Fé na Paris tropical

July 5, 2017 | Autor: D. Schmidt | Categoria: Urban History, Cidades, Protestantismo Brasileiro
Share Embed


Descrição do Produto

Daniel Augusto schmidt

FÉ NA PARIS TROPICAL: A OBRA MISSIONÁRIA METODISTA NO RIO DEJANEIRO DE
PEREIRA PASSOS

TRABALHO ACADÊMICO APRESENTADO AO PROF.
DR. DARIO PAULO BARRERA RIVERA, COM
VISTAS À APROVAÇÃO EM RELIGIÃO E MUNDO
URBANO NA AMÉRICA LATINA —3º SEMESTRE,
DO CURSO DE PÓS- GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS
DA RELIGIÃO — UNIVERSIDADE METODISTA DE
SÃO PAULO.



São Bernardo do Campo — janeiro de 2012
Fé na Paris tropical: a obra missionária metodista no Rio de Janeiro de
Pereira Passos






Introdução
O intuito deste trabalho é demonstrar de que forma religião e
realidade urbana estão profundamente relacionadas. A tentativa deste
pequeno texto será verificar os vínculos entre as mudanças empreendidas
pelo prefeito Pereira Passos na cidade do Rio de Janeiro e o surgimento de
uma nova opção de ação missionária para a Igreja Metodista: a criação do
Instituto Central do Povo.
Para tanto, este trabalho será dividido em quatro partes: na primeira,
faremos uma breve descrição da paisagem natural, urbana e social da cidade
do Rio de Janeiro na passagem do século XIX para o XX. Num segundo momento
trataremos das medidas tomadas para que aquela "feia" cidade colonial se
"modernizasse" [1] e se transformasse numa espécie de Paris tropical. Na
terceira parte verificaremos o quanto esta "modernização" se revelou
excludente e discriminatória. Por último, procuraremos perceber como estas
modificações revelaram um campo de ação novo para a Igreja Metodista recém-
instalada.

I A Capital Federal no início do século XX
De longe, a vista era maravilhosa. Do convés do vapor podia-se sentir o
cheiro da vegetação. As ilhas ao largo da Baía de Guanabara eram como
pinturas de um grande aquarelista. Pareciam flutuar levemente no mar. Na
entrada daquele porto natural, o Morro do Pão de Açúcar. Porém, sem o
famoso bondinho que só seria inaugurado em 1912. O Corcovado, também sem o
famoso Cristo Redentor, que só surgiria em 1932. Ao fundo, as montanhas. E
aninhada a um canto da Baía, a cidade do Rio de Janeiro, antiga Corte dos
tempos da Monarquia e então Capital Federal da jovem República dos Estados
Unidos do Brasil. Porém tanta beleza se dissipava à medida que o viajante
punha seus pés no porto. Ou melhor, quando ele se arriscava a desembarcar.


A entrada da Baía de Guanabara numa vista de Marc Ferrez
em1885. Instituto Moreira Salles

O porto do Rio era uma construção de madeiras podres e que abrigava
habitantes indesejados. O principal era o vírus da febre amarela. Mas ele
tinha também dois outros ilustres vizinhos: o vírus da varíola, o bacilo da
cólera e a bactéria da peste bubônica. O vírus da febre amarela tinha por
hábito veranear na cidade desde 1850[2]. O período de calor e chuvas
agradava ao mosquito aedes aegipti (ainda hoje tão famoso), transmissor do
vírus. Nesta época quem podia- os ricos- fugia para Petrópolis. A maioria
da população ficava na cidade para divertir este inconveniente habitante.
Já seus vizinhos tinham outras preferências: o vírus da varíola e o bacilo
da cólera preferiam os meses de inverno. A peste atuava o ano todo. O porto
também era habitado por uma profusão de prostitutas e bandidos.


