Fast-Fashion: uma inovação de processo para moda brasileira

June 15, 2017 | Autor: Roberta Mattos | Categoria: Fast Fashion, Process Innovation, Brazilian Fashion
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Descrição do Produto

FACULDADE FIA DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS Fundação Instituto de Administração

Roberta Souza de Mattos MPGN-2

FASTFASHION: UMA INOVAÇÃO DE PROCESSO PARA A MODA BRASILEIRA

São Paulo Setembro 2015

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INTRODUÇÃO O varejo de moda, assim como o varejo em geral, é um segmento muito fragmentado e concorrido, no qual milhares de competidores procuram se destacar perante o consumidor, que por sua vez está cada vez mais bem informado em tempo real, observa e julga as empresas com critérios cada vez menos objetivos. É um setor influenciado por valores imateriais, emotivos e também pela relação custo X benefício de cada produto ou serviço, de forma a exigir das empresas inovação constante em suas ofertas para terem condições de competitividade e geração de valor aos consumidores. Nos últimos anos as maiores redes varejistas de moda mundiais decidiram inovar seus processos de produção e/ou de compras e adotar o fast-fashion: um sistema de complexo de suprimento que envolve toda cadeia de valor de uma empresa de moda, desde a criação/planejamento do produto até a chegada do mesmo no ponto de venda. O modelo fast-fashion visa reduzir os tempos de preparação (lead time) entre uma coleção e outra para fomentar o dinamismo e a compra por impulso nas lojas, e ainda reduzir estoques. O fast-fashion é uma tendência mundial do varejo de moda que exige um sistema logístico verticalmente integrado às demais etapas da cadeia produtiva. O modelo, nascido na Itália, teve como precursora a marca Benetton, que em 1995 contava com aproximadamente 8 mil lojas em 110 países. Contudo, o ícone do fast-fashion hoje no mundo é a rede espanhola Zara, caso de sucesso tanto pelo processo rápido de abastecimento das lojas quanto pela gestão da sua cadeia produtiva/logística, o que refletiu em intenso crescimento das suas operações no mundo todo, seja em número de lojas, seja em faturamento, e é exemplo de estratégia de sucesso para muitas empresas de moda. Tecnicamente, o modelo de “moda rápida” traduz-se como uma inovação de processo e mercadológica, que exige uma cadeia de inovação bem integrada, e promove uma ruptura nos modelos de negócio tradicionais. É de processo, quando promove uma estratégia de suprimento que maximiza a variedade de artigos ofertados com redução da quantidade exposta nas lojas (compra/produção em menores lotes). E, mercadológica uma vez que o sistema prioriza artigos com maior apelo de moda (design) e maior velocidade de reposição no ponto de venda com respostas rápidas à demanda, fortalecendo assim a presença de mercado da marca. O intuito é capturar as últimas tendências desejadas pelos clientes, reduzir estoques com rotatividade lenta e atender a uma expectativa de demanda já

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previamente testada. O modelo representa uma revolução para as empresas de moda tradicionais no mercado mundial. Cietta (2010, p. 24), economista italiano dedicado a pesquisar o mundo da moda, e grande referência quando se fala em fast-fashion, afirma: “fatores contextuais ajudaram a moda rápida a se firmar: a evolução dos canais de distribuição que serviam aos prontistas tradicionais, assim como as mudanças nas modalidades de consumo, levaram as empresas a procurarem fórmulas competitivas diversificadas que lhes permitiram ter sucesso.”

No Brasil, as grandes redes varejistas de moda, C&A e Riachuelo, concorrentes entre si, buscam seu fortalecimento e consolidação no mercado através do processo de moda rápida, e inovam também firmando alianças estratégicas com outras empresas/marcas do segmento em busca de ganhos de competitividade e visibilidade pelo público consumidor. A adoção do processo fast-fashion não se limita às empresas de vestuário. A rede de franquias ChilliBeans, assim como outras redes de óticas, também inovam seus processos mercadológicos com o fast-fashion como forma de ofertar óculos com design diferenciado, assinados por artistas famosos, estilistas de destaque, com um apelo de “luxo acessível”, através de facilidades na forma de pagamento ao consumidor. Tanto para as empresas de vestuário como de acessórios o valor emocional intangível na relação de compra e no comportamento do consumidor é grande. Segundo De Angelo (2012), o processo de inovação no varejo leva em consideração os comportamentos dos consumidores e tendências sociais e tecnológicas que levam a alterações constantes nas preferências dos mercados, o que demanda escolhas estratégicas quanto às inovações a serem adotadas. De Angelo (2012) afirma: “Os consumidores estão cada vez menos leais aos padrões tradicionais de consumo, fato que impacta canais de venda, produtos e marcas. As pessoas buscam produtos com novas funcionalidades e diferenciações, em contrapartida, as empresas se vêem com necessidades constantes de inovar para permanecerem competitivas nos mercados que atuam.” Tidd apud Schumpeter (2008, p. 27), fala de um processo de “destruição criativa”, em que há uma constante busca pela criação de algo novo que simultaneamente destrói velhas regras e estabelece novas; tudo orientado pela busca de novas fontes de lucratividade. Dessa forma, inovar no varejo aparece como um pré-requisito estratégico fundamental, dado o dinamismo do setor, por essência. É uma decisão econômica, de necessidade constante e que objetiva a sustentabilidade das empresas atuantes através do estabelecimento

