FAZENDO ANA PAZ: UM OLHAR À LITERATURA INFANTOJUVENIL

June 4, 2017 | Autor: Lucilene Fonseca | Categoria: Literatura Infantil
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FAZENDO ANA PAZ: UM OLHAR À LITERATURA INFANTOJUVENIL Lucilene Santos Silva Fonseca (PUC-SP/FACEQ) *

Resumo Este artigo tem como objetivo expor aspectos da literatura infantojuvenil, sua função e seu histórico, no que diz respeito a apresentar seu lugar junto ao ensino-aprendizagem de leitura e escrita, assim como para a ampliação do conhecimento de mundo, na formação de jovens leitores. Para comprovar este papel, analisamos a obra Fazendo Ana Paz de Lygia Bojunga (2002), verificando sua importância na mediação de práticas de leituras, realizadas no dia a dia em processos de interação. Palavras-chave: Literatura infantojuvenil. Leitura e escrita. Ensino-aprendizagem. Lygia Bojunga. Abstract This article aims to expose aspects of children's literature, its function and its history, with regard to present its place next to the teaching and learning of reading and writing, as well as to expand the world of knowledge, training young readers. To prove this paper, we analyze Lygia Bojunga’s work, Fazendo Ana Paz (2002), verifying its importance in mediating reading practices, held on the day interaction processes. Keywords: Children's literature. Reading and writing. Teaching and learning. Lygia Bojunga.

Introdução A literatura infantojuvenil surgiu no século XIX, como uma “pequena” forma literária e se uniu à forma pedagógica para conduzir as crianças, por meio de textos, a *

Doutora e Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP. Especialista em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília - UNB. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Licenciada em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Língua Inglesa pela Universidade São Marcos. 1 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

compreender o mundo em que vivem. No Brasil, o escritor Monteiro Lobato significou um marco, principalmente para as crianças, pois foi a partir de suas histórias que a literatura infantojuvenil brasileira teve início. Quando escreveu seu primeiro livro, em 1920, A Menina do Narizinho Arrebitado, Lobato havia notado que faltavam obras para as crianças da época. Em uma carta escrita para um amigo ele diz: "Que é que as nossas crianças podem ler? Não vejo nada. [...] É de tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a iniciação de meus filhos" (REITZ, 2015, s/p). Da época de Lobato para cá, muito mudou na literatura infantil. Diversos pesquisadores têm investido nessa área como um campo de investigação. Dentre eles, podemos citar Nelly Novaes Coelho (1983, 1991, 2003), que discute o panorama da literatura infantojuvenil no país, destacando que a prática da narração de histórias, como forma de conhecimento, desencadeia o desenvolvimento da imaginação, da sensibilidade, da manipulação crítica e criativa da linguagem oral. E isso é possível em todas as fases de desenvolvimento do ser humano. Coelho nos leva a refletir ao afirmar que “o impulso de contar histórias deve ter nascido no homem, no momento em que ele sentiu necessidade de comunicar aos outros, certa experiência sua, que poderia ter significação para todos” (COELHO, 1991, p. 13). Além de Coelho, também Zilberman e Lajolo (1986, 1988) apresentam um histórico da literatura infantojuvenil no Brasil, ressaltando seu papel de auxiliar no processo civilizador e educativo. Aracy Evangelista (1996) também estuda Literatura Infantil e textualidade. Essa autora recebeu no ano 2000 o selo “Altamente Recomendável”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, por apresentar uma coletânea de artigos sobre a diversidade de suportes, de gêneros e de leituras que caracterizam o final do século XX e que perpassam as práticas escolares, tanto no que diz respeito à linguagem em geral, quanto à mediação realizada por professores, quando ocorre a recepção literária de seus alunos na obra “No fim do século: a diversidade – O jogo do livro infantil e juvenil”. Destacam-se nessa publicação de Evangelista (et al., 2003), a relevância e a função da leitura literária, que assumem um sentimento de formação estética, ética e política na vida de professores e alunos leitores, cidadãos que, dessa experiência, se apropriam de um tipo de produção simbólica geralmente restrita a minorias privilegiadas. Dessa forma, é possível perceber que o olhar e o interesse pela área 2 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

demonstram a importância que essa literatura adquiriu no último século. Se olharmos para além das pesquisas, analisando o número de publicações voltadas para o público infantojuvenil, nessa primeira década do século XXI, também será possível perceber o grande crescimento do interesse mercadológico por essa faixa etária. De forma semelhante aos trabalhos acima citados, este artigo também enfoca a Literatura Infantojuvenil. Diferentemente, no entanto, este tem por objetivo mostrar um viés da literatura infantil contemporânea e seu papel na formação de jovens leitores, como facilitadora do ensino-aprendizagem de leitura e escrita, assim como um meio de aquisição de conhecimento de mundo.