Ao longe, o porto do Rio de Janeiro numa foto tomada por Marc
Ferrez em 1893. Instituto Moreira Salles

Porém, como era esta cidade?
Aos olhos dos brasileiros do final do séc. XIX- que tinham a Europa
como modelo e não valorizavam o seu passado- o Rio era uma cidade
"atrasada" [3]. Uma vila africana, repleta de resquícios do Brasil Colônia
e Império. Coisas que a "moderna" República desejava eliminar. Era o Rio
dos vice-reis e de Debret[4].
O Rio sobrevivia basicamente do serviço público, do porto e do comércio
atacadista. Porém, a população havia aumentado muito desde a Abolição da
Escravatura em 1888. Os escravos libertos buscavam oportunidades na capital
federal. Igual desejo tinham os imigrantes que começavam a chegar. Como os
empregos eram poucos, a cidade era uma grande feira. Registro disso pode
ser encontrado nas fotos tomadas por Marc Ferrez: vendia-se de tudo nas
ruas, vassouras, leite, doces, quinquilharias.




Uma vendedora de miudezas retratada por Marc Ferrez em 1899. Instituto
Moreira Salles

Esta população vivia em uma cidade de ruas apertadas e tortuosas que
terminavam em becos imundos. Mesmo as ruas mais elegantes como a do Ouvidor
eram bastante estreitas. O trânsito era caótico: nas vias estreitas
circulavam poucos bondes elétricos. A maioria ainda era movida a tração
animal. Esgotos e água encanada inexistiam. E ainda havia os morros, que
impediam que os "miasmas malignos" circulassem, provocando doenças.




O centro do Rio visto por Marc Ferez em 1885 Instituto Moreira Salles

E como o carioca morava? No centro, belos casarões centenários
abrigavam em suas alcovas uma população pobre. As antigas senzalas a rés-
do chão eram ocupadas por pequenos comércios. Havia outra opção para os
menos aquinhoados: os muitos cortiços. Mas existiam também aqueles mais
bafejados pela sorte. Uma nascente classe média vivia em casas simples no
centro ou nos subúrbios. Os ricos, em palacetes em bairros como Botafogo e
Laranjeiras.
O Rio precisava ser "modernizado". E essa modernização seria levada a
cabo por um presidente, um prefeito e um médico[5].

II O Presidente, o prefeito e o médico
Em novembro de 1902 tomou posse o quinto presidente da Republica dos
Estados Unidos do Brasil, o Conselheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves
(1848-1919). No momento de sua posse, ao apresentar seu plano de governo,
Rodrigues Alves apontou como um de seus principais objetivos a
"modernização" do Rio de Janeiro. Para o bem da imigração, o porto e a
cidade do Rio deveriam ser saneados.

Aos interesses da imigração dos quais depende em
máxima parte o nosso desenvolvimento econômico,
prende- se a necessidade do saneamento desta capital,
trabalho sem dúvida dificil porque se filia a um
conjunto de providências, a maior parte das quais de
execução dispendiosa e demorada...A Capital da
República não pode continuar a ser apontada como sede
de vida difícil, quando tem fartos elementos para
constituir o mais notável centro de atração de
braços, de atividades e de capitais nesta parte do
mundo...[6]

E para tanto, providências começaram a ser tomadas. Rodrigues Alves
reorganizou a administração da Capital Federal, dando grandes poderes para
o prefeito nomeado. Foram ainda disponibilizados 990 contos de réis para
financiar a higienização do Rio. Faltava apenas a escolha do pessoal
adequado para a obra. Em março de 1903, o higienista Oswaldo Cruz (1872-
1917) assumiu a responsabilidade de sanear a Capital. Já a "modernização"
ficaria a cargo dopoderoso prefeito nomeado Francisco Pereira Passos.