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de novas fontes ou formas de lucratividade, principalmente em momentos de retração econômica. Inserido nesse contexto, o varejo de moda, extremamente competitivo, necessita de muita atenção e sensibilidade às mudanças no perfil de consumo do público e às alternâncias de preferências, estilos e gostos, que mudam de acordo com tendências momentâneas, e que por isso precisa fazer uso de inovações frequentes para gerar ganhos de competitividade pelas empresas. Este trabalho é de cunho descritivo, e foi desenvolvido via levantamento próprio da autora, com base em referências bibliográficas descritas na referida seção, e também, com base dados secundários de trabalhos anteriores não publicados.

OBJETIVOS O presente estudo tem por objetivo geral identificar os motivos pelos quais empresas bem estabelecidas e líderes de mercado como C&A, Riachuelo e ChilliBeans investem no modelo de negócio fast-fashion como forma de acessar seus consumidores, e ainda buscam agregar valor e aumentar suas vantagens competitivas estabelecendo alianças estratégicas de curto prazo. Como objetivos específicos o trabalho propõe discorrer: - Sobre as vantagens e desvantagens para as empresas que apostam no formato fastfashion para competir, e o qual o custo que elas assumem para inovar continuamente; - Acerca da influência do consumidor, cada vez com maior poder, ditando regras e invertendo todo o processo de planejamento dessas empresas. REVISÃO DA LITERATURA Para embasar a discussão sobre o tema e melhor descrever a situação proposta, este estudo aborda o funcionamento do sistema fast-fashion em si, a gestão de inovação contínua que ele necessita e das alianças estratégicas envolvidas no contexto. O sistema fast-fashion estabelece-se, basicamente, como uma inovação incremental de processo no âmbito do planejamento/design de uma coleção de moda, produção/compra, distribuição e venda, com cadeia verticalmente integrada. As empresas bem sucedidas nesse modelo incluíram a natureza híbrida do produto como objeto de seus negócios. Cada vez mais, o valor dos artigos se constrói combinando

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elementos da cadeia de produção imaterial (criatividade, distribuição, comunicação, marketing) com aqueles da produção industrial (CIETTA, 2010, p. 24). Cietta (2010) define a natureza híbrida dos produtos de moda como sendo artigos que combinam características industriais com forte conteúdo de sentidos e significados culturais (imateriais), o que eleva o risco da oferta de produtos de moda pelas empresas. Segundo Cachon e Swinney (2011), para inovar no modelo fast-fashion, na prática, a empresa deve combinar no mínimo dois componentes em suas atividades internas, do ponto de vista operacional, para entregar valor significante aos consumidores, os quais são: - tempos de preparação, produção e distribuição da coleção reduzidos, de forma que permita uma combinação ajustada do suprimento da mercadoria com a demanda, que por sua vez é incerta. É o que eles chamam de técnicas de “reação rápida” (quick response); - produtos diferenciados com alto apelo de moda, que comuniquem as tendências do momento desejadas pelos consumidores (enhanced design).