1 Fundamentação teórica A literatura infantojuvenil apresenta um enorme repertório de obras, em formatos, com materiais, com funções e linguagens diferentes: há livros impressos em papel, em tecido, plástico, borracha; e há livros encontrados na internet. Desta forma, as mídias diversificam os contextos de utilização dos textos. Muitas das obras são publicadas em cartões para que a criança crie suas próprias histórias em grandes livros, cujo objetivo é que sejam contadas para uma turma de jovens; ou, ainda, publicadas em livros menores para a leitura individual. Alguns são usados com funções educativas e outros, para o lazer. Em relação às linguagens, ora se apresentam como verbais, ora visuais e ora verbo-visuais. Estes aspectos serão discutidos a seguir.

1.1 Literatura infantojuvenil: histórico e atualidade Para Gregorin Filho (2011), a literatura e a educação brasileiras, do final do século XIX até Monteiro Lobato, estão ligadas ao nacionalismo e ao tradicionalismo cultural, época em que vigoravam o moralismo religioso e as exigências de caráter, tudo em conformidade com os preceitos religiosos. Monteiro Lobato surge com uma proposta nova, a literatura infantil, quando a criança passa a ter seu lugar, vontade e voz, por meio da boneca Emília e das ilustrações e textos do Sítio do Pica-pau Amarelo. Essa literatura passaria por várias transformações (pós-guerra, ditadura militar) e mudanças advindas da tecnologia e da sociedade. Já nos anos 1980, a criança conta com a tecnologia e para entrar online na página, precisa interagir, participar, desenhar 3 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

ou escrever, entre outros recursos, na homepage. A diversidade de valores do mundo contemporâneo é retratada por meio da literatura infantojuvenil, sendo mudada a cada dia, frente ao mundo globalizado. Neste breve panorama, o que se pretende é ressaltar a trajetória, a mudança dos objetivos e de mecanismos de construção de um tipo de texto que tem como destinatária a criança (GREGORIN FILHO, 2011, p. 23). Gregorin Filho (2011) aponta para outro momento importante na trajetória da histórica da literatura para crianças e jovens: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394), de 20 de dezembro de 1996, de onde surgiram os Parâmetros Curriculares Nacionais e, consequentemente, os Temas Transversais para serem trabalhados na sala de aula. Esses são temas de interesse da sociedade e deles fazem parte a ética, a pluralidade cultural e o meio ambiente, entre outros. 1.2 A relação da literatura infantojuvenil e o leitor A literatura infantojuvenil passa a oportunizar à criança a percepção no livro infantil, de um mundo que deseja identificar com o seu, antes mesmo de começar a ler. O que se pretende realizar por meio do formato, do tamanho, dos títulos, dos nomes das coleções etc. Nota-se uma necessária interação com o universo infantil que existe em cada ser humano e que sempre está apto a responder a diferentes motivações que chegam aos seus pensamentos. Evangelista (1996) assegura que a Literatura Infantojuvenil, na criação de uma obra de ficção e por meio do ato de contar histórias, busca aspectos que criam o clima, que antecedem e anunciam um mundo ficcional que predispõe o leitor para a obra, procurando em seus desejos e conhecimento, prévio uma identificação e, sobretudo, sugere antecipações de sentidos, provoca expectativas, a fim de envolver seu leitor.

