Fatores de estresse e ansiedade na performance musical: Histórico e perspectivas após 10 anos de Simcam, Revista Percepta, 2014.

June 8, 2017 | Autor: Sonia Ray | Categoria: Performance Psychology, Musical Performance, Cognição Musical
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Percepta, 1(2), 115–126 ©2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais ISSN 2318-891X http://www.abcogmus.org/journals

Fatores de estresse e ansiedade na performance musical: Histórico e perspectivas após 10 anos de Simcam* SONIA RAY**

Resumo A trajetória do Simpósio de Cognição e Artes Musicais – Simcam (2005–2014) está intrinsicamente ligada aos estudos de cognição em pesquisas sobre performance musical no Brasil. Os debates propostos pelos trabalhos publicados nos anais do Simcam mostram a diversidade e a contribuição das pesquisas envolvendo estresse e ansiedade na performance musical. Estudos em andamento apontam caminhos frutíferos para a área e fortalecem a relação da pesquisa em performance e cognição com as publicações dos congressos da área de música em geral no Brasil. A discussão evidencia o crescimento e a importância do Simcam e do espaço da cognição nos estudos da performance musical no país. Palavras-chave: performance e cognição musical, Simcam, estresse e ansiedade na performance musical Factors of stress and anxiety on music performance: History and perspectives after 10 years of Simcam Abstract The trajectory of the Symposium on Cognition and Musical Arts - Simcam (2005– 2014) is intrinsically linked to the study of cognition in research on musical performance in Brazil. The discussions proposed by papers published in the proceedings of Simcam show the diversity and contribution of research involving stress and anxiety in musical performance. Ongoing studies suggest fruitful ways to the area and reinforce the link of research in cognition and performance with the publications of conferences in the area of music in general in Brazil. This article highlights the growth and importance of Simcam and the space of cognition in studies on musical performance in the country. Keywords: performance and music cognition, Simcam, stress and anxiety on music performance

* **

Financiado por CNPq e FAPEG Universidade Federal de Goiás - UFG E-mail: [email protected]

Recebido em 8 de abril de 2014; aceito em 30 de maio de 2014.

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(...) performers são feitos, não são natos e o real ponto de interesse da psicologia da performance é o como as pessoas se tornam performers e aperfeiçoam seu conhecimento (Ray, 2003)1.

Introdução A trajetória dos últimos 10 anos do Simpósio de Cognição e Artes Musicais – Simcam (2005–2014) está intrinsicamente ligada aos estudos de cognição em pesquisas sobre performance musical no Brasil. Com o intuito de demonstrar o crescimento e a importância do Simcam e do espaço da cognição nos estudos da performance musical no Brasil este texto foi organizado em três partes que apresentam: 1) a trajetória do Simcam 2005–2014 e o papel dos estudos de cognição em pesquisas sobre performance musical no Brasil; 2) a contribuição dos debates propostos pelos trabalhos publicados nos anais do Simcam, mostrando a diversidade das pesquisas desenvolvidas no Brasil, que apontam caminhos frutíferos para a área e fortalecem a relação da pesquisa em performance e cognição com as publicações dos congressos da área de música em geral no Brasil; e 3) um estudo pioneiro, de âmbito nacional, em andamento, sobre estresse e ansiedade na performance musical. 116

1 A trajetória do Simcam - Simpósio de Cognição e Artes Musicais 2005–2014 O Simcam foi realizado pela primeira vez em Curitiba (2005) sob a iniciativa e coordenação dos pesquisadores Beatriz Ilari e Maurício Dottori. Naquele momento, detectava-se uma necessidade de espaço em congressos da área para pesquisas fronteiriças envolvendo música e outras áreas do conhecimento, no caso a psicologia e as neurociências. Esta tendência foi confirmada quando o primeiro Simcam recebeu pesquisadores de todo o país, que frequentavam regularmente outros congressos, mas acolheram o Simcam como um espaço mais apropriado para suas pesquisas. O evento teve abrangência internacional, recebendo também palestrantes e participantes da Itália, Argentina e Inglaterra. Durante o 2º Simcam (2006), foi realizada a assembleia de fundação da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais (ABCM) que por razões burocráticas só foi oficializada em 2011. Contudo, desde 2005 a ABCM promove o Simcam anualmente, com eventos internacionais, nos anos ímpares, e nacionais, nos anos pares. Este formato acaba de ser alterado por decisão da assembleia de 2014 (Simcam, Campinas), de forma que todos os Simcams, a partir de agora, 1