Para Cietta (2010), no fast-fashion as tendências de moda são selecionadas de maneira que minimizem nas coleções os produtos difíceis de vender, reduzindo os estoques restantes ao final das temporadas, e com isso reduzindo a necessidade pelas remarcações nos preços. O mix de produtos é modificado e corrigido em um processo de refinamento contínuo ao longo da estação. Partindo dessa premissa, para que tudo ocorra dentro do planejado, é essencial entender o que o cliente deseja e, então, ofertar o artigo adequado. O consumidor é envolvido no processo de criação, já que a coleção é elaborada a partir do produto já aceito (ou não) por ele no primeiro lote, com reposição (ou não), para períodos curtos, dos artigos que foram bem aceitos. É um sistema definido pelo comprador (“buyer-driven”), o que representa grande desafio logístico, estratégico, e de gestão operacional. Oportunamente, também se faz necessário o esclarecimento do termo inovação de forma abrangente. Segundo Tidd et al (2008, p. 30), inovação se refere à mudança, e esta pode assumir quatro categorias, que são: - Inovação de produto – mudanças nos produtos/serviços que uma empresa oferece; - Inovação de processo – mudanças na forma em que produtos/serviços são entregues; - Inovação de posição – mudanças no contexto em que produtos/serviços são introduzidos; - Inovação de paradigma – mudanças nos modelos mentais que guiam o que a empresa faz. Nesse sentido, o modelo fast-fashion se estabelece como uma inovação de processo (criação, compra/produção, distribuição e venda) e também de paradigma, no qual produz

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uma ruptura na forma com que os consumidores avaliam, julgam, compram e usam os produtos, provocando mudanças no valor percebido dos mesmos e nas atividades internas dentro das empresas. Tidd et al (2008) afirma que existe uma segunda dimensão da inovação, que tem a ver com o grau de novidade envolvido no produto/serviço ou processo. E, com isso, surgem dois novos conceitos definidos pelo autor: o de inovação radical e o de inovação incremental. A inovação radical contempla algo totalmente novo para o mundo, que represente uma descontinuidade dentro de um contexto real, que vá além do ambiente corporativo. Por exemplo, a invenção da energia a vapor, a revolução da tecnologia da informação, entre outros. São inovações que provocam alterações estruturais na forma de viver da sociedade, sem precedentes e sem volta ao estado anterior. Já a inovação incremental, de acordo com Tidd (2008), consiste em uma nova maneira de fazer melhor aquilo que a empresa já faz. Ou seja, envolve “novas formas de servir a mercados já estabelecidos e maduros” (TIDD, et al, 2008, p. 23). É o caso da inovação de processo, a qual foca na otimização das atividades operacionais para ganhos de produtividade e vantagem competitiva. O cenário corporativo está mudando gradativamente em favor daquelas organizações que conseguem aliar o conhecimento com a tecnologia, e com a criação de novos produtos/serviços e também nas formas como criam, lançam essas ofertas ao mercado e avaliam o nível de aceitação do mesmo. [...] Alternâncias no campo sócio-econômico (naquilo que as pessoas acreditam, esperam e querem) criam oportunidades e também restrições (TIDD et al, 2008, p. 25). A figura 1 abaixo retrata bem o alinhamento entre as áreas de uma organização e a inovação, embasado pela área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) como alicerce que sustenta a criação bem sucedida. Estratégia Corporativa

Gerenciamento da Estratégia Tecnológica

Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) estratégicos

Formatar a P&D

Integrar P&D com a estratégia corporativa

Monitorar a P&D (métricas da inovação)

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Figura 1: Relação da gestão estratégica de P&D e tecnologia com a estratégia corporativa Fonte: adaptado de Canova, T (2015)

Por conseguinte, faz-se necessário ainda apresentar o conceito de alianças ou parcerias estratégicas que compõem o objetivo geral deste estudo. Segundo Bruno e Vasconcellos (2003), alianças estratégicas são parcerias estabelecidas por empresas para que trabalhem em conjunto, visando objetivos em comum. As alianças, de acordo com os autores, devem ser estabelecidas de forma bem planejada e não improvisada, com o intuito de conciliar o que cada empresa espera de resultados, em qual prazo, de que forma e por quais dimensões. De acordo com os referidos autores, existem quatro dimensões para as empresas que firmam alianças estratégicas compreenderem e monitorarem mutuamente, as quais são: - dimensão institucional – envolve o respeito mútuo, compromisso com a excelência, convergência de objetivos e a identificação/alinhamento de interlocutores; - dimensão organizacional – contempla a tolerância com as diferenças culturais, a habilidade de dialogar, a ética, honestidade e transparência nas relações e na boa comunicação corporativa; - dimensão da execução – preza por uma definição clara das agendas de ambos, definição do escopo dos projetos a serem executados, a flexibilidade dos contratos, e as competências compatíveis entre os parceiros; - dimensão da criação de valor – envolve o nível de domínio da aplicação do conhecimento, os benefícios econômicos auferidos e os benefícios organizacionais. Na seção de análises deste estudo far-se-á um comparativo entre essas dimensões, e serão mencionados exemplos de como elas são estabelecidas na prática, no âmbito do varejo de moda brasileiro, na forma de alianças estratégicas. É importante ressaltar, ainda, que a decisão de inovar traz consigo uma série de riscos [...]. Cabe analisar esses riscos que podem ser estratégicos, técnicos, financeiros, operacionais e comerciais. Dentre esses, os riscos estratégicos e comerciais são os que apresentam o maior peso e trazem as maiores conseqüências caso as empresas falhem na execução das atividades (DE ANGELO et al, 2012, p. 63). Existem vários tipos de parcerias entre as empresas. Para fins deste trabalho vale esclarecer sobre a modalidade das alianças estratégicas diferenciando-as de uma joint

