FACULDADE DA TERCEIRA IDADE: UMA FORMA DE RECUPERAR A AUTOESTIMA E FACILITAR A INCLUSÃO SOCIAL DO/DA IDOSO/IDOSA

July 19, 2017 | Autor: Derval Gramacho | Categoria: Public Health, Social Exclusion and Inclusion, College of third age.
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FACULDADE DA TERCEIRA IDADE:
UMA FORMA DE RECUPERAR A AUTOESTIMA E FACILITAR A INCLUSÃO SOCIAL DO/DA
IDOSO/IDOSA


DERVAL CARDOSO GRAMACHO
Jornalista, escritor e professor universitário; Mestre em Cultura, Memória,
Identidade e Desenvolvimento Regional (UNEB); Especialista em Docência do
Ensino Superior (UCAM).
e-mail: [email protected]; [email protected]

RESUMO
Este artigo pretende contribuir com os debates sobre a problemática de
inclusão dos/das idosos(as) na sociedade contemporânea. Eles e elas não são
elementos descartáveis, como sugere o capitalismo global, e podem,
verdadeiramente, contribuir para a mudança da sociedade que busca a
construção de um modelo mais humano do que o proposto pelas teorias
neoliberalistas. Também é questionado o argumento de que a sociedade
brasileira está a envelhecer através da simples estratégia de revisão
numérica e do discurso construído para enunciar este suposto
envelhecimento, e que pode ser visto mais como um indicativo de melhoria de
qualidade de vida, o que tem contribuído para que uma parcela ainda
inferior a 10% da população brasileira atual esteja a alcançar idade além
dos 70 anos. Relata sobre a iniciativa que pode contribuir de forma
decisiva para a inclusão dos/das idosos(as) no contexto social, que é a
faculdade da terceira idade.

Palavras-chave: Idosos. Envelhecimento. Saúde pública. Faculdade da
terceira idade.

COLLEGE OF THE THIRD AGE:
A WAY TO RECOVER THE SELF-ESTEEM AND FACILITATE SOCIAL INCLUSION OF THE OLD
MAN AND THE OLD WOMAN


ABSTRACT
The present article aims at to contribute for the debates on the
problematic inclusion of the ancients in the contemporary society. They are
not dismissible elements, as suggests the global capitalism, and can,
truly, contribute for the change of the society that still searches the
construction of a more human model of what the considered one for the
neoliberal theories. At the same time, it questions the argument of that,
in Brazil, it has a society that it is aging through a simple strategy of
numerical revision and the constructed speech to enunciate this presumption
aging, and that more can be seen as a indicative of improvement of quality
of life, what has contributed so that one still parcels out inferior 10% of
the actual Brazilian population is reaching an age beyond the 70 years. It
still tells an initiative that can contribute of decisive form for the
inclusion of the aged ones in the social context that is the college of the
third age.

Word-keys: Aged. Aging. Public health. College of the third age.


