Facebook como mídia alternativa para o ativismo ambiental: análise das reações discursivas na fanpage do Greenpeace do Brasil

July 3, 2017 | Autor: Erika Dias | Categoria: Social Media, Facebook Studies, Análise do Discurso, ONG
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Facebook como mídia alternativa para o ativismo ambiental: análise das reações discursivas na fanpage do Greenpeace do Brasil

ARÃO, Lílian (Doutora em Estudos Linguísticos)
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais/ MG
NOGUEIRA, Érika Cristina (Mestranda em Estudos de Linguagem
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais/ MG

Resumo: Este artigo tem como objetivo mapear as reações discursivas depreendidas dos comentários dos internautas-leitores em post do movimento ambiental Greenpeace do Brasil no Facebook e avalia, primariamente, como tais reações podem interferir no ativismo ambiental. A hipótese do trabalho é a de que, pelas reações, os internautas podem conquistar a expressão política que desejam, porém possuem níveis limitados de conversação e participação, podendo ser incapazes de contribuir para a visibilidade e legitimidade da instituição. Buscamos identificar as características das reações e os níveis de participação
Depreendidos dos comentários postados e por fim, analisar, primariamente, a interferência de tais reações. Para isso, adotamos como pressupostos teóricos a Teoria Semiolinguística da Análise do Discurso e outros teóricos sobre a subjetividade digital, bem como algumas discussões mais filosóficas sobre o alcance das redes sociais.

Palavras-chave: Facebook; mídia alternativa; reações discursivas; ativismo ambiental.

Introdução
Desde a década de 70, o Greenpeace leva em seu nome e em seu discurso institucional o desejo pela defesa da natureza. Eles foram os pioneiros em despertar uma nova consciência verde no mundo todo, muitas vezes por suas ações radicais e espetaculares amplamente divulgadas nos meios de comunicação internacionais. Considerado uma "verde guerrilha da paz" (GABEIRA, 1988), o Greenpeace venceu barreiras e até perdeu vidas ativistas até chegar ao posto de movimento ambiental mais famoso e ativo do mundo em 2015.

Cerca de 50 anos após o início de suas atividades, o movimento hoje se estabelece como uma organização não-governamental (ONG), que continua atuando na defesa do meio ambiente, porém de uma forma mais institucionalizada do que no passado, com escritórios em mais de 40 países, dentre eles o Brasil, país em que está há mais de 20 anos. No Brasil, a instituição também promove protestos polêmicos, usualmente divulgados na mídia tradicional, relacionados à preservação do meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável no país.

Com o passar dos anos, o Greenpeace transformou sua forma de atuação e de divulgação de suas causas, assim como todos os outros movimentos sociais e ambientais do planeta. Gohn (2013, p. 56) explica que tal mudança está ancorada na abertura dos governos federais para a implantação de políticas participativas, com a destinação de recursos para organizações não-governamentais.

A divulgação das causas do movimento também passou por uma intensa transformação. Antes mediado somente por dispositivos analógicos de comunicação alternativa, como o jornal e o rádio, hoje o conteúdo comunicacional criado pelos movimentos passou a circular também no ambiente digital repleto de possibilidades e barreiras. É nesse espaço virtual que os movimentos sociais encontraram um meio autônomo para divulgarem suas causas, campanhas e reivindicações.

A comunicação sempre foi essencial para o movimento ambiental, pois, quando organizado em redes de comunicação, ele pode promover processos argumentativos e trocas discursivas que podem contribuir para sua legitimidade e das causas que defendem, é o que diz Pereira (2008, p.13):

Os movimentos sociais contemporâneos têm promovido a tematização de novas questões que até então estavam restritas à esfera privada, trazendo para a esfera pública temas relacionados às dimensões do cotidiano e à conquista da autonomia na definição do sentido de suas vidas. Interessante observar que a criação de novos repertórios de acção destes movimentos é concomitante ao surgimento e desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação.

