FATORES DE INOVAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DE CIDADES INTELIGENTES: UM ESTUDO SOBRE A CONFLUÊNCIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE NO MEIO URBANO

Share Embed


Descrição do Produto

FATORES DE INOVAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DE CIDADES INTELIGENTES: UM ESTUDO SOBRE A CONFLUÊNCIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE NO MEIO URBANO. THARSILA MAYNARDES DALLABONA FARINIUK*

Resumo: O advento das tecnologias ubíquas mudou a forma de viver em cidades. Paralelamente, a crescente complexidade das demandas urbanas gerou desafios para os estudos de C&T e para a gestão urbana, a partir da necessidade de novas soluções. Questiona-se, portanto, como políticas locais de inovação podem impulsionar o desenvolvimento urbano, criando redes de cidades mais inteligentes. Assim, é objetivo desta pesquisa analisar iniciativas brasileiras relacionadas ao desenvolvimento de smart cities, identificando fatores de inovação que visem competitividade, atendimento a exigências urbanas e qualidade de vida. para isso, serão analisadas três cidades com projetos em diferentes áreas: Rio de Janeiro, com foco em monitoramento e controle de operações; Búzios, voltada para a eficiência energética e smart grids, e Curitiba, com iniciativas orientadas para mobilidade e sustentabilidade ambiental. A pesquisa, exploratória, buscará estabelecer parâmetros comparativos entre os três cenários, identificando confluências e controvérsias entre a idéia de cidade inteligente e os resultados já obtidos. A coleta de dados será feita por meio de estudo documental, com base nas informações divulgadas em meios oficiais, portais e notícias. a pesquisa será estruturada de modo a apresentar relações entre os conceitos de smart cities e de gestão da inovação aplicados à descrição dos casos estudados. Este aprofundamento é relevante no sentido de esclarecer como as informações e conceitos vem sendo veiculados e se essa divulgação aproxima-se do esperado. Palavras-chave: Smart Cities; Desenvolvimento Urbano; Inovação. INTRODUÇÃO O advento das tecnologias ubíquas mudou a forma de viver em cidades. Paralelamente, a crescente complexidade das demandas urbanas gerou desafios para os estudos na área de Ciência e Tecnologia e para a gestão urbana, a partir da necessidade de novas soluções. As cidades contemporâneas não são sistemas internamente coerentes. Este "novo urbanismo" procura traduzir a complexidade das relações que desafiam as noções tradicionais de lugar, a partir dessa disseminação tecnológica (Amin & Thrift, 2002). Ao longo do tempo, diversos autores passaram a tentar explicar a relação entre tecnologias e o espaço urbano, criando, para isso, diferentes nomenclaturas como "cidades virtuais", "cidades digitais e "cyber cidades". Mais recentemente, emergiu a idéia de "smart cities" - ou "cidades inteligentes" (embora o termo "inteligente" não traduza integralmente a idéia contida no termo "smart"). As smart cities, que durante muito tempo foram concebidas como cidades futurísticas, possuem hoje uma conotação de associação de diversos elementos que contribuem para uma melhor qualidade de vida. Essa amálgama de fatores gerou, ao longo do tempo, uma relativa dificuldade *

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana, Curitiba - PR, Brasil. E-mail: [email protected]