2.1 Quem foi Pereira Passos?
Pereira Passos nasceu na cidade de Piraí, Vale do Paraíba fluminense,
no ano de 1836. Era filho de um aristocrata do café, o Barão de
Mangaratiba[7].
Aos vinte e um anos de idade, o futuro prefeito do Rio foi enviado como
adido à legação brasileira em Paris. Ali terminou seus estudos de
Engenharia e assistiu de perto a grande reforma urbanística levada a cabo
pelo Barão de Haussmann na capital francesa. Como veremos mais abaixo, ela
serviu de modelo para sua obra no Rio de Janeiro. De volta ao Brasil, teve
uma longa carreira nas obras públicas durante a Monarquia e a República.
Pereira Passos faleceu no ano de 1913.

2.2 Paris, o modelo de cidade "civilizada"
Como foi dito mais acima, Paris foi o modelo inspirador da obra de
"modernização" de Francisco Pereira Passos. Na Belle Èpoque, a capital da
França havia se transformado num período muito curto de tempo, de um
amontoado medieval de casas na Cidade Luz conhecida até hoje. Esta
transformação se deve à figura de dois personagens: o autoritário Carlos
Luís Napoleão Bonaparte (1808-1873), que depois se auto- proclamaria
imperador da França com o título de Napoleão III, e o Barão George Eugène
de Haussmann (1809-1891) [8].
Quando Carlos Napoleão desembarcou na capital francesa no ano de 1848
encontrou uma acanhada cidade medieval. Ruas estreitas, casas amontoadas,
esgoto a céu aberto e pouca luz do sol. Era a Paris de Os Miseráveis do
romancista Victor Hugo (1802-1885). Um ambiente propício para os "miasmas"
e para a proliferação de epidemias. Mas apropriado também para um problema
maior que ocupava a mente daquele presidente da república que queria se
tornar o poderoso imperador dos franceses: os levantes populares, que eram
bastante comuns desde 1827. Era preciso manter a boa ordem. Mas para
realizar uma mudança tão grande era necessário escolher o homem certo. E
esse homem era o Barão de Haussmann.
Haussmann ficou conhecido como o maior modernizador urbano de todos os
tempos. Seu nome deu origem até mesmo a um conceito: o da
haussmanização[9]. Eleito prefeito da região do Sena em 1853, recebeu carta
branca do agora imperador Napoleão III para realizar as alterações na
cidade. O desejo em seu longo mandato[10] foi transformar Paris numa nova
Roma. Para isso rasgou grandes e retilíneas avenidas com largas
calçadas[11], os conhecidos bulevares. Novas construções padronizadas-
pequenos prédios de no máximo seis andares- surgiram no lugar das velhas
casas medievais. Todas equipadas com gás, água encanada e esgoto. Para
permitir a entrada de ar puro e afastar os miasmas foram construídos
parques como o Bois de Boulogne. O auge aconteceu já no período da Terceira
República com a inauguração do Teatro de Ópera de Paris em 1875. E essa
transformação serviu de modelo para outras capitais como o Rio de Janeiro
de Pereira Passos.


Paris, o modelo


III Rio de Janeiro, a Paris dos Trópicos
E a Paris dos trópicos começou então a surgir. Seguindo seu modelo
europeu, velhas construções coloniais foram demolidas. A cidade foi
saneada. Largas avenidas foram abertas. Até mesmo um teatro foi construído
nos moldes do da Cidade Luz. A ordem era "civilizar". Só que, como veremos
mais abaixo, esta mudança teve um alto preço social. A Revolta da Vacina e
a obra metodista deixariam isso bem claro.
As demolições começaram de uma maneira tímida no ano de 1903. Elas
atingiram o seu auge no ano de 1904, conhecido como o período do "Bota
Abaixo". Seiscentos e quatorze prédios foram derrubados em apenas seis
meses. Era preciso desafogar o centro.
As medidas também visavam sanear a cidade. Para isso, existia o
exército dos mata mosquitos e os caçadores de ratos criados por Oswaldo
Cruz. Mas também era preciso civilizar os habitantes do Rio. Velhos hábitos
precisavam ser mudados. Foram então baixados vários decretos. Foi proibido
o comércio de leite nas ruas da capital. Não se podia mais cuspir no chão
dos bondes e andar como pingentes. Empinar pipas. Cães vadios desapareceram
das ruas. Até mesmo o carnaval foi "civilizado": o feio entrudo foi
proibido:





Combatido por diversas leis e posturas desde o
período imperial, ele tem no prefeito Pereira Passos
mais um dos seus algozes. Após a posse, ele comunica
que a portaria de 1891, que proibia o entrudo, seria
severamente cumprida no carnaval de 1904.
Paralelamente, recomendou aos diretores do ensino
primário e secundário que persuadissem seus alunos a
desistir da prática do entrudo pois, além de se
tratar de uma brincadeira de mau gosto, era uma
atividade insalubre e que poderia causar uma série de
moléstias[12].

Havia até outra opção mais elegante ao carnaval. Em agosto, eram
realizadas as Batalhas de Flores, imitando cidades como Veneza ou Nice. Os
ricos desfilavam em suas carruagens ou nos novíssimos e caros automóveis
enfeitados com flores. A população menos favorecida assistia a tudo de
longe, separada por um cordão. A Paris dos trópicos se tornava uma cidade
burguesa.
Porém civilizar implicava também na abertura de grandes e largas
avenidas. No ano de 1905 foi inaugurada a Avenida Central (atual Avenida
Rio Branco). Logo ela substituiria a antiga Rua do Ouvidor como centro do
comércio de luxo e das sedes de grandes empresas. Foi a maior realização da
administração de Pereira Passos. Em seus cafés e confeitarias era possível
tomar um refresco. Nas lojas, comprar a última moda da Europa. Por seu
calçamento de macadame circulavam os primeiros automóveis. Como se pode ver
na foto de Marc Ferrez, as construções tentavam se aproximar de certa forma
da padronização francesa.


O Rio, a cópia: a Avenida Central numa foto de Marc Ferrez de 1910.
Instituto Moreira Salles



Por fim, em 14 de julho de 1909 foi inaugurado o Theatro Municipal do
Rio de Janeiro, inspirado no Ópera de Paris. "O Rio Civiliza-se" diziam os
artigos do poeta Figueiredo Pimentel (1869-1914) na coluna Binóculo do
jornal A Gazeta de Notícias.
Porém esta foi uma reforma que teve outra face.

IV A outra face da Paris dos trópicos
Mas a Paris dos trópicos teve também outra face. A Revolta da Vacina em
1904 deixou isso bem claro. E essa reforma excludente acabou revelando
novas oportunidades de trabalho para um grupo religioso recentemente
instalado no Brasil: o Metodismo.
A Revolta da Vacina mostrou que algo não ia bem no Rio de Pereira
Passos. A vacina contra a varíola (conhecida também como vacina de
Jenner[13]) havia sido introduzida no Brasil no início do séc. XIX. A
partir daí, ocorreram sucessivas tentativas de torná-la obrigatória. Mas
como a inoculação nem sempre "pegava", era vista com desconfiança pela
população[14].
O estopim da revolta girou em torno de mais uma destas tentativas de
tornar a vacinação obrigatória. Em 31 de outubro de 1904 Oswaldo Cruz
conseguiu que a Câmara aprovasse uma lei permitindo que as Brigadas
Sanitárias entrassem nas casas com apoio da polícia e vacinassem os
moradores à força. O povo- sentindo –se invadido na sua liberdade (Rui
Barbosa, por exemplo, dizia em discurso que ninguém deveria "invadir a
epiderme" de outrem involuntariamente) e influenciado pelos positivistas-
se revoltou.
A dez de novembro daquele ano, a rebelião explodiu. Durante mais de uma
semana, a população tomou as ruas centrais da cidade, depredando bondes,
lojas e postes de iluminação. O governo agiu rapidamente. Enviou tropas. A
revolta foi mal-sucedida levando a centenas de mortes. Cortiços foram
invadidos e os revoltosos sobreviventes foram levados prisioneiros para o
Acre. Aliás, essa seria a tônica da Reforma Urbana do Rio: os pobres
incômodos seriam enviados para longe, bem longe. Expulsos do centro, foram
se abrigar nos morros circundantes. Estavam lançadas as sementes do
fenômeno das favelas.
Porém, esta Paris excludente acabou revelando uma nova oportunidade de
ação para a Igreja Metodista. Implantada no Brasil em meados do séc.XIX por
missionários, norte americanos, ela estava instalada na cidade desde
1878[15]. No ano de 1904 se iniciaram as obras de reforma do cais do porto
anunciadas pelo presidente da república. Os bairros da Gamboa e Saúde se
tornaram um pólo receptor de trabalhadores. Logo, um pastor metodista
iniciou ali um trabalho – em princípio interdenominacional- de pregação e
assistência social. Era o reverendo Hugh Clarence Tucker.