Parafraseando John Sloboda (1994). Percepta – Revista de Cognição Musical, 1(2), 115–126. Curitiba, Maio 2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM

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serão internacionais, todos os anos, uma vez que nas últimas cinco edições tem-se registrado presença de palestrantes e congressistas do exterior. A inserção do Simcam como opção para os pesquisadores brasileiros, bem como o aumento de trabalhos sobre música e cognição, é notável na trajetória dos eventos mais importantes da área de música, conforme demonstra a Tabela 1. Tabela 1 Marcos da pesquisa em música no Brasil

1934 1974 1980 1984 1989 1990 2000 2001 2005 2006 2006 2010 2010 2011 2013 2013 2014 2014

1º periódico de música (RBM-UFRJ) do Brasil 1º programa de pós-graduação em artes (USP) do Brasil 1º programa de pós-graduação em música (UFRJ) do Brasil 1ª representação da Música no CNPq Fundação da Anppom (com quatro PPGs em música) Fundação da Abem I SNPPM (UFMG) Fundação da Abet 1º Simcam – Simpósio de Cognição e Artes Musicais Fundação da ABCM Criação da Revista Cognição & Artes Musicais (ABCM) 1º Simpom (Unirio) 1º periódico de música brasileiro no SciELO (Permusi) Fundação da Abrapem Criação da revista Percepta (ABCM) 1º Congresso da Abrapem 15 programas de pós-graduação em música 10º Simcam – Simpósio de Cognição e Artes Musicais

Nota. Siglas da tabela: RBM – Revista Brasileira de Música; CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia; Anppom – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música; Abem – Associação Brasileira de Educação Musical; SNPPM – Seminário Nacional de Pesquisa em Performance Musical; Abet – Associação Brasileira de Etnomusicologia; Simcam – Simpósio de Cognição e Artes Musicais; ABCM – Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais; Simpom – Simpósio de Pós-Graduandos em Música; SciELO – Scientific Electronic Library Online; Abrapem - Associação Brasileira de Performance Musical.

A maior e mais representativa das associações de pesquisa em música no Brasil, a Anppom, constituiu-se somente nove anos após a criação do primeiro programa de pós-graduação em música (UFRJ, 1980), cinco anos após a constituição da primeira representação da área no CNPq e 50 anos após a criação do primeiro periódico acadêmico de música (RBM, 1934), sendo seguida pela fundação da Abem, no ano seguinte. Nos 10 anos que se seguiram, as subáreas de musicologia e teoria musical se consolidaram no cenário acadêmico brasileiro e os pesquisadores das áreas ligadas a criação (sobretudo em performance musical) sentiram falta de um espaço específico para apresentação de seus produtos de pesquisa. Respondendo a esta demanda, o I Percepta – Revista de Cognição Musical, 1(2), 115–126. Curitiba, Maio 2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM

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SNPPM aconteceu na UFMG, em 2000, idealizado e coordenado pelo professor Fausto Borém (desde então bolsista de produtividade do CNPq). O Simpósio revelou a tendência dos pesquisadores em associar questões de performance ao uso do corpo e a aspectos psicológicos. Dos 36 artigos publicados, seis deles (16%) apresentavam esta conexão. Nos seis anos seguintes, esta tendência se consolidou e a criação do Simcam e a formação da ABCM vieram oferecer um espaço que faltava no cenário das produções acadêmicas, atraindo, além de performers e compositores, pesquisadores de todas as subáreas de música, incluindo etnomusicólogos com sua recém-criada associação. Com o crescimento do número de programas de pós-graduação foi natural o aumento do número de trabalhos nos congressos. Contudo, nota-se um aumento considerável da produção da área de performance em eventos e periódicos de música, em geral melhor conceituados pela agência reguladora da pós-graduação no Brasil (Capes). Este aumento resulta, hoje, em 15 programas de música, além do recém-criado PPG em Artes da UFPA, que oferece linha de pesquisa em música. As estatísticas deste crescimento e a inserção das pesquisas em performance e cognição nos eventos e periódicos serão discutidos no tópico a seguir. 118