1

de conceituar o que é, de fato, uma smart city. No entanto, a prioridade na utilização de tecnologias, a inovação e o bem-estar da sociedade são aspectos que estão geralmente associados ao conceito. No Brasil, as iniciativas smart city são recentes e relativamente pontuais, e é possível encontrar exemplos de aplicação com os mais diversos focos e abrangências. A presente pesquisa questiona como as políticas locais de inovação podem impulsionar o desenvolvimento urbano, criando ambientes urbanos mais inteligentes. Assim, o objetivo é analisar iniciativas brasileiras relacionadas ao desenvolvimento de smart cities, identificando fatores de inovação que visem competitividade, atendimento a exigências urbanas e qualidade de vida. Nesta pesquisa, de caráter exploratório e documental, serão analisadas três cidades com projetos em diferentes áreas: Rio de Janeiro, cujos projetos estão voltados para o monitoramento e controle de operações; Búzios, com foco em eficiência energética e na criação de smart grids; e Curitiba, que possui iniciativas orientadas para mobilidade e sustentabilidade ambiental. Uma vez que há divergências sobre o conceito, e projetos ainda em fase de implementação, este aprofundamento é relevante no sentido de esclarecer como as informações e conceitos vem sendo veiculados e se essa divulgação aproxima-se do esperado. Os resultados apresentaram que, embora os objetivos dos projetos sejam diferenciados, as três cidades possuem pontos de convergência em termos de macrofinalidades e de integração de atores relevantes para o processo. Além disso, observou-se uma relativa confluência no que diz respeito ao entendimento do conceito de smart city, quase sempre associado à ações de mobilidade e sustentabilidade. Esta pesquisa está estruturada de modo a apresentar, primeiramente, os conceitos relativos à smart cities e inovação e a metodologia adotada, na sequência. Em seguida são apresentados os resultados e, por fim, as conclusões do estudo.

SMART CITIES, INOVAÇÃO E INICIATIVAS BRASILEIRAS O termo smart city visa designar cidades que utilizam diferentes tipos de tecnologias para aprimorar o ambiente ou suscitar um processo de inteligenciamento urbano. Uma das definições mais conhecidas é a proposta pela Universidade Tecnológica de Viena - TUWIEN) (2015), que pressupõe que a smart city é construída a partir de seis elementos: a) uma economia inteligente, competitiva e inovadora; b) um meio ambiente inteligente; c) uma governança inteligente, com administração eficiente, transparente e participativa; d) cidadãos inteligentes, participantes ativos dos processos de tomada de decisão; e) mobilidade inteligente f) qualidade de vida inteligente, que promova equidade e coesão social. 2

Há, no entanto, uma certa dificuldade em reconhecer o que é, de fato, uma smart city. Em geral, ainda emprega-se o termo para nomear projetos de utilização de ferramentas digitais. Assim, é comum não ficar claro quais aspectos do meio urbano estão sendo melhorados (KOMNINOS, 2011; GALDON-CLAVELL, 2013). Neste sentido, Kitchin (2014a) argumenta que a smart city não deve ser vislumbrada numa concepção futurística, mas que o conceito (2014b) pode seguir duas diferentes linhas: a primeira como uma perspectiva tecnológica e informacional, onde a cidade é controladora de fluxos; e a segunda, que supõe o inteligenciamento urbano como sendo um processo de mobilização de idéias, onde a governança e o capital humano são os focos de ação. Barrionuevo et al., (2012) estabelecem uma associação destas duas linhas de pensamento, afirmando que há quatro condições fundamentais que contribuem para a inteligência e prosperidade urbana: a sustentabilidade, a conectividade, a coesão social e a inovação. A inovação é um processo relacionado com a geração de oportunidades, podendo estar associada ao aprimoramento de produtos, de processos, de contextos ou de paradigmas (TIDD; BESSANT, 2015). No meio urbano, a inovação pode emergir das pessoas, das redes, do planejamento urbano e do mercado (Andersson; Mellander, 2008). Assim, a cidade criativa e inovadora busca ser mais habitável, a partir do aproveitamento de talentos que possam ajudar a solucionar problemas urbanos ou simplesmente aprimorar o meio (Landry, 2008). No Brasil, os projetos de inteligenciamento urbano vem sendo fomentados, ao longo do tempo, por diferentes grupos de atores e segundo diferentes objetivos. Além disso, as gestões possuem visões as mais diversas possíveis sobre o conceito de smart city, e nem sempre os projetos são nomeados com estes termos. Na ocasião da Copa do Mundo FIFA 2014, diversos projetos passaram a ser implementados, especialmente no que diz respeito a uma utilização mais massiva de TICs para fins de vigilância e monitoramento. Além disso, iniciativas já implantadas passaram a ser aprimoradas para o evento. Um dos exemplos mais conhecidos nacional e internacionalmente - é o Centro de Operações (COR) do Rio de Janeiro, embora neste caso o projeto não seja literalmente rotulado como uma iniciativa smart city. O COR, inaugurado em 2010, é fruto de uma parceria entre a prefeitura e a empresa IBM, e consiste em um espaço de monitoramento full-time da cidade, que reúne profissionais de diferentes instituições e órgãos públicos, e que visa identificar ocorrências nas áreas de segurança pública, trânsito e naturais,destinando-as para os órgãos competentes. No caso de Curitiba, os projetos relacionados à smart city originam-se na tradição de planejamento para a mobilidade e sustentabilidade ambiental, e estão especialmente relacionados às iniciativas promovidas pelo ICI - Instituto Curitiba de Informática. Na cidade de Armação dos Búzios - balneário turístico 3

