FACEBOOK E INFORMAÇÃO: O ESTRUTURAL E O SIMBÓLICO DE UMA MANIPULAÇÃO POSSÍVEL

July 22, 2017 | Autor: Breilla Zanon | Categoria: Facebook, Sociedade De Controle, Segurança da informação, Biopolítica
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FACEBOOK E INFORMAÇÃO: O ESTRUTURAL E O SIMBÓLICO DE UMA MANIPULAÇÃO POSSÍVEL Breilla Zanon1

EM BUSCA DE UMA ANÁLISE

Inúmeras são as possibilidades de conectar-se com as pessoas e obter informações nos dias de hoje. Teóricos e estudiosos da Internet e dos demais mecanismos que lidam com a comunicação salientam que as sociedades se encontram atualmente em um momento um tanto quanto intrigante, que cada vez mais desafia o exercício reflexivo daqueles que nela projetam suas afirmações e questionamentos. O objetivo deste artigo é trazer ao leitor algumas pontuações, em principal, indagações que nos permitam colocar sob reflexão o momento em que vivemos no que diz respeito a importância das informações para a construção não só dos ideais e interesses individuais, mas também para a construção de um modelo de sociedade. Para tal performance, a observação recai sobre os novos mecanismos de distribuição e gestão da informação advindos da Internet, mais especificamente o Facebook e os aplicativos que recentemente passou a gerenciar (Instagram e Whatsapp?). Pelo fato dessa análise lidar com um objeto contemporâneo e em constante modificação ou aperfeiçoamento, não será nosso intuito tecer uma conclusão fechada ou limitada a respeito de suas utilidades. Aquém disso, o interesse aqui é levantar algumas perguntas a respeito do uso da informação devido sua importância nas sociedades pós-modernas, e dessa forma, questionar os objetivos que envolvem as realizações de seus mecanismos. Por mais que possa parecer ousado ou irresponsável desvelar uma análise sem o intuito de afirmar perspectivas conclusivas a respeito do objeto e contexto em questão, o presente artigo deve ser entendido mais como um preâmbulo, ou por melhor dizer, uma paleta de cores cujo o quadro a que pertence se revelará conforme a própria construção histórica que a humanidade diariamente se põe adiante. Mais do que uma conclusão hermética, a introdução de pontos e observações por vezes pormenorizados por uma

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Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Uberlândia, bolsista FAPEMIG.

sociedade que exalta flexibilidade e tecnologia por si só criam uma arena fértil e instigante de ser projetada, e por consequência, utilizada em construções posteriores.

A PÓS-MODERNIDADE COMO ARENA INICIAL DE REFLEXÃO

Ainda existe um certo receio dentro da comunidade acadêmica em definir o mundo contemporâneo como um período da pós-modernidade, como se a denominação imbricasse a própria fluidez, fragmentação, desordem que lhe é característica. É preciso deixar evidente ao leitor que no presente artigo me livro de tal preconceito e, sim, uso essa classificação por acreditar que ainda não exista uma outra que imprima em si tamanha estratégia capitalista: uma estratégia capaz de tirar da construção do homem quanto indivíduo e subjetividade o protagonismo de sua ação pela virtuosidade de um valor de liberdade que lhe é imanente e inserir essa viabilidade, tanto da ação quanto da liberdade, nas engrenagens de produção e reprodução de um sistema por meio de um comportamento moldado pelo e para o consumo. Dessa forma, estou de acordo com Frederich Jameson (1984) quando o autor, em seu artigo Pós-Modernidade e Sociedade de Consumo afirma que cabem aqui algumas palavras sobre o emprego apropriado deste conceito: ele não é apenas mais um termo para a descrição de determinado estilo. É também, pelo menos no emprego que faço dele, um conceito de periodização cuja principal função é correlacionar a emergência de novos traços formais na vida cultural com a emergência de um novo tipo de vida social e de uma nova ordem econômica — chamada, freqüente e eufemisticamente, de modernização, sociedade pós-industrial ou sociedade de consumo, sociedade dos mídia ou do espetáculo, ou capitalismo multinacional. (JAMESON, 1984, p. 17).

Tendo alertado os leitores que por vezes pudessem se sentir desconfortáveis com o uso desse termo, vale prosseguir em nossa análise e elencar algumas das transformações que nos permitem encarar a pós-modernidade como um aporte verdadeiro de nossa realidade e da realidade de nosso objeto, o Facebook, nos dias de hoje. Devemos ter em mente que o termo pós-moderno surge como forma de definir as mudanças e rupturas, mais ou menos visíveis, na esfera da economia e da cultura. As transformações em ambas dimensões surtiram efeito sobre a própria sociedade e a sociabilidade entre os homens, a partir da formulação de um novo comportamento, coerente com as novas demandas estruturadas por tais rupturas. Podemos dizer que, no que tange a dimensão econômica, a pós-modernidade é concomitante – se não fruto, origem – de uma nova estrutura do sistema de produção e

reprodução tanto material quanto social do capitalismo. Essa transformação foi chamada por David Harvey (2012) de reestruturação produtiva, a qual, através de um processo de regulamentação, abriu margens para a livre fruição de um novo tipo de arranjo capitalista, a qual o autor denomina acumulação flexível (HARVEY, 2012). “A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (…). Ela também envolve um novo movimento que chamarei de “compressão do espaço-tempo” no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado.” (HARVEY, 2012, p. 140)