Mesmo conflituosa, a construção de um "espaço de tematização" pelos movimentos, conforme Pereira (2008), permite que discursos selecionados pelos movimentos tenham mais visibilidade pública. Em constante luta por espaço, os movimentos veem na comunicação uma possibilidade de construção e definição de significados a partir da publicidade de alguns de seus discursos para que sejam considerados legítimos pela opinião pública.

Na Internet, os movimentos encontram uma forma alternativa de ampliarem sua visibilidade pública e mobilizarem atores sociais a partir da característica, própria do ambiente digital, de cyberdifusão de informações (PEREIRA, 2011). Ou seja, diante das possibilidades oferecidas no espaço virtual, o movimento tem a chance de aprimorar a articulação de ações em escala global por meio de cyberações, que podem ser campanhas ou denúncias promovidas pelas entidades em sites, blogs ou redes sociais. Ao publicizar fatos de modo virtual, "[...] as cyberações têm a função de pressionar o Estado a agir limitando as ações violentas por parte dos agressores" (PEREIRA, 2011, p.13). E tudo isso graças à visibilidade que se pode alcançar por meio dessa mídia alternativa.

Porém, ao mesmo tempo em que estão intricados em uma rede de ofertas para ampliarem sua autonomia a partir da cyberdifusão e das cyberações, os movimentos sociais constroem e divulgam suas informações em um cenário de conflitos na Internet. Esse cenário, é importante que se frise, é oriundo desse espaço aberto que são as redes de comunicação, em que o gerenciamento das falas não é regulado, até certo ponto, somente pela instância produtora do discurso, mas também pelos diferentes usuários que entram em cena e postam sua opinião ou desvirtuam o tema posto em questão.

Esses sujeitos, denominados nessa pesquisa como internautas-leitores, são os responsáveis por comentarem os assuntos publicados em posts pelos movimentos ambientais em suas fanpages como também por colocarem em cena os mais diferentes temas. A essa participação demos o nome de reações discursivas.

O post de um movimento ambiental provoca um processo de encadeamento de discursos ou ecos. Tais ecos podem estar relacionados diretamente ao post e ao seu conteúdo, como também podem ser uma reação a um comentário de outro internauta-leitor. É esse encadeamento discursivo que nos interessa analisar nesse artigo, embora de forma preliminar, tendo em vista que essa pesquisa se aprofundará na pesquisa de mestrado ainda em andamento.

Nesse sentido, procuramos mapear as reações discursivas encontradas na análise de alguns comentários postados na fanpage do Facebook do Greenpeace Brasil, sob a metodologia de análise discursiva proposta por Charaudeau (2005, 2012 e 2013), como também aproveitamo-nos dos apontamentos sobre participação política de Arendt (2010), Harbemas (1984), Gomes e Maia (2008), sobre redes sociais de Recuero (2009, 2011 e 2014) e de subsjetividade na internet de Santaella (2007) e Sibilia (2008).

Tomamos como corpus 16 comentários coletados no dia 16 de julho de 2014, publicados como reações discursivas relativas ao post publicado na fanpage do Greenpeace Brasil no dia 29 de junho de 2014. Esse recorte foi meramente didático, para fins desse artigo. Ele representa uma amostra do que vem sendo observado em nossa pesquisa que compreende um volume maior de dados, tendo em vista que analisamos três movimentos ambientais, a saber a Amda- Associação Mineira de Defesa do Ambiente-, SOS Mata Atlântica e Greenpeace do Brasil.

Nossa hipótese é a de que, por meio de suas reações discursivas, os internautas-leitores podem conquistar a expressão política que desejam. Entretanto possuem níveis limitados de participação e conversação, podendo ser incapazes de contribuir para a visibilidade e legitimidade da instituição. Para isso, buscamos identificar as características das reações e os níveis de participação depreendidos e, por fim, analisar a interferência de tais reações no ativismo pleiteado pelo movimento.


Discurso ativista no Facebook

Atualmente são poucas as pessoas ou empresas que não possuem um perfil ou página no Facebook. O site de rede social digital se tornou um fenômeno mundial e, hoje, é o mais famoso e utilizado da atualidade.

