FEDERAÇÃO RUSSA: A DIARQUIA VLADIMIR PUTIN (2000 - 2008) & DMITRY MEDVEDEV (2008 - 2012) Políticas de Desenvolvimento Energético e Modernização Estratégica

June 8, 2017 | Autor: T. Barcellos Pereira | Categoria: Russian Studies, Geopolitics, Geopolitical Economy, Russian Politics, Russian Foreign Policy, Russian Studies (in Area Studies) and the Caucasus, Central Eurasian Studies, Eurasianism, Russia, Neo-Eurasianism, Geopolitics of Energy, Russian Energy Policy, Oil Natural Gas Energy Geopolitics, US Foreign Policy, US-Russian relations, Geopolitics of South Caucasus, Eurasian Geopolitics, Russian / Soviet military and diplomatic history, Russian Military Theory, Geopolítica Y Geoestrategia, Russian Geopolitics, Geopolitics and strategic studies, Eurasian studies,human security, EU-Russia energy relations, Central Asia, Russian-Chinese Relations, Energy Politics, Energy Policy, Energy Security, Central Asia, Russia, Caucasus, Caspian Sea Region, Geopolitica, Patriotism, Military Culture, Russian Armed Forces, Military Capabilities and Modernization, Russia & CIS geopolitics, Russian Military Strategy and Doctrine, Russian-Chinese Competition Over Central Asian Energy Resources, Russian Military Reform, Russian All-Military Union, Russia’s Foreign Policy and Energy Sector, Russian Energy Politics, Russian civil-military relations, Geopolítica Del Petróleo Y El Gas Natural, Energy Diplomacy of Russia, Geopolinomics of Eurasia, Russian Military, Russian Energy Diplomacy, Geopolitics Russian Oil, Russian Military Policy, Russian Foreign Energy Policy, China Russia Energy Relations, Geopolitics of Russia, Soviet Revolution in Military Affairs, Soviet Military Strategy, Russian Studies (in Area Studies) and the Caucasus, Central Eurasian Studies, Eurasianism, Russia, Neo-Eurasianism, Geopolitics of Energy, Russian Energy Policy, Oil Natural Gas Energy Geopolitics, US Foreign Policy, US-Russian relations, Geopolitics of South Caucasus, Eurasian Geopolitics, Russian / Soviet military and diplomatic history, Russian Military Theory, Geopolítica Y Geoestrategia, Russian Geopolitics, Geopolitics and strategic studies, Eurasian studies,human security, EU-Russia energy relations, Central Asia, Russian-Chinese Relations, Energy Politics, Energy Policy, Energy Security, Central Asia, Russia, Caucasus, Caspian Sea Region, Geopolitica, Patriotism, Military Culture, Russian Armed Forces, Military Capabilities and Modernization, Russia & CIS geopolitics, Russian Military Strategy and Doctrine, Russian-Chinese Competition Over Central Asian Energy Resources, Russian Military Reform, Russian All-Military Union, Russia’s Foreign Policy and Energy Sector, Russian Energy Politics, Russian civil-military relations, Geopolítica Del Petróleo Y El Gas Natural, Energy Diplomacy of Russia, Geopolinomics of Eurasia, Russian Military, Russian Energy Diplomacy, Geopolitics Russian Oil, Russian Military Policy, Russian Foreign Energy Policy, China Russia Energy Relations, Geopolitics of Russia, Soviet Revolution in Military Affairs, Soviet Military Strategy
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UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA DEFESA E SEGURANÇA

TITO LÍVIO BARCELLOS PEREIRA

FEDERAÇÃO RUSSA: A DIARQUIA VLADIMIR PUTIN (2000-2008) & DMITRY MEDVEDEV (2008-2012) Política de desenvolvimento energético e modernização estratégica

Niterói 2015

TITO LÍVIO BARCELLOS PEREIRA

FEDERAÇÃO RUSSA: A DIARQUIA VLADIMIR PUTIN (2000-2008) & DMITRY MEDVEDEV (2008-2012) Política de desenvolvimento energético e modernização estratégica

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos Estratégicos (PPGEST) da Universidade Federal Fluminense (UFF), como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Estudos Estratégicos da Defesa & Segurança.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Pedone Co-Orientador: Prof. Dr. André Luiz Varella Neves

Niterói, RJ Universidade Federal Fluminense 2015

TITO LÍVIO BARCELLOS PEREIRA

FEDERAÇÃO RUSSA: A DIARQUIA VLADIMIR PUTIN (2000-2008) & DMITRY MEDVEDEV (2008-2012) Política de desenvolvimento energético e modernização estratégica Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos Estratégicos (PPGEST) da Universidade Federal Fluminense (UFF), como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Estudos Estratégicos da Defesa & Segurança.

Banca Examinadora: Prof. Dr. Luiz Pedone Orientador

_____________________________________ Prof. Dr. André Luiz Varella Neves Co-Orientador

_____________________________________ Prof. Dr. Vagner Camilo Alves .

_____________________________________ Prof. Dr. Ângelo de Oliveira Segrillo

A todos os homens e mulheres que lutam diariamente, acreditando na construção de um Brasil próspero, justo e soberano.

AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Elci Silveira Pereira e Janir Barcellos Pereira que me deram o dom da vida, me educaram e conduziram-me. Aos meus irmãos Carla Rosana, Marcelo Gustavo e César Augusto, além de todos meus familiares pelo apoio, compreensão e incentivo. A todos os docentes e funcionários do Instituto de Estudos Estratégicos desta Universidade Federal Fluminense, por terem acolhido este “forasteiro” nestes dois anos, me proporcionando uma formação humana e crítica para cultivar nosso passado, compreender nosso presente e transformar nosso futuro. Agradeço especialmente aos doutores professores Luiz Pedone, Waldimir Pirró e Longo, Márcio Rocha e André Varella pelo vosso acompanhamento, ensinamento, orientação, paciência e participação nessa banca de mestrado; fundamentais para a realização deste trabalho. Além dos professores Vagner Camilo Alves, Ângelo Segrillo, Fernando Almeida e Wellington Amorim por integrarem esta banca de examinadores. Agradeço a incrível experiência que tive com a turma PPGEST 2013, um grupo heterogêneo, compreendendo militares e civis de diversas origens e visões de mundo. Tal pluralidade apenas enriqueceu nossa interação, com respeito, amizade, companheirismo e solidariedade – dentro e fora da sala de aula. Aos meus amigos, Ana Oliveira, Diego Dias, Eduardo Oighenstein, Emir Hamam, Énio Chingotuane, Flávia Osório, Leonardo Mattos, Marcelo Santa Bárbara, Pedro Fonseca e Thiago Honório. Aos amigos da graduação de Relações Internacionais, as turmas veteranas e novatas do PPGEST, a outros amigos e amigas que pude conhecer e com quem passei grandes experiências em minha vivência no Rio de Janeiro; aos amigos da minha cidade, da escola, os companheiros e amigos da USP como Felipe Machado, Ramez Maalouf, Dídimo Matos e o Prof. André Martin. Também agradeço aos amigos Fernando Brancoli, José Roberto Bonifácio e Vitor Stuart de Pieri pelo apoio e auxílio no meu ingresso ao INEST. Por fim, agradeço aos amigos que fiz em todos os lugares por que passei, por todas as boas experiências vividas, que com certeza ajudaram na minha formação profissional e pessoal. Todos vocês estimularam e mantiveram minha confiança e autoestima, impedindo que eu abandonasse a jornada rumo aos meus ideais. A todos vocês que ajudaram a escrever as páginas da minha história, dedico esse singelo trabalho.

RESUMO O presente trabalho tem como objeto de estudo as políticas e mecanismos adotados no mandato do presidente russo Vladimir Putin (2000 – 2008), e sua “diarquia” com Dmitry Medvedev (2008 – 2012) com a finalidade de realocação das receitas obtidas pela indústria extrativa – sobretudo a exploração de petróleo e gás natural – para impulsionar a modernização e diversificação econômica, sobretudo no seu complexo industrial-militar e aeroespacial. Por consequência, essas medidas contribuíram para a retomada do protagonismo geopolítico experimentado pela Federação Russa nessa primeira década do século XXI. O objetivo é verificar o impacto dessas políticas públicas como catalisadores para impulsionar o desenvolvimento estratégico, tecnológico e militar russo; E como essas medidas contribuíram para a reinserção geopolítica e estratégica no sistema internacional.

Palavras-chave:

Relações

Internacionais,

Geopolitica

Clássica,

Eurasianismo,

Federação Russa, Governo Putin, Governo Medvedev, Política de Defesa, Modernização Militar, Energia, Recursos Naturais,

ABSTRACT The present work has as object of study the policies and mechanisms adopted in the mandate of Russian President Vladimir Putin (1999-2008), and his "diarchy" with Dmitry Medvedev (2008-2012) for the purpose of reallocating the revenue obtained by extractive industry – especially oil and natural gas exploration – to boost modernization and economic diversification, especially in its aerospace and military-industrial complex. Consequently, these measures contributed to the resumption of the geopolitical role experienced by the Russian Federation in this first decade of the 21st century. The goal is to verify the impact of these public policies as catalysts to boost the strategic, technological and military development of Russian Federation; And as these measures have contributed to their geopolitical and strategic reinsertion in the international system.

Keywords: International Relations, Classic Geopolitics, Neo-Eurasianism, Russian Federation,

Putin

Mandate,

Medvedev

Modernization, Energy, Natural Resources,

Mandate,

Defense

Politics,

Military

“Acusam-me de fomentar artificialmente as indústrias. Que absurdo! De que outra maneira poder-se-ia fomentá-las?” Conde Sergei Yulyevich Witte Ministro das Finanças do Império Russo (1892 – 1903)

LISTA DE FIGURAS Fig 1 – Yermak conquista a Sibéria, pintura de Vasily Surikov (1895)..........................33 Fig 2 – Projetos de Usinas Nucleares russas no Exterior................................................88 Fig 3 – Federação Russa: Zonas Econômicas Especiais...............................................110 Fig 4 – Mudanças na divisão administrativa militar da Federação Russa...................116 Fig 5 – A Reforma nas Forças Armadas Russas...........................................................118