do Rio de Janeiro - o projeto Búzios Smart City visa a construção de um ambiente sustentável, a partir do uso de fontes de energia renováveis, da otimização dos recursos e do controle de consumo de energia individual em tempo real. A cidade funciona como um laboratório aberto - living lab - das agências que fomentam o projeto: a concessionária local AMPLA e a empresa ENEL. O principal pressuposto do projeto é a constituição de um smart grid, que combina diretrizes de geração e gestão inteligente de energia (com adoção de tarifas diferenciadas de acordo com o horário de consumo), de iluminação pública inteligente, de otimização no sistema de telecomunicações, de implantação de prédios inteligentes, e de conscientização do cidadão. METODOLOGIA A coleta de dados foi realizada por meio de estudo documental, e dividida em três fases. A primeira fase buscou a aproximação com o fenômeno, a partir de revisão bibliográfica dos conceitos que norteiam este trabalho, e sobre a concepção dos projetos. Em um segundo momento, foi efetuada uma busca de dados que pudesse refletir a forma e o teor da divulgação dos conceitos e resultados dos projetos. Para isto, buscou-se notícias de meios oficiais (portais das prefeituras) e dos jornais de maior circulação em cada uma das cidades (Gazeta do Povo em Curitiba, Folha de Búzios em Búzios, O Globo no Rio de Janeiro e em Búzios e Portal G1 das três cidades). Foram coletadas todas as notícias resultantes da busca pelas palavras-chave "smart city"/"smart cities"/"cidades inteligentes" e "inovação". A escolha pelos termos visou a identificação do modo pelo qual articulam-se nos discursos, se há relação entre eles (e qual é), e quais outros conceitos estão associados. Nesta fase, - realizada entre fevereiro e abril de 2016 - optou-se pela seleção de material compreendido entre os anos de 2014 e 2016, uma vez que diversos projetos relacionados ao tema foram implementados a de investimentos para a Copa do Mundo FIFA 2014, visando também os Jogos Olímpicos de 2016. Deste modo, o ano de 2014 como início do recorte da coleta de dados é relevante por já apresentar os resultados e perspectivas de continuidade destes projetos. Nesta fase, foram encontradas 123 notícias, sendo 51 em Curitiba, 62 no Rio de Janeiro e 10 em Búzios. A análise destes dados partiu da identificação das palavras-chave de cada notícia, que permitiu verificar quais foram mais recorrentes em cada cidade. Por fim, a terceira fase consistiu na busca - na literatura e em meios oficiais de divulgação - sobre os primeiros resultados e impressões de cada projeto, a fim de comparar as demandas iniciais com os modos e meios de aplicação. A busca foi realizada a partir das mesmas palavras-chave utilizadas na fase anterior. A análise conjunta foi realizada no sentido de identificar confluências e controvérsias entre os conceitos norteadores desta pesquisa, as 4

intenções e discursos relativos aos projetos de cada uma das cidades e os resultados já obtidos e prospecções. RESULTADOS: RIO DE JANEIRO No Rio de Janeiro, os termos sustentabilidade e mobilidade estão entre os três mais recorrentes em ambas as fontes pesquisadas (figura 1). De acordo com o portal Skift (2015), as ações que englobam mobilidade e sustentabilidade envolvem mais de 150km de linhas integradas de ônibus e incrementos no modal cicloviário, com o objetivo de otimizar o transporte e reduzir a emissão de gases poluentes. Figura 1 - Termos mais utilizados nas notícias sobre smart city no Rio de Janeiro

Fonte: Elaborado pela autora, com base em Portal da Prefeitura do Rio de Janeiro, O Globo e Portal G1.