É nessa rede que o Greenpeace mantém sua página para divulgar suas informações para qualquer internauta que tenha acesso ao Facebook. Só na página do Greenpeace Brasil, são mais de um milhão de fãs (acesso em 4/5/2015). Nesse espaço, o Greenpeace busca divulgar suas campanhas, seus objetivos como movimento e publicar as chamadas de notícias sobre temas relacionados ao meio ambiente e que podem conduzir para a página da instituição.

Ao contribuir para a divulgação alternativa à mídia tradicional, o Facebook pode possibilitar que os movimentos tenham um "espaço de tematização" facilitado pela rede. Porém, o movimento precisa passar por um processo de legitimação virtual de suas causas antes de obter um nível considerável de mobilização e engajamento no Facebook. Tal processo consiste, primeiro, na construção de uma visibilidade de seus discursos a partir da divulgação de posts, que devem ser produzidos para circularem digitalmente em uma plataforma virtual, com estratégias discursivas capazes de atenderem as regras específicas de composição da escrita e leitura virtual neste espaço.

A linguagem deste discurso virtual é, sobretudo, hipermidiática. Segundo Costa (2009, p.152), hipermídia é sinônimo de multimídia, termo utilizado "para definir um documento de computador composto de elementos de várias mídias, como áudio, vídeo, ilustrações e texto, porque permite a participação do usuário". Além disso, está cada vez mais próxima de ser publicitária, altamente encenada e principalmente líquida, volátil, maleável, múltipla, como aponta Santaella (2007):

Já não há lugar, nenhum ponto de gravidade de antemão garantido para qualquer linguagem, pois todas entram na dança das instabilidades. Texto, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzam-se. Tornaram-se leves, perambulantes. Perderam a estabilidade que a força de gravidade dos suportes fixos lhes emprestavam. Viraram aparições, presenças fugidias que emergem e desaparecem ao toque delicado da pontinha do dedo em minúsculas teclas. Voam pelos ares a velocidades que competem com a luz. São tão voláteis que um dos grandes problemas atuais encontra-se nas novas estratégias de documentação que devem ser encontradas quando os meios de estocagem tornam-se obsoletos em intervalos de tempo cada vez mais curtos. (SANTAELLA, 2007, p. 24-25).

Essa instabilidade de que nos fala a autora acarreta uma interrupção no encadeamento discursivo que mencionamos anteriormente, deixando inconclusas as intervenções dos internautas-leitores. Como também é desafiadora para o pesquisador, já que reter algo fugidio não é simples. Para isso, o acompanhamento diário do que foi postado nas fanpages dos movimentos foi necessário e a fixação do corpus se deu por meio prints das telas, já o seu tempo de duração de exibição do post e dos comentários gerados por ele é impreciso.

No post do dia 29/6/2014 (FIG.1), selecionado para a análise empreendida nesse artigo, observa-se o uso de recurso linguístico e retórico próprios da comunicação virtual, o hiperlink, que permite ao internauta-leitor engajar-se proativamente no movimento, por meio de um abaixo assinado, http://salveoartico.org.br; ou informar-se mais, "Entenda porque um novo Atlas"; bem como manifestar-se na própria página, "Curtir. Comentar. Compartilhar".



No texto e na imagem do post acima, o movimento ambiental investe em uma visada discursiva informativa, apresentando dados sobre o derretimento de gelo no Ártico e convidando o internauta-leitor a entender porque é necessário engajar-se nessa luta. Isso lhe confere um ethos de especialista no assunto autorizado, então, a falar sobre e a convocar seguidores.

Segundo Maingueneau (1995), ethos é definido como a imagem que o enunciador projeta de si no discurso, tendo em vista os efeitos de sentido visados e permite ao destinatário construir uma personalidade do enunciador. Podemos notar que, neste post, vê-se a construção de um ethos de autoridade no assunto, uma vez que, em seu discurso, encontramos o vocabulário próprio desse campo de saber, evidenciado pelos itens lexicais "calotas polares", "novo Atlas" e também pela oração adjetiva "[o gelo do ártico] do qual todos nós dependemos".