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venture. Tidd (2008) afirma que alianças estratégicas constituem-se, normalmente, de um acordo entre duas ou mais empresas que decidem cooperar para o desenvolvimento de uma nova tecnologia ou produto/serviço. “[...] alianças estratégicas envolvem projetos de desenvolvimento visando mercados próximos. Entretanto, ao contrário das joint ventures mais formais, a aliança estratégica tem um objetivo específico e um calendário, e normalmente não toma a forma de uma companhia separada (TIDD, 2008, p. 323). No caso de uma joint venture, essa se caracteriza ou pela criação de uma nova empresa formada por duas ou mais companhias, que alocam a propriedade a partir do controle acionário; ou por uma base contratual mais simples voltada à colaboração. Dentro dessas duas opções a gestão é delegada a joint venture (Tidd, 2008). A literatura concebe, em geral, o formato de aliança estratégica com algumas características: o prazo de duração é flexível (ajustável conforme necessidade); as maiores vantagens estão no acesso ao mercado e no baixo comprometimento entre as empresas (contratual); e as desvantagens mais latentes estão em uma possível imobilização e no vazamento de conhecimento, de informações confidenciais internas. A realidade do mercado de moda fast-fashion, por enquanto, apresenta apenas a formação de alianças estratégicas, de curto prazo, com calendário pré-definido para começar, porém o término de fato é flexível pois depende do nível de estoque a ser comercializado. Tidd (2008, p. 57) completa: “embora a inovação seja cada vez mais vista como uma importante maneira de assegurar vantagem competitiva e uma maneira de defender posições estratégicas, o sucesso não é sempre garantido.” Os riscos, as vantagens e desvantagens da inovação dentro do contexto de alianças estratégicas para o varejo de moda fast-fashion será discutido na seção de análises.

DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO Tidd (2008) cita como exemplo se sucesso o caso da varejista de moda Zara, cuja filosofia é ofertar produtos de moda desenvolvendo uma relação entre design, fabricação e venda. A rede de distribuição e lojas da Zara fornecem feedbacks contínuos com informações sobre as vendas nas lojas, sobre quais tendências de moda estão sendo bem aceitas (falando no artigo propriamente dito), e essa “resposta” é então usada para criar novos designs/produtos. É, de fato, a empresa-ícone da “moda rápida” no mundo.

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A Zara não propaga o estabelecimento de alianças estratégicas em nenhum país que atua, nem mesmo utiliza práticas agressivas de marketing e publicidade. O seu sucesso é intrínseco ao perfeito planejamento, gestão e execução dos processos criativos (design das peças ofertadas) e logísticos, com velocidade de compra e distribuição para o freqüente reabastecimento das lojas, dentro das tendências almejadas pelos consumidores. Dentro da realidade da moda brasileira, apresenta-se aqui como exemplo de destaque no cenário varejista as empresas C&A, Riachuelo e Chilli Beans. No caso da C&A, empresa precursora da inovação fast-fashion e de alianças estratégicas no Brasil, a qual já trabalha há alguns anos com parceiras de curtíssimo prazo com grifes nacionais e internacionais colocando em seu mix de produtos ofertados peças exclusivas (com número limitado) desenhadas/criadas por outras marcas de ampla visibilidade e aceitação de público. Essas peças levam a etiqueta das boutiques e/ou estilistas criadoras do design. Nos últimos dois anos, por exemplo, foram lançadas as “collections” com a assinatura (e etiqueta) da Maria Filó, Espaço Fashion, Isabela Capeto, Ricardo Almeida, Santa Lolla, NK, entre outras. E também firmaram parcerias com celebridades da moda internacional como Gisele Bundchen, Stella McCartney, que assinam as peças com o nome delas. A rede Riachuelo seguiu o mesmo conceito de parcerias estratégicas para o fastfashion e lançou uma mini-coleção assinada pela estilista italiana Donatella Versace em 2014, e agora em 2015 com a estilista Lethicia Bronstein, a qual cria peças para atender a artistas, modelos e empresárias da classe A. Contudo, veremos na seção dedicada às análises que nem todo exemplo de parceria estratégica é sinônimo de sucesso. A ChilliBeans, marca de óculos nacional, e a quarta rede mais internacionalizada do setor de franquias no Brasil, segue a mesma tendência em ampliar sua visibilidade de marca, atraindo público jovem antenado, que deseja comprar design diferenciado, mas precisa de preços e condições de pagamento mais acessíveis. Recentemente, a empresa, que propaga um life style próprio na sua identidade de marca, lançou peças exclusivas assinadas pelo estilista Alexandre Herchcovitch, peças com detalhes de cristais Swarovski, e peças com os nomes dos músicos Lenny Kravitz e Rita Lee. O público-alvo consumidor das três empresas mencionadas é, em geral, das classes B/C e D. São pessoas que se não fosse pela facilidade de pagamento, preços diferenciados e acessibilidade das lojas não teriam condições financeiras de adquirir produtos que levam a