4.1 Quem era Hugh Clarence Tucker
O missionário Hugh Clarence Tucker nasceu no ano de 1857 no estado
norte americano do Tennessee. Criado em uma família protestante, cedo se
sentiu vocacionado para a carreira ministerial. Por isso, fez seu curso
teológico no Departamento Bíblico da Universidade Vanderbilt, em
Nashville[16].
Sua carreira ministerial começou em 1879 quando foi admitido como
pastor metodista em experiência. Algum tempo depois, sentiu-se chamado para
as missões estrangeiras. Por isso, no ano de 1886 desembarcou no Brasil
para ser pastor da Union Church uma comunidade protestante de fala inglesa
que se reunia nas dependências da capela metodista do bairro do Catete, no
Rio de Janeiro.
Porém, uma das grandes paixões do reverendo Tucker- além da
distribuição de Bíblias- era a ação social. Visivelmente influenciada pelo
Evangelho Social[17]esta paixão o colocaria em contato com o movimento de
reforma da Capital Federal. Em 1881, colaborou com a instalação no Brasil
da Associação Cristã de Moços (A.C.M.) uma instituição que procurava dar
acompanhamento cristão e opções de lazer aos jovens nas grandes cidades. A
vinculação com o movimento de reforma urbana da capital se iniciou na
virada do século quando, depois de perder um filho num novo surto de febre
amarela no Rio, o reverendo Tucker colocou o sanitarista Oswaldo Cruz em
contato com o médico americano Doutor Walter Reed (1851-1902) responsável
pela eliminação desta doença em Cuba. Entre 1903 e 1908, participou da
campanha contra este mal liderada pelo sanitarista brasileiro.

Em 1892, quando o Dr. Tucker foi aos EUA, ouviu falar
sobre o Dr. Walter Reed, que trabalhava em Cuba na
erradicação da febre amarela. Voltando ao Brasil,
entrou em contato com o Dr. Oswaldo Cruz, o Ministro
da Saúde, passando a traduzir e dar as informações
sobre o que estava acontecendo em Cuba. Era o início
de uma longa amizade entre este homem extraordinário,
Tucker, e o sanitarista Oswaldo Cruz...[18]

No ano de 1906, liderou um trabalho interdenominacional[19] entre os
trabalhadores da ampliação do porto no populoso bairro da Gamboa.
Inicialmente a obra se resumia apenas ao serviço religioso. Porém logo se
expandiu.