No trecho acima, vemos porque podemos tratar a pós-modernidade e essa nova configuração do capitalismo como eventos concomitantes, os quais inserem uma nova dinâmica tanto da vida econômica, quanto da social a partir de um novo comportamento, coerente a reprodução dessa engrenagem, incorporado em meio a realidade da sociedade. Dessa forma, entendemos que a pós-modernidade se trata de um momento onde ocorrem “alterações objetivas da ordem econômica do próprio capital”. Não se trata de uma simples “ruptura estética ou epistemológica”, mas é inegável o fato de que se institui “um novo estágio na história do modo de produção reinante” que acaba por configurar a nós uma nova essência coexistente com a dimensão cultural (ANDERSON, 1999). (…) explosão tecnológica da eletrônica moderna e seu papel como principal fonte de lucro e inovação; o predomínio empresarial das corporações multinacionais, deslocando as operações industriais para países distantes com salários baixos; o imenso crescimento da especulação internacional; e a ascensão dos conglomerados de comunicação com um poder sem precedentes sobre toda mídia e ultrapassando fronteiras. Esses fenômenos tiveram profundas consequências em cada dimensão da vida nos países industriais avançados – nos ciclos de negócios, nos padrões de emprego, nas relações de classe, nos destinos regionais, nos interesses políticos. Numa perspectiva mais ampla, porém, a mudança mais fundamental de todas está no novo horizonte existencial dessas sociedades. (…) Num universo assim purgado de natureza, a cultura necessariamente expandiu-se ao podem de se tornar praticamente coextensiva à própria economia, mas não apenas como base sintomática de algumas das maiores indústrias do mundo (…) mas de maneira muito mais profunda, uma vez que todo objeto material ou serviço imaterial vira, de forma inseparável, uma marca trabalhável ou produto vendável. A cultura nesse sentido, como inevitável tecido da vida no capitalismo avançado, é agora a nossa segunda natureza. (ANDERSON, 1999, p. 66-67)

Por isso, com o intuito de visualizar o ambiente de nossas observações com clareza, diremos que a o momento atual, pós-moderno, é forjado a partir de rupturas – mais ou menos bruscas – tanto econômicas quanto culturais, as quais de certa maneira, como pudemos ver, aconteceram de maneira dialética, e por isso deram espaço à construção de uma sociedade permeada por fragmentações, seja em termos de sociabilidade, condição social, formulação de demandas políticas e interesses ou identidade cultural. O que interessa para nós, nesse trabalho é o surgimento de um novo comportamento, que se refere a um novo tipo de indivíduo e sociabilidade, o qual tem suas ações e conceitos permeados pelas novas formas e mecanismos de produção e reprodução da vida material e social e que ainda, em grande medida, constrói seus interesses e identidades através de padrões de consumo modelados por uma ordem econômica. Não nos interessa cair aqui sobre uma análise da subjetividade desse indivíduo pós-moderno. O que queremos, nesse primeiro momento, é entender o plano em que ele se encontra. Por isso, precisamos entender, a partir daqui, que toda essa reestruturação tanto econômica quanto sociocultural é costurada em grande medida pelo próprio desenvolvimento tecnológico pelo qual passamos. É mediante ao que foi exposto e em consonância a essas inovações tecnológicas que podemos compreender a construção e o papel das informações na estrutura de nossa sociedade hoje, a qual Manuel Castells (1999) chama de sociedade em rede. Nosso mundo, e nossa vida, vêm sendo moldados pelas tendências conflitantes da globalização e da identidade. A revolução da tecnologia da informação e a reestruturação do capitalismo introduziram uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede. Essa sociedade é caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista estratégico; por sua forma de organização em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e individualização da mão-de-obra. Por uma cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela transformação das bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes. Essa nova forma de organização social, dentro de sua globalidade que penetra em todos os níveis da sociedade, está sendo difundida em todo mundo, do mesmo modo que o capitalismo industrial e seu inimigo univitelino, o estatismo industrial, fora disseminados no século XX, abalando instituições, transformando culturas, criando riqueza e induzindo à pobreza, incitando à ganância, à inovação e à esperança, e ao mesmo tempo impondo o rigor e instilando o desespero. Admirável ou não, trata-se na verdade de um mundo novo. (CASTELLS, 1999, p. 17)

Castells (1999) vai ao encontro de Harvey (2012) e Anderson (1999), no entanto ele nos ajuda a simbolizar a influência das novas formas de produção e reprodução capitalista e da construção de identidades guiadas pelo consumo, na produção e distribuição de informações. Um dos eventos mais marcantes que analisa como fruto desse momento é o surgimento da Internet. A internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global. [...] O uso da internet como sistema de comunicação e forma de organização explodiu nos últimos anos do segundo milênio. A influência das redes baseadas na Internet vai além do número de seus usuários: diz respeito também à qualidade do uso. Atividades econômicas, sociais, políticas, e culturais essenciais por todo o planeta estão sendo estruturadas pela internet e em torno dela, como por outras redes de computadores. (CASTELLS, 2003, p. 8)