Nas obras da literatura infantojuvenil, utiliza-se cada elemento verbal ou não verbal com certa finalidade, nada na obra aparece por acaso, pois há um objetivo, o de contribuir para a construção dos sentidos do texto, ao usar as diversas funções da linguagem. Há motivações que, ao se depararem com essas diversificadas ferramentas interativas, tais como: livros de borracha, de pano, com formato de animais e objetos do mundo infantil, ou com personagens que abrem asas, ou grandes bocas, fantasmas que abrem grandes braços, saltando para fora da folha, como no livro Era uma vez uma velha, conseguem suprir as necessidades sensoriais de crianças menores, adolescentes e 4 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

de leitores adultos, com suas curiosidades. Hoje existe uma infinidade de opções para atender os diferentes tipos de leitores: livros grandes, compridos como Olha o bicho e Poemas para brincar, e os pequeninos, como os das Anedotas do Bichinho da maçã, O Menino Maluquinho em miniatura, ou os da Coleção Folclore de Casa, obras disponíveis nas diversas livrarias. Os leitores contam também com inúmeras coleções, que anunciam um mundo mágico e lúdico, coerente com as diversas manifestações culturais, presentes no nosso dia a dia, tão próximas ao conhecimento desse universo: o mundo infantojuvenil. Os livros trazem brincadeiras e músicas infantis, há ditados e referências a festas populares, como as coleções Alecrim Dourado (O gato de Dona Chica, Papagaio de papel, Congos e Congadas), Ping-Póing (Quem espia se arrepia, Quem cochicha o rabo espicha) etc. Eventualmente, apenas com o título, que sempre vem antes do conteúdo da obra, os textos convidam, antecipadamente, o leitor a entrar e mergulhar no jogo. Em O que é, o que é?; Adivinhas picantes; Bento que bento é o frade; Quem lê com pressa tropeça; Um tigre, dois tigres, três tigres, o leitor vai ao texto na expectativa de encontrar o que o título promete: adivinhações, trava-línguas, brincadeiras com a linguagem, profundamente úteis a todos profissionais ligados à área pedagógica. Para Evangelista (1996), os leitores necessitam mergulhar na obra para saber do que ela trata e atribuir-lhe um sentido, como acontece em obras como: Estão batendo na porta; Aquilo; De morte! Há outros títulos, que se posicionam de forma contrária aos imaginados pelo leitor quanto ao mundo real ou ficcional, pois anunciam histórias tradicionais às avessas, propondo um neologismo, uma retomada diferente ou uma inversão, como em Sapomorfose ou O príncipe que coaxava; Chapeuzinho amarelo; O jogo do contrário. Muitas obras avisam ao leitor que ele está prestes a entrar em um mundo de ficção e o contextualizam, nesse mundo desconhecido. Podemos citar, como exemplo, a expressão "Era uma vez", que pode ser modificada ou acompanhada de palavras inesperadas que criam imprevisibilidade, ironia e uma grande expectativa. Ao começar com expressões, desenhos e balões, alguns livros, antecipadamente, anunciam seus personagens, temas, fatos, antes de apresentá-los na própria obra. Existem livros em que a ilustração extrapola o texto verbal, ora mantendo uma interlocução com o leitor, por meio de bilhetinhos, ora criando humor, como O homem no sótão, A casa do meu avô, Sapomorfose ou O príncipe que coaxava. Em outros, 5 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

como a primeira edição de Onde tem bruxa tem fada, os contornos das paisagens formam ora rostos de bruxas, ora rostos de fadas no mesmo traço. Ilustrações especiais dialogam com o conteúdo da própria obra. Há uma interação entre o texto e o desenho e para se comunicar necessita-se dos dois, pois um ajuda o outro. Busca despertar o leitor e a criança, em algum momento, pode completar o livro como em Cena de rua, que é feito de acrílico. O leitor ao virar a página completa, entende melhor, constrói. A diagramação, responsável pela harmonia da distribuição do texto pelas páginas do livro, é outra pista importante para o leitor construir a textualidade: espaços em branco, lacunas, cortes estratégicos podem criar expectativas, propiciar a reflexão ou o sonho do leitor (EVANGELISTA, 1996). É importante citar aqui o livro de Chico Buarque, Chapeuzinho Amarelo, publicado em 1997. Uma obra que termina com uma página em branco, sem escrita. O autor nos mostra um chapéu no canto superior direito da página, pequeno e invertido, como algo que voa pelos ares e tem, portanto, uma importância menor do que a que lhe é dada no início da história. No início da obra o espaço usado na capa é pequeno para conter um chapéu tão protetor e grande. Chico Buarque (1997) utiliza, na obra, alternâncias e paralelismos rítmicos, módulos móveis (LO-BO) em múltiplas posições, no espaço da página, para integrar com sentido, visualidade e sonoridade. Há também outros elementos e outras ferramentas que são geradas pelas escolhas linguísticas do leitor, que objetiva imprimir os sentidos na construção textual, além dos elementos não verbais que, de forma exclusiva ou de forma associada à palavra, contribuem para a construção da textualidade. Cada leitor contextualiza a história, baseado nas pistas apresentadas no texto, que ativam o seu conhecimento de mundo, suas expectativas, intenções, sonhos, imaginação e o fazem sonhar, muitas vezes, acordado.

