação e deslegitimação das ONGs. Vale ressaltar ainda que os comentários no Facebook contribuem para entender quais temas são de interesse dos internautas-leitores e qual o tipo de reação que eles possuem, formando, assim, uma espécie de esfera pública virtual, temporária e limitada. Contudo, não foi possível nesta dissertação esgotarmos a análise desse corpus no Facebook. Nossa intenção maior foi investigar a utilização desse espaço virtual como amplo espaço retórico de trocas comunicativas diversas que podem promover participação e engajamento em temas políticos e ambientais, como os apresentados aqui, originando interferências positivas ou negativas para a visibilidade e a legitimação de entidades e causas. Também objetivamos destacar aqui pontos dessa nova dinâmica discursiva no Facebook, contribuindo como referência teórica e metodológica para novos trabalhos que possam levar em conta as temáticas apresentadas neste trabalho.





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145 APÊNDICE A – Termo de autorização para a publicação das páginas das ONGs TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM A instituição ambiental (NOME) representada por __________________________________________________________, (nome do representante), nacionalidade ________________, cargo________________, portador da Cédula de Identidade RG nº.__________________ , inscrito no CPF/MF sob nº _________________________________, residente à Av/Rua ___________________________________, nº. _________, município de ________________________________/São Paulo. AUTORIZA o uso das imagens e textos publicados na fanpage da instituição no Facebook, no endereço eletrônico (ENDEREÇO) por meio da estudante do Mestrado em Estudos de Linguagens pelo CEFET-MG Erika Cristina Dias Nogueira, sejam essas destinadas à produção de dissertação de mestrado e defesa pública. A presente autorização é concedida a título gratuito. Fica ainda autorizada, de livre e espontânea vontade, para os mesmos fins, a cessão de direitos da veiculação das imagens não recebendo para tanto qualquer tipo de remuneração. Por esta ser a expressão da minha vontade declaro que autorizo o uso acima descrito sem que nada haja a ser reclamado a título de direitos conexos à minha imagem ou a qualquer outro.

______________________, dia _____ de ______________ de 2015.

(assinatura)

Nome: Telefone p/ contato:





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149 APÊNDICE B – Questionários enviados ao Greenpeace, SOS Mata Atlântica e AMDA Entrevista realizada por Miguel (2014) Nome: Élcio Figueiredo Cargo/função no Greenpeace: Coordenador de Web no Greenpeace Brasil Há quanto tempo trabalha na ONG? Quatro anos e meio 1 – Há um número exato de quantos ciberativistas o Greenpeace possui no Brasil e no mundo? E quantos são realmente ativos, ou seja, assinam petições, repassam mensagens (há como mensurar isso?) Sim, podemos mensurar o número de pessoas/ciberativistas. No Brasil são mais de 1 milhão de pessoas que participam ou já participaram de alguma campanha do Greenpeace, alguns são mais ligados a uma causa, outros são próximos a outra. Uns gostam de florestas, por exemplo, e outros de Energia Renovável. Já quando vamos avaliar quem realmente participa esse número cai um pouco. Nossa campanha de maior sucesso virtual é a campanha pelo Desmatamento Zero, que estamos engajados agora, temos quase 400 mil ciberativistas participando desta campanha, essas pessoas já assinaram a nossa petição. 2 – Como é realizada a comunicação do Greenpeace com seus ciberativistas? Há algum canal de comunicação próprio? Envio de e-mails? Mensagens? Qual a frequência destes contatos? Temos diversos canais de comunicação com esse público, um deles é o e-mail, mas também estamos presentes nas redes sociais Twitter, Facebook, Google plus, Orkut, Flickr, Youtube, Foursquare e no nosso website. Não existe uma frequência específica, por e-mail 3 – Qual o espaço virtual mais utilizado? E qual tem mais resultado em termos qualitativo e quantitativos (blog, Facebook, Twitter...). Existem profissionais específicos que fazem as atualizações? Na nossa visão não existe um canal sem existência do outro, por exemplo, o Twitter é um suporte a outros canais como website e blog. No blog e website temos um conteúdo mais consistente e precisamos que as pessoas conheçam nosso trabalho mais profundamente. O que vale ressaltar é que a Internet muda muito e precisamos ficar ligados nessas mudanças. No