Pretendemos estabelecer o foco no surgimento e desenvolvimento de mecanismos de gestão e distribuição da informação, os quais são os principais componentes que nos ajudam a caracterizar o período atual, pois passam a viabilizar conexões globais entre os espaços, sociabilidades e identidades fragmentadas que dão tom ao contexto pósmoderno. O próximo capítulo guarda a principal intenção deste presente artigo: avaliar o quanto mecanismos provenientes da Internet são capazes realmente de criar condições onde as informações fluam de maneira livre e, dessa forma, contribuírem para com o desenvolvimento das oportunidades e capacidades dos indivíduos em garantir uma leitura e entendimento consciente em relação à realidade em que vive. Estariam essas informações privilegiando condições para além das intencionadas pelo indivíduo que a promove? Poderiam elas ser vítimas de manipulações que visam a coerência de uma reprodução econômico-social conveniente para a sociedade pós-moderna? Trata-se de perguntas muito densas e complexas para serem respondidas em um breve artigo, no entanto, tal condição não nos impede trazer algumas introduções e pontuações sobre o assunto adiante.

O FACEBOOK E O FLUXO DA INFORMAÇÃO

Tanto a Internet quanto as novas tecnologias que lidam com a gestão e distribuição da informação ganham peso no contexto atual, onde a sociedade encontra-se sob novas formas de estruturação. A inserção de novos sujeitos, individualidades e identidades tiram do pensamento tanto científico quanto econômico, social e cultural uma mentalidade

clássica, a qual julgava os acontecimentos da história a partir de uma perspectiva totalizante. Novos sujeitos, novas informações, novos mecanismos de comunicação. Não queremos dizer que esses elementos são inseridos na história a partir de uma contextualização pós-moderna. Isso seria uma falácia. No entanto, o contrário é verdadeiro, ou seja, o pós-moderno, toda fluidez, fragmentação e deslocamento do espaço-tempo que lhe é característica, é propiciada por tais elementos. O desenrolar das sociedades e o desenvolvimento de suas tecnologias de produção e reprodução socioeconômica permitiu que história desempenhada nesse percurso ampliam o conhecimento mútuo entre as ações e realidades diversas. O homem toma conhecimento sobre o homem, mas isso não quer dizer que passam a ser livres de antagonismos e relações de poder. A Internet, assim como as demais tecnologias da informação, toma para si a oportunidade de conectar, convergir tais fragmentações e diversidades. Muitas ferramentas, os chamados aplicativos, surgem por meio da Internet com esse intuito. No entanto, devemos levar em mente desde o princípio do capítulo que isso não quer dizer que diluem assimetrias e desigualdades dentro desse ambiente diversificado. As redes sociais são algumas dessas ferramentas vêm ganhando grande popularidade dentro das formas de sociabilidade atual, principalmente entre a parcela mais jovem da população, acostumada com o fluxo incomensurável da informação e são sobre elas que trataremos a partir de então. O Facebook, o Instagram e o Whatsapp? só existem por causa da Internet, e consequentemente, pelos anseios de nossa época. Trata-se de redes sociais que, devido as oportunidades de conexão que a grande rede de computadores promoveu a partir do final do século XX, colocam em contato pessoas de diversos pontos do mundo por meio de sua interface que tem como intuito expandir o potencial de comunicação entre essas pessoas por meio do compartilhamento de informações cotidianas e individuais. Dessa forma, as redes sociais também detêm o conhecimento sobre informações pessoais, padrões de comportamento e consumo, interesses culturais e políticos pois permitem que em meio a suas plataformas sejam veiculadas e compartilhadas tais informações, como forma de propiciar a conexão de afinidades, conhecimento sobre as diversidades, integração ou critica a fatos que permeiam a vida em sociedade, em suas mais variadas dimensões. Tratam-se, portanto, de um dos exemplos capazes de ilustrar de maneira mais fiel o discurso acerca da flexibilidade no mundo atual.

Com a gradual extinção do Orkut2, atualmente com mais de 1 bilhão de usuários, o Facebook é hoje uma das maiores redes sociais da Internet. Seu criador, Mark Zuckerberg é também um dos mais jovens detentores de uma das maiores fortunas provenientes de produtos virtuais. Criada a princípio em 2003 e sendo incialmente uma rede social que tinha como intuito conectar jovens estudantes de Harvard, o Facebook passou por transformações ao longo do tempo, mudanças técnicas que permitiram aos usuários o compartilhamento de cada vez mais produtos da informação como, imagens, vídeos e matérias de sites e blogs veiculados pela Internet3. Hoje, o Facebook se configura como uma rede social capaz de agregar em uma só plataforma uma gama extraordinária de informações sobre seus usuários e sobre os eventos que se realizam no mundo de maneira geral. Antes de irmos a diante, cabe apontarmos algumas considerações a respeito da informação e sua importância em nossos dias. Do ponto de vista político e também em meio as sociabilidades, autores nos revelam que a informação é um dos principais componentes na construção de demandas e interesses por parte dos indivíduos. Dessa forma, a capacidade de representar um interesse está intrinsicamente conectada tanto a quantidade quanto à qualidade da informação relacionada a essa demanda (PUTNAM, 1996). A informação e sua amplitude contribuem consideravelmente para a construção de uma sociedade baseada no conhecimento, porém apenas sua existência e circulação não garantem um usufruto nem reflexo eficiente na garantia por representação de interesses sólidos e pertinentes4. Sua eficácia é garantida mediante uma série de variáveis decorrentes das condições contextuais, relativa ao seu acesso, podendo assim, ser mais ou menos eficaz5. 2