Nessa época estava sendo ampliado o Cais do Porto,
por uma companhia inglesa.Havia muitos trabalhadores
e marinheiros na área.Diariamente, Tucker e seus
colportores (distribuidores de literatura religiosa)
ofereceram folhetos e porções biblicas na hora do
almoço; porém, em breve descobriu que a maioria não
sabia ler... Pouco a pouco, Tucker sentiu a
necessidade de alugar um salão onde pudesse ensinar-
lhes.[20]




4.2 A Obra Metodista na Paris Tropical: o Instituto Central do Povo
E o salão foi alugado. Com a ajuda do engenheiro encarregado da
construção do porto, o reverendo Tucker conseguiu levantar a quantia
necessária. Deixemos que ele mesmo conte:

As necessidades das massas, epsecialmente das
numerosas crianças nas ruas e becos da redondeza do
nosso salão alugado, constituiram um apelo para um
serviço muito além do nosso programa original de
pregação e distribuição da Bíblia, que exigiu mais
espaço e obreiros do que os que poderiam ser obtidos
com os fundos que levantávamos.Coloquei a situação
perante o presidente de uma grande empresa de serviço
público, que se interessou e me levou ao gerente
geral, ao qual repeti o apelo. "Dois contos de réis
dão para começar?" perguntou o gerente.Isso valia
US$600, muito mais do que ousara esperar...[21]



No dia 13 de maio de 1907 foi realizado o primeiro culto no salão da
rua Acre número 17, bem próximo ao cais. A cerimônia contou com a presença
duzentas pessoas. Além dos cultos religiosos, a Missão Central (como o
trabalho passou a ser chamado) oferecia outros tipos de atividades. Tudo
bem dentro da proposta do Evangelho Social: havia projeções de lanterna
mágica (um tipo de slide) e concertos musicais. A sala de leitura era
planejada de acordo com as especificações do prefeito Pereira Passos: era
bem ventilada e iluminada. Mas fora a sanidade física, oferecia também
sanidade moral e espiritual: ficava aberta até -as nove horas da noite e
era freqüentada por homens que se não fosse isso, estariam perambulando
pela cidade e, segundo Tucker "sujeitos às mais diversas tentações que
existem abundantemente..." [22] Além disso, havia também uma escola diurna
para crianças e uma escola noturna. A preocupação com o lazer infantil
existia de igual forma. E aqui é possível ver novamente o imbricamento
entre a obra de Tucker e as mudanças ocorridas naquela Paris tropical
excludente. A missão possuía um jardim da infância, uma novidade na época.
Porém, logo se tornou preciso atender a mais crianças. O motivo estava nas
novas avenidas. Os bulevares projetados por Pereira Passos haviam sido
pensados, como vimos, para o tráfego dos automóveis dos ricos. As ruas já
não eram mais lugares para as brincadeiras. É mais uma vez Tucker quem
fala:

Quando foi aberta a Avenida Central e uma rua próxima
de nossa missão... centenas de crianças correram...
para brincar na rua alargada. Logo houve acidentes e
um dia uma criança foi morta por um automóvel que
passava; daí as outras crianças voltaram às pressas
para suas "tocas".[23]


Foi necessário então pensar numa solução, mesmo que fosse provisória. O
pastor conseguiu uma balsa e levou as crianças para um piquenique em uma
das ilhas da baía de Guanabara. Foi a primeira vez que algumas delas
andaram descalças na grama. Logo ele buscou uma solução definitiva para
afastar os meninos das ruas: a instalação do primeiro playground do Rio.
Ele seria inaugurado num terreno doado pela Light [24] em 1911.

A Missão Central também se dedicava a outras atividades na área de
saúde e assistência social. Uma iniciativa, por exemplo, foi a de oferecer
tratamento odontológico e de saúde infantil:

Falei com o Dr. J.W. Coachman, chamado o "pai da
odontologia americana no Rio". Ele ofereceu seus
serviços profissionais, forneceu escovas de dentes e
ensinou as crianças a usá-las. Médicos foram
consultados e solicitados a doarem seus serviços para
o tratamento de crianças cujos pais não podem pagar
pelos serviços...


Outra preocupação foi a de atender aos recém- chegados e conseguir
colocação para os desempregados que, como vimos, eram muitos na Capital
Federal.