No caso do Portal da Prefeitura, o termo tecnologia é o mais utilizado. Nos jornais aparece também com grande recorrência o termo conexão. Outras menções relevantes são informação e internet. Todos estes termos referem-se especialmente às ações integradas pelo COR e às iniciativas provenientes do uso de bancos de dados. A cidade foi escolhida uma das sete mais inteligentes do mundo, no ranking estabelecido pelo Intelligent Community Forum - ICF, a partir de estudos em 300 cidades de todo o mundo (CANAL NAVES DO CONHECIMENTO, 2015). Além disso, ficou em primeiro lugar no ranking de Cidades Inteligentes da Urban Systems, que avaliou 700 cidades brasileiras a partir de 70 indicadores (O GLOBO, 2015). A criação do COR-RJ,

integrando diversos

departamentos de gestão de crises, é fundamental para a sustentabilidade da gestão local (GUARANI et al., 2015). Neste projeto os dados auxiliam os administradores, e podem ser processados e reconhecidos tanto por pessoas quanto por algoritmos (KITCHIN, 2013). Ainda de acordo com a figura 1, o termo inovação é citado apenas cinco vezes em notícias do Portal da Prefeitura, e não aparece nos textos de imprensa. No entanto, os termos social/sociedade e desenvolvimento de idéias são recorrentes em todas as fontes. A inovação e a participação popular são preocupações presentes nos discursos associados à criação de uma 5

smart city no Rio de Janeiro. No caso desta cidade, especialmente, a participação do segundo e terceiro setores são significativamente importantes para o desenvolvimento das iniciativas (COR e demais projetos conjugados). Segundo a CISCO (2015a), a preparação para os jogos olímpicos 2016 inclui o incremento do empreendedorismo (a partir da conexão das empresas à Internet das Coisas), a sofisticação do aprendizado escolar (a partir da aproximação entre professores e alunos via as mais diversas tecnologias) e a capacitação de profissionais de TI (visando manter o legado de utilização das tecnologias em diversos setores urbanos). De acordo com a empresa (2015b), a capacitação das pessoas para o uso da tecnologia - com a finalidade de resolver problemas - é um dos maiores desafios. Deste modo, uma das ações de continuidade destes processos é a criação de um laboratório urbano - living lab - para desenvolvimento de soluções via internet. O objetivo é gerar competitividade empresarial e qualidade de vida para os cidadãos. Em entrevista ao canal Connected Smart Cities (2015), o secretário de governo da Prefeitura afirma, sobre as diretrizes para a construção e continuidade de uma cidade inteligente, e aborda a questão da participação: "a cidade, com essas premiações, tem o desafio de se manter no primeiro lugar do ranking. E o desafio de continuamente oferecer soluções(...)O segundo aspecto é continuamente usar todas essas informações que chegam para a cidade, através de plataformas, como a nossa central de atendimento que é, hoje, a maior da América Latina.(...). E em terceiro lugar(...) uma prefeitura aberta, colaborativa, cada vez mais prover informações para a cidade através das plataformas de dados abertos, (...)trazer o cidadão para colaborar com os nossos serviços, para que ele possa opinar e definir prioridades para o futuro da cidade(...)"

Sobre inovação e empreendedorismo, o secretário municipal de Ciência e Tecnologia afirma: "Com parcerias com empresas públicas e privadas, além de universidades, criamos uma ambiência tecnológica na cidade que acabou formando um círculo virtuoso que envolve desde os cidadãos propondo ideias, à formação de desenvolvedores para transformarem estas propostas em aplicativos, como também de apoio às startups que estão surgindo e a participação de empresas como a Cisco, em uma parceria com o setor público que deixará um legado tecnológico para a cidade após a Rio 2016." (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2015).