150 Brasil, por exemplo, o Orkut já foi nosso principal canal nas redes sociais, depois tivemos o Twitter, hoje em dia é o Facebook, mas o e-mail continua sendo um dos meios mais efetivos. 4 – A ONG tem algum modo de mensurar esses trabalhos online? Como? Sim, todo trabalho online é constantemente monitorado e mensurado, hoje em dia contamos com ferramentas que monitoram audiência em tempo real. Medimos tudo, desde o tempo que a pessoa fica dentro do website, quantidade de acessos, páginas visitadas, etc. 5 – Vocês costumam impulsionar as publicações (postagens pagas) no Facebook? Com qual frequência? Se possível, gostaria que me dissesse se as publicações dos dias 15/5, 22/5, 1/6 e 29/6 foram impulsionadas na página de vocês no Facebook e qual foi o montante de visualizações de cada uma (esse é um dado que aparece abaixo de cada post somente para vocês). Trabalhamos com 3 tipos de programação para advertising, avaliação sempre semanal e inserção também, ou dependendo da demanda. A segmentação sempre é feita para pessoas que não são vinculadas a página. – Fundraising: avaliação semanal dos melhores page posts e inserção de novos criativos conforme performance orgânica. Somente feed e custo por aquisição – Conversão em Assinaturas: avaliação semanal dos posts com melhor volume de conversão, inserção de novos criativos caso o desempenho tenha oscilado. Uso de lateral e feed desktop, custo por lead gerado. – Envio para páginas externas: avaliação semanal de melhor desempenho de engajamento. Interações na postagem e avaliação do custo por clique no website. Uso maior de lateral e feed, pode parecer mobile dependendo da responsividade da página. Abaixo resultados, primeira métrica é de alcance orgânico, a segunda de alcance pago. Dia 15/05 https://goo.gl/Pb8XKD 323.328 - 11.520 https://goo.gl/y3oFyL 130.432 - 26.496



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https://goo.gl/W3MLmf 149.568 - 9.792 https://goo.gl/i62Yns 138.560 - 13.056 https://goo.gl/hp2Lxl 129.536 - 20.160 Dia 22/05 https://goo.gl/OLMbWY 97.280 – 18.048 Dia 01/06 Não teve publicação paga Dia 29/06 Não teve publicação paga 6 – Quais as campanhas que surtem mais efeito na Internet? A que você atribuiria o sucesso de algumas em detrimento de outras? Não acredito que algumas campanhas surtem mais efeito na Internet e outras não, tudo é intrinsecamente ligado, se você faz um bom trabalho nas ruas isso irá refletir na Internet. Na mesma direção, o que você faz na Internet reflete na campanha nas ruas. É tudo conectado, o que pode mudar é o tipo de abordagem que você irá fazer com cada tipo de público. Cada meio tem seu próprio modo de operar, você deve conhecer primeiro cada meio e como funciona e adequar sua mensagem. 7 – Existe alguma estimativa de quantas campanhas ou mobilizações se iniciam na Internet e conseguem repercussão na mídia convencional ou em âmbito real? Essa é uma preocupação do Greenpeace? (as mobilizações, por exemplo, não ficarem só online) É importantíssimo se comunicar com a mídia convencional, se avaliarmos repercussão como uma matéria, nota em um algum jornal ou um espaço em TV, temos cerca de 90%, até 95% de



152 repercussão. É essencial que o movimento online passe a ser um movimento da sociedade civil no seu dia-a-dia, não é possível gerar transformação apenas no âmbito virtual, ele é apenas como uma extensão do mundo real. 8 – Notei que o Greenpeace não interfere (ou bem pouco) em comentários e posts do Facebook e do blog, não há mesmo intervenção? É uma política da organização não realizar intervenções em debates, opiniões contrárias? Existem filtros nos comentários? Procuramos intervir pouco ou apenas quando essa intervenção é extremamente necessária, esperamos a resposta de própria comunidade, esperamos que ela assuma o debate, encaramos a rede da forma que ela foi concebida é um local aberto, esperamos que as pessoas procurem as informações e defendam suas opiniões, não admitimos discussão de baixo nível, com palavras de baixo calão, por exemplo, discussões que não agregam nada ou usam desse tipo de artifício não são bem-vindas. Quando isso acontece, podemos interferir e até apagar um comentário que avaliamos ofensivo. Por se tratar de uma organização sem fins lucrativos e suportada apenas por pessoas físicas, por vezes não conseguimos atender toda a demanda que temos online, contamos com uma equipe super reduzida para nossa demanda. 9 – Como você avalia a comunicação virtual, qual a relevância que ela tem hoje para a atuação do Greenpeace? Fazemos um trabalho de vanguarda no mundo virtual, sempre tentando inovar e levar a melhor experiência para o nosso público. Hoje o trabalho online é essencial para a organização. Muitas vezes precisamos primeiro dar voz a nossas campanhas no mundo virtual para depois repercutirem no off-line. Nome: Jessica Caroline Rampazo Cargo/função na SOS Mata Atlântica: Analista de Comunicação Jr. Há quanto tempo trabalha na ONG? 2 anos e 6 meses