Posteriormente, o trabalho missionário do rev. Tucker teve seu nome
alterado para Instituto Central do Povo e foi transferido para a Rua
Rivadávia Correia, número 188 onde se localiza até hoje. A Paris Tropical
de Pereira Passos havia aberto uma nova possibilidade de ação para a Igreja
Metodista.

conclusão

Como foi possível perceber, ambiente urbano e religião estão fortemente
relacionados. Mudanças em um fatalmente levarão a alterações em outro. O
Rio de Pereira Passos é um exemplo disso.
O desejo de "modernizar" a antiga Corte e agora Capital Federal levou à
realização de profundas transformações. Num curto espaço de tempo, a "feia"
cidade colonial de ruas apertadas e sujas, transformou-se num tipo de Paris
Tropical. Só que esta cidade-luz sul-americana possuía suas mazelas.
Distante dos bulevares, seus cafés, automóveis e lojas da moda, havia toda
uma população de excluídos. Os pobres foram afastados, para não enfear a
cidade que agora se civilizava. Porém, eles não estavam sozinhos. A reforma
de Pereira Passos fez com que os olhos da igreja metodista se abrissem para
os desvalidos do Rio. E essa abertura de olhos deu resultados que perduram
até hoje.



bibliografia


Livros

CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República
que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987


KENNEDY, James L. Cincoenta annos de Methodismo no Brasil. São Paulo:
Imprensa Methodista, 1928


REILY, Duncan Alexander. História Documental do Protestantismo no Brasil.
São Paulo: ASTE, 2003


ROCHA, Isnard. Pioneiros e Bandeirantes do Metodismo no Brasil. São
Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1967


WAY, Anita Betts. Instituto Central do Povo: 100 anos em Missão. São
Bernardo do Campo:Universidade Metodista, sd.,


Enciclopédias

ELWELL, Walter A. (ed.). Enciclopédia Histórico- Teológica da Igreja
Cristã. São Paulo:Vida Nova, 2009.Edição em volume único.


Na Internet

http://brazil.crl..edu/bsd/bsd/u1291/000011.html visitado em 31/01/2012


http://noticias.terra.com.br/educacao/historia/noticias/0,, OI4677883-
EI16739,00.html . Visitado em 10/02/2012.





Dissertações e teses

CAMPANTE, Délcio Hilon da Silva. Metodismo e Setores Populares: análise da
proposta de Trabalho do Instituto Central do Povo. 1985.161 pp.Tese
(mestrado em Educação)- Curso de Educação da Fundação Getúlio Vargas, rio
de Janeiro,1985.


Partes de publicações periódicas

SOUZA, Fernando Gralha de. Diversão: Modo de Usar. Revista de História da
Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, número 77, págs. 78-83, fevereiro de
2012. ESPOSITO, I. et al. Repercussões da fadiga psíquica no trabalho e na
empresa. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 8, n. 32,
p. 37-45, out./dez. 1979.


Séries e coleções

Nosso Século. São Paulo: Abril Cultural, 1985.