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marca dessas grifes ou desses estilistas, ainda que tais artigos com uma diferente “assinatura” tenham preços mais elevados que a média de tais redes varejistas. De Jong e Van Dijk (McKinsey, 2015) publicaram uma pesquisa sobre crenças disruptivas/transformadoras dentro de uma nova abordagem para a inovação em negócios já estabelecidos e revelam os meios que provocam mudanças na forma como as empresas acreditam agregar valor. Os autores argumentam que, em uma era de revoluções, modelos de negócio rígidos estão sob ataque, e mostram como companhias concorrentes podem reformar esses modelos. Dentre esses meios de “reforma” mencionados pelos referidos autores, destaca-se que as empresas devem: - traçar qual o modelo de negócio dominante na própria indústria, e quais são as crenças centrais de longo prazo que criam valor; - transformar uma crença fundamental estabelecida na mente da indústria inteira, provocando uma revolução nos paradigmas até então conhecidos. Nesse contexto, De Jong e Van Dijk (2015) citam o exemplo da rede varejista americana Target ao formular uma nova hipótese: “e se as pessoas que compram em lojas de desconto pagassem mais por produtos com design diferenciado?” Essa reflexão é bem apropriada para a descrição da situação objeto deste estudo, no qual abordam-se conceitos, causas e efeitos de uma prática revolucionária no varejo de moda que é o fast-fashion, agregado com a criação de alianças estratégicas para impulsionar a geração de valor superior, através do aprimoramento das práticas de P&D e elevar a competitividade das empresas. Tidd (2008) elenca os motivos que fazem as empresas “colaborarem” entre si ao firmarem alianças estratégicas e quais os objetivos práticos almejados por elas, os quais são: - Para reduzir o custo tecnológico ou de entrada no mercado; - Para reduzir o risco de desenvolvimento (de produtos) ou de entrada no mercado; - Para alcançar economias de escala; - Para reduzir o tempo gasto para desenvolver e comercializar novos produtos; - Para promover aprendizagem compartilhada. Para fins desse trabalho, considera-se a realidade do varejo fast-fashion no Brasil com os exemplos das empresas C&A, Riachuelo e ChilliBeans, e, destaca-se entre os motivos para o estabelecimento de alianças estratégicas: - Reduzir o risco de desenvolvimento de produtos e conquistar uma fatia de mercado não atingida antes. Pela ótica de uma grande rede varejista, popular, que precisa inovar sempre com novos e atraentes artigos no ponto de venda (para ser competitiva), é muito