1 – Há um número exato de quantos ciberativistas a SOS Mata Atlântica possui no Brasil? E quantos são realmente ativos, ou seja, assinam petições, repassam mensagens (há como mensurar isso?) A SOS Mata Atlântica não nomeia os internautas que nos acompanham nas mídias sociais de ciberativistas. Chamamos de amigos e/ou seguidores. Atualmente estamos presentes em 5



153 mídias sociais (Facebook, Twitter, Instagram, Google Plus e Youtube), considerando o número de seguidores de todas estas, hoje temos mais de 577 mil. Apesar do trabalho ser constante e periódico em todas estas mídias sociais, entre elas o Facebook é a nossa principal ferramenta de comunicação digital, somente nela temos mais de 522 mil seguidores. Por conta disso, a mensuração nesta mídia é mais intensa e mais fácil de adquirir, pois ela própria oferece uma ferramenta de análise. Até o momento, a SOS Mata Atlântica não trabalha com petições, apesar de apoiar algumas iniciativas de parceiros e ajudar na divulgação. Considerando nossos números atuais de envolvimento no Facebook em 2014 (curtir, comentar e compartilhar nossos posts) temos uma taxa de engajamento consideravelmente alta: dos mais de 522 mil fãs, 89% interagem com as nossas publicações. 2 – Como é realizada a comunicação da SOS Mata Atlântica com seus ciberativistas? Há algum canal de comunicação próprio? Envio de e-mails? Mensagens? Qual a frequência destes contatos? Além das mídias sociais comentadas na pergunta anterior, temos um site e também trabalhamos com mensagens através de e-mails, no disparo de Newsletters. O site tem uma média de atualizações diárias, entre notícias, artigos, divulgação de eventos e posts no blog. Além disso, sempre atualizamos as informações de nossos programas, galerias de fotos e relatórios. A Newsletter é enviada 1 vez por semana. Em alguns casos, quando há necessidade de reforçar algum tipo de comunicação, disparamos e-mails específicos e segmentados, de acordo com o nosso banco de dados. Em relação as mídias sociais, a frequência de posts por mídia é a seguinte: Facebook – de 03 a 04 posts por semana. Twitter – de 02 a 03 posts por dia útil. No Instagram – de 02 a 03 posts por semana. No Google Plus – de 01 a 02 posts por semana. No Youtube – não temos uma periodicidade de publicações. Os vídeos são postados de acordo com a necessidade de demanda. Normalmente são vídeos de pré e pós eventos e campanhas publicitárias, por isso não tem a periodicidades estabelecida. 3 – Qual o espaço virtual mais utilizado? E qual tem mais resultado em termos qualitativo e quantitativos (blog, Facebook, Twitter...). Existem profissionais específicos que fazem as atualizações? Os nossos canais principais são: site, Facebook e Twitter. O site é atualizado e mensurado pela Coordenadora de Comunicação da Fundação. As mídias sociais são atualizadas e mensuradas por mim, Analista de Comunicação Jr.