-----------------------
[1] É importante explicar aqui por que o termo modernizar irá sempre
aparecer neste texto entre aspas. Isso se dever ao fato de que
consideramos a visão d e modernização apresentada por Pereira Passos mais
como uma imposição cultural (a destruição do passado como algo negativo e
o transplante de um modelo estrangeiro) e discriminação social (a cidade
burguesa) do que como desenvolvimento de fato.
[2] No final de 1849, um navio negreiro norte americano aportou na cidade
depois de passar por Nova Orleans e Havana. Em fevereiro do ano seguinte
uma grande epidemia havia se instalado na cidade.
[3] Cumpre aqui lembrar esta era a época da Teoria da Evolução de Charles
Darwin (1809-1882). Da Biologia, esta teoria foi transplantada, sem que
isso fosse a intenção do seu criador- para outros aspectos da realidade.
Seres humanos, sociedades e até mesmo cidades começaram a ser analisados
sob o ponto de vista evolutivo. Tudo isso deu origem a um forte
preconceito. Considerava-se auge da civilização o ser humano branco,
protestante e anglo-saxão do norte da Europa.
[4] Jean Baptiste Debret (1768-1848) pintor francês que veio ao Brasil com
a chamada Missão Francesa em 1816.
[5] Cf. Nosso Século. São Paulo: Abril Cultural, 1985, Vol. I págs-35-62
[6] Cf. http://brazil.crl..edu/bsd/bsd/u1291/000011.html visitado em
31/01/2012. Porém esta reforma também atingia outros interesses: os das
construtoras inglesas e francesas e os da nascente indústria
automobilística norte americana. Como poderemos ver mais abaixo, a
Avenida Central -atual Avenida Rio Branco- foi pensada levando em
consideração este novo meio de transporte.
[7] Antonio Pereira Passos (1786-1866).
[8] Cf.
http://noticias.terra.com.br/educacao/historia/noticias/0,,OI4677883-
EI16739,00.html. Visitado em 10/02/2012.
[9] Esse termo se refere a uma modernização urbana feita a qualquer custo.
[10] Haussmann foi prefeito até 1870.
[11] Para permitir um melhor deslocamento dos exércitos em caso de levantes
populares.
[12] Cf. SOUZA, Fernando Gralha de. Diversão: Modo de Usar. Revista de
História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, número 77, págs. 78-83,
fevereiro de 2012. O entrudo era uma brincadeira em que os cariocas se
colocavam próximo às janelas dos sobrados e atiravam baldes de água suja,
urina ou fezes nos passantes.
[13] O nome se deve a Edward Jenner (1749-1823) naturalista inglês inventor
da vacina.
[14] Cf. CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a
República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. pág. 95.
[15] Cf. KENNEDY, James L. Cincoenta annos de Methodismo no Brasil. São
Paulo: Imprensa Methodista, 1928, pág. 20.
[16] Cf. ROCHA, Isnard. Pioneiros e Bandeirantes do Metodismo no Brasil.
São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1967, págs. 237-241.
[17] O Evangelho Social foi um movimento surgido nos Estados Unidos na
passagem do séc. XIX para o XX. Um de seus maiores representantes foi o
pastor batista Walter Rauschenbusch (1861-1918). De tendência às vezes
teologicamente liberal e levemente reformista, procurava aplicar os
princípios bíblicos aos problemas urbanos vividos pelos Estados Unidos no
período posterior à Guerra da Secessão. Cf.ELWELL, Walter A. (ed.).
Enciclopédia Histórico- Teológica da Igreja Cristã. São Paulo:Vida Nova,
2009,págs. 112-115.
[18] Cf. WAY, Anita Betts. Instituto Central do Povo: 100 anos em Missão.
São Bernardo do Campo:Universidade Metodista, sd., pág. 17.
[19] A obra só seria passada para a Igreja Metodista no ano de 1908. Cf.
CAMPANTE, Délcio Hilton da Silva. Metodismo e Setores Populares: análise
da proposta de Trabalho do Instituto Central do Povo. 1985.161 pp.Tese
(mestrado em Educação)- Curso de Educação da Fundação Getúlio Vargas, rio
de Janeiro,1985, pág. 109
[20] Cf. Way, pág. 17.
[21] Cit. Em REILY, Duncan Alexander. História Documental do Protestantismo
no Brasil. São Paulo: ASTE, 2003, pág. 282.
[22] Cf. Campante, pág. 108. Provavelmente as "tentações" a que o pastor
metodista se refere são as prostitutas que, como vimos acima, estavam
muito presentes na zona do porto.
[23] Cf. Reilly, pág. 283.
[24] Empresa canadense que cuidava da iluminação e dos bondes.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.