1.3 O papel da literatura infantojuvenil para o ensino-aprendizagem da leitura e escrita e para a aquisição de conhecimento de mundo A Literatura Infantojuvenil aos poucos constrói, aproxima a criança da escrita, usa desses fatores de contextualização e joga, ao fazer um trabalho de diagramação. Outro fator primordial é a utilização das cores na imagem, nas ilustrações que são inseridas nas obras de acordo com o conhecimento de mundo da criança, por vezes mais 6 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

que o próprio texto escrito. Ela é um fator essencial nas obras infantis. Evangelista (1996) afirma haver livros em que a imagem é o próprio texto. Estampas que contextualizam ações, como nos livros da Coleção Peixe Vivo: Todo dia, Esconde-esconde; ou são tirinhas, como nos livros da Bruxinha, de Eva Furnari; ou que são histórias, como a Ida e volta, Filó e Marieta, A menina e o dragão. Livros em que a sequência e a articulação das imagens levam o leitor a construir uma história. Ao ler/ouvir uma história, então, o leitor se apropria das imagens propostas na tessitura narrativa, concretizando-as pela particularidade de seu imaginário. O romance constrói e propõe uma cena, por exemplo, que é reconstruída a cada ato de leitura. Nesse processo, as habilidades e competências do leitor empírico entram no jogo e determinam os caminhos imaginários da interlocução (PINA, 2011, p. 29). Pina (2011) ressalta que a literatura infantojuvenil instrumentaliza os leitores para que possam entrar no jogo da literatura adulta, conjugando o estético e o pedagógico: Nos livros infantis, mais do que na maioria dos textos sociais, se reflete a maneira como uma sociedade deseja ser vista, e pode-se observar que modelos culturais dirigem os adultos às novas gerações e que itinerário de aprendizagem literária se pressupõe realizem os leitores, desde que nascem até sua adolescência. (COLOMER, 2003, p. 14)

A investigação sobre os mecanismos textuais conduz a interação da obra com o leitor dos estudos literários. Há entre ambos uma assimetria que viabiliza o diálogo. Wolfgang Iser (1979) ressalta que, por meio da ficção, o leitor pode atravessar as fronteiras do mundo instituído, uma vez que ele o refaz, antropofagizando a realidade. Os vazios, as negações, as supressões, as cesuras, as imagens, os cerzidos do texto, enfim, dão o lugar do leitor, quebrando o fluxo textual, interrompendo a articulação discursiva sequencial. Dessa forma, o texto pode provocar o imaginário do leitor, dinamizando o impresso. Assim, as personagens e suas ações podem funcionar como instrumentos de provocação do imaginário do interlocutor do texto, como elementos capazes de suscitar uma leitura ativa e, por consequência, a aquisição de conhecimento de mundo.

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Metodologia de pesquisa Este trabalho se encontra inserido em um paradigma interpretativista crítico, 7

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uma vez que analisa materiais impressos e sua relação com a sociedade. O paradigma interpretativista recebe esse nome porque se opõe ao seu antecessor, o Positivismo, aceitando análises qualitativas por parte dos pesquisadores. É utilizado principalmente nas Ciências Sociais e Humanas (BREDO; FEINBERG, 1982). Considerando-se que o trabalho aqui apresentado analisa obras publicadas sobre a literatura infantojuvenil e não realiza pesquisa de campo, é possível dizer que se trata de uma pesquisa bibliográfica. De acordo com Lakatos e Marconi (2009), a pesquisa bibliográfica é aquela em que o pesquisador faz o levantamento de toda a bibliografia publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista “o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações” (TRUJILLO, 1974 apud LAKATOS; MARCONI, 2009, p. 44). Para a escolha do tema, a coleta de dados, a análise e interpretação da obra escolhida, levaram-se em consideração fatores internos e externos: a seleção do assunto, das obras pertinentes em número suficiente para o estudo escolhido, tudo foi feito a partir de estudos, leituras e observação, por meio da experiência profissional da autora deste artigo, como docente do Ensino fundamental. Importante ressaltar que ler, compreender e conhecer as obras de literatura infantojuvenil é dever de todos os professores do Ensino Fundamental e Médio. Isto porque os educadores são os principais agentes de promoção da leitura e da escrita, junto a seus aprendizes.