RESULTADOS: CURITIBA Em Curitiba, assim como no caso do Rio de Janeiro, os termos mobilidade e sustentabilidade aparecem entre os três mais recorrentes, tanto nas notícias do Portal da Prefeitura quanto nos demais jornais (figura 2). Estes são dois dos principais aspectos pelos quais a cidade é reconhecida nacional e internacionalmente, e figuram, ainda, como principal preocupação dos gestores na maioria das ações urbanas. O termo transporte também está entre os mais utilizados pelos jornais, na associação com o conceito de smart city, o que colabora para reforçar esta imagem da cidade. Recentemente, a aplicação de TI no sistema de transporte, a partir do monitoramento e de cartões de uso individual, vem potencialmente auxiliando o 6

poder decisório dos gestores, que conseguem identificar mais facilmente as demandas (DUARTE; TANIGUCHI, 2012). Figura 2 - Distribuição dos termos mais utilizados nas notícias sobre smart city em Curitiba

Fonte: Elaborado pela autora, com base em Portal da Prefeitura de Curitiba, jornal Gazeta do Povo e Portal G1.

A cidade já esteve presente em alguns rankings de classificação de cidades sustentáveis e inteligentes. Em 2015, a Urban Systems classificou Curitiba como a 1ª cidade em smart government (governança inteligente) e 5º lugar no ranking geral de cidades inteligentes. Além disso, a cidade costuma receber fóruns anuais de discussão sobre cidades inteligentes e laboratórios de desenvolvimento de inovação empresarial (CASTRO, 2016). Outros prêmios recebidos neste sentido foi o de 3ª cidade mais inteligente do mundo pela revista Forbes em 2010, e primeiro lugar brasileiro de cidade digital, pelo IBCD (Instituto Brasil para Convergência Digital) em 2012 (DETROZ et al., 2015). A figura 2 mostra, ainda, que o termo mais utilizado nas notícias veiculadas no Portal da Prefeitura é desenvolvimento, o que pode sugerir que o processo de construção de smart cities está, para a gestão, associado a um conjunto de ações em diversos setores urbanos. Em nenhuma das fontes pesquisadas o termo inovação é citado, o que poderia sugerir que este não é um termo frequentemente associado ao inteligenciamento urbano. No entanto, o discurso veiculado na imprensa e por gestores apresente este fator com relevância, como poderá ser observado nos extratos a seguir. Além disso, é interessante notar que os termos business e empreendedorismo são recorrentes em todas as fontes pesquisadas, o que também contribui para reforçar a visão de smart city desenvolvida em Curitiba. O histórico de utilização das TICs para o planejamento urbano de Curitiba, por exemplo, inicia nos anos 1990. No final desta década, foi criado o ICI, com o intuito de operar as tecnologias de informação municipais. Mais tarde, em 2005, a gestão criou um plano com o objetivo de transformar a cidade em uma "cidade do conhecimento", por meio da oferta de maior conectividade e WiFi grátis em diversos pontos da cidade. Além disso, iniciou-se diversas atividades que dariam origem ao projeto do Tecnoparque, um centro de desenvolvimento de idéias inovadoras que reúne universidades, indústrias e empresas de 7

terceiro setor. Em resumo, o sucesso das ações na área de manejo de TICs ocorreu principalmente devido a uma mescla de diferentes gestões e atores, com diferentes visões sobre o tema, trabalhando em pontos específicos (DUARTE et al., 2014). De acordo com reportagem do canal RICTV (2015), que entrevistou um especialista no assunto: "(...)à medida em que o poder público(...) faz seu planejamento para transformar o lugar em um bom lugar para se viver, em termos de tecnologia, ele vai, evidentemente, atrair negócios, geração de rendas, e o mercado(...) por saber que há um interesse político(...) vai tentar descobrir(...) qual o tipo de solução que ele pode desenvolver para contribuir para a implantação de uma melhor tecnologia"

Ainda nesta reportagem, o representante da ONU-Habitat refere-se à Curitiba afirmando que são elementos fundamentais para a criação de uma smart city: "primeiro, criar um sistema de comunicação inteligente com a cidadania, ter um processo que realmente envolva todas as forças sociais e políticas que existem nas cidades para solucionar os seus problemas. Depois, utilizar as tecnologias, mecanismos que possam criar, por exemplo, uma mobilidade sustentável, o tratamento do lixo de forma eficiente e sustentável, criar processos de reciclagem, processos educacionais da cidadania, nas escolas; ou seja, uma série de políticas que no fim vão gerar qualidade de vida(...) do espaço público, dos serviços públicos. E também a eficiência da máquina administrativa, quer dizer, uma cidade inteligente é aquela que também é eficiente no trato das questões que interessam aos seus cidadãos."