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positivo ter peças diferenciadas (design) desenvolvidas por um estilista renomado ou por lojas que tradicionalmente atendem ao público A e ainda contar com a etiqueta deles nas roupas/acessórios. Mesmo que os preços unitários das peças sejam mais elevados que a média da rede para outros artigos sem uma “assinatura”, o consumidor que aspirava ter um produto de grife, com melhor corte/acabamento/qualidade, e pouca quantidade ofertada de cada modelo (o que atende à exigência por exclusividade), vê na parceria uma boa oportunidade de consumo; - Alcançar economias de escala, uma vez que as redes varejistas precisam de grande volume vendido para elevar sua lucratividade (as margens por unidade no varejo são pequenas). E peças ofertadas com uma “assinatura” diferente da habitual tendem a atrair mais o consumo aspiracional. O mesmo vale para as boutiques menores que selam a parceria também visando ganhos de escala, que não têm sozinhas dentro de suas lojas próprias; - Reduzir o tempo gasto para desenvolver (criar design) e comercializar novos produtos – sim, pois a inovação criativa que envolve a pesquisa de tendências, de modelagens diferenciadas, acabamentos e tecidos ficam com o parceiro que domina mais esse conhecimento (as lojas menores, os estilistas). - Promover aprendizagem compartilhada – para os dois lados da parceria. Uma grande rede como a C&A ensina sobre operação de loja, gestão de grandes estoques, exposição de peças de forma profissionalizada, técnica e comercial (visual merchandising), sobre publicidade de massa, entre outros. Enquanto que a marca mais elitizada ganha ampla visibilidade de mercado para seu nome, passa a atingir um público muito maior, adquire novas competências organizacionais (expertise de varejo), ganha em relações de negociação com fornecedores, e ensina sobre como atender e quais os diferenciais de um público mais exigente e de maior poder aquisitivo. Tidd (2008) contribui com o estabelecimento de razões pelas quais as alianças estratégicas transitórias têm ganhado espaço e a preferência das empresas que buscam formas de co-operação (em comparação com as joint ventures). As principais razões pertinentes a esse estudo são: - a rapidez das alianças transitórias - rapidez de resposta, de aprendizagem e tempo de espera/retorno do mercado consumidor – o que em segmentos muito dinâmicos como o varejo e em circunstâncias turbulentas de mercado é muito bem vindo;

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- comprometimento – alinhamento de objetivos versus confiança – a natureza transitória das relações torna mais difícil o comprometimento e a confiança, dando mais espaço para o alinhamento de objetivos e metas em comum; - objetivo – para que não haja a necessidade de uma gestão de relações mais complexa entre os parceiros, as interações/relações são reduzidas, concentrando-se mais em tarefas. Assim, percebe-se que a realidade do modelo fast-fashion, com seus riscos logísticos e de gestão, executado em conjunto com parceiros estratégicos, pode acarretar muitos benefícios e, também, muitas desvantagens para as duas empresas que decidem cooperar.

ANÁLISE E COMENTÁRIOS

“Quase todas as inovações exigem algum tipo de arranjo cooperativo para seu desenvolvimento ou comercialização, mas o índice de insucesso dessas alianças permanece alto (TIDD, 2008, p. 305).” Quais os fatores empresariais e gerenciais afetam o sucesso de uma aliança? Como pode uma empresa explorar de forma bem-sucedida alianças para adquirir novas competências tecnológicas e de mercado? Existem inúmeros e grandes desafios para as empresas de moda serem bem sucedidas sustentavelmente na operação do sistema fast-fashion, e mais ainda em uma aliança estratégica com outra empresa do mesmo segmento. É preciso ter em mente que há sempre um grande índice de incerteza na inovação, composto de fatores técnicos, mercadológicos, sociais, políticos, estratégicos, conflitos de agenda entre parceiros, valor das marcas, entre outros, resultando em prováveis insucessos, a menos que o processo seja cuidadosamente gerenciado (TIDD et al, 2008). A análise específica das empresas objeto deste trabalho leva a uma interpretação de sucesso. Segundo executivos da C&A o ritmo de venda das mini-coleções, ofertadas em parcerias estratégicas com outras marcas/estilistas, chega a ser 50% mais rápido do que o das tradicionais, favorecendo o giro de estoque e a geração de caixa para as empresas. No caso da coleção Stella McCartney para C&A, por exemplo, alguns dos 50 modelos criados se esgotaram em poucas horas em determinadas lojas do país. Contudo, o investimento total em ações como essas é 40% maior quando comparado ao processo tradicional de suprimento de produtos de moda, dada a necessidade extrema por velocidade no processo logístico, o qual envolve riscos intrínsecos à realidade brasileira para