UM ESTUDO NUMÉRICO
Pesquisadores do Núcleo de Estudos em Saúde Pública, do Centro de Pesquisas
René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz/Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Minas Gerais, entre outros, concluem, com base em estudos
recentes, que o envelhecimento da população brasileira já se constitui em
um desafio para a saúde pública. Valem-se, os estudiosos, de dados que, a
nosso ver, sofreram desvios para sustentar uma hipótese cujas
especificidades antropológicas não foram levadas em conta.
Apontam os estudos para números excluídos de um contexto maior que
permitiria a compreensão da realidade presente. Argumenta-se que o número
de idosos com mais de 60 anos de idade "passou de três milhões, em 1960,
para sete milhões, em 1975, e 14 milhões, em 2002 (um aumento de 500% em 40
anos) e estima-se que alcançará 32 milhões em 2020"[1]. O que não é levado
em conta é que este contingente não representa sequer 10% da população
nacional.
Outro aspecto a se destacar é que em vez de preocupar a saúde pública este
suposto crescimento de 500% revela, na verdade, um aspecto positivo: o
brasileiro, independente dos fatores negativos – como alimentação
deficiente, índices de pobreza alarmantes, exposição a doenças de forma
mais frequente –, está vivendo mais. Isto pode ser um indicativo de que
houve, em algum nível, uma melhora na qualidade de vida das pessoas. No
entanto, o reflexo desta possível melhora, em 40 anos, conforme os dados
citados, pode ser considerado inexpressivo em face do pequeno percentual da
elevação da qualidade de vida.
Os autores dos estudos não revelam, no entanto, em qual substrato social se
experimentou este avanço na idade das pessoas. É de se supor que
provavelmente isto se deu nas classes A e B, onde os índices de educação,
de recursos econômicos, de acesso aos serviços de saúde, esporte e lazer
são mais constantes e permitem moldar-se um tipo de vida que vai contribuir
para o envelhecimento saudável.
Se tal fenômeno, este da expansão do envelhecimento, atinge também pessoas
de classes menos favorecidas, embora não relatado no texto, pode-se aventar
a possibilidade de que o aumento desta população representa um problema
para a saúde pública, haja vista que
O idoso consome mais serviços de saúde, as internações
hospitalares são mais freqüentes e o tempo de ocupação do
leito é maior quando comparado a outras faixas etárias. Em
geral, as doenças dos idosos são crônicas e múltiplas,
perduram por vários anos e exigem acompanhamento
constante, cuidados permanentes, medicação contínua e
exames periódicos[2].
Convém lembrar que o consumo de serviços de saúde em nossa sociedade é
bastante elevado por parte de crianças e do público adulto jovem, sobretudo
como decorrência de má alimentação, que torna as pessoas frágeis e
susceptíveis à aquisição de viroses, por exemplo, e do baixo índice de
educação, além das péssimas condições de habitação e de saneamento público.
Não é crível, ainda, que a população brasileira esteja a envelhecer. O que
se pode perceber são pessoas que conseguem chegar a uma idade mais
avançada, acima dos 60 anos, mas que não se constitui em uma regra no
Brasil, em particular no Nordeste. Contudo, tal constatação é alvissareira,
pois denota haver um processo de transformação em andamento e que, a
depender das iniciativas dos órgãos oficiais, isto pode passar a ser uma
constante na sociedade.
Para tanto, faz-se imperioso, conforme salientam Lima-Costa e Veras[3],
suplantar os desafios para a Saúde Pública, de acordo com a Organização
Mundial da Saúde (OMS),
[…] (a) como manter a independência e a vida ativa com o
envelhecimento?; (b) como fortalecer políticas de
prevenção e promoção da saúde, especialmente aquelas
voltadas para os idosos?; (c) como manter e/ou melhorar a
qualidade de vida com o envelhecimento?[4]