As formas interlocutivas, "ajude", "assine" e "entenda", trazem para a cena enunciativa o internauta-leitor e a asserção categórica e alarmante "O Ártico está derretendo" produz um efeito patêmico, uma vez que toca a emoção do internauta-leitor, que captado, pode engajar-se na causa. Para completar, a pergunta retórica "Precisa dizer mais alguma coisa", arremata a convocação da entidade ao internauta-leitor pela causa ambiental.

Porém, a característica do Facebook como mais do que um espaço de expressão, que possui alto potencial comunicativo que pode incentivar trocas interativas e conversações digitais entre seus usuários, pode complicar a cyberdifusão do movimento ambiental por meio desse suporte. Ao possibilitar interações específicas, construídas após uma apropriação dos sujeitos interagentes, o espaço midiático do Facebook é modificado e transformado em ambiente de conversação por qualquer usuário, inclusive os que são contrários ao movimento. É o que explica Recuero (2014, p.121):

A cada dia, pessoas de todo o mundo conectam-se à Internet e engajam-se em interações com outras pessoas. Através dessas interações, cada uma dessas pessoas é exposta a novas ideias, diferentes pontos de vista e novas informações. Com o advento dos sites de rede social, essas conversações online passaram a criar novos impactos, espalhando-se pelas conexões estabelecidas nessas ferramentas e, através delas, sendo amplificadas para outros grupos. São centenas, milhares de novas formas de trocas sociais que constroem conversações públicas, coletivas, síncronas e assíncronas, que permeiam grupos e sistemas diferentes, migram, espalham-se e semeiam novos comportamentos. São conversações em rede.

Decerto que o movimento ambiental procura levar suas causas para a esfera de visibilidade pública a fim de legitimá-las e também legitimar-se como defensor do meio ambiente. Por outro lado, o internauta-leitor, disposto a reagir discursivamente à publicação do movimento, pode ter inúmeras intenções que não, necessariamente, configurem como participação política. Por isso é que se fala em níveis de participação ou debate que podem interferir no discurso do movimento de forma positiva ou negativa, conforme nos aponta Maia (2008, p. 287):

o debate depende da livre motivação e da ação dos próprios concernidos, que é contingencial e imprevisível. Além disso, é preciso cumprir certas condições. O "debate crítico-racional" é mais que uma pluralidade de vozes, pois é focado e se caracteriza por discussões singulares. Requer que os parceiros construam, de maneira coordenada e cooperativa, um entendimento partilhado sobre uma matéria comum. As pessoas devem expressar o que elas têm em mente; devem ouvir o que os outros têm a dizer e responder as questões e os questionamentos. Isso demanda, por sua vez, uma atitude de respeito mútuo.


Como a livre motivação é de cada um e o que as redes, como novo suporte, promovem é, entre outras coisas, a amplificação da circulação desses pontos de vista, um questionamento que se faz emergir é até que ponto o ativismo ganha força por meio dessa nova forma de militância. Essa é a pergunta final que nossa pesquisa pretende responder ou suscitar. Por ora, propomos nos ater a idéia de níveis, no tocante à participação política dos sujeitos que reagem discursivamente no Facebook.


Análise de reações discursivas no Facebook

A argumentação como tomada de posição contra ou a favor de uma causa pode ser a base para um debate racional, visando uma maior participação política no meio. Internautas-leitores e movimentos ambientais têm nas redes sociais digitais o espaço de visibilidade e de conversação de que precisam, mas necessitam criar argumentos que sejam considerados legítimos para promover a discussão almejada e alcançar o convencimento, ou a persuasão, pretendida.