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conseguir abastecer ao mesmo tempo lojas em todas as regiões do país, e assim atender ao “timing” da campanha publicitária envolvida nessas alianças de maior peso estratégico. Com relação à ChilliBeans, as coleções de óculos inspiradas em temas específicos para jovens e em parcerias com a Swarovski, por exemplo, obtiverem relatos de sucesso no mercado, e, consequentemente, resultados positivos nas vendas. Assim, pode-se afirmar que tanto para C&A quanto para ChilliBeans o objetivo de geração de valor e ganhos de competitividade, nesses casos, foram alcançados, com bom proveito das vantagens que uma aliança estratégica bem gerida pode oferecer aos parceiros. Dentro de uma aliança estratégica para o varejo de moda, o correto planejamento das peças a serem vendidas (estilo, preço, quantidade) se torna essencial para o sucesso ou insucesso da parceria. Eis aí um ponto que merece atenção e destaque, pois envolve grandes riscos para a aliança, caso não seja adequadamente planejada, gerida e monitorada. Foi o que ocorreu com a coleção assinada por Donatella Versace para a Riachuelo, lançada em novembro de 2014. As peças ofertadas não agradaram ao público consumidor da Riachuelo quanto ao estilo, modelagens, e principalmente ao preço. Há casos de vestidos que custavam R$379,90 que ficaram parados no estoque e foram remarcados em 2015 para R$29,90. Camisas de R$229,90 também precisaram ser fortemente remarcadas. As peças criadas para serem vendidas no Brasil, dentro de uma rede popular como a Riachuelo, não tinham o perfil de consumo da mulher brasileira da classe C. E os preços cobrados, muito acima da média de preços da rede, não eram exatamente para esse nicho de consumidor. Há vários relatos negativos de consumidores nas redes sociais com relação ao design das peças e ao preço cobrado. Esta situação real serve como exemplo de uma leitura prévia incorreta a respeito da realidade de consumo das classes C/D no Brasil, e também exemplo da criação de uma super expectativa por excesso de confiança no poder do nome internacional do parceiro (no caso específico da Riachuelo), sem avaliar adequadamente a diferença entre o consumo ascencional possível e o inacessível para o público consumidor da empresa varejista. Entretanto, de acordo com Tidd (2008), as alianças estratégicas podem ser usadas como oportunidade de ensinar novas competências de mercado (...), dentro de um conceito de grande subjetividade que torna o resultado de qualquer aliança muito difícil de ser medido, a não ser pelos resultados objetivos de venda x estoque após determinado tempo. Tidd (2008) elenca algumas razões para o fracasso das alianças estratégicas, dentre elas as principais para este estudo são: - divergência estratégica e de objetivos; -

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incompatibilidade cultural; - tempo/expectativas irreais; e a falta de percepção de importância da parceria de forma igual para os dois lados. Desta maneira, para que o modelo de oferta fast-fashion tenha chances de sucesso sugere-se,

primeiramente,

a

execução

de

um

planejamento

adequado

de

criação/produção/compra/distribuição/venda conforme a figura abaixo demonstra. Observa-se que o foco inicial que puxa toda a cadeia é sob o ponto de vista das necessidades do consumidor. Tais necessidades/desejos, sendo monitorados corretamente e constantemente, puxam toda a cadeia de valor da empresa varejista em uma lógica inversa ao sistema tradicional de abastecimento. É um sistema circular de consumo-produção, que precisa ser adequadamente compreendido pelo corpo executivo das empresas. Figura 2 – Sistema híbrido de suprimento

Fonte: dados da pesquisa (2015)

Da mesma forma, é essencial que o comportamento do consumidor seja muito bem monitorado, com as constantes variações nos gostos, estilos, preferências, que flutuam de acordo com tendências externas e fatores imateriais, mas que impactam em demasia nas decisões de compra. O aspecto comportamental do consumidor pode ser tornar uma grande desvantagem para todo o processo caso seja mal avaliado. De Jong e Van Dijk (2015) relacionam alguns passos para a reforma das crenças corporativas contemporâneas, dentre os quais ressalta-se: a inovação no relacionamento com clientes – da lealdade ao “empoderamento”. Os autores explicam que as relações de consumo mudaram fundamentalmente, e que os consumidores estão cada vez mais bem informados em tempo real de qualquer assunto que seja de seu interesse (dado os avanços enormes nas ferramentas digitais e na tecnologia da informação), e que por isso a ordem se

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inverteu, dando agora mais “poder” de escolha na decisão de compra. É uma realidade tão dinâmica quanto a do varejo em si. Diante disso, as empresas de varejo de moda que decidem fechar alianças com outras marcas, ainda que por curtíssimo prazo, precisam avaliar o quão viável, exeqüível é a parceria, do ponto de vista econômico-financeiro e estratégico. A proposta de valor das duas empresas deve ser preservada pela ótica do consumidor-alvo das marcas envolvidas, e, assim estimar adequadamente o potencial dos resultados almejados, principalmente no que se refere à geração de valor superior aos acionistas e ao cliente final.