O Orkut foi uma rede social pioneira, criada a dez anos (24 de janeiro de 2004), por um engenheiro turco chamado Orkut Büyükkökten. Seu interesse era colocar em contato pessoas do mundo todo, com foco nos Estados Unidos, mas a rede acabou por ser mais utilizada no Brasil e na Índia. Devido forte perda de usuários para o Facebook, o Orkut foi encerrado em junho de 2014. Informações disponíveis em: http://blog.orkut.com/ . Acesso em: 21/07/2014. 3 Fonte disponível em: http://tecnologia.terra.com.br/facebook-completa-10-anos-conheca-a-historia-da rede-social,c862b236f78f3410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html . Acesso em: 29/03/2014. 4 De acordo com Maria Regina Marteleto (2007, p.9) “Num encadeamento didático dos conceitos de informação-conhecimento-saber, a informação estaria situada num primeiro grau do processo de apropriação, expressão e sistematização dos significados, enquanto o conhecimento corresponde a um grau mais internalizado desse mesmo processo, o de produção de sentido sobre as coisas do mundo. O saber situa-se numa terceira zona que reúne os cabedais sociais, técnicos e cognitivos de instituições, pessoas e grupos, em grau de internalização e externalização que alia os conhecimentos às práticas e às experiências, formando acervos, registros e documentos individuais e coletivos – a sabedoria.” 5 Como Amartya Sen nos evidenciou em sua obra Desenvolvimento como liberdade (2004), cabe ressaltarmos o fato de que para se garantir a eficácia em algum interesse ou representação torna-se antes necessário que este indivíduo tenha condições para manter sua participação, conectividade com o contexto em questão.

Outro ponto interessante e necessário a ser levantado sobre a informação é a maneira pela qual ela pode ser um elemento tanto estruturado pelo contexto em que se insere quanto estruturante das percepções que as detém. Ao tratarmos sobre a qualidade e atributos da informação, devemos levar em conta o campo simbólico que se insere nessa dimensão, o qual é também – assim como a dimensão material – responsável por construir e ser construído pelo conteúdo dessas informações. Doravante, com a ajuda de Pierre Bourdieu (1971), visualizamos o movimento dialético, estruturado e estruturante, inclusivo e excludente, associativo e dissociativo, que ambas esferas constroem quando estamos falando sobre o domínio da informação. O que queremos deixar evidente nesse ponto é que a informação como componente que circula em meio a sociedade é tanto formada pelos contextos e individualidades que a promovem quanto influente na construção desses contextos e individualidades. Dessa forma, a informação constrói a estrutura social bem como é também construída por ela (BOURDIEU, 1971). Voltando ao tópico que busco desenvolver: qual é o caminho guardado a uma sociedade onde a informação de maneira geral circula e é detida por um número restrito de plataformas virtuais, como no caso em que se encontra o Facebook? Essa pergunta é muito pertinente para o momento em que passamos. Além da possibilidade nunca antes vista de produzir, circular e compartilhar informações de todos os tipos, hoje os mecanismos que gerem tais informações tem a possibilidade também de armazená-las, colocando sobre seu domínio uma gama impensável de material que em um primeiro momento pertenceu a uma dimensão privada e limitada. Como garantir que tais informações não passem a ser usadas para outros fins que não os de colocar em contato sociabilidades? O Facebook, como uma das principais redes sociais de nosso tempo, é também a plataforma que pode ser classificada como a maior detentora da informação proveniente de seus usuários. Em 2012, Mark Zuckerberg comprou o Instagram6, um aplicativo, também em forma de rede social usada em dispositivos móveis (celulares, tablets, etc), onde o compartilhamento de informações se dá sob forma de fotografias postadas pelos usuários. Fotos de si mesmo – as famosas selfies –, dos lugares em que frequentam, dos interesses que têm e até do que comem podem ser veiculadas nessa rede social, que ainda possibilita ao usuário fazer modificações de cores e tonalidades, dando uma personalidade, identidade única ao momento, fato que é muito importante para os 6

Fonte disponível em: http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/mark-zuckerbert-anuncia-a-compra do-instagram-pelo-facebook?page=1 Acesso em: 29/03/2014.