LISTA DE GRÁFICOS Graf. 1 – URSS: Crescimento anual da indústria ...........................................................53 Graf. 2 – Evolução dos preços do petróleo .....................................................................61 Graf. 3 – Federação Russa: Potencial das Reservas minerais e energéticas....................72 Graf. 4 – Federação Russa: Receitas do Petróleo e variação do PIB..............................75 Graf. 5 – O Fundo de Reserva e o Fundo de Riqueza Nacional......................................83 Graf. 6 – Federação Russa: Evolução dos gastos com defesa.......................................119 Graf. 7 – Distribuição dos recursos das Ordens de Aquisição de Defesa Nacional .....121 Graf. 8 – Federação Russa: Estrutura das Exportações.................................................153 Graf. 9 – Emigração na Rússia pós-soviética................................................................155 Graf. 10 – A dependência do gás natural russo no consumo doméstico da União Europeia.........................................................................................................................158

LISTA DE MAPAS Mapa 1 – Rus’ de Kiev: Posição Estratégica e Recursos Naturais..................................26 Mapa 2 – A Pax Mongolica (séc. XIII)...........................................................................29 Mapa 3 – De Moscóvia ao Império Russo......................................................................34 Mapa 4 – O Plano Mitteleuropa.....................................................................................44 Mapa 5 – As Pan-Regiões de Karl Haushofer.................................................................54 Mapa 6 – O Lebensraum da Alemanha Nazista..............................................................55 Mapa 7 – Federação Russa: Distritos Federais..............................................................78 Mapa 8 – Rússia: Distribuição geográfica das reservas energéticas...............................86 Mapa 9 – A Divisão mundial segundo o Eurasianismo................................................129 Mapa 10 – Os caminhos russos e europeus do petróleo e gás natural...........................157 Mapa 11 – Eurásia: Arranjos Geoestratégicos.............................................................160 Mapa 12 – Potencialidades do Ártico russo..................................................................161

LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Rússia: Indicadores de crescimento da Economia russa ...............................41 Tabela 2 – URSS: Índices da produção industrial ..........................................................49 Tabela 3 – URSS e Alemanha: produção industrial ......................................................57 Tabela 4 – A importância soviética no mercado de minérios e energia ........................59 Tabela 5 – Crescimento dos setores exportadores e manufatura interna ........................76 Tabela 6 – Federação Russa: Mudanças patrimoniais no setor de energia ....................80 Tabela 7 – Distribuição dos recursos financeiros do Fundo de Estabilização da Federação Russa. ............................................................................................................83 Tabela 8 – Federação Russa: Produção mineral e metalúrgica ......................................89 Tabela 9 – Mundo: Produção e Consumo de Energia Primária......................................90 Tabela 10 – limites estabelecidos para investimento estrangeiro em empresas estratégicas russas............................................................................................................93 Tabela 11 – Dispêndios do orçamento federal na economia nacional em tecnologia, por rubricas principais .........................................................................................................107 Tabela 12 – Federação Russa: State Armament Program 2020. Ações Previstas.........122 Tabela 13 – Evolução das exportações russas de armamentos......................................149

LISTA DE ACRÔNIMOS E ABREVIAÇÕES ABM

Anti-Ballistic Missile Treaty – Tratado Anti-Mísseis Balísticos

ARMZ

AtomRedMedZoloto – Empresa de mineração de Urânio

ASEAN

Associação das Nações do Sudeste Asiático.

Bashneft

Empresa petrolífera do Bashkortostão

BRICS

Acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

C4ISR

sistemas de comando, controle, comunicações, computadores,

inteligência, vigilância e reconhecimento CEI

Comunidade dos Estados Independentes

Cepal

Comissão Econômica para a América Latina

ChTPZ

Chelyabinsk Truboprokatnyy Zavod – Fábrica de Tubos e Rolamentos de

Chelyabinsk EADS

European Aeronautic Defence and Space Company – Empresa Europeia

de Aeronáutica e Defesa ESA

European Space Agency – Agência Espacial Europeia

EUA

Estados Unidos da América

FBR

Fast Breeding Reactor – Reator Super-regenerador

FSB

Federal'naya Sluzhba Bezopasnosti – Serviço Federal de Segurança.

GATT

Acordo Geral de Tarifas e Comércio

GLONASS

Globalnaya Navigatsionnaya Sputnikovaya Sistema – Sistema de

Navegação Global por Satélite GNL

Gás Natural Liquefeito

GRU

Glavnoje Razvedyvatel'noje Upravlenije – Diretório Central de

Inteligência. GUUAM

Acrônimo de Geórgia, Ucrânia, Uzbequistão, Azerbaijão e Moldávia.

JSC

Joint Strategic Commands – Comandos Estratégicos Conjuntos

KGB

Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti – Comitê de Segurança do

Estado. NAP

National Armaments Procurement – Aquisição Nacional de Armamentos

NASA

National Aeronautics and Space Administration – Administração

Nacional da Aeronáutica e Espaço.

NED

National Endowment of Democracy – Fundação Nacional para a

Democracia. NEP

Novaya Ekonomiceskaya Politika – Nova Política Econômica

New START Strategic Arms Reduction Treaty – Tratado de Redução de Armas Estratégicas OCDE

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

OCX

Organização de Cooperação de Xangai

OKB

Opytnoe Konstructorskoe Byuro – Escritórios de Desenho Experimental

OMZ

Objedinennye Mashinostroitelnye Zavody – Indústrias Unidas de

Máquinas Pesadas OSCE

Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

OTAN

Organização do Tratado do Atlântico Norte

PCUS

Partido Comunista da União Soviética

PIB

Produto Interno Bruto

PPC

Paridade do Poder de Compra

RAM

Revolução nos Assuntos Militares

RDA

República Democrática Alemã (também chamada “Alemanha Oriental”)

Roskosmos

Agência Espacial Russa. Tecnologias Russas – Empresa russa de tecnologias duais.

