Fala realizada em apresentação do artigo Fronteiras, Refugiados e a Comunidade Humana Internacional.

June 26, 2017 | Autor: Tiago Leão Monteiro | Categoria: Refugee Studies, Migration Studies, Migrações, Refugiados
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Fala realizada sobre o artigo Fronteiras, Refugiados e a Comunidade Humana Internacional no 5º Seminário Sociologia e Direito da UFF – outubro de 2015

Migrações não são novidade na história humana e continuamente estiveram na preocupação de governantes. Porém, a lente usada na observação do fenômeno sempre as observou como questão de segurança, ou seja, e para resumir, as deu caráter negativo. Ao migrante é aplicada presunção de encargo até que se prove o contrário – migrante qualificado. Criminalizar, militarizar, securitizar migrações é fácil. Nossa natureza humana tenta equilibrar constantemente empatia com individualismo. É claro que, se despertado, o instinto de sobrevivência prevalece. E, aquele que surge para defender essa sobrevivência (que pode ser do indivíduo, da cultura, da religião, etc.), tem mais chances de se empoderar. O medo é arma e securitizar fenômenos é uma forma de legitimar a ação acima da lei, ante a emergência da situação. Valorizamos a cidadania desde a Grécia Antiga, passando por Roma, Revolução Francesa, até os dias atuais de Green Card e União Europeia. Fazer de alguém cidadão o torna sujeito de direitos, e isso é ótimo, mas nossa alegria por estarmos incluídos no sistema nos faz esquecer daqueles que nele não estão. Mesmo dentro de uma sociedade formada por cidadãos, ou seja, sujeitos acobertados por uma gama de direitos, posição social é fator determinante na realização destes direitos. Chamamos de desenvolvidas as sociedades que garantem acesso mínimo e razoável para todos a estes direitos. Todos os cidadãos, sejamos claros. E àqueles que não se encaixam nos requisitos jurídicos de cidadania são oferecidas, em teoria, e em estados minimamente desenvolvidos, assistencialismo de sobrevida – abrigos, “sopão”, hospitais e polícia; polícia para reprimir tem para todo mundo que for marginalizado. Então, nesta oportunidade falarei de segurança, cidadania, fronteiras, migração, humanidade (como uma só imensa comunidade), soberania westfaliana e o Direito, que entra aqui em várias de suas formas: como ciência jurídica; como Lei (aplicada mediante aceitação, coação e imposição); como algo abstrato implícito naquilo que chamamos de justiça – que é complexo de estudar, já que justiça é um valor, e valores, nós sabemos, não são universais. Esta última conotação do Direito (não como Law, mas como right) é aquela em que o direito surge das lutas diárias, dos enclaves sociais, das vitórias e das derrotas de cada indivíduo em seu dia-a-dia. Peço licença aos positivistas jurídicos. Em minha experiência como voluntário na Cáritas RJ, vi o direito – como letra de lei – ser vazio como o vácuo, e vi as lutas de congoleses, sírios, ucranianos, colombianos, somalianos e afegãos criarem direitos. Não vi o direito ensinar português a quem só fala persa. Foi a Rocinha. Foi a padaria. Foi a rua. Foram os voluntários, que se identificam com um dever moral e não jurídico. Eu vi sírios trabalhando vendendo salgados na porta da igreja – não porque o direito lhes permitiu/garantiu, mas porque eles lutaram por aquele espaço. O instinto de sobrevivência do marginalizado é justo, é mais real, não é fabricado com discursos. Quando falamos em “lentes de securitização, falamos de discurso. O debate na academia é muito grande. O que é segurança? Ou melhor, o que é insegurança? É estar, ou ter um bem a que se deu importância, sob ameaça. Logo, falar em segurança é falar em “o que é ameaça?”. Aqui está a polêmica. Sigo os passos do Professor Kai Kenkel do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, que segue os passos da Escola de Copenhagen, que afirma, basicamente, que a ameaça é fruto de um discurso sobre um fenômeno em relação a um bem. Então, temos aqui, várias formas de se entender migrações:

migrante língua nacional; migrante cultura nacional; migrante religião; migrante valores liberais. O “versus” instiga a oposição entre um e outro, e a oposição cria o medo de uma ameaça e, consequentemente, a insegurança. Migrações apenas são vistas como questão de segurança por uma questão de linguística, de escolha de lentes de observação. Sugiro alterarmos nossas lentes para isso aqui: Humanos livres para fazerem suas escolhas Estados; Comunidade Humana Internacional Comunidade Internacional (abordagem realista/neorrealista estadocêntrica). Falo em igualdade entre humanos em oposição a nacionais/cidadãos. Não se trata mais de uma questão de aceitar ou não os fluxos migratórios. É uma questão de como lidar com eles. Já percebemos que empurrar para debaixo do tapete, ou expulsar, deportar (ou matar) quem não consideramos dignos de dividir um espaço conosco, não deu e nunca vai dar certo, além de não ser o certo. Parafraseando Charly kongo, não adianta tentar nos impedir. Nós fugimos pela nossa sobrevivência, por nossas vidas – peculiar é o ser humano precisar justificar que foge pela sobrevivência, como se meramente buscar uma vida digna não fosse o bastante - , e nossa vontade de chegar em terras seguras é 10 vezes maior que a vontade deles de nos segurar. O CONARE, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e responsável por decidir em solicitações de refúgio, informou à sociedade que em abril de 2015 havia 7.946 refugiados declarados pelo órgão e um total de 21 mil pessoas entre ainda solicitantes de refúgio e os já declarados. 2.753; 3.036; 2.872; 3.103; 4.400. Bingo!? Só se for da morte. O primeiro número é o de mortos no ataque às Torres Gêmeas em setembro de 2001 – EUA foram à guerra em resposta. Trouxe esse número para comparar com os próximos. O segundo é o número total de mortos em 2014 tentando atravessar o Mar Mediterrâneo em busca de um novo lar, fugindo de conflitos. O terceiro é o número de mortos em 2015 até o dia 22 de setembro, data em que terminei de escrever o artigo referente a esta apresentação. O quarto é o número atualizado à véspera desta fala (dia 14 de outubro). O último é o número total aproximado de mortes em travessias marítimas pelo mundo. O número de chegadas por mar na Europa em 2015, na data da conclusão do artigo, era aproximadamente de 606 mil pessoas. (Na data desta transcrição, 19/out, os número são de 3.138 mortos no Mediterrâneo e 623 mil chegadas – a rápida evolução impressiona) Admito que falar em inclusão social de refugiados no Brasil pressupõe algo muito maior, já que estamos longe demais de incluir o que já nascem aqui. De qualquer forma, por mais incompleto que possa soar, vou falar do papel do Direito na inclusão do refugiado/migrante na sociedade brasileira. Qualquer estudante de direito riu (pra não chorar) em suas primeiras aulas de direito constitucional. Nossa Constituição, nosso direito como letra de lei, parece uma viagem de LSD com ursinhos carinhosos. Mas isso não é exclusividade nossa. As constituições do Irã e Paquistão preveem tolerância às minorias religiosas, o que não ocorre no mundo real. Os refugiados e solicitantes de refúgio contam com diversos direitos, como de se beneficiar de nossos serviços públicos e de permissão ao trabalho. Podem requerer expedição de CPF e Carteira de Trabalho. Tudo conversa pra boi dormir. Alguém vai empregar um sírio que só fala árabe? Mesmo falando inglês há grandes dificuldades. Então, que “direito ao trabalho” é esse? Como dito mais cedo pelo professor Marcus Fabiano, é possível exercer o direito à liberdade de expressão sem saber ler? É possível às mulheres exercerem seu “direito ao trabalho” quando conseguem emprego – o que implica em superação de barreiras de língua, etnia, cor da pele, religião, distância, cultura, misoginia – e não