A FACULDADE DA TERCEIRA IDADE
Relatamos, então, a nossa experiência dentro de um projeto que, sem sombra
de dúvidas, desde quando seja ampliado para atender a segmentos da
sociedade cujos recursos são insuficientes para custear investimentos deste
porte, pode contribuir para a reinclusão social do/da idoso(a), além de
promover o resgate da autoestima e socialização dessas pessoas.
Em 2002, fomos convidados para dar aulas na Faculdade Livre da Terceira
Idade das Faculdades Integradas Olga Mettig. Ali iríamos ministrar a
disciplina Oficina de Jornalismo. O objetivo era dar uma visão do fazer
jornalístico em cada veículo de comunicação, explicar o funcionamento de
cada um, as técnicas de construção dos textos, as linguagens específicas de
cada mídia, as Teorias da Comunicação, enfim, instrumentalizar os/as
estudantes para que pudessem, a partir de então, analisar o discurso dos
meios de comunicação social e entender suas intenções e seus objetivos
explícitos e implícitos.
Na primeira aula, lá estávamos, sala cheia de homens e mulheres com idades
que variavam de 55 a 85 anos e até mais que isto. Tínhamos toda a atenção
de cada um deles. Seus semblantes denotavam a curiosidade diante do tema.
Falar-lhes do rádio – que muitos lembravam ainda das primeiras emissoras
que se instalaram na cidade, dos programas ao vivo, das radionovelas –, da
TV (que todos e todas viram nascer no Brasil e outros que viajaram ao
exterior nos anos 40, conheceram antes mesmo de chegar ao País), das
mudanças que alcançaram os jornais e revistas ao longo do século XX, da
Internet, era revisitar arquivos, suscitar memórias que grande parte
acreditava haver esquecido.
Naquele ambiente, a vida latejava. Envolvia-se e revolvia-se nas
lembranças, histórias que completavam a narrativa dos livros, das
pesquisas, dos estudos e do discurso do professor. Depoimentos completavam
as reticências da história, sobretudo do rádio e da televisão e revelavam
as mudanças que tais mídias promoveram na sociedade da época de seus
surgimentos.
O interesse revelado por aquelas pessoas era surpreendente. Tanto que, em
geral, o horário das aulas era ultrapassado, já não se limitavam às
técnicas do jornalismo e dos meios de comunicação, entrava por outras
searas, a exemplo da antropologia, sociologia, economia, política,
filosofia…
De nossa observação pudemos perceber que a idade não é realmente fator
impeditivo para o aprender a apreender, para criar novos laços de relações,
para idealizar novos projetos e construir sonhos.
Tanta euforia, tamanha demonstração de prazer pelo fato de participar da
vida, desapegadamente, independente da consciência da proximidade da morte,
leva-nos a uma reflexão: o problema não é envelhecer, mas como se envelhece
e de que forma se constrói o envelhecer. Não é preciso agir como os esquimó
que "conduziam os seus velhos pais para as planície geladas para serem
devorados pelos ursos"[5]. Os pais, avós, os anciões são úteis não só aos
seus grupos, famílias, mas às comunidades nas quais se inserem, pois são
portadores de referências, são arquivos documentais vivos que trazem as
experiências, as referências de atitudes e de posturas diante de fatos
aparentemente novos, mas que são repetições que ocorrem na espiral da
evolução da vida e da sociedade.
Faz-se necessário resgatar o valor social do idoso, a começar da promoção
da mudança de conceitos e preconceitos fincados no corpus social contra a
presença do idoso, a exemplo da visão formatada pelo avanço do capitalismo
de que o idoso é um elemento descartável[6], manifestado no comportamento
tudo que é velho joga-se fora.

CONSIDERAÇÕES
A experiência relatada acima nos remete à necessidade de mudança de
paradigmas quanto à questão da inclusão do idoso, como enfatizam Veras e
Caldas.
Fala-se de um paradigma pós-moderno, que reconheceria as
diferenças sociais e culturais, sem que haja uma ruptura
com o conhecimento moderno, científico, e sim a sua
superação, pelo reconhecimento das diferenças o que exclui
a idéia de hierarquia entre os desiguais, uma vez que é o
respeito às diferenças o que nos faz iguais.
Trata-se de um novo modelo, que tem como imperativos
éticos a participação e a solidariedade, articulados à
ciência e ao mundo da vida. De acordo com Serrano (2002),
este novo paradigma compreenderia um modelo de
desenvolvimento que leva em conta: a) a saúde como eixo
das políticas públicas; b) uma atitude de cuidado na
relação com a natureza; c) o compromisso com a
participação social de todos, compreendendo o empowerment
e a construção dos sujeitos-cidadãos; d) o resgate do
lazer; e) o resgate do espiritual; f) a inserção da
perspectiva da promoção da saúde como prioritária; e g) a
integração das diferentes práticas culturais[7].