Charaudeau (2012) apresenta a argumentação como uma atividade discursiva em que há uma "busca de racionalidade que tende a um ideal de verdade quanto à explicação de fenômenos do universo" (CHARAUDEAU, 2012, p. 206). O teórico ainda vai além e aponta uma segunda busca, além da razão, para a argumentação. Para Charaudeau (2012), o sujeito que argumenta também busca uma influência, visando o olhar do outro que está participando de um debate. Persuadir pela argumentação é o segundo ponto que Charaudeau (2012) utiliza para explicar os objetivos desse ato discursivo, que pode ser percebido nos comentários abaixo (FIG.1), escritos por alguns internautas-leitores que estão entre os que tiveram as atitudes "ativistas" mais positivamente (para o movimento) que corresponde a um dos níveis de participação categorizado por nós.


Comentários de ativistas positivos

ATIVISTA 1 Lamentável! Precisamos cuidar do nosso planeta, mas as coisas não são tão fáceis assim. A união faz toda a diferença!
Curtir · Responder · 30 de junho às 11:53

ATIVISTA 2 e preciso fazer alguma coisa sim, e a começar por nos, tambem me incluo,comprar carros eletricos quem tem posses, desligar o carro quando esta em fila de espera,arranjar parceiros para o seu proprio carro ou andar de bus nao deitar sacos plasticos fora para a rua, incentivar outros a fazer o mesmo, entre outras, pois e, eu sei que e dificil fazer estas mudanças todas, porque afinal, nos os humanos somos preguiçosos, e dizem, o nao sou so eu
Curtir · Responder · 30 de junho às 11:14 ·Editado

Nos comentários acima, pode-se notar que há uma concordância com o argumento defendido pelo Greenpeace Brasil no post estudado. Predominantemente argumentativo, foi o modo de organização do discurso (CHARAUDEAU, 2012) no post do Greenpeace e nos comentários dos "ativistas positivos". Tais textos visam, então, provocar ( no caso do Greenpeace) ou reforçar ( no caso dos comentários) a adesão a uma tese. A tese, no caso do post, é a defesa do gelo no Ártico. Ambos, movimento e internautas, atuam em busca de um mesmo ideal; neste caso: a persuasão para a tese. Expressões encontradas nas reações discursivas, "Precisamos cuidar do nosso planeta" e "é preciso fazer alguma coisa sim(...)", confirmam o que Charaudeau (2012, p.229) diz ser a "aceitação do estatuto do emissor", "tomada de posição a favor", com um consequente engajamento dos internautas. Tais posições do sujeito que comenta demonstram a encenação argumentativa escolhida por ele em seu discurso, segundo Charaudeau (2012, p. 231). A encenação argumentativa consiste, para o sujeito que quer argumentar, em utilizar procedimentos que, com base nos diversos componentes do modo de organização argumentativo, devem servir a seu propósito de comunicação em função da situação e da maneira pela qual percebe seu interlocutor (ou seu destinatário).

Na cena argumentativa criada pelos internautas em seu discurso, pode-se observar a utilização de diversos procedimentos (semânticos, discursivos e de composição) como estratégia para reforçar a posição tomada e o argumento criado na reação discursiva do internauta. Charaudeau (2012, p.225) diz serem táticas para "estabelecer a prova da posição adotada". Pode-se verificar tal afirmação nos comentários acima, por exemplo, quando ambos os internautas-leitores recorrem a 1ª pessoa do plural, "precisamos cuidar" e "a começar por nós", fundamentando, assim, um engajamento coletivo necessário para a reversão do quadro caótico apresentado pelo movimento. Temos aqui um procedimento semântico de domínio da cidadania, pois os argumentos utilizados se fundamentam em uma tomada de atitude para o bem comum. A chamada à participação, conferindo a cada um seu papel, "A união faz toda a diferença", e o juízo de valor dirigido àqueles que não aderem à causa "humanos são preguiçosos".