2.1 Coleta de dados A coleta dos dados foi feita a partir de estudos e leituras de bibliografia da área. A obra analisada foi escolhida após a escolha do tema, formulação do problema e objetivo a ser alcançado, visando suprir a carência de estudos sobre a literatura infantojuvenil contemporânea. Os recortes analisados foram selecionados para comprovar tanto seu papel no ensino-aprendizagem dos jovens leitores e escritores para o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, como também para a ampliação do conhecimento de mundo, na formação de jovens leitores. A obra escolhida foi amplamente recomendada para jovens, ganhadora dos seguintes prêmios: Altamente Recomendável para o Jovem – 1992; Prêmio Jabuti e 8 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

Prêmio White Ravens – 1993. As habilidades da escritora como ficcionista, atriz e dramaturga também são características que se fazem presentes em suas obras, por meio de narrativas expressivas, com efeito teatral. Por meio da análise da obra Fazendo Ana Paz de Lygia Bojunga (2002), desejamos comprovar com exemplificações essa nova consciência da linguagem e da criação literária que, desde os meados dos anos 1970, vem se tornando, cada vez mais, umas das principais fontes de formação para as crianças em matéria de comportamento e transformação das relações humanas. 2.2 Análise e interpretação de dados Procura-se aqui, na análise da obra Fazendo Ana Paz, as ferramentas e os artifícios linguísticos, que aplicam a informação teórica ao utilizar as funções e as articulações pertinentes aos textos escritos na Literatura Infantojuvenil, como também se busca explorar tanto a capacidade comunicativa da autora ao dialogar com o leitor e consigo mesma, como também a riqueza de detalhes dos livros infantis. Estuda-se uma escritora que se comunica. Nessa obra há uma interação linguística com o leitor. Em cada linha, percebe-se o que se afirma nesta pequena narração encontrada no site de Lygia Bojunga: Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena os livros me deram casa e comida. Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede, deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado. E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro. De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras. Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça. Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação. Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher e pronto, o livro me dava. Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que – no meu jeito de ver as coisas – é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava. Mas como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra – em algum lugar – uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar. (BOJUNGA, 9 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

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A autora escreve um texto que acompanha a estratégia textual do título, cujo sentido indeterminado permite e exige a entrada do seu leitor na obra; pelas marcas verbais e não verbais, ele é levado a pensar. Durante toda a leitura percebe-se que as personagens dialogam entre si e há relações, um encadeamento que vai reiterar a presença da função poética ao projetar “o princípio de equivalência do eixo de seleção no eixo de combinação” (CHALHUB, 1997, p. 37), de tal forma que a mensagem volta-se para si mesma e confunde: “Mas que menina! – me levantei pr’acender a luz. Tateei no escuro e esbarrei na Ana Paz” (BOJUNGA, 2002, p. 38). Note-se que, para ser coerente com a proposta da escritora, deve-se preencher o espaço em branco, no final do livro, com elementos do conhecimento prévio, por meio das pistas inseridas no texto. A autora brinca com o significante, constrói significados, articula, por meio de exemplos, sons e aspectos visuais das palavras, que se fazem presentes nas pequenas ilustrações do livro, pois ao iniciar cada capítulo, depara-se com letras-desenhos, signos, representações que também levam a pensar. Uma mensagem de informação estética, poética, que “promove o caráter palpável dos signos” (JACOBSON apud CHALHUB, 2005, p. 19), uma técnica utilizada para sensibilizar, expor a maneira com que a escritora constrói sua obra. BOJUNGA (2002) também utiliza a metalinguagem para ligar o leitor ao desenho de sua mensagem, pois esse se torna um “emissor consciente das relações da linguagem”, se auto-referencia; ao utilizar a onomatopéia, essa figura sonora ou visual (uma sílaba, reduplicada ou não), e recursos, para enfatizar sua mensagem: “Uma interrogação ia puxando outra e, lá pelas tantas, tchaaaaaa: a Ana Paz se afogou nesse mar de perguntas” (BOJUNGA, 2002, p. 15). Depara-se também com reticências, inversões, expressões cujo conteúdo provoca expectativas ou mesmo convida o leitor a participar da construção do final da obra, o que faz com que esse continue completamente envolvido. “Mês que vem a Ana Paz não vai mais ter página em branco, nem página riscada, nem...” (BOJUNGA, 2002, p. 50). Já, no momento de terminar a história, no limiar entre o que é imaginário e o que é real, aparecem “as escolhas linguísticas para ‘desfazer’ o mundo ficcional, que podem ir além de foram felizes para sempre, na forma e no significado” (CHALHUB, 10 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