Rostekhnologii RUSNANO

Empresa Russa de Nanotecnologia

SAP

State Armamentos Program – Programa Estatal de Armamentos.

SIPRI

Stockholm International Peace Research Institute – Instituto de Pesquisa

da Paz de Estocolmo. SVR

Sluzhba Vneshney Razvedki – Serviço de Inteligência Estrangeiro.

Tatneft

Empresa petrolífera do Tatarstão

TENEX

Tekhsnabexport – Empresa de exportação de combustível nuclear e

tecnologias associadas" TMZ

Truvnaya Metallurgiyeskaya Kompaniya – Empresa de Metalurgia de

Tubos TNK-BP

Tyumenskaya Neftyanaya Kompaniya – Empresa petrolífera de Tyumen

& Petróleo Britânico (British Petroleum) TVEL

Tellovydelyayushchnyi element – elemento gerador de calor

UAC

United Aircraft Corporation – Corporação Aeronáutica Unida

UE

União Europeia

USAID

Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

USC

United Shipbuilding Corporation – Corporação Unida de Construção

Naval URSS

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

VANT

Veículo Aéreo Não-Tripulado

VEB

Vnesheconombank – Banco de Desenvolvimento Russo

VPK

Voyenno-Promyshlennogo Komissiya – Comissão Industrial-Militar da

União Soviética. VVER

Vodo-Vodyanoi Energetichesky Reaktor – reator resfriado e moderado a

água. ZEE

Zona Econômica Exclusiva

SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17 CAPÍTULO I - RÚSSIA: GEOGRAFIA, ESTRATÉGIA e GEOPOLÍTICA. ............. 20 1.1 A Importância da Geografia no Florescimento da Civilização Russa .................. 23 1.2 A Expansão Imperial da “economia-mundo” russa.............................................. 30 1.3 Modernização, Colapso e Revolução ................................................................... 39 1.4 A “Industrialização Militar” Soviética ................................................................. 48 1.5 A “Era Yeltsin” e a Privatização dos Recursos Naturais...................................... 61 CAPÍTULO II - A DIARQUIA: PUTIN & MEDVEDEV ........................................... 65 2.1 Vladimir Putin: O “fenômeno” ............................................................................. 65 2.1.1 Os Petyas no Kremlin ........................................................................................ 69 2.1.2 A Tese de Putin ................................................................................................. 71 2.1.3 Reformas econômicas e centralização política .................................................. 74 2.1.4 “Caça” e “Domesticação” aos oligarcas ............................................................ 78 2.1.5 O Fundo de Estabilização da Federação Russa ................................................. 81 2.1.6 Panorama da Indústria Energética e Mineral Russa ......................................... 84 2.1.7 A Lei de investimentos em Setores Estratégicos ............................................... 90 2.1.8 A criação das Corporações Estatais ................................................................... 94 2.2 Medvedev: o Interregnum e a “Modernização Liberal” ..................................... 100 2.2.1 A “Reforma Militar” Russa ............................................................................ 110 CAPÍTULO III - PROJEÇÃO GEOPOLÍTICA RUSSA ............................................ 124 3.1 A Construção do Pensamento Geopolítico Russo. ............................................. 125 3.2 Kozyrev, Primakov e Putin................................................................................. 133 3.2.1 Andrei Kozyrev ............................................................................................... 134 3.2.2 Yevgeny Primakov .......................................................................................... 137 3.2.3 Vladimir Putin ................................................................................................. 139 3.3 Resultados do Reformismo Putin-Medvedev ..................................................... 146 3.4 Rumos da Política Energética Russa .................................................................. 150 3.5 Novas Fronteiras, Novos Desafios. .................................................................... 153 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 162 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 166

INTRODUÇÃO Em dezembro de 1991, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, outrora a superpotência dotada de um imenso poder militar, industrial, tecnológico e político, líder geopolítica do então “Bloco Socialista” e do “Pacto de Varsóvia”; após atravessar graves problemas econômicos, políticos e até étnico-religiosos na segunda metade dos anos 1980, se esfacelou em quinze novos estados independentes. A Federação Russa, geograficamente maior e a economicamente mais avançada delas, assumiu como herdeira da maior fração do legado soviético, porém, esta não passava de uma sombra de sua antecessora: problemas orçamentários, privatização desenfreada de ativos estatais, arrecadação tributária incipiente, falta de competitividade das empresas, atraso tecnológico, corrupção, entre outros problemas; culminaram com o quase desmantelamento do seu parque industrial, a “fuga de cérebros” das instituições técnico-científicas, e o sucateamento do imenso contingente militar. Porém, nas últimas luzes do século XX, o Estado russo, ciente da sua nova posição no ordenamento do poder mundial, assumiu que para retornar ao seu antigo status de potência, necessitava adotar um projeto nacional de reconstrução e modernização da economia e do poder político, repotencializando suas estruturas política, industrial, científica e militar; que se encontravam subdesenvolvidas para atender essas ambições. Assim, deu início a criação de políticas estratégicas que buscavam canalizar as receitas obtidas das principais fontes de divisas do país para impulsionar outros setores mais dinâmicos da economia e outras instituições do Estado. A principal riqueza do país estava assentada em sua ampla gama de recursos naturais – minerais e energéticos – espalhados pela sua extensa e diversificada geografia, em grande quantidade para abastecer suas necessidades e do mercado mundial. Esses mecanismos incluíam marcos regulatórios sobre a arrecadação de impostos, legislação fiscal, trabalhista e ambiental, bonificações e incentivos a empresas privadas bem administradas, “punições” a empresas privadas alvos de investigação pela Justiça, e até a criação de um fundo de investimentos, que armazenaria as receitas obtidas da exportação de minérios e energia, para injetá-los em outros setores econômicos ou institucionais. Como resultado de uma decisão política, o Estado assume o papel de fomentador desta política, mas também o principal beneficiário de seus resultados; essas medidas se constituem como uma política pública estatal, e como tal 17