conseguem ter seus filhos aceitos em creches e colégios? Abrir conta em banco e ter diplomas reconhecidos também podem ser outras vias-crúcis para refugiados. Akmed (alterei o nome por segurança) é um afegão com anos de experiência trabalhando como técnico em fibra ótica em empresas canadenses e americanas em Cabul, e, por isso, foi perseguido pelo Talibã. Vai fazer um ano no Brasil, ainda não fala português porque trabalha (precisa trabalhar) no interior de uma padaria de 6h as 16h e sai de lá exausto. Segundo ele, é maltratado pelo patrão e não pode comparecer às aulas de português ministradas por voluntários da Cáritas às 11h. Os ditos migrantes econômicos irregulares são totalmente marginalizados, e essa marginalização implica na não-inserção não apenas social e econômica, mas também naquilo que o professor Marcus Fabiano Gonçalves chamou de “mutualismo de expectações”. Ou seja, a pessoa não possui capacidades para se portar “adequadamente” perante as normas de convívio social. Consequentemente, também terá dificuldades para aderir às normas legais. A retórica tautológica da política brasileira, de assistencialismo sem desenvolvimento de autonomia e de lançar o refugiado/migrante (ou se omitir à esta realidade) em um mundo que exige coexistência, reforça a heteronomia em uma sociedade que demanda autonomia. Não tem como dar certo. O trabalho, de preferência o mais digno possível, entra como peça-chave no desenvolvimento da autonomia conforme aqui tratada. Trabalho como fonte de renda, como sobrevida, como possibilitador de vida digna, como inserção social, como autoestima e, mais importante, como formação de identidade. Como base e finalidade de um ciclo. O Estado permite que refugiados e solicitantes trabalhem, mas rapidamente eles percebem que há uma falha no discurso. Há uma diferença grande entre trabalhar/exercer profissão e PODER trabalhar. De nada adianta a permissão do Estado ao trabalho para o refugiado se não lhe são providas determinadas condições para participar minimamente da alta concorrência do mercado de trabalho. O Direito, com D maiúsculo, tem importante papel no rompimento das fronteiras. O Direito atuante, que se materializa além das folhas de papel, auxilia no que Deleuze – e aqui, na verdade, sigo Haesbaert (UFF) ao tratar de território como um processo e não meramente como espaço físico – chama de reterritorialização, que, ao meu ver, nada mais é do que a tentativa de superação do migrante de alguma ou algumas das fronteiras invisíveis – às vezes a própria transposição de fronteiras políticas. Essa reterritorialização, como proponho, implica no que chamo de (re)criação de identidade, que se dá através de um processo auxiliado pelo direito e se destina a prover condições materiais para que a pessoa possa se devidamente postar e portar em uma sociedade, o que inclui a obediência ao direito. É um processo sem fim. Constante. O Direito é ferramenta e também é fim. Através do Direito, portanto, se buscaria as condições materiais mínimas (o chamado Mínimo Ético do Prof. Marcus Fabiano) para que o migrante possa ao menos identificar e compreender a si e a sociedade da qual passou a fazer parte. O mínimo ético seria uma espécie de financiamento da autonomia dos indivíduos e tem, como resultado, a gradual diminuição da atividade interventora estatal. Nas palavras do professor, o mínimo ético é o conjunto de medidas culturais e materiais a partir das quais se reverte, pela concretização e efetivação dos direitos humanos e fundamentais, o quadro da desigualdade social. Surge aqui um direito a uma identidade digna. Surge a adaptação à nova realidade, inclusive de expectatividade e cooperatividade (mutualidade).

Bom, vocês podem ver que estou me apropriando de alguns conceitos e trazendo-os para o mundo dos migrantes, em especial, como recorte de dissertação de mestrado e para este paper, dos refugiados. E sigo adiante. Eu falei sobre direitos criados pelas lutas cotidianas. Toda essa formação de capacidades mínimas, a recriação identitária, o processo de reterritorialização adequadamente feito... tudo isso, através do Direito, resulta na ampliação de direitos – e de sua eficácia. O Direito, então, não é apenas validade e eficácia... ele não apenas é fonte, mas também é resultado de lutas. A eficácia do direito, ou melhor, o alcance dos reais e honestos propósitos dos direitos e garantias fundamentais e dos direitos humanos depende da habilitação da pessoa como sujeito capaz de exercer práticas conviviais que incluem a obediência a regras de convívio morais e jurídicas, sendo essas capacidades pilares da construção da identidade do indivíduo, o que lhe permite se incluir na nova e diferente sociedade. Em 2015, não mais pode o Direito ser apenas instrumento de controle heterônomo de corpos, arma na mão de privilegiados para excluir a quem não se deseja proximidade. É preciso pensar a ciência jurídica como ferramenta ultraterritorial de mudança do mundo para melhor por via da distribuição de igualdade de condições ao desenvolvimento. Pensar assim é pensar em uma comunidade humana que ultrapassa barreiras e fronteiras e identifica como sujeitos de direitos todas as pessoas, não se deixando levar pelas práticas segregadoras do passado e presente, trazendo um viés humanitário e inclusivo ao Direito. Niterói, 15 de outubro de 2015 Tiago Leão C. Monteiro Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF

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