Na visão da Prefeitura (2014), a mobilidade inteligente e a sustentabilidade estão diretamente atrelados à inovação e à participação popular: "soluções inovadoras já não bastam; é preciso ter comportamento inovador o tempo todo, em todas as áreas. A cidade se abre para inovação em todos os níveis. (...)Para ser sustentável, Curitiba estimula a criatividade. Maratonas de tecnologia abrem espaço para universitários criarem aplicativos úteis para a população. A cidade funciona como uma grande incubadora, com centros de apoio a pequenos empresários, no bairros. Para ser mais sustentável, Curitiba se tornou mais participativa: em audiências públicas e através da internet, o cidadão opina(...)"

RESULTADOS: BÚZIOS O caso da cidade de Búzios é interessante por apresentar um projeto de smart city voltado especificamente para a área de gestão de energia. A figura 3 apresenta que, dentre os três termos mais recorrentes, o único comum às fontes pesquisadas às fontes é energia. Assim como nos casos do Rio de Janeiro e de Curitiba, o Portal da Prefeitura veicula principalmente as palavras sustentabilidade, desenvolvimento e mobilidade. No caso dos portais de notícias, são mais citadas as palavras tecnologia e internet. Estes dois termos referem-se especialmente aos objetivos e demandas do projeto, e associados com outros termos recorrentes, como concessão e operadoras, contribuem para reforçar o caráter de especificidade das iniciativas desenvolvidas na cidade. Figura 3 - Distribuição dos termos mais utilizados nas notícias sobre smart city em Búzios 8

Fonte: Elaborado pela autora, com base em Portal da Prefeitura de Búzios, O Globo, Folha de Búzios e G1.

De acordo com a Enel Brasil (2015), o projeto alinha-se com as tendências internacionais, e foi implementado na cidade devido à visibilidade turística e ao potencial para geração distribuída. O projeto, que transforma a cidade em um laboratório, prevê testes ao longo de três anos, e associa as tecnologias tradicionais da área de gestão de energia com soluções inovadoras, que flexibilizam a gestão da informação. No início do projeto, o então prefeito da cidade afirmou, em entrevista à rede Band(2012): "Um benefício importante é o fato de(...) poder trazer para cá congressos, universidades, seminários sobre energia inteligente. Essa discussão acadêmica (...)pode trazer um foco ligado ao turismo de negócios, que é também importante para a cidade". De acordo com a Prefeitura de Búzios (2014a e 2014b), a participação acadêmica ocorre também no sentido de promover o desenvolvimento de idéias que visem a redução da emissão de poluentes na costa marinha e o estímulo à aplicações que envolvam energia solar. Algumas pesquisas acadêmicas, realizadas para analisar os primeiros resultados do projeto, identificaram que nem toda a população tem total conhecimento das ações - embora a iniciativa esteja ainda em fase de testes. Freitas (2014), em entrevista a alguns moradores, percebeu que boa parte não consegue identificar o que está sendo transformado. Além disso, uma pesquisa informal realizada pelo Lab404 (2015) mostrou que há um certo desconhecimento em relação à instalação dos equipamentos de monitoramento de energia. No entanto, a instalação da rede WiFi gratuita parece ser mais conhecida.