possui uma cadeia de inter-relações entre grupos e atores políticos, sociais, empresariais, organizações e instituições estatais e não-estatais, com interesses divergentes e/ou convergentes e que almejam ser beneficiados por esse processo. Isto posto, as questões centrais a serem elucidadas compreendem: Quais os mecanismos adotados pelo governo russo para realizar tais reformas no campo político, econômico e estratégico em meio a um sistema internacional tão desfavorável, dominado econômica e militarmente pelo mundo ocidental, sob a liderança dos EUA? Para responder esta questão partimos da hipótese de que para atender estas reformas, elas só foram possíveis graças à conjunção de uma matriz econômica que permitisse uma fonte constante de recursos aliada a um projeto nacional que visa a diversificação econômica, à inovação tecnológica e ao fortalecimento do poderio militar como mecanismos de projeção no cenário geopolítico global O objetivo é avaliar as políticas adotadas e sua efetividade nos governos Vladimir Putin (2000-2008) e Dmitry Medvedev (2008-2012), a partir da perspectiva geopolítica e geoeconômica presente na história russa expressada anteriormente. Por tratarem de programas políticos já implementados, apoiaremos no método histórico e institucional, destacando a conjuntura político-econômica russa, o processo decisório que resultou na adoção desta política, os atores beneficiados e/ou afetados por ela, e seus resultados em diversos setores da economia, Estado e sociedade russa. A justificativa e relevância deste trabalho reside na análise estrutural do chamado “poder nacional”, com destaque para a geografia – como a posição estratégica, posse de reservas energéticas (provadas e potenciais), e elementos históricoeconômicos – como a importância histórica desses recursos, o desenvolvimento de tecnologias para sua exploração e produção, sua importância econômica no contexto vigente, e sua contribuição para projeção de poder do Estado detentor no sistema internacional. Dessa forma, o trabalho se propõe a discutir a apropriação desses recursos naturais pelo Estado e convertê-los em mecanismos de poder, que constituem um dos princípios do poder nacional, um dos objetos de análise dos Estudos Estratégicos. Nesse contexto, os vastos recursos naturais dispersos no território geográfico e aliados a sólidas políticas estratégicas adotadas pelo Estado detentor podem desempenhar um papel fundamental, convertendo em ferramentas essenciais para o desenvolvimento nacional. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é analisar a 18

importância dos recursos como meios de desenvolvimento, difusores de uma nova dinâmica econômica, contribuindo na construção de uma nova sociedade. Tomaremos como base a experiência regional, um país que possui notáveis peculiaridades geográficas, históricas, sociais e econômicas, e enfrenta fortes desafios para alavancar a integração e o desenvolvimento nacional. Para esta nação, a gestão e posse dos recursos naturais e energéticos têm um papel fundamental para instituir capacidades e projeções estratégicas: A Federação Russa.

Sendo assim, o trabalho será dividido da seguinte maneira:

Capitulo I – Rússia: Geografia, Estratégia e Geopolítica: Neste capítulo, realizou–se uma retrospectiva histórica e institucional, destacando a importância da exploração de recursos naturais no desenvolvimento e fortalecimento do Estado e sociedade russa.

Capitulo II – A Diarquia: Putin & Medvedev: Aqui, analisam-se as condicionantes e desafios socioeconômicos da Rússia pós-soviética que permitiram a ascensão de Vladimir Putin e seu grupo político e as políticas de reestruturação do complexo industrial-militar, com a criação de grandes conglomerados do setor militar, naval, tecnologias duais e aeroespacial;

Capitulo III – A Projeção Geopolítica da Federação Russa: Por último, verificou-se em que medida essas iniciativas contribuíram para o ressurgimento do protagonismo russo, o fortalecimento de sua projeção estratégica e geopolítica em seu entorno geoestratégico e sua reinserção no protagonismo internacional.

19

CAPÍTULO I RÚSSIA: GEOGRAFIA, ESTRATÉGIA e GEOPOLÍTICA.