154 4 – A ONG tem algum modo de mensurar esses trabalhos online? Como? Sim. Para o site, utilizamos o Google Analytics. O Facebook, além de utilizarmos o Insigths do próprio site, também utilizamos a ferramenta de monitoramento zMonitor, que também ajuda no monitoramento do Twitter, Instagram, Google Plus e Youtube. Para o Instagram, também utilizamos a ferramenta Statigram. O Google Plus e Youtube também utilizamos as informações das próprias mídias. O acompanhamento é diário, principalmente no cuidado de analisar os comentários e na pesquisa de palavras-chave. O monitoramento mais completo para elaboração de relatório, é feito uma vez ao mês. Também temos relatórios trimestrais, semestrais e anuais. 5 – Vocês costumam impulsionar as publicações (postagens pagas) no Facebook? Com qual frequência? Se possível, gostaria que me dissesse se as publicações dos dias 15/5, 27/5, 16/6 e 24/6 foram impulsionadas na página de vocês no Facebook e qual foi o montante de visualizações de cada uma (esse é um dado que aparece abaixo de cada post somente para vocês). Em alguns casos nós impulsionamos posts no Facebook, mas não há uma periodicidade estabelecida, pois ocorre de acordo com a necessidade. De janeiro a abril não fizemos nenhum anuncio em post. Maio e junho fizemos um anúncio em cada mês, Em agosto fizemos 6 e em setembro fizemos 5. Em outubro só fizemos 1. Os posts dos dias 15/5, 27/5, 16/6 não tiveram anúncio. O do dia 24/06, sim. Segue os números de visualizações de cada um: 15/5: 275.968. 27/5: 359.200. 16/6: 698.112. 24/06: 364.288, sendo que 91.008 são orgânicos e 273.280 são pagos. 6 – Quais as campanhas/temas que surtem mais efeito na Internet? A que você atribuiria o sucesso de algumas em detrimento de outras? Em um estudo de 2013 do aplicativo PiniOn, os assuntos que mais fazem sucesso na internet/mídias sociais, são relacionados a humor, esportes, trabalho, promoções, música, filmes, viagem, comida/bebida, notícias e restaurantes. Mais que a maioria, curte uma página para se manter informado. Com base nesta informação e no principal eixo dos assuntos mais amados, o humor, este ano iniciamos uma nova linguagem de comunicação no Facebook. Sem deixar de informar, somos bem humorados e trabalhamos um tom de voz mais leve e impessoal. Nas mídias sociais, o volume de informações que as pessoas se deparam por minuto é muito grande. Vence o assunto que mais agradar. O humor normalmente tira as



155 pessoas de sua realidade diária, muitas vezes estressante, complicada e corrida. Um conteúdo inteligente e bem humorado, tem mais chances de se destacar neste emaranhado de informações. Essa mesma pesquisa mostrou que assuntos sobre economia, religião e política estão estre os 10 assuntos mais odiados na internet. Apesar das pessoas terem posicionamentos e preferência em relação a eles, acredito que quando se deparam com esses temas, tendem a não se interessar tanto em relação a assuntos mais leves, pois não os tira de sua vivência diária. Além disso, são assuntos mais polêmicos e que em grandes casos geram discussões, trazendo o estresse que já vivem diariamente. 7 – Existe alguma estimativa de quantas campanhas ou mobilizações se iniciam na Internet e conseguem repercussão na mídia convencional ou em âmbito real? Essa é uma preocupação da SOS Mata Atlântica? (as mobilizações, por exemplo, não ficarem só online) Não tenho essa estimativa. Existem ONGs que trabalham intensamente com mobilizações online, como as petições, por exemplo. Em muitos casos, os resultados são positivos, onde conseguem assinaturas suficientes para encaminharem determinadas ações para os órgãos públicos. Atualmente utilizamos as mídias sociais para convidar pessoas para eventos específicos, como o Viva a Mata, mesas-redondas, limpeza de praias e assim por diante. Com isso, espera-se que mais pessoas estejam envolvidas com a causa. 8 – Notei que a SOS Mata Atlântica não interfere em todos os comentários e posts do Facebook, não há mesmo intervenção? É uma política da organização não realizar intervenções em debates, opiniões contrárias? Existem filtros nos comentários? Mesmo acontecendo em nossa página, quando os assuntos são levantados sem direcionamento para nós, evitamos nos envolver. Em alguns casos, este envolvimento pode atrapalhar. Quando são dúvidas ou questionamentos sobre a nossa atuação, procuramos responder todos os comentários. Existem pessoas que já tentamos diálogos, porém não aceitam nossos posicionamentos. Com estas, infelizmente temos que ignorar os comentários. Quando as pessoas interagem positivamente com a publicação, nem sempre existe a necessidade de resposta, então em alguns casos damos like no comentário. 9 – Como você avalia a comunicação virtual, qual a relevância que ela tem hoje para a atuação da SOS Mata Atlântica?