indivíduos de um contexto como o nosso. Em 2012, ano de sua compra pelo Facebook, o Instagram já tinha mais de 30 milhões de usuários. Além de conquistar o domínio das imagens, recentemente – mais precisamente dia 19 de fevereiro de 2014 – Zuckerberg realizou mais uma transação bilionária. Por 19 bilhões de dólares7 comprou o Whatsapp?, um aplicativo também usados em dispositivos móveis onde a função é trocar mensagens com usuários de todo o mundo, necessitando apenas do número de celular e acesso à Internet. Segundo os criadores do Whatsapp?, Jan Koun e Brian Acton, ex-executivos da empresa Yahoo, o intuito inicial quando criaram o aplicativo em 2009 era o de conectar as pessoas independente da marca de celular. E o mecanismo deu certo. Hoje o Whatsapp? conta com a adição de mais de 1 milhão de pessoas por dia8. Não seria um erro dizermos que atualmente o Facebook, assim como as empresas e executivos responsáveis pela sua gestão, tem acesso ao um número impensável de informações. Por isso cabe a nós, a partir de então, pontuar alguns prós e contras referentes a essa condição.

CONTINGÊNCIA PÓS-PANÓPTICA

A Internet, bem como todo os mecanismos virtuais que a partir dela foram criados, em um curto espaço de tempo revolucionaram a maneira pela qual os indivíduos enxergam e realizam suas atividades no mundo atual. A compreensão espaço-tempo9 se garantiu por meio dela, mais do que qualquer outro mecanismo ou máquina que possa ter sido criado. O intuito inicial que deu origem a grande rede de computadores não foi o da virtuosidade que poderia ser presenciada na conexão de informações, pensamentos e diversidades por meio da tecnologia. Antes disso, a Internet serviu para fins militares, onde o propósito era de trocar informação privilegiada e de maneira sigilosa em um período que se encontrava no auge da Guerra Fria. As origens da Internet podem ser encontradas na Arpanet, uma rede de computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (ARPA) em setembro de 1968. A ARPA foi formada em 1958 pelo Departamento 7

Tal valor foi pago da seguinte forma: U$4 bilhões em dinheiro, U$12 bilhões em ações e U$ 3 bilhões em ações restritas aos fundadores e funcionários do Whatsapp?. Fonte disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2014/02/20/interna_tecnologia,500201/facebook-compra whatsapp-e-bate-recorde-em-negociacoes-de-startups-tecnologicas.shtml Acesso em: 29/03/2014 8 Fonte disponível em: http://tecnologia.terra.com.br/usuarios-se-preocupam-com-a-compra-do-whatsapp tchau-privacidade,799c532d72f44410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html Acesso em: 29/03/2014. 9 GIDDENS, A. As consequências da modernidade; tradução Raul Fiker. – São Paulo: Editora Unesp, 1991, p. 27-33.

de Defesa dos Estados Unidos com a missão de mobilizar recursos de pesquisa, particularmente do mundo universitário, com o objetivo de alcançar superioridade tecnológica militar em relação à União Soviética na esteira do lançamento do primeiro Sputnik em 1957. [...] Foi Berners-Lee, porém, que transformou todos esses sonhos em realidade, desenvolvendo o programa Enquire que havia escrito em 1980. [...] Ele definiu e implementou o software que permitia obter e acrescentar informação de e para qualquer computador conectado através da Internet: HTTP, MTML, e URI (mais tarde chamado de URL). (CASTELLS, 2003, p. 22)

Mais de 30 anos passados com o advento da Internet, a criação do Facebook potencializou a circulação e a conectividade entre as pessoas do mundo todo, de maneira que seu uso pode ser feito a variados fins, seja para reencontrar amigos, conhecer pessoas novas, compartilhar tendências e interesses e até mesmo reunir público em torno de causas sociais. Da mesma forma que o Facebook como plataforma que circula a informação pode proporcionar revoluções, como foi o caso da Primavera Árabe 10 em 2011, ele também pode ser considerado hoje, depois da compra do Instagram e do Whatsapp?, como uma empresa capaz de reconhecer os interesses e comportamentos de todos seus usuários. Tal condição confere ao Facebook a possibilidade de gerar dados tanto para transações de mercado quanto para instâncias de segurança pública. Isso não quer dizer que um caminho será definitivamente tomado em detrimento de outro, mas ambas oportunidades estão em aberto e em um ambiente cuja a cultura está imbricada pelas naturalizações do mercado, podemos fazer algumas apostas. A informação é o agente neguentrópico que torna possível a organização de um sistema, enquanto as mudanças de energia estão submetidas ao princípio da entropia, de degradação das formas mais ordenadas às mais desordenadas: “A organização informacional permite o uso, a manipulação, a transformação, o controle, etc, da energia de maneira cada vez mais complexa, precisa e econômica” (MORIN, 1977, p. 343, apud LAPIERRE, 1993, p. 218). (MARTELETO, 2007, p. 5-6)

Nesse ponto cabe listarmos alguns pontos relacionados dentro da Declaração de Direitos e Responsabilidades e Política de Uso de Dados vinculadas ao Facebook, acessíveis a todos os usuários11:

A) DECLARAÇÃO DE DIREITOS E RESPONSABILIDADES “A Primavera Árabe – assim como ficaram conhecidas no Ocidente as manifestações – suscitada debates sobre o papel desempenhado pelas TICs e pela Internet para o êxito alcançado em alguns dos países. Especificamente, as atenções são voltadas com mais frequência para os casos da Tunísia, com a queda do general Bem Ali (14 de janeiro de 2011); do Egito, com o fim do governo de Hosni Mubarak (11 de fevereiro 2011) e da Líbia, com o linhamento público do ditador Muammar Kadafi (20 de outubro de 2011). (DI FÁTIMA, 2011, p. 2). Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/fatima-branco-primavera-arabevigilancia-e-controle.pdf Acesso em: 29/03/2014 11 Disponível em: https://www.facebook.com/policies/?ref=pf . Acesso em: 29/03/2014. 10

“Compartilhando suas informações e conteúdos: 1. Para o conteúdo coberto pelas leis de direitos de propriedade intelectual, como fotos e vídeo (conteúdo IP), você nos concede especificamente a seguinte permissão, sujeita às configurações de privacidade e aplicativos: você nos concede uma licença mundial não exclusiva, transferível, sublicenciável, livre de royalties, para usar qualquer conteúdo IP publicado por você ou associado ao Facebook (Licença IP). Essa Licença IP termina quando você exclui seu conteúdo IP ou sua conta, a menos que seu conteúdo tenha sido compartilhado com outros e eles não o tenham excluído. 2. Ao excluir um conteúdo IP, ele é excluído de maneira similar ao esvaziamento da lixeira do computador. No entanto, entenda que o conteúdo removido pode permanecer em cópias de backup por um período razoável (mas não estará disponível para outros). 3. Somos sempre gratos por seus comentários ou outras sugestões sobre o Facebook, mas entenda que podemos usá-los sem qualquer obrigação de compensar você por eles (assim como você não tem a obrigação de oferecêlos).”

Registro e segurança: 1. Você não irá fornecer qualquer informação pessoal falsa no Facebook, nem criar uma conta para ninguém além de si mesmo sem permissão. 2. Você deve manter suas informações de contato precisas e atualizadas.

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Dentro da Declaração de Direitos e Responsabilidades podemos perceber o quanto a plataforma coloca sob responsabilidade do usuário todo e qualquer uso da informação, e além disso, reivindica o uso dessas informações, uma vez que, postado na página a informação passa a ser de domínio público e no caso, também do Facebook. Outro ponto interessante é que, mesmo depois do usuário apagar um conteúdo que posteriormente julgou impróprio ter compartilhado, esse conteúdo permanece armazenado nos arquivos de backup da página, permanecendo, portanto, sob o domínio da plataforma. É visível aqui, que as responsabilidades que tangem ao compartilhamento e gestão da informação são de mãos únicas e opostas: o compartilhamento, a inclusão da informação dentro da

rede social é de inteira e total responsabilidade do usuário; por outro lado, a gestão desse conteúdo a partir de então, passa a ser de responsabilidade integral do Facebook.

B) POLÍTICA DE USO DE DADOS:

Política de uso de dados: Suas informações são as informações solicitadas quando você se inscreve no site, bem como as informações que você opta por compartilhar.

Informações de cadastro: Ao se cadastrar no Facebook, você é solicitado a fornecer informações como seu nome, endereço de e-mail, data de nascimento e gênero. Em alguns casos, você poderá cadastrar-se usando outras informações como o seu número de telefone.

Também recebemos outros tipos de informações sobre você: - Recebemos dados sobre você sempre que você usa ou entra no Facebook, como quando você olha a linha do tempo de outra pessoa, envia ou recebe mensagens, procura um amigo ou uma página, clica em, visualiza ou de alguma forma interage com as coisas, usa um aplicativo móvel do Facebook, compra Créditos do Facebook ou faz outras compras pelo Facebook. - Quando você publica algo como fotos ou vídeos no Facebook, podemos receber dados (ou metadados) adicionais relacionados, como hora, data e local em que a foto ou o vídeo foram gravados. - Recebemos dados do computador, do telefone celular ou outros dispositivos que você usa para instalar aplicativos do Facebook ou acessar o Facebook, incluindo quando diversos usuários conectam-se através do mesmo dispositivo. Isso pode incluir informações de rede e de comunicação, tais como seu endereço IP ou número do telefone celular e outras informações sobre coisas como seu serviço de Internet, sistema operacional, localização, o tipo (incluindo identificadores) de dispositivo ou navegador que você usa, ou as páginas que você visita. Por exemplo, podemos obter sua localização no GPS ou outras informações de localização para que possamos informar se algum de seus amigos está próximo de você ou podemos solicitar informações do dispositivo para melhorar a forma como nossos aplicativos funcionam no seu dispositivo.