Neste primeiro capítulo, para analisarmos o efeito das políticas empreendidas pelo governo russo no tocante à modernização e à inovação do seu complexo militar e estratégico com base na gestão e uso dos seus recursos naturais, é necessário estudarmos primeiramente a importância que a extração mineral e a energia tiveram no decorrer da história russa. Como ferramenta para tal exercício, utilizaremos a Geografia, para verificar as transformações que essa dinâmica contribuiu na formação da sociedade e Estado russo. Na obra de Kaplan (2013), a geografia é o pano de fundo da própria história humana. A despeito das distorções cartográficas, pode ser tão reveladora das intenções no longo prazo de um governo quanto suas reuniões mais secretas. A posição de um Estado no mapa é o primeiro elemento que o define, mais até que sua filosofia de governo. Um mapa, explica Mackinder, transmite, “em uma única olhada, uma série inteira de generalizações”. A geografia, prossegue ele, transpõe a lacuna entre as artes e as ciências, interligando o estudo da História e da cultura com fatores ambientais, que os especialistas em humanidades às vezes negligenciam. Por mais absorvente e fascinante que o estudo dos mapas – qualquer mapa – possa ser por si mesmo, a geografia, como o próprio realismo, é de difícil aceitação. Afinal, os mapas fazem uma crítica a toda e qualquer ideia de igualdade e unidade humanas, na medida em que nos recordam os diversos ambientes do planeta, que tornam os homens tão profundamente desiguais e desunidos sob tantos aspectos, acarretando conflitos – com os quais o realismo lida quase exclusivamente.(KAPLAN, 2013 p.29)

Em suma, a Geografia é uma ciência na qual é estudada a inter-relação temporal entre as comunidades humanas com o meio natural. O produto entre essa relação intrínseca é denominado “espaço geográfico” ou simplesmente, “território”. O estudo da Geografia é resultado da descrição e conhecimento do lugar onde passa a vida dos homens, das plantas e dos animais e a localização dos rios, dos lagos, das montanhas e das cidades. Pelos geógrafos, é estudado porque desses elementos são encontrados na sua localização e como são relacionados entre si.1

1

"Geografia". (em português) Enciclopédia Delta Universal 7. (1982). Rio de Janeiro: Delta. p. 36743679.

20

A Geografia é grandemente influenciada e dependente em relação às demais disciplinas para a obtenção de informações básicas, em especial de certos ramos especializados. Na ciência geográfica são utilizados os dados de uma variedade de disciplinas nas áreas de Humanas, Exatas e Biológicas, e tais dados são relacionados com estudos da interação das sociedades humanas com seu meio ambiente. No “determinismo geográfico” concebido pelo geógrafo alemão Friederich Ratzel (1844 – 1904), a adaptação do homem ao ambiente é entendida sob a ótica da utilização de recursos naturais para a reprodução dos elementos materiais da cultura. Esse autor entendia que o ambiente interfere no desenvolvimento de uma sociedade, na medida em que pode oferecer melhor ou pior acesso aos recursos, atuando assim como estímulo ou obstáculo ao progresso. As leis que governam a história humana são, assim, produtos de um processo dinâmico e permanente de adaptação ao ambiente, e não um resultado direto da ação de fatores naturais, como o clima ou o relevo, sobre os homens (RATZEL, 1899) A ótica de Ratzel, baseando-se nos escritos de Charles Darwin, postula a Geografia como uma unidade orgânica em constante expansão, dependendo do tamanho e constituição das populações humanas em suas cercanias. Enquanto entendemos o conceito de “fronteira” como representação de permanência, legalidade e estabilidade – Ratzel via tão somente uma gradual expansão, contração e impermanência nas relações entre as nações (KAPLAN, 2013 p.82); a “fronteira” de Ratzel é fluida e dinâmica, e as razões de sua expansão estarão condicionadas aos anseios e vontades de suas populações: quanto maior a carência de recursos, maior propensão desse Estado a expandir as suas fronteiras as custas de outrem, na finalidade de saciar as necessidades da sua população. Tal concepção da dinâmica do espaço geográfico acarretaria a concepção do conceito do Lebensraum – “Espaço Vital”, que posteriormente influenciaria uma geração de políticos e intelectuais alemães e germanófilos – como o geógrafo sueco Rudoplh Kjellen, o político liberal Friederich Naumann, e o general-geógrafo Karl Haushofer – e as políticas expansionistas da Alemanha na primeira metade do séc. XX. A seguir apresentaremos maiores detalhes desta teoria. Para o geógrafo britânico Halford Mackinder (1861 – 1947), dialogando com seu colega alemão, a história das coletividades humanas está fortemente condicionada pelas características geográficas do ambiente, tais como o espaço, a posição, o relevo, o clima e os recursos naturais de sua base territorial. A Geografia Física era um dado de 21

realidade permanente que, embora relativamente alterada pelas inovações tecnológicas, não sofreu no curso dos séculos modificações radicais e continua sendo o fator mais constante na história humana. (MELLO, 1999 p. 35) Como derivação da ciência geográfica, a Geopolítica é um ramo autônomo da Ciência Política que tem por objeto de estudo as relações e as mútuas interações entre o Estado e sua geografia. Esta disciplina possuiu um acervo de conhecimentos teóricos e empíricos que pode ser utilizado no planejamento da política de segurança de um país no tocante a seus fatores geográficos. Como afirma Nicholas Sypkman (MELLO, 1999 p. 74): “O campo da geopolítica é, contudo o campo da política externa e seu tipo particular de análise usa os fatores geográficos para ajudar a formulação de políticas adequadas para a consecução de certos fins justificáveis”. (SPYKMAN, 1944 p. 6)