A liberdade de construção da opinião na rede não representa, evidentemente, uma participação política e uma visibilidade sempre favorável ao movimento. Como assinalamos anteriormente, cada um age discursivamente segundo sua livre motivação. Há aqueles que não se engajam ou discordam do argumento apresentado pelo Greenpeace, tomando uma posição contrária à tese do movimento. Podem-se notar reações de discordância por parte desses internautas-leitores na figura 2, abaixo, configurando-se, assim, em outro nível de participação a que denominamos de comentários contrários à causa:

Comentários contrários à causa

CONTRÁRIO 1 Notem que a foto em si já é uma fraude, uma montagem grotesca. Como acreditar em uma ONG que protesta contra plataformas petrolíferas com barcos movidos a derivados de petróleo? Onde os ativistas lutam contra usinas nucleares ou hidrelétricas, mas não abrem a mão do conforto do ar condicionado em casa? Greempeace , uma ONG hipócrita, com ativistas que não passam de massa de manobra para arrecadação de "fundos" para "causas" que não existem.
Curtir · Responder · 1 de julho às 10:58
Curtir · Responder · 30 de junho às 16:50
CONTRÁRIO 2 (Internauta 1) estou vendo isso em Geografia, não é bem assim como o Greenpeace diz, Greenpeace é muito sensacionalista
Curtir · Responder · 2 · 30 de junho às 17:37

Nesses comentários, vemos que os internautas-leitores desconstroem o argumento do movimento ao recorrerem a duas estratégias importantes para a argumentação: a utilização da apresentação das evidências e o discurso de autoridade. O primeiro internauta-leitor questiona a autenticidade da imagem presente no post do movimento, julgando-a como uma "montagem grotesca" e elenca atitudes/práticas/hábitos do "movimento", personificado, que contrariam o seu discurso. Apelam, nas entrelinhas, para o senso comum que diz "façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço". O segundo aciona o discurso do saber "estou vendo isso em Geografia, não é bem assim".
Tomando como base Charaudeau (2012, p.228), pode-se dizer que acontece em tais reações discursivas uma "rejeição do status do emissor", concedendo pouco crédito ao argumento publicado pelo Greenpeace e ainda uma "tomada de posição contra". Com relação ao argumento criado pelos internautas para justificar a discordância quanto ao assunto, há engajamento na tese contrária e pode existir uma argumentação polêmica dada pelo internauta-leitor, evidenciando seu desejo pela participação política e pelo debate público futuro, como se pode notar no primeiro comentário. Nele, o internauta emprega alguns traços de acusação e questionamento em sua argumentação polêmica como "é uma fraude", "Como acreditar", "ativistas que não passam de massa de manobra". São expressões utilizadas pelo internauta sem referência racional, apenas como argumentos que levantam polêmicas e que podem iniciar novos debates na rede.
Objetivando polêmica na esfera de visibilidade pública e um possível conflito de argumentos, ambos os comentários são provocativos. Porém, incitam também a possibilidade de uma visibilidade contrária ao post do Greenpeace, fazendo com que o movimento não alcance ou amplie a desejada legitimidade de si e de suas causas. Como os outros internautas-leitores apresentados aqui, esses expressam sua opinião em um espaço que se apresenta, cada vez mais, "livre" sob o discurso de que "qualquer um pode", criando eus diversos e personalidades visíveis. É o que diz Sibilia (2008, p. 233-234):

Pois graças a esse poderoso arsenal que hoje está à disposição de praticamente qualquer um, de fato agora você também pode criar livremente aquilo que seria a sua principal obra. Isto é: a sua personalidade, que deve consistir em um modo peculiar de ser, impregnado com vestígios do antigo estilo artístico de ares românticos, mesmo que as belas artes da era burguesa tenham pouca relação com estas práticas. Mas se é isso o que se constrói e se cultiva com esmero nesses espaços da internet saturados de eu, o que seria mesmo uma personalidade? Existem várias definições possíveis para esse termo tão rico em conotações. Neste contexto, porém, a personalidade é sobretudo algo que se vê: uma subjetividade visível, uma forma de ser que se cinzela para ser mostrada.