CONCLUSÃO A inovação no processo fast-fashion é tão atraente que as empresas praticantes passam a ser fornecedoras de indicações e tendências para outras empresas tradicionais, já que estão sempre em busca de novidades do mundo da moda. Dessa forma, é interessante que os executivos do varejo monitorem e avaliem a possibilidade de sua implantação, com ou sem alianças estratégicas, como uma estratégia de negócios de expansão e sustentabilidade, tendo como foco a geração de valor superior ao consumidor. Para a realidade brasileira, o processo tem ainda uma contribuição especial: a de inclusão social das classes de baixa renda. Na maioria dos exemplos observados, as classes C e D tiveram acesso, através da oferta da “moda rápida” a coleções de artigos de valor agregado, com preços acessíveis, boas condições de pagamento e o design diferenciado de marcas/estilistas renomadas. Se for considerado que o consumo brasileiro de vestuário, calçados/acessórios e cosméticos só perde para alimentação e moradia, na divisão do orçamento da população, a contribuição ganha ênfase. Para as classes sociais com melhor poder aquisitivo, o fast-fashion significa trazer para o Brasil práticas, modelos e tendências de moda que são realidade no exterior, essencialmente na Europa e nos Estados Unidos, promovendo então o engajamento da sociedade brasileira aos movimentos tecnológicos e culturais que ocorrem lá fora. Dentro do contexto apresentado neste estudo, as empresas que inovaram, se arriscaram e reformularam seus processos dentro do cenário brasileiro de negócios, obtiveram, em geral, resultados significativos no curto e médio prazo; e assim devem continuar, com a ressalva na necessidade de vigilância constante na gestão organizacional das alianças e dos processos como um todo.

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Por fim, conclui-se que empresas varejistas de moda que operam no modelo fastfashion ao decidirem por alianças estratégicas com outra empresa do segmento, têm grande potencial para obter resultados positivos e conseguirem assertividade nas previsões de venda, reduzindo os riscos de estoques parados nas lojas e evitando as grandes remarcações que derrubam suas margens. Para isso, contudo, precisa garantir adequada gestão de criação/compra, de planejamento/distribuição e da própria parceria. Assim, é fundamental que a inovação seja gerenciada em conformidade com a estratégia central de negócio da empresa, com os valores, com a identidade de marca e com a estratégia da área específica de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e criação. A efetiva gestão da cadeia de inovação é elemento crucial para o sucesso da mesma. Fica, então, a pergunta: o que Donatella Versace, estilista italiana, que usualmente vende para público internacional AA, ganharia com peças assinadas por ela dentro de uma loja de moda-rápida-acessível brasileira como a Riachuelo? A faixa de preços e margens esperadas pelos dois pólos da aliança foi alinhada? A marca italiana estava mesmo disposta a colocar em risco seu nome, tão bem conservado pela alta costura mundial? Foi feita uma correta leitura das necessidades do cliente dentro das lojas, em termos de design x preço?

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BIBLIOGRAFIA ABDALLAH, Ariane. Desvendamos a cultura C&A. Época Negócios online. Julho/2014. Acessado em 12/07/2015. Disponível em: http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2014/05/desvendamos-culturac.html. AGRA, Marcela. Vestido Versace para Riachuelo em saldão. Portal administradores.com, 19 de janeiro de 2015. Disponível em: http://www.administradores.com.br/noticias/negocios/vestido-versace-para-riachuelo-der37990-por-r2990-em-saldao/97247/. Acesso em 07 de setembro de 2015. BRUNO, M. A. C; VASCONCELLOS, E. Applying a management framework to three high-sharing technological alliances. Finanza, Marketing e Produzione. Rivista di Economia D´Impresa dell´Universitá Bocconi. Ano XXI, v.21, n.2, p.107-126. Junho 2003. CACHON, G; SWINNEY, R. The Value of Fast Fashion: Quick Response, Enhanced Design, and Strategic Consumer Behavior. Management Science. INFORMS. Catonsville, Maryland, EUA. v. 57, n. 4, p. 778-795, April 2011. CIETTA, Enrico. A Revolução do Fast-Fashion: Estratégias e modelos organizativos para competir nas indústrias híbridas. 2ª ed. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2012. 267 p. DE ANGELO, C.F; NIELSEN, F.G; DIAS FOUTO, N. Manual de Varejo no Brasil. São Paulo: Saint Paul, 2012. 542 p. DE JONG, M; DIJK, M. Van. Disrupting beliefs: A new approach to business-model innovation. McKinsey Quaterly. Julho, 2015. Disponível em: http://www.mckinsey.com/insights/mckinsey_quarterly. Acesso em 25 de agosto de 2015. LEVY, M; WEITZ, B. A; Administração de Varejo. São Paulo: Atlas, 2000. 695 p. TIDD, Joe; BESSANT, John; PAVITT, Keith. Gestão da Inovação. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2008. 600 p.

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