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados mostraram que, apesar de as três cidades possuírem projetos com focos e denominações diferentes, os objetivos e preocupações dos gestores são estabelecidos em torno dos mesmos temas. Foi possível observar que o conceito de smart city é associado, nos três casos, à ações nas áreas de mobilidade e sustentabilidade ambiental. Do mesmo modo, o foco no empreendedorismo como meio para a inovação é considerado relevante - seja como macro9

objetivo, como é o caso de Curitiba, ou em iniciativas pontuais, como ocorre em Búzios - e é citado nos discursos da gestão, dos fornecedores de serviços e na imprensa. Observa-se também, a partir dos extratos apresentados, que as experiências dos projetos brasileiros reforçam a teoria, no sentido de que o conceito de smart city é ainda bastante abrangente e diversificado. Em resumo, é possível observar que na maioria dos discursos, o conceito aplicado aos projetos busca associar a tecnologia ao objetivo de incremento na qualidade de vida do cidadão. Isto reforça o pressuposto de Kitchin (2014b), apresentado na segunda parte do texto. Pode-se observar, ainda, duas características comuns às iniciativas das três cidades. Em primeiro lugar, a origem dos projetos de inteligenciamento urbano está atrelada às principais demandas locais: no caso do Rio de Janeiro, monitoramento da segurança pública e das condicionantes naturais; em Curitiba, o planejamento para mobilidade e sustentabilidade ambiental, e em Búzios, a visibilidade turística e a potencialidade energética das condicionantes ambientais. Isto sugere, ainda, que as cidades passam a considerar smart e a tornar smart aquilo que já é uma potencialidade natural do local.

Em segundo lugar, pode-se observar que

os elementos de sucesso dos três casos devem-se ao trabalho integrado de diversos grupos de atores (poder público, indústrias, empresas de TI, população) em abordagens mais horizontais e multilaterais. As aplicações do conceito de smart city no Brasil são ainda recentes e demandam estudos e prognósticos de longo prazo. A simples utilização de tecnologia de ponta, bem como a preocupação com inovação, exclusivamente, não são suficientes para tornar os ambientes e cidadãos mais inteligentes, nem devem ser encarados como solução única e definitiva para os problemas urbanos. Da mesma forma, o conceito de smart city não deve ser tratado sob uma prerrogativa futurística, focada apenas em discussões utópicas e não em possibilidades tangíveis de aplicação. Ressalvando-se estes pontos, objetivos palpáveis - em atenção aos interesses sociais, culturais, econômicos e políticos - podem orientar estratégias de construção de cidades brasileiras mais inteligentes.

REFERÊNCIAS ACS, Zoltan; BOSMA, Niels; STERNBERG, Rolf. The entrepreneurial advantage of world cities: Evidence from Global Entrepreneurship Monitor Data. SCALES - Scientific Analysis of Entrepreneurship and SMEs, Zoetermeer, ago./2008. AMIN, A.; THRIFT, N. Cities: Reimagining the urban. London: Polity Press, 2002. BARRIONUEVO, Juan M.; BERRONE, Pascual; RICART, Joan E. Smart Cities, Sustainable Progress. IESE Insight, third quarter 2012, issue 14, p.50-57. 10

BAND RIO INTERIOR. Búzios é considerada a primeira cidade inteligente da América Latina. Vídeo publicado em 03 de dezembro de 2012. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=TSdoLfjdbvk> Acesso em: mai./2016. CASTRO, Renato. Smart cities trends - smart people: ICities Curitiba. Vídeo publicado em 07 de fevereiro de 2016. Disponível em: Acesso em: mai./2016. CISCO DO BRASIL. Manifesto Cisco - Rio 2016. Vídeo publicado em 06 de agosto de 2015. 2015a. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=-xNqGp-aSps> Acesso em: mai./2016. CISCO DO BRASIL. Desafios de um país em transformação - Centro de Inovação Rio IoE. Vídeo publicado em 09 de novembro de 2015. 2015b. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=-xNqGp-aSps> Acesso em: mai./2016. CONNECTED SMART CITIES. CSS entrevista: Pedro Paulo, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Vídeo publicado em 02 de setembro de 2015. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=ub-2sZ_Dj7M> Acesso em: mai./2016 SKIFT. How Rio de Janeiro is building the city of the future. Vídeo publicado em 09 de setembro de 2015. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=GsXHwOfoI90> Acesso em: mai./2016. DETROZ, Djessica; PAVEZ, Cristienne Magalhães Pereira; VIANA, Anna Paula. Panorama das cidades sustentáveis e inteligentes do Brasil . Revista de Extensão e Iniciação Científica UNOSOCIESC, 2015, v.2, n.1, p.121-134. DUARTE, Fábio; FIGUEIREDO, Frederico de Carvalho; LEITE, Leonardo; REZENDE, Denis Alcides. A Conceptual Framework for Assessing Digital Cities and the Brazilian Index of Digital Cities: Analysis of Curitiba, the First-Ranked City. Journal of Urban Technology, set./2014, v.21, n.3, p. 37-48. DUARTE, Fábio; TANIGUCHI, Gustavo. Personal Smart Cars: from a transportation to a city smart card - the database integration of public services in Curitiba. In: BULU, Melih (Ed.) City competitiveness and improving urban subsystems: technologies and applications. (p.217232). Hershey: Information Science Reference, 2012. ENEL BRASIL. Cidade Inteligente Búzios. Vídeo publicado em 01 de junho de 2015. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=VIOADi9JJ7o> Acesso em: mai./2016. GALDON-CLAVELL, Gemma. (Not so) smart cities?: The drivers, impact and risks of surveillanceenabled smart environments. Science and Public Policy, n. 40, 2013, p.717–723. GUARANI, Ana Paula; TEIXEIRA, Emilia; ALCHORNE, Sindely. Desastres ambientais e ação governamental: o Centro de Operações Rio e a experiência institucional da prefeitura do Rio de Janeiro. O Social em Questão, 2015, ano XVIII, n. 33. HOLLANDS, Robert .G. Will the real smart city please stand up? City, vol. 12, n.3, dez./2008, p. 303-320. 11