1997, p. 20). Há no final uma evidente circularidade, uma busca pelo recomeço. A expressão que termina a história, tem o sentido de já chega, e deixa nas mãos do leitor a busca das soluções. [...] eu nasci para viver num livro! Livre! (você sabe tão bem quanto eu que não tem nada mais livre que um livro); já chega o tempo que eu fiquei numa gaveta, já chega o tempo que eu fiquei na tua cabeça: tudo tão fechado, tão cheio de complicação. Eu quero ir lá pra fora!! E hoje ela foi. (BOJUNGA, 2002, p. 53)

A leitura retoma, volta ao mundo real, o que também é uma marca importante, muito significativa. Essa volta ao real pode eventualmente significar uma possibilidade de busca por uma solução concreta para diversas questões cotidianas, instigando a outras leituras de textos e do mundo – uma circularidade que, ao final, anuncia outros começos e leva o leitor a interagir com a obra, pois novamente é levado a buscar por respostas. Considerações finais Acreditamos que, enquanto educadores-leitores, à medida que somos inevitavelmente o "outro" entre "outros", no processo de desenvolvimento das crianças, influímos na construção de leitores, por meio dos atos de leitura de que é constituída a nossa prática. Uma proposta de construção de leitores competentes, sensíveis e críticos, que pressupõe experiências de linguagem com os mais variados tipos de textos verbais, não verbais, orais ou escritos com ferramentas diversificadas: filmes, desenhos animados, quadrinhos, bilhetes, cartas, convites, diários, documentários, cartazes, jogos, brincadeiras, lendas, histórias, poemas, adivinhas, anedotas, trava-línguas etc. Experiências que vão acrescentar ao conhecimento prévio do leitor diferentes formas de conhecimento textual. Como “leitores-professores muito podemos contribuir para a construção desse conhecimento textual, de forma lúdica curiosa e dinâmica, por meio do prazer provocado pela participação efetiva dos leitores-alunos no processo de construção de sentido do texto, que é a textualidade” (EVANGELISTA, 1996). Propõe-se partilhar experiências de leitura literária com todos os envolvidos com crianças, propondo uma leitura sobre livros de Literatura Infantil, já que este se constitui em um tipo de texto com o qual as crianças interagem, ou podem vir a interagir. 11 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 5, número 20, novembro de 2015. www.faceq.edu.br/regs

Neste trabalho fica evidente que a literatura já não pode ser vista como mero entretenimento, pois hoje, ao contrário, entretenimento é televisão, cinema, teatro. Ela tem que ser vista como um meio de comungarmos com o mundo, de termos consciência de nosso lugar nesse mundo, de que somos uma parte de um todo que vem das origens e vai prosseguir depois de nós, e ainda há a possibilidade de viver experiências mil, que na vida cotidiana não podemos viver, assim como registra a autora de Fazendo Ana Paz, Lygia Bojunga (2002), que afirma sentir prazer em escrever obras com as próprias mãos, com o toque do lápis. Cabe aos professores estimularem seus alunos à leitura, pois a criança gosta de humor e necessita de emoção e criatividade. Concluímos ser esse o caminho ideal, o de sermos mediadores de práticas de leituras cotidianas e escolares em processos diferenciados de interação: alunos ou professores, somos, acima de tudo, leitores e escritores em permanente processo de construção.

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Acesso em: 15.Mar.2015.

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