Como usamos as informações que recebemos:

Usamos as informações que recebemos sobre você em relação aos serviços e recursos que fornecemos a você e a outros usuários, como seus amigos, nossos parceiros, os anunciantes que compram anúncios no site e os desenvolvedores que criam os jogos, aplicativos e sites que você usa. Por exemplo, além de ajudar as pessoas a ver a encontrar as coisas que você faz e compartilha, podemos usar as informações que recebemos sobre você: - como parte de nossos esforços para manter os produtos, serviços e integrações do Facebook seguros e protegidos; - para proteger os direitos ou propriedades do Facebook e de outros; - para fornecer recursos e serviços de localização, como informar você e seus amigos quando algo está acontecendo nas redondezas; - para avaliar ou entender a eficiência dos anúncios que você e outras pessoas visualizam, incluindo fornecer anúncios relevantes para você; - para fazer sugestões para você e outros usuários do Facebook, como: sugerir que seu amigo use nosso importador de contatos porque você encontrou amigos usando-o, sugerir que outro usuário o adicione como amigo porque o usuário importou o mesmo endereço de e-mail que você ou sugerir que seu amigo marque você em uma foto que ele carregou e que você esteja presente; - e para operações internas, que incluem correção de erros, análise de dados, testes, pesquisa, desenvolvimento e melhoria do serviço.

Os dados acessados e armazenados pelo Facebook não se restringem apenas às informações compartilhadas, mas também dizem respeito à localização, contatos e mensagens com os outros usuários, além de dados de compras e acessos na web que podem dizer muito sobre o cotidiano do usuário. No entanto, como podemos falar sobre controle de informações se os próprios usuários estão conscientes de todos esses termos, uma vez que eles se encontram acessíveis e públicos? É necessário recorrer à Michel Foucault e suas análises sobre a vigilância no mundo moderno. Ser parte de um mecanismo que possibilita a vigilância por parte de um poder central e também de todos em relação a todos nada mais é que um exemplo atual nas estruturas Panópticas.

Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce; enfim, que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores. Por isso, é ao mesmo tempo excessivo e muito pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia: muito pouco, pois o essencial é que ele se saiba vigiado; excessivo, poque ele não tem necessidade de sê-lo efetivamente. [...] O Panóptico é uma máquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca ser visto. [...] O Panóptico é uma máquina maravilhosa que, a partir dos desejos mais diversos, fabrica efeitos homogêneos de poder. (FOUCAULT, 1999 p.166-167)

Foucault (1999) faz essa análise tendo como base técnicas de vigilância e punição instituídas na modernidade. Embora essas conceituações nos ajudem muito a pensar sobre o momento do indivíduo na pós-modernidade, existe algumas diferenciações em relação a esses mecanismos, que mais do que no período exposto por Foucault, encontram-se imperceptíveis aos vigiados. “Diferentemente do panoptismo, o poder hoje pode se mover com a velocidade do sinal eletrônico e tornou-se verdadeiramente extraterritorial, não mais limitado pela resistência do espaço” (PRATA, 2005, p. 112). Dessa maneira, o Panóptico não mais se restringe às dimensões espaciais concretas e podem percorrer via tecnologia, como no caso do Facebook. Sem querer aprofundar nas questões relativas à modelagem das subjetividades, hoje mais do que nunca, as técnicas de domínio e poder são internalizadas pelos próprios indivíduos como dinâmicas que fazem parte da própria construção da individualidade, ou seja, da sua própria vida. Sem perceber – ou pormenorizando – a situação de vigilância e domínio em que se coloca, julga necessário o compartilhamento de informações e condições pessoais, pois é essa visibilidade diante do outro que lhe confere identidade e individualidade, valores tão exaltados pela sociedade pós-moderna. Como diria Bauman, talvez o termo mais acertado de relacionarmos tal situação hoje seria o Pós-Panóptico. Isso dá aos detentores do poder uma oportunidade verdadeiramente sem precedentes: eles podem se livrar dos aspectos irritantes e atrasados da técnica de poder do Panóptico. O que quer que a história da modernidade seja no estágio presente, ela é também, e talvez acima de tudo, pósPanóptica. O que importava no Panóptico era que os encarregados “estivessem lá”, próximos, na torre de controle. O que importa nas relações de poder pós-panóptica é que as pessoas que operam as alavancas do poder de que depende o destino dos parceiros menos voláteis na relação podem fugir do alcance a qualquer momento – para a pura inacessibilidade. (BAUMAN, 2001, p. 18)

O que nos revelam tais condições? Seria o domínio e a convergência de informações danosas às nossas próprias reivindicações por liberdade ou tal convergência estaria catalisando interesses e comportamentos a fim do real desenvolvimento de interesses diversos? A flexibilidade incitada pelo grande fluxo de informações promove a amplitude de pensamentos e valores ou nos prende ainda mais a construções de controle e vigilância, agora sob novas categorias? Estariam as informações de redes sociais apenas servindo apenas ao fator hedonista e narcísico da humanidade pós-moderna ou convergem-se aos interesses de outras ordens? Essas são algumas perguntas que são impossíveis de responder em um breve artigo, no entanto, coube a nós elencá-las nesse momento a fim de desenvolvermos uma reflexão ampla sobre o tema e aprofundamentos posteriores. A arena para questionamentos e possíveis conclusões está aberta.