A extensão territorial, as condicionantes do meio físico, as reservas e a diversidade dos recursos naturais, são fundamentais para sustentar o poder de uma nação, mas o Estado deve ter papel ativo para materializar essas transformações. Como nas palavras de Vasconcelos e Vidal (1998): “A valorização da terra como fator de produção” (VASCONCELOS & VIDAL, 1998). A posse territorial e de seus “frutos” pelo Estado e a serviço do Estado, assegura a soberania nacional e a projeção de poder. Para o geógrafo francês Claude Raffestin (1993), “A construção do território revela ações marcadas pelo poder”. (RAFFESTIN, 2004 p.2) Os fatores geográficos encontram-se presentes e influentes nas diversas concepções sobre o “poder nacional” descrita na obra de Longo & Serrão (2012). Segundo Arenal (1983), o poder nacional “é a soma dos atributos que capacita um Estado para que possa atingir os seus objetivos externos especialmente quando eles se opõem aos objetivos e vontade de outro ator internacional” (ARENAL, 1983 apud LONGO e SERRÃO, 2012 p. 17). Já a Escola Superior de Guerra a define como a "capacidade que tem o conjunto de homens e meios que constituem a nação para alcançar e manter os objetivos nacionais, em conformidade com a vontade nacional". (ESG, 2008 apud LONGO e SERRÃO, 2012 p. 28) É notável que as expressões “capacidades”, “atributos” e “meios” utilizados nas citações acima, dizem muito a respeito das condições naturais oferecidas pelo ambiente (relevo, clima, vegetação, água, maritimidade, fertilidade do solo, biodiversidade, recursos minerais e energéticos) e a capacidade do homem de se adaptar a esse meio 22

natural e instrumentalizar seus recursos para garantir sua sobrevivência (ciência, tecnologia, coesão político-social e capacidade produtiva). Os autores destacam os primeiros itens descritos como atributos de um “poder potencial” e os seguintes como mecanismos transformadores desse poder potencial a que denominam “poder efetivo”. Ou seja, mesmo se a região apresentar todas as condições favoráveis, a carência (ou ausência) de capacidades de adaptabilidade pelo homem, torna o ambiente geográfico subexplorado e pouco viável para seu desenvolvimento, caso apresentado por muitos países na Ásia e África Subsaariana. Ao mesmo tempo, outras sociedades, habitantes de ambientes muito mais “hostis” e desfavoráveis, conseguiram enfrentar tais obstáculos e mostraram-se capazes de diminuir (e não eliminar) suas vulnerabilidades (como a importação de matéria-prima, energia e alimentos em troca de produtos manufaturados), casos de países como Japão, Israel e os “Tigres Asiáticos” em geral (GONÇALVES, 2005 apud LONGO e SERRÃO, 2012 p. 20) Esse contraponto ao “determinismo ratzeliano” expõe seus gargalos mas também, condiciona o debate com “possibilismo geográfico” do geógrafo francês Paul Vidal de La Bache (1845 – 1918).2

1.1 A Importância da Geografia no Florescimento da Civilização Russa Visto o posto, partiremos para o estudo de caso russo. Apesar de ser atualmente o país de maior extensão territorial do mundo, com mais de 17 milhões de km², a civilização russa originou-se em princípio, com o assentamento de numerosas tribos eslavas numa faixa estreita de terra no nordeste da Europa compreendendo atualmente territórios da Federação Russa, Bielo-Rússia e Ucrânia. Essa região compreende quatro principais ecossistemas: nas áreas setentrionais, às margens do Mar Branco e as fronteiras da Escandinávia, apresenta um clima subártico e polar, com invernos muito rigorosos e verões curtos demais para o desenvolvimento da vida em larga escala. Sua vegetação dominante é a tundra (do russo: “terras altas” ou “região montanhosa sem 2

Paul Vidal de La Blache (1845-1918), geógrafo francês, precursor da "escola possibilista": Foi influenciado pelo “determinismo geográfico” alemão, principalmente por Friedrich Ratzel. Para La Blache, um Estado deve planejar a apropriação de espaço geográfico considerando e conhecendo todas as características naturais e humanas de seu território. Defendia que o homem pode interferir, modificar a natureza e vencer os obstáculos impostos pelas condições naturais em determinadas regiões como, por exemplo, uma cordilheira de montanhas, um deserto, um solo pobre, etc. Suas ideias dizem que qualquer Estado soberano possui possibilidades para alcançar um nível de desenvolvimento econômico, social, tecnológico e político a ponto de melhorar satisfatoriamente a vida do seu povo ou da sua nação. Portanto, cabe ao Estado impor seu poder sobre o território.

