Família e misericórdia

June 5, 2017 | Autor: Moisés Sbardelotto | Categoria: Teologia, Teología, Familia, Papa Francisco, Ministerio Pastoral
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Família e misericórdia Prefiro uma família ferida, que tenta todos os dias conjugar o amor, a uma família e sociedade doentes pelo fechamento ou pela comodidade do medo de amar, papa Francisco Moisés Sbardelotto *

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este Ano Jubilar Extraordinário, a relação família e misericórdia ganha novos contornos. Em um jubileu que se segue ao duplo Sínodo sobre a Família, ambos convocados pelo papa Francisco, essa relação é cada vez mais reforçada em diversos âmbitos da vida da Igreja, especialmente agora com o documento pós-sinodal que o pontífice publica nestes dias. Neste período, recolhendo os frutos dos dois Sínodos sobre a Família, o convite de Francisco é o de olhar para a família cada vez mais a partir da perspectiva da misericórdia, que é precisamente “o caminho que une Deus e o ser humano, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado”, como ele já dizia na bula de convocação do Jubileu (Misericordiae Vultus, n0 2). Agora, o documento pós-sinodal de Francisco retoma os trabalhos realizados em outubro de 2014 e de 2015, nos quais o próprio papa esteve presente, convidando os padres sinodais a

participarem com “coragem apostólica”, “humildade evangélica” e “oração confiante”. O novo documento de Francisco também nasce das contribuições dos padres sinodais, entregues ao papa por meio do Relatório Final do Sínodo, em que se reitera a importância da misericórdia na vida da Igreja e das famílias. O texto sinodal entende a misericórdia como o “centro da revelação de Jesus Cristo” e afirma que todas as famílias necessitam dela, “a começar por aquelas que mais sofrem” (n0 55). No relatório, os bispos também abordam diversas situações de sofrimento e dificuldade da vida familiar a partir da perspectiva da misericórdia. Eles afirmam: “Com o coração misericordioso de Jesus, a Igreja deve acompanhar os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e confuso, restituindo confiança e esperança, como a luz do farol de um porto ou de uma tocha levada ao meio do povo para iluminar aqueles que perderam a rota ou que se encontram no meio da

tempestade” (n0 55). São imagens que fortalecem a busca por uma possível saída aos tantos desafios pastorais que a Igreja enfrenta no que diz respeito às famílias. E o próprio relatório já os listava: a terceira idade, a viuvez, a última fase da vida e o luto em família, as pessoas com necessidades especiais, as pessoas não casadas, os migrantes, refugiados e perseguidos, as crianças e os jovens, as convivências, as famílias monoparentais. É no contexto da misericórdia que os padres sinodais também falam da experiência do fracasso matrimonial: “O próprio fracasso pode se tornar ocasião de reflexão, de conversão e de confiança em Deus: tomando consciência das próprias responsabilidades, cada um pode voltar a encontrar confiança e esperança nele. ‘Do coração da Trindade, do íntimo mais profundo do mistério de Deus, brota e flui incessantemente a grande torrente da misericórdia. Essa fonte nunca poderá se esgotar, por maior que seja o número daqueles que dela se aproximam. Sempre que alguém

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“Com o coração misericordioso de Jesus, a Igreja deve acompanhar os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e confuso, restituindo confiança e esperança” tiver necessidade poderá aceder a ela, porque a misericórdia de Deus não tem fim’” (n0 79). Em relação à situação dos divorciados em segunda união, os padres sinodais afirmam ainda que “uma reflexão sincera (sobre a situação de tais casais) pode fortalecer a confiança na misericórdia de Deus, que a ninguém deve ser rejeitada” (n0 85). E o pontífice, em março passado, aos participantes do curso promovido pelo Tribunal da Rota Romana (o “Supremo Tribunal” da Igreja Católica), também disse: “A Igreja é mãe e quer mostrar a todos o rosto de Deus fiel ao seu amor, misericordioso e sempre capaz de dar novamente força e esperança. O que mais trazemos no coração em relação aos separados que vivem uma nova união é a sua participação na comunidade eclesial. Mas, enquanto cuidamos das feridas daqueles que requerem a verificação da verdade sobre o seu matrimônio fracassado, olhamos com admiração para aqueles que, mesmo em condições difíceis, permanecem fiéis ao vínculo sacramental. Essas testemunhas da fidelidade matrimonial devem ser encorajadas e apontadas como exemplos a se imitar”. Abrir as portas – A partir dos debates sinodais, todas as famílias e a Igreja inteira receberam um grande encorajamento “a abrir as suas portas,

para sair com o Senhor ao encontro dos filhos e das filhas em caminho, às vezes incertos, às vezes perdidos, nestes tempos difíceis”, como disse o papa em novembro de 2015, poucas semanas depois do Sínodo, em uma Audiência Geral na Praça de São Pedro. “As famílias cristãs, em particular” – continuou o pontífice – “foram encorajadas a abrir a porta ao Senhor que espera para entrar, trazendo a sua bênção e a sua amizade. (...) A Santa Família de Nazaré sabe bem o que significa uma porta aberta ou fechada para quem espera um filho, para quem não tem um abrigo, para quem deve fugir do perigo.” A experiência da misericórdia, portanto, especialmente em um Ano Jubilar a ela dedicado, pode começar ainda em casa: seja abrindo as portas para que cada pessoa saia ao encontro do cônjuge, do filho ou do irmão em necessidade para ajudá-los no caminho; seja para deixar que o Senhor entre e cure as feridas e divisões que possam existir no âmbito familiar. Pois viver em família nem sempre é fácil, e muitas vezes é até doloroso: “Mas acredito que se pode aplicar à família o que mais de uma vez me referi à Igreja: prefiro uma família ferida, que tenta todos os dias conjugar o amor, a uma família e sociedade doentes pelo fechamento ou pela comodidade do medo de amar. Prefiro

uma família que, uma vez e outra, tenta voltar a começar a uma família e sociedade narcisistas e obcecadas pelo luxo e pelo conforto”, afirmou Francisco às famílias do México, em sua viagem de fevereiro de 2016. O Ano Jubilar, que agora já chega ao seu quarto mês, explicita que somente uma Igreja misericordiosa pode gerar e incentivar casais que se amam e vivem em misericórdia, e que, por sua vez, podem gerar famílias e sociedades misericordiosas. A misericórdia, em suma, é expressão concreta daquilo que cada um de nós pode experimentar nos laços familiares. Segundo o papa Francisco, “a misericórdia de Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta, pela qual ele revela o seu amor como o de um pai e de uma mãe que se comovem pelo próprio filho até ao mais íntimo das suas vísceras” (Misericordiae Vultus, n0 6). Esse amor “visceral”, como chama o pontífice, é feito de ternura e compaixão, indulgência e perdão. Ele vem de Deus, mas cada pessoa é chamada a pôr em prática, a começar pela própria família, “primeira célula vital da sociedade”. * Moisés Sbardelotto é jornalista, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, e La Sapienza, em Roma. É também autor de E o Verbo se Fez Bit (Editora Santuário).

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