UMA CONCLUSÃO AQUÉM

Mais do que exaltar as inúmeras facilidades e oportunidades de conexão que as redes sociais proporcionam hoje dia, buscamos no presente artigo, pontuar com mais afinco seus reveses. Não se trata de pregar uma luta contra essas novas tecnologias, nem mesmo de incutir a desconfiança constante. A problemática que buscamos trazer de maneira breve aqui diz respeito a importância da informação para a construção de interesses, objetivos, individualidades, identidades e alteridades em um mundo fragmentado como o pós-moderno, e assim como já pontuo Jameson (1984) e Anderson (1999), observar como essa condição confere poder àqueles que gestam e de certa forma, manipulam sua circulação. Devemos ter mente de que se trata da informação dentro de uma era onde o capital simbólico se faz tão – senão mais, em algumas ocasiões – importante que o capital material e dessa forma, sua detenção suscita também poder. O Facebook, como plataforma exemplar do momento que estamos refletindo, provou ser um mecanismo que pode ser aproveitado por diversos interesses, muitas vezes, opostos, por sinal. Ao mesmo tempo em que pode agregar indivíduos e interesses em torno a uma revolução, pode também armazenar tais individualidades em prol de dinâmicas totalitárias de vigilância e de construção de comportamentos, passando a constituir, aos moldes de como já havia observado Foucault, uma nova face vigilante. Queremos dar importância nesse artigo ao fato de que as informações e a maneira pela qual são usadas são cruciais para análise de seus propósitos na atualidade. Assim

como já observou Castells, a Internet e seus mecanismos colocou em articulação inúmeras e diversas informações, no entanto, não só a maneira pela qual é usada pelos indivíduos, mas também a forma como as informações são usadas pelas instituições fundadas na própria rede, que devem ser levadas em conta em uma análise mais complexa. Entender o jogo existente entre essas duas dimensões permite a nós avaliar também o poder que tais mecanismos, e consequentemente, as informações que gerem, têm no que diz respeito a estruturar comportamentos visados dentro de um sistema de reprodução capitalista (HARVEY, 2012). O Facebook nos serviu de exemplo pela tamanha dimensão que tomou mediante as compras do Instagram e do Whatsapp?, demostrando em números o quanto vale a informação cotidiana dos indivíduos que os utilizam hoje. Por mais trivial que seja, tais informações longe de qualquer outro conhecimento, permitem o mapeamento de personalidades, fragmentariedades, tendências políticas e comportamentos econômicos, conteúdos os quais, dentro de uma condição socioeconômica que se dá pelo viés da acumulação flexível, garante sua previsibilidade e dinamicidade (HARVEY, 2012). No entanto, a mesma análise serviria para demais plataformas virtuais de pesquisa como Google e sua caixa de e-mails, aplicativos de celulares variados e as próprias chamadas de celular, e demais recursos no qual o usuário é capaz de cadastrar seus dados e demais informações12. Não podemos afirmar irrevogavelmente e de maneira irresponsável o retrocesso para a liberdade individual que tais mecanismos podem promover, mesmo porque seria algo análogo ao ludismo o que estaríamos empreendendo. O que buscamos deixar em evidência é a parcela humana, bem como seus interesses, que tanto fornecem quanto detém as informações e por isso, tende a relacioná-las aos mais variados e antagônicos fins. Nesse ponto, a dimensão estruturada e também estruturante dessa informação deve ser levada em conta. Por isso, em linhas gerais, é um tanto quanto pernicioso querermos chegar a uma dada afirmação ou conclusão que nos revelam o nosso tempo em movimento. A pretensão almejada aqui foi simples, porém não menos densa: a de colocar na mesa os ingredientes para uma possível reflexão acerca do valor, monetário e

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Casos de denúncias realizadas por Julian Assange e o Wikileaks, e mais recentemente pelo ex-analista prestador de serviços à Agência de Segurança Nacioanal dos Estados Unidos (NSA) nos revelam o quanto as informações são manipuladas e usadas com intuitos da preservação do domínio bélico e econômico de alguns países.

simbólico, da informação e as oportunidades e falácias que circundam seus mecanismos de gestão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, Pierre. As origens da pós-modernidade; tradução Marcus Penchel. – Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 1999. 165 p. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida.; tradução Plínio Dentzien. – Rio de Janeiro : Zahar, 2001. 258 p. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas; introdução, organização e seleção Sérgio Miceli. – São Paulo : Perspectiva, 2007. 424 p. (Coleção Estudos). CASTELLS, M. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica; tradução Eduardo Brandão; revisão da tradução Cláudia Berliner. – São Paulo : Martins Fontes, 2008. 474 p. GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade; tradução Raul Fiker. – São Paulo : Editora Unesp, 1991. 195 p. HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural; tradução Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. – 23ª ed. São Paulo : Edições Loyola, 2012. 348 p. MARTELETO, R. M. Análise das redes sociais: aplicação nos estudos de transferência da informação. Ciência da Informação. Brasília, v. 30, n. 1, p.71-81, jan./abr. 2001 PRATA, Maria Regina dos Santos. A produção da subjetividade e as relações de poder na escola: uma reflexão sobre a sociedade disciplinar na configuração social da atualidade. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro. nº 28, p. 108-115, jan./abr. 2005 PUTNAM, Robert David. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. 4ª Edição, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2000. 337 p. ____________. Desigualdade Reexaminada; tradução: Ricardo Doninelli Mendes. – 2ª ed. Rio de Janeiro, São Paulo : Editora Record, 2008. 300 p.

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