KITCHIN, Rob. From a single line of code to an entire city: reframing thinking on code and the city. In Code and the City workshop, 3rd-4th September 2014a, Programmable City, NIRSA, National University of Ireland Maynooth. KITCHIN, Rob. The real-time city? Big data and smart urbanism. GeoJournal, n.79, 2014b, p.1-14. LAB404 - Research laboratory in digital media, networks and space. (2015). Cidade Inteligente Búzios. 20 de junho de 2015. Disponível em: < http://gpc.andrelemos.info/blog/buzios-cidade-inteligente/> Acesso em: mai./2016. NAVES DO CONHECIMENTO. Rio de Janeiro, uma das 7 cidades mais inteligentes do mundo. Vídeo publicado em 04 de fevereiro de 2015. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=lgvCV2eAKPs> Acesso em: mai./2016. O GLOBO. Cidade do Rio é eleita a mais inteligente e conectada do país. 03 de agosto de 2015. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/rio/cidade-do-rio-eleita-mais-inteligente-conectadado-pais-17067390> Acesso em: mai./2016. PORTAL DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO. Secretário apresenta Plano Estratégico de Tecnologia para empreendedores. 16 de outubro de 2015. Disponível em: < http://www.rio.rj.gov.br/web/sect/exibeconteudo?id=5660310> Acesso em: mai./2016. PREFEITURA DE BÚZIOS. Prefeitura de Búzios e Concessionária Ampla realizam passeio de aquatáxi elétrico. 22 de janeiro de 2014. 2014a. Disponível em: < http://buzios.rj.gov.br/noticiaimp.aspx?id=8384498b-0b96-4136-a17c-2115be304917> Acesso em: mai./2016. PREFEITURA DE BÚZIOS. Búzios recebe pela 2ª vez o Desafio Solar Brasil. 11 de novembro de 2014. 2014b. Disponível em: < http://buzios.rj.gov.br/noticiaimp.aspx?id=4b24f5bd-d483-4e85-97d9-a88490c2de13> Acesso em: mai./2016. PREFEITURA DE CURITIBA. Curitiba e ações de sustentabilidade. Vídeo publicado em 17 de outubro de 2014. Disponível em: Acesso em: mai./2016. RICTV. Considerada cidade inteligente, Curitiba é sede de evento latino sobre sustentabilidade. Vídeo publicado em 26 de maio de 2015. Disponível em: Acesso em: mai./2016. TIDD, J.; BESSANT, J. Gestão da Inovação (5ª ed.). São Paulo: Bookman, 2015. TUVIEN – Technische Universität Wien. (2015). European Smart Cities 4.0 2015: The smart city model. 2015.

12

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.