156 A comunicação virtual da Fundação SOS Mata Atlântica é extremamente importante para nos comunicarmos com nosso público. Hoje é a nossa principal fonte de informação. Não temos campanhas publicitárias de impacto off-line e nas mídias convencionais, como TV, rádio jornal e revista, dependemos da imprensa, quando damos alguma entrevista ou divulgamos algum estudo da Fundação. Com esta realidade, é através da internet que nos conectamos com diversas pessoas de todo o país. Elas utilizam as mídias sociais e estamos nas principais delas com o intuito de interagir, informar, convidar, sensibilizar e conscientizar. Nome: Marina Bhering Cargo/função na AMDA: Assessora de Comunicação Há quanto tempo trabalha na ONG? Um ano e oito meses. 1 – Há um número exato de quantos ciberativistas a AMDA possui no Brasil? E em MG? E quantos são realmente ativos, ou seja, assinam petições, repassam mensagens (há como mensurar isso?). Não é possível mensurar exatamente o número de ciberativistas da Amda, pois além do Facebook e Twitter, participamos de diversos grupos online, dos quais seus integrantes têm grande participação nas ações da organização. De acordo com os dados fornecidos pelo Facebook temos: 5.666 ciberativistas brasileiros, sendo 2.562 de BH. Em Minas, temos ativistas de Contagem (129), Betim (99), Nova Lima (50), Juiz de Fora (49), Montes Claros (42), Espera Feliz (354), Ouro Preto (31), Uberlândia (28), Sete Lagoas (27), Ipatinga (27), Diamantina (25), Pedro Leopoldo (25), Santa Luzia (23), Viçosa (22), Sabará (19), Brumadinho (18), Itabirito (17), Ribeirão das Neves (16), Ibirité (16), Lavras (15), São João Del-Rei (15), Lagoa Santa (15), Divinópolis (14), Itaúna (14), Formiga (13), Conselheiro Lafaiete (13). Quanto aos usuários ativos, não temos como mensurar exatamente este número, até porque ele varia de acordo com a campanha. 2 – Como é realizada a comunicação da AMDA com seus ciberativistas? Há algum canal de comunicação próprio? Envio de e-mails? Mensagens? Qual a frequência destes contatos?



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Temos um canal de contato pelo site, que chegam tanto demandas da imprensa e parceiros, como mensagens de ativistas. Também recebemos mensagem pelo próprio e-mail da equipe de comunicação, além das redes sociais. Em média, temos entre três a cinco contatos por mês pelo site. Nas redes sociais as mensagens diretas para a organização (inbox) são menos frequentes, ao contrário de comentários em publicações, que atualmente tem sido diários. 3 – Qual o espaço virtual mais utilizado? E qual tem mais resultado em termos qualitativo e quantitativos (blog, Facebook, Twitter...). Existem profissionais específicos que fazem as atualizações? O site da Amda é alimentado diariamente e todo o material é divulgado nas redes sociais (Facebook e Twitter). Temos mais retorno no Facebook, tanto em número de curtidas (em posts e na página) e compartilhamentos, como nos comentários. Além deste material, divulgamos também campanhas, imagens, frases do meio ambiente, charges etc, que as pessoas curtem bastante. Eu sou a responsável pelas atualizações das redes sociais. 4 – A ONG tem algum modo de mensurar esses trabalhos online? Como? Mensuramos de acordo com os números fornecidos pelas próprias redes sociais e pelo Google Analytics, no caso do site. 5 – Vocês costumam impulsionar as publicações (postagens pagas) no Facebook? Com qual frequência? Se possível, gostaria que me dissesse se as publicações dos dias 13/5, 20/5 (4 posts), 5/6 (5 posts), 24/6 (4 posts)foram impulsionadas na página de vocês no Facebook e qual foi o montante de visualizações de cada uma (esse é um dado que aparece abaixo de cada post somente para vocês). Impulsionamos publicações que dizem respeito a campanhas feitas pela Amda ou que a organização apoia. Isso acontece de acordo com as demandas. 13/05 – nenhuma publicação impulsionada. – Não abandone – alcance: 846 / 13 compartilhamentos diretos (ou seja, pela página da Amda)