A partir dessas vozes dissonantes, outros internautas-leitores podem engajar-se nessa tomada de posição contrária ao movimento, afetando, consideravelmente, o ativismo almejado por ele. Como também esse espaço de exposição dos diferentes eus, como assinalou Sibilia, pode servir para o internauta-leitor como um lócus de exibição de si e de seus interesses, desvirtuando, assim, o "diálogo" que possivelmente vinha se estabelecendo. Como constatamos nos comentários abaixo (FIG.3) a que chamamos de comentários desvirtuantes:


Comentários desvirtuantes

DESVIRTUANTE 1 http://edsonjnovaes.wordpress.com/.../conheca-13.../
Curtir · Responder · 1 · 29 de junho às 18:27

DESVIRTUANTE 2 Gosto de aprender com os jovens cultura
Curtir · Responder · 29 de junho às 13:45

O primeiro comentário é bem auto centrado, já que o internauta-leitor somente divulga a sua plataforma individual, fazendo, assim o seu marketing pessoal. Com essa estratégia temos uma mudança de protagonista. Se antes o movimento é que se mostra como aquele que propõe as bandeiras e os motivos para as lutas ambientais, nesse momento, se o outro internauta-leitor engajar-se nessa proposição e clicar nesse hiperlink, será conduzido para o discurso desse outrem. Já o segundo, lança mão de asserção vazia de significação para o contexto colocado, desvirtuando, assim, o encadeamento discursivo que possivelmente vinha sendo construído.

Sem tomada de posição, argumentação ou engajamento com o post do Greenpeace, os comentários dissonantes somente podem reforçar a visibilidade do sujeito e, por vezes, da causa que ele divulga. Nesses comentários opinativos, pode-se perceber uma fuga total do assunto do post, fazendo concluir que tais reações discursivas tiveram a intenção única de autoconstrução. Esse tipo de estratégia ganhou amplitude com o surgimento da internet, conforme Sibilia (2008, p.242):

Os novos canais inaugurados na internet também se colocam a serviço desse mesmo fim: a construção da própria imagem. Ao permitirem a qualquer um ser visto, lido e ouvido por milhões de pessoas – mesmo que não se tenha nada específico a dizer - ,também possibilitam o posicionamento da própria marca como uma personalidade visível.

Ao se engajarem em um discurso dissonante, os internautas-leitores constroem uma argumentação que se distancia de uma participação política favorável às causas do Greenpeace. Tais sujeitos utilizam o espaço somente como lugar de performance, encenando uma proposta que não responde ao post do movimento.

Os internautas-leitores podem, assim, interferirem na visibilidade e legitimidade do movimento, porém também são atraídos por esse espaço de visibilidade construído para refletirem seus próprios enunciados, podendo esta ser também a intenção implícita em todos os outros comentários analisados.

Algumas conclusões transitórias

As preocupações ambientais de alcance internacional, centro de movimentos ambientalistas, como o Greenpeace Brasil, se mostram com uma importante questão na condução dos debates políticos da atualidade. As estratégias desses movimentos sempre estiveram associadas à busca de apoio da sociedade para suas causas, contudo, devido à dificuldade de formação de redes de cooperação, a popularização da causa ambiental, por um longo período, esteve sujeita, muito fortemente, ao apoio da mídia tradicional. Com a Internet, as causas ambientais e as implicações decorrentes da falta de cuidado com o meio ambiente são, cada vez mais, conhecidas graças ao crescente uso das novas tecnologias de informação.

Nesse novo cenário, o Facebook consubstancia-se como um espaço que permite um nível considerável de expressão, seja ela política ou não. Tal expressão pode resultar em deliberação, conversação, participação, engajamento ou se esgotar no espaço líquido. Nesse ambiente interconectado, é possível termos acesso ao discurso produzido pelo movimento ambientalista bem como aos efeitos de sentido produzidos na instância de recepção por meio da análise dos comentários dos internautas. Esse foi o ponto de partida empreendido nesse artigo para a reflexão sobre a potencialidade desse ambiente virtual na construção da legitimidade e visibilidade necessárias para alcançar os objetivos concretos de participação política no meio digital.