2 Ansiedade e estresse na performance musical no Simcam A taxonomia de todas as comunicações apresentadas no Simcam (2005–2012) totalizou 410 textos publicados em anais. Destes, 95 comunicações são vinculadas à subárea de performance, o que equivale a 23,1% do total (Borém & Ray, 2012). Atualizando esta taxonomia com a inclusão dos anos de 2013 (39 comunicações, sendo sete de performance) e 2014 (48 comunicações, sendo nove de performance), como se vê na Tabela 2, o número de textos se eleva para 478, dos quais 111 comunicações (que equivalem a 23,22%) são de performance. Confirmando a percepção dos pesquisadores, em 2012, a ausência de trabalhos discutindo idiomatismo (relação direta com a natureza de cada instrumento) dentre as comunicações sobre performance continua evidente. Igualmente, a incidência de quase metade (47,2%) das comunicações confirma a preferência dos pesquisadores em performance no Simcam por trabalhos voltados a interfaces com as ciências da saúde, sem conexão direta com estudos de gênero musical, musicologia, teoria e a literatura técnica específica. Contudo, esses 111 trabalhos trazem contribuições variadas para os estudos de cognição e música no Brasil. Percepta – Revista de Cognição Musical, 1(2), 115–126. Curitiba, Maio 2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM

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Tabela 2 Distribuição taxonômica dos trabalhos em performance musical no Simcam (2005-2014)

Performance musical e ensino/aprendizagem/educação Performance musical e idiomatismo Performance musical e edição/editoração/catalogação Performance musical e técnica de execução Performance musical e ciências da saúde

24,3% --1,1% 24,6% 47,2%

(psicologia/neurociências/medicina)

Performance musical e musicologia/sociedade/cultura Performance musical e composição Performance musical e música popular Performance musical e literatura

----1,8% 1,0%

(métodos/repertório/gravações/textos)

Performance musical e análise TOTAL (111 comunicações)

--100%

Existe uma tendência clara em estudos de caso e experimentos, tanto voltados para o ensino da performance como para a formação de professores de performance, conforme se observa na Tabela 2. Uma parcela mais reduzida de pesquisadores dedica-se a trabalhos conceituais que propõem métodos de estudo ou apresentam visões alternativas como base para pesquisas envolvendo performance e cognição. De todas as comunicações publicadas nos 10 anos de anais do Simcam apenas sete são dedicadas aos estudos de ansiedade e estresse na performance musical. São elas: Carvalho e Ray (2006); Fonseca (2007); Ray e Kaminski (2011); Sinico, Gualda e Winter (2011); Stencel, Soares e Moraes (2012); Miranda, Yamada, Rocha e Chada (2013); Sousa e Ray (2014). O conjunto de textos, ainda que pequeno, traz contribuições significativas. O estudo realizado por Carvalho e Ray (2006) envolveu 63 estudantes universitários de performance musical. Entre as conclusões foi constatado que 100% dos participantes vivenciaram algum tipo de ansiedade no processo de preparação e execução da performance musical. Este foi o primeiro registro do assunto nos anais do Simcam. No ano seguinte, o psicólogo e pesquisador Carlos Fonseca (2007), membro do Nupsimus – Núcleo de Performance Musical e Psicologia, da UFBA, apresenta pela primeira vez no Simcam um texto teórico que procura definir ansiedade na performance, tendo por base autores de referência como Afonso Galvão, Dianna Kenny, Alf Gabrielson, Peter Keller, Gary McPherson, entre outros. O texto é uma breve revisão da literatura que não se propõe a exaurir o assunto, mas disponibilizar material em língua portuguesa. Apresenta causas, sintomas e estratégias de enfrentamento, incluindo uma discussão da relação do performer com a plateia. Dois anos mais tarde, este texto serviu de referência inicial para uma revisão de literatura um pouco mais aprofundada, publicada em um capítulo dedicado ao tema “pânico de palco” (Ray, 2009). Percepta – Revista de Cognição Musical, 1(2), 115–126. Curitiba, Maio 2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM

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Em estudo preliminar sobre o conhecimento que um músico que se profissionaliza em atividades de performance tem nas universidades brasileiras constatou-se que apenas duas instituições ofereciam disciplina de psicologia da música direcionada ao performer e de maneira complementar não obrigatória (Ray & Kaminski, 2011). O estudo serviu de base para uma consulta nacional sobre o tema em andamento, a qual será detalhada na parte seguinte deste texto. Na edição seguinte do Simcam, Stencel, Soares e Moraes (2012) também abordaram o tema em estudo com instrumentistas (26 adultos e 36 crianças). A principal conclusão foi a necessidade de se adotar “uma postura preventiva no preparo técnico, que proporcione um nível elevado de segurança” (p. 37) na performance e consequente controle da ansiedade. Os pesquisadores Sinico, Gualda e Winter (2013) apresentaram um estudo focado na identificação de diferenças nos níveis de traço e estado de ansiedade em 142 flautistas, por meio de questionários coletados on-line. Os resultados apontaram alto nível de ansiedade em flautistas do sexo masculino. No mesmo evento Miranda et al. (2013) apresentaram uma proposta de estudo da ansiedade na performance de estudantes de música de Belém e um estudo piloto com 20 estudantes. Neste estudo piloto não houve diferença estatisticamente significativa nas médias de escores entre homens e mulheres e nem ficou evidente a associação entre o nível de ansiedade na escala KMPAI (Kenny Music Performance Anxiety Inventory) e o tempo de estudo ou idade dos sujeitos. Outro trabalho que utiliza a escala K-MPAI foi apresentado no Simcam do ano seguinte (Sousa & Ray, 2014) e verifica o impacto da ansiedade no processo de preparação da performance dos alunos das bandas de música em Goiânia. Resultados parciais preliminares de amostras coletadas de 39 sujeitos apontaram para níveis moderados de ansiedade e que há pouquíssima informação sobre psicologia da música e sobre cuidados com o corpo na banda participante. A contribuição das reflexões sobre ansiedade na performance musical propostos pelos trabalhos publicados nos anais do Simcam são uma amostragem das pesquisas sobre o tema desenvolvidas no Brasil, uma vez que os pesquisadores são, em sua maioria, envolvidos com as publicações mais relevantes no país sobre o tema em outros veículos. Textos dedicados à psicologia da performance em outros congressos da área de música no Brasil (Anppom, Sempem, Simpom), bem como publicações em periódicos de música em geral, apontam para a ampliação das discussões sobre o tema em nível nacional. Esta ampliação se dá com maior efetividade no Simcam, que apresenta ao longo de 10 anos quase um quarto de suas publicações concentradas em perforPercepta – Revista de Cognição Musical, 1(2), 115–126. Curitiba, Maio 2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM

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mance, índice semelhante aos da Anppom e das revistas Música Hodie e Opus, como se pode observar na Tabela 3. Tabela 3 Quadro síntese dos trabalhos analisados por Borém e Ray (2012), incluindo atualizações

Fontei Qualis Anppom (1990–2013) A1 Simcam (2005–2014) -Simpom (2010–2012) -Revista Música Hodie (2001–2013) A2 Revista Opus (2000–2013) A2 Revista Per Musi (2000–2013) A1 TOTAL (100%)

Total 2291 478 246 256 172 252 3695

Performance 388 16.93% 111 23,22% 92 74% 77 30,07% 37 21,51% 153 60,7 % 858 23,22%

Os congressos da Anppom e os Simcams, assim como os periódicos Música Hodie, Opus e Per Musi são mantidos sem interrupção há mais de 10 anos e aceitam trabalhos de todas as subáreas da música, além de serem todos classificados como “Qualis A” na avaliação da Capes — por terem estas particularidades em comum foram aqui destacados. O Simcam não dividiu pesquisadores, criou espaço para uma demanda que não se enquadrava nos eventos existentes. Todos os eventos aumentaram o número de trabalhos apresentados na área de performance e a produção de performance com interface em cognição continuou pouco expressiva no maior congresso da área. No congresso da Anppom de 2014 apenas quatro trabalhos relacionaram performance e cognição de forma explícita; ainda assim dois deles não estavam na subárea de “interfaces” (cognição musical) do evento, mas na de “performance”. Contudo, os autores dos respectivos trabalhos também têm publicações no Simcam, indicando que a área de música tem potencial para acolher as pesquisas fronteiriças envolvendo cognição, em seus eventos gerais de pesquisa, e o Simcam ainda tem clientela específica que justifica sua edição anual. Os dados apontam caminhos frutíferos para as pesquisas em cognição musical e confirmam o papel fortalecedor que o Simcam exerce na relação entre pesquisas fronteiriças envolvendo performance, nas publicações de congressos e de periódicos da área de música em geral no Brasil.