158 – Frase meio ambiente – alcance: 863 / 18 compartilhamentos diretos (ou seja, pela página da Amda) – Radar ambiental – alcance: 116 20/05 – nenhuma publicação impulsionada. – Imagem #ficaadica – alcance: 633 / 3 compartilhamentos diretos (ou seja, pela página da Amda) – Frase meio ambiente (imagem) – alcance: 19.000 / 420 compartilhamentos diretos (ou seja, pela página da Amda) – Artigo de opinião – alcance: 256 – Nota Amda – alcance: 253 5/06 – nenhuma publicação impulsionada. – Dia Mundial do Meio Ambiente - alcance: 2.085 / 32 compartilhamentos diretos (ou seja, pela página da Amda) – Blitz ecológica - alcance: 935 / 3 compartilhamentos diretos (ou seja, pela página da Amda) – Artigo de opinião - alcance: 272 / 1 compartilhamento direto (ou seja, pela página da Amda) – Nota Amda (blitz ecológica) - alcance: 621 / 3 compartilhamentos diretos (ou seja, pela página da Amda) – Divulgação de programa com participação da Amda - alcance: 362 24/06 – nenhuma publicação impulsionada. – Imagem - alcance: 1.659 / 21 compartilhamentos diretos (ou seja, pela página da Amda) – Boletim Ambiental - alcance: 384 / 1 compartilhamento direto (ou seja, pela página da Amda) – Imagem abelha - alcance: 265 – Projeto Asas (vídeo) - alcance: 737 / 4 compartilhamentos diretos (ou seja, pela página da Amda)

6 – Quais as campanhas/temas que surtem mais efeito na Internet? A que você atribuiria o sucesso de algumas em detrimento de outras?





159 Geralmente temas ligados ao dia a dia das pessoas, que são de “fácil entendimento” e podem ser contextualizados. Nesta atual crise de água, postagens relacionadas tem tido grande efeito. Acredito que o sucesso das campanhas está diretamente ligado à relação dos cidadãos com o tema. Assuntos mais complexos, como mudanças do Código Florestal, Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou até mesmo as mudanças climáticas, do qual tanto se fala atualmente, são mais difíceis de obter engajamento. Acredito que a maior dificuldade é contextualizar os temas para aquele cidadão que não é da área ambiental e conseguir passar a mensagem de que ele está diretamente envolvido e que também é dever dele zelar pelo meio ambiente. 7 – Existe alguma estimativa de quantas campanhas ou mobilizações se iniciam na Internet e conseguem repercussão na mídia convencional ou em âmbito real? Essa é uma preocupação da AMDA? (as mobilizações, por exemplo, não ficarem só online) A Amda não faz campanhas periódicas. Atuamos quando um tema está em voga e dentro da nossa área de atuação e quando participamos de discussões com governantes, seja diretamente em reuniões com o secretário de Meio Ambiente ou o governador, ou em colegiados que tratam de licenciamentos ambientais no estado, como Copam e Unidade Regional Colegiada, entre outros. Além disso, pautamos assuntos com as autoridades, o que, às vezes, se transformam em ações. Quando estamos em campanha, um dos nossos objetivos é que a ação não fique somente online e que consigamos espaço na mídia para abordar o assunto em questão. Contamos com diversos parceiros dentro e fora de Minas Gerais, o que ajuda a levar a discussão para fora do nosso círculo de atuação. 8 – Notei que a AMDA não interfere nos comentários e posts do Facebook, não há mesmo intervenção? É uma política da organização não realizar intervenções em debates, opiniões contrárias? Existem filtros nos comentários? Temos o objetivo de sempre manter contato com nossos seguidores, a fim de aumentar o engajamento à causa ambiental. Não existem filtros nos comentários e eles são respondidos sempre. Só não nos manifestamos quando o comentário é totalmente impertinente, pois acreditamos que neste caso não vale à pena alimentar uma discussão que não será produtiva. 9 – Como você avalia a comunicação virtual, qual a relevância que ela tem hoje para a atuação da AMDA?



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A comunicação virtual alcançou patamares inimagináveis. Ela é de extrema importância para qualquer empresa/negócio, principalmente aqueles que estão começando. Atualmente, se sua empresa não tem um site ou não está nas redes sociais, ela “não existe”. Acredito que as mídias sociais são, hoje, as principais responsáveis pela expansão da empresa. O alcance que ela tem é impressionante e é possível atingir públicos diferenciados, que sem elas possivelmente nem saberíamos. Para a Amda não é diferente. O alcance que temos com as redes é super relevante para divulgarmos nossos posicionamentos e angariar mais defensores do meio ambiente. Este tema é de difícil engajamento, então as mídias têm papel fundamental nesta caminhada.





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