Por meio de análises dos comentários dos internautas-leitores, identificamos níveis de participação distintos. Se tomarmos como medida de aferição da visibilidade do movimento ambientalista o número de comentários postados, do recorte feito para fins desse artigo, podemos afirmar que essa foi alcançada. Entretanto, se levarmos em conta o nível de debate gerado, em número e profundidade, temos que afirmar que não, já que identificamos apenas dois comentários que propunham discutir a questão colocada na fanpage do movimento.

Tais dados apresentam uma evidencia primária da complexidade que o movimento ambiental enfrenta nas redes sociais digitais para alcançar a visibilidade e legitimidade tão importantes para que suas causas sejam reconhecidas publicamente e conquistem o engajamento desejado. O movimento compartilha um espaço de enunciação com diversos e voláteis internautas-leitores que também utilizam o ambiente virtual com meio de expressão de seus enunciados, seja para reforçarem as causas ativistas ou apenas para ampliarem seu universo de visibilidade, promovendo uma espécie de visibilidade retroalimentada no meio.

Neste artigo, foram apresentados alguns desafios e possibilidades que um movimento ambiental como o Greenpeace Brasil precisa se confrontar em um ambiente difuso, em que discursos e máscaras são criados e recriados a todo o tempo. Tal espaço pode servir somente como lugar de performance e pura identificação, eliminando o ativismo buscado pelo movimento, ponto que será foco de outras análises empreendidas pelas autoras sob o mesmo tema. Este estudo consubstanciou-se em apenas de um recorte de um corpus mais extenso, coletado e analisado transitoriamente para o desenvolvimento da pesquisa de mestrado, em andamento pelas autoras; qualquer conclusão aqui requer aprofundamento que se dará ao término da pesquisa de mestrado. Mas desde já as questões estão postas para a reflexão e análise.

Referências
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CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. 2ªEdição. São Paulo: Contexto, 2013b.

CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e Discurso – modos de organização. 2ª Edição. São Paulo: Contexto, 2012.

CHARAUDEAU, Patrick. Uma análise semiolingüística do texto e do discurso. In :
PAULIUKONIS, M. A. L. e GAVAZZI, S. (Orgs.) Da língua ao discurso : reflexões para o ensino.Rio de Janeiro : Lucerna, 2005, p. 11-27.

COSTA, Sérgio Roberto. Minidicionário do discurso eletrônico-digital. 1ª Edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

FACEBOOK. Greenpeace Brasil (Página de Conservação Ambiental). Disponível em:
http://www.facebook.com.br. Acesso em 16 jul. 2014

GABEIRA, F. Greenpeace: verde guerrilha da paz. RJ: clube do livro, 1988.
MAIA, Rousiley. Visibilidade Midiática e deliberação pública. In: GOMES, Wilson; MAIA, Rousiley C. M. Comunicação e Democracia. 1ª Edição. São Paulo: Paulus, 2008, p. 166-194.

GOHN, Mª da Glória. Movimentos sociais e redes de mobilização civis no Brasil contemporâneo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

MAINGUENEAU, Dominique. O contexto da obra literária. São Paulo: Martins fontes, 1995.

RECUERO, Raquel. A conversação em Rede – Comunicação mediada pelo computador e redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2ª Edição, 2014.

RECUERO, Raquel; FRAGOSO, Suely; AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa para internet.1ª Edição. Porto Alegre: Sulina, 2011.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. 2ª Edição. Porto Alegre: Sulina, 2009.

SANTAELLA, Lúcia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. 2ª Edição. São Paulo: Paulus, 2007.
SIBILIA, Paula. O show do eu – a intimidade como espetáculo. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Nova










Professora do Programa de Pós-graduação do CEFET MG. Desenvolve pesquisa na área de Análise do Discurso com foco no discurso midiático, publicitário e memorialístico.
Jornalista, ativista e mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu do CEFET-MG, na linha Discurso, mídia e tecnologia.


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