3 Um estudo pioneiro em andamento sobre estresse e ansiedade na performance musical As formas de identificação de situações onde a ansiedade e o estresse alteram a atividade do músico no palco, a detecção de fatores estresPercepta – Revista de Cognição Musical, 1(2), 115–126. Curitiba, Maio 2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM

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sores e a definição de estratégias de atuação para determinar como o músico pode lidar com estresse e ansiedade no cotidiano são focos de pesquisas no mundo todo sobre psicologia da performance. Muitas destas pesquisas, no entanto, buscam estudar estressores identificados e modelos estratégicos adotados por experts em seus instrumentos rumo a uma performance de excelência. Contudo os modelos discutidos estão cada vez menos representativos em número de sujeitos abordados e mais valorizados pelas informações geradas pelos dados colhidos em estudos detalhados de observação e auto-observação de situações de performance, como afirmou o respeitado pianista e pesquisador John Rink, em sua palestra durante o Congresso da Abrapem, em Vitória2. Dentro desta perspectiva, a informação sobre as reflexões mais recentes sobre ansiedade e estresse na performance estão cada vez mais divulgadas em veículos especializados e em grupos de pesquisa voltados para discussões pontuais, de certa forma distanciando o estudante de performance de resultados com potencial de auxiliá-lo em sua formação. Igualmente, profissionais da performance não ligados à área acadêmica tendem a pouco se informarem sobre essas importantes pesquisas. Mas, até que ponto a informação sobre essas pesquisas é relevante para o músico? O referencial teórico que temos é adequado para estudarmos performance musical? A informação sobre ansiedade e estresse na performance musical tem potencial para mudar o comportamento psicológico do performer? Para responder a estas e outras questões sobre performance musical criou-se, em 2002, o Gepem – Grupo de Estudos em Performance Musical da UFG. Iniciava-se uma trajetória de 12 anos ininterruptos de pesquisas discutindo a performance musical como objeto de estudo. Deste período, três trabalhos preliminares foram desenvolvidos antes que se chegasse à discussão sobre ansiedade e estresse na performance musical em âmbito nacional. O primeiro deles foi concluído em 2005 com um capítulo definindo e discutindo os Elementos da Performance Musical (EPM) (Ray, 2005), além de propor maneiras de se abordar sistematicamente a performance musical, tendo como foco a preparação, a execução ou a avaliação da performance em um EPM e enfatizando uma figura de interferência negativa ou positiva, como ilustrado na Figura 1.

2 Apontamentos da conferência proferida por John Rinck no 2º Congresso Nacional da Associação Brasileira de Performance Musical, em Vitória, Auditório do CEF-UFES, 2 mai 2014.

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Figura 1. Proposta de estudo dos elementos da performance musical – EPM (Ray, 2005)

O segundo trabalho foi sintetizado em outro capítulo de livro e em forma de revisão da literatura sobre pânico de palco, o qual incluiu os principais autores da atualidade que discutem psicologia da performance (Ray, 2009). A reflexão parte das questões levantadas por Persson (2002) sobre o porquê de um músico se tornar um performer e se desenvolve discutindo elementos estressores influentes na atividade da performance musical, além de discutir o que se sabe sobre tratamentos para distúrbios de ansiedade na performance e pânico de palco. O terceiro trabalho (Ray & Kamisnki, 2011) discutiu o papel da psicologia na formação do artista-intérprete e na preparação da performance musical, através de dados coletados em consulta nacional aos currículos de instituições federais de ensino superior. A consulta tomou por base os dados do ano de 2009 e mostrou que eram então 14 as IES federais com cursos de música com conceitos 3, 4 e 5: UFBA, UFRGS, UFC, UFMG, UFSCAR, UFSM, UFMS, UFG, UFRJ, UNB, UFOP, UFU, UFPR, UFES. Destas, apenas quatro (UFC, UFSCAR, UFMS, UFPR) não ofereciam cursos de bacharelado ou licenciatura em instrumento/canto. Verificou-se como se dá a oferta de disciplinas de psicologia da música voltadas para a formação e atuação do performer musical. O principal resultado a que se chegou é que a psicologia ainda é pouco estudada na formação dos músicos e menos ainda na formação dos performers musicais. Após reunir todos estes dados preliminares, evidenciou-se a necessidade de se investir num projeto nacional que pudesse determinar: 1) a quantidade de informação sobre psicologia da performance Percepta – Revista de Cognição Musical, 1(2), 115–126. Curitiba, Maio 2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM

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que está presente na formação do performer no Brasil; 2) de que forma e em que nível o estresse e a ansiedade estão afetando a produção do estudante de performance; e 3) quais são os hábitos desses performers que implicam em ampliação de estressores já presentes em sua relação cotidiana com as atividades de performance. O projeto, contemplado pelo edital Chamada Universal CNPq 2012, foi implementado em março de 2013, juntamente com o início das obras das novas instalações do LPCM - Laboratório de Performance e Cognição Musical – EMAC/UFG, onde o projeto está sediado com previsão de conclusão em dezembro de 2016. A proposta abrange as 15 universidades brasileiras (Figura 2) que têm graduação e pós-graduação stricto sensu em música, onde se encontram os três níveis de formação — extensão, graduação e pósgraduação em música — com a participação de performers estudantes e profissionais.

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Figura 2. Mapa indicativo das 15 universidades brasileiras que oferecem graduação e pós-graduação stricto-sensu em música.

O experimento implica a coleta de dados por questionários aplicados in loco: K-MPAI (sobre níveis de estresse na performance musical), o Inventário LIPP (sobre níveis de estresse do indivíduo) e um grupo de 11 questões sobre hábitos do cotidiano do músico. Na primeira etapa, realizada em março de 2013, a equipe visitou as três universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp). Os resultados parciais, apresentados no ISPS (Viena, 2013), mostraram níveis reduzidos de estresse e ansiedade em 90% dos estudantes que receberam alguma instrução formal sobre psicologia da performance durante a graduação (Ray et al., 2013). Percepta – Revista de Cognição Musical, 1(2), 115–126. Curitiba, Maio 2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM

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Estes resultados parciais corroboram a ideia de que “a enorme valorização do raciocínio e a minimização da emoção no sistema tradicional de ensino do instrumento musical” (Ray, 2009) distancia o performer da emoção e o obriga a recuperar este caminho muitas vezes já atuando como profissional. Contudo, é expectativa dos pesquisadores que ao final do projeto se obtenha informação suficiente para chamar a atenção de coordenadores dos cursos de bacharelado e licenciatura em performance musical para a importância de uma disciplina obrigatória sobre psicologia da performance. Pretende-se também reunir material que possa ser encaminhado a autoridades competentes no Ministério da Educação, com vistas a uma mudança de estrutura curricular que valorize a saúde da mente e do corpo na formação do músico, em particular daqueles que lidam com exposição ao público.

Considerações finais Música é alimento do qual as pessoas andam, aliás, muito carentes. Nossa função é produzir e distribuir alimento da melhor qualidade... O nervosismo [ansiedade e estresse] muitas vezes vem do fato de acharmos [sic] que não tocamos suficientemente bem, certo? Pra resolver isso precisamos aceitar nosso momento atual, aceitando que somos eternos aprendizes, em processo de evolução (Antonio Carrasqueira, 2013)3.

A trajetória do Simcam 2005–2014 demonstra que os estudos de cognição em pesquisas sobre performance musical no Brasil ganharam mais espaço e interferiram positivamente na produção da área de música, na medida em que proporcionaram maior integração entre pesquisadores da área com a produção fronteiriça das pesquisas de música e cognição. Um breve olhar sobre os trabalhos sobre estresse e ansiedade na performance publicados no Simcam aponta para a necessidade de pesquisas que somem conhecimento ao estado atual da questão. Para isto é necessário que se ampliem as pesquisas conceituais e de experimentos, em âmbito nacional e internacional. A pesquisa em andamento no LPCM/UFG, Estresse e ansiedade na performance musical hoje, aponta caminhos frutíferos para o fortalecimento da formação do performer e para a relação da pesquisa em performance e cognição com as publicações dos congressos da área de música em geral no Brasil, uma vez que já gerou publicações relevantes no Brasil e exterior.

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Correspondência eletrônica pessoal (mensagem recebida em 15 de julho de 2013).

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Referências

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Percepta – Revista de Cognição Musical, 1(2), 115–126. Curitiba, Maio 2014 Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais – ABCM

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