No contexto capitalista, notadamente nos países em desenvolvimento, nos
quais o neoliberalismo se instalou com maior veemência, a exemplo do
Brasil, a tradição e a sabedoria dos anciãos perderam valor diante do
discurso da ciência. Esta, posta a serviço do capitalismo global, de acordo
com Veras e Caldas (op. cit.), enquanto produto e sustentáculo do
desenvolvimento da sociedade moderna, se por um lado produziu benefícios à
sociedade através do conhecimento científico, "por outro, […] silenciou
outras formas de saber"[8], como a dos idosos/idosas. É este direito que,
em nosso ver, precisa ser resgatado através do reconhecimento da cidadania
daqueles que operaram antes para que a sociedade possa gozar dos
privilégios aos quais hoje tem acesso. Dar voz e lugar ao ancião/anciã é,
antes de tudo, empoderar o ser humano, é intitular (SEN, 2000) aqueles que
construíram o que somos no presente.
Empoderar-se é permitir ao ser humano a posse plena de sua liberdade e o
exercício de sua capacidade de ser, de criar raízes. Simone Weil[9] vê isto
como direito fundamental da espécie que tem "uma raiz por sua participação
real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos
certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro". Empoderar-
se pode ser entendido como reassumir o seu caráter identitário, a
identidade, senão na sua essência radical, ao menos compreendida no aspecto
do deslocamento que a Pós-Modernidade tardia provocou no sujeito, conforme
Hall[10]. Ou ainda entendido como aquilo que Sen (2000) vai denominar como
a capacidade de se intitular.
Ter um passado é um direito humano que decorre de seu enraizamento, como
nos faz ver Ecléa Bosi (1994). E, por isso, é que quando falamos nos povos
primitivos, na verdade estamos nos referindo também a nós, pois, acentua a
autora, "há algo na disposição espacial que torna inteligível nossa posição
no mundo, nossa relação com outros seres, o valor do nosso trabalho, nossa
ligação com a natureza"[11]. Se esquadrinharmos pela janela do tempo
biocronológico, podemos nos adonar da certeza de que os idosos e as idosas
de hoje somos o nós de amanhã.

REFERÊNCIA
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3ª edição. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994: 451.
CANCLINI, Néstor Garcia. Latino-americanos à procura de um lugar neste
século. Tradução Sérgio Molinas. São Paulo: Iluminuras, 2008.
HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-Modernidade. Tradução Tomaz
Tadeu s Silva, Guaracira Lopes Louro. 3ª edição. Rio de Janeiro: DP&A,
1999.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura – um conceito antropológico. 20ª edição.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, p. 51.
LIMA-COSTA, Maria Fernanda; VERAS, Renato. Saúde pública e envelhecimento.
Caderno Saúde Pública vol. 19 nº 3. Rio de Janeiro, jun 2003.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira
Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
VERAS, Renato Peixoto; CALDAS, Célia Pereira. Promovendo a saúde e a
cidadania do idoso: o movimento das universidades da terceira idade.
Ciência e Saúde Coletiva vol. 9 nº 2. Rio de Janeiro, Abr/Jun 2004.

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[1] LIMA-COSTA, Maria Fernanda; VERAS, Renato. Saúde pública e
envelhecimento. Caderno Saúde Pública vol. 19 nº 3. Rio de
Janeiro, jun 2003.
[2] Idem, ibidem.
[3] Idem, ibidem.
[4] Idem, ibidem.
[5] LARAIA, Roque de Barros. Cultura – um conceito antropológico. 20ª
edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, p. 51.
[6] VERAS, Renato Peixoto; CALDAS, Célia Pereira. Promovendo a saúde e a
cidadania do idoso: o movimento das universidades da terceira idade.
Ciência e Saúde Coletiva vol. 9 nº 2. Rio de Janeiro, Abr/Jun 2004.
[7] Idem, ibidem.
[8] Idem, ibidem.
[9] Simone Weil apud Ecléa Bosi, in Memória e sociedade: lembranças de
velhos. 3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1994: 443.
[10] HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-Modernidade. Tradução Tomaz
Tadeu s Silva, Guaracira Lopes Louro. 3ª edição. Rio de Janeiro: DP&A,
1999.
[11] BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3ª edição. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 451.
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