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árvores”), constituída de planícies compostas por liquens, musgos, ervas e arbustos baixos. As plantas com raízes longas não podem se desenvolver, pois o subsolo permanece congelado. Ligeiramente abaixo da tundra, essa paisagem é dominada pela taiga (em russo: “floresta virgem”), vastas extensões de florestas boreais compostas por pinheiros e abetos. Esta configuração ocorre devido ao descongelamento do solo, que é ácido e pobre em nutrientes, além da presença de pântanos, limita o desenvolvimento de culturas agrícolas. (SEGRILLO, 2012 p.29) Porém, por mais de um milênio, essa região constituiu-se como grande fornecedora de madeira, e peles de animais selvagens para as cidades russas e outros rincões da Europa e Oriente Médio. Em seguida, temos a presença das florestas temperadas, e as estepes arborizadas, sendo esta última, uma faixa transitória entre as florestas temperadas e as estepes euroasiáticas. Nestas regiões, as florestas setentrionais da taiga encontram com as formações de bétulas e carvalhos, típicos da Europa Central, dando-lhes uma configuração mista. Por tratar-se de uma área geográfica menor em comparação à taiga e à estepe, muitas vezes é descrita como uma “faixa de transição”, ou meramente descrita como parte da floresta boreal russa. Porém, com um clima temperado continental (com verões quentes e invernos mais frios) e solos mais férteis conhecidos como podzol (do russo “solo cinzento”), essas zonas foram desbastadas e cultivadas desde o início da história russa, sendo o berço das três capitais da Rússia medieval: Kiev, Vladimir e Moscou. Além de ter as terras agrícolas mais importantes do antigo Estado russo, foi o corredor de expansão para o Volga, e depois para a Sibéria. A estepe arborizada gradualmente dá lugar à estepe euro-asiática que estende-se das planícies da Hungria até a Ásia Central e a Mongólia. Seu clima apresenta verões mais quentes e secos, e solos muito mais férteis conhecidos como chernozyon (do russo: “terras negras”), criando condições extremamente favoráveis ao cultivo agrícola em larga escala. (MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p.16-18) Porém, o seu relevo plano e praticamente a ausência de árvores, tornou essa região propensa a invasões de tribos nômades vindas da Ásia desde o séc. V d.C.: hunos, ávaros, búlgaros3, cazares, magiares, pechenegues, cumanos, calmucos, tártaros, mongóis, servindo de corredor 3

Os búlgaros ou “proto-búlgaros” são povos semi-nômades de língua túrquica originários da região do Volga (na atual República Autônoma do Tartarstão na Rússia). No século VII, clãs dessa tribo migrariam através da estepe euro-asiática para os Bálcãs, sendo assimilados pelas populações eslavas locais e adotando o cristianismo ortodoxo, formando a atual Bulgária.

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móvel para suas hordas de cavalos e camelos à Europa (MACKINDER, 2011 p.87-100). Esse território mostrou-se demasiado hostil para colonização russa, forçando-os a se abrigar nas florestas até o século XVI. (KAPLAN,2013 p.66) Além disso, esta região é irrigada por uma importante variedade de rios perenes sendo as bacias hidrográficas dos rios Dvina e Volkhov (ao norte), os rios Dnieper, Dniester e Don (ao sul), além do rio Volga (o maior rio europeu) que acabam criando uma ponte de ligação entre a Escandinávia e o Mar Báltico até o Mar Negro, Mar Cáspio, Sudeste da Europa e o Oriente Médio. Essa posição estratégica configurou a região num complexo “entroncamento comercial” denominada de “caminho dos varegos (normandos) aos gregos (bizantinos)”. Proporcionou o desenvolvimento e crescimento dos assentamentos populacionais eslavos, transformando-os num pujante sistema de cidades-Estado que iam integrar o Estado de Kiev, ou simplesmente Rus’ (SEGRILLO, 2012 p.99) Essa confederação se beneficiaria e muito dessas rotas comerciais, sendo intermediária entre os fluxos comerciais vindos da Escandinávia ao norte, a Bulgária Volgaica4 e o Khanato dos Cazares5 ao leste; o Reino Franco a oeste; e ao sul, o Império Romano do Oriente (ou “Império Bizantino”), os Califados Árabes e a Pérsia – sendo as cidades de Constantinopla e Bagdá os principais mercados mundiais na época. Inclusive a “Rota da Seda” utilizaria ramificações nos cursos fluviais russos (MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 36-37) Nessas rotas, eram comercializadas várias mercadorias: vinho, especiarias, joias, vidro, tecidos de luxo, ícones religiosos e livros vinham do Império Bizantino; armas e ferramentas vinham da Escandinávia; âmbar das tribos do Báltico; e as cidades-Estado de Rus’ forneciam pães, artesanato, moedas de prata, rodas de tear, madeira, peles, mel e cera entre outras mercadorias. Escravos vindos de várias partes da Europa eram fornecidos para os mercados bizantino e árabe, como descreve o mapa abaixo (MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 43), como demonstrado no mapa 1:

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Também conhecida como Bulgária do Volga, foi um Estado histórico que existiu entre os séculos VII e XIII ao redor da confluência dos rios Volga e Kama no local hoje abrangido pelas Repúblicas Autônomas do Tatarstão e Chuváchia na Rússia. 5 Os cazares, também chamados cázaros ou khazari, era um povo de origem turcomana seminômade que dominou a região centro-asiática a partir do século VII até o século X, povoando as estepes entre o Mar Cáspio e o Mar Negro e parcialmente ao longo do rio Volga. Seu poder declinaria frente ao Principado de Kiev, sucumbindo a este, décadas depois.

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Mapa 1 – Rus’ de Kiev: Posição Estratégica e Recursos Naturais

Elaborado pelo Autor. Fontes: MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 36 e 41; DUBY, 2013 p.95. & MACKINDER, 2011 p.89.

Além da troca de mercadorias, os caminhos fluviais da Rússia permitiram também um intenso intercâmbio cultural, científico, religioso e político. Os varegos, que se assentariam nos territórios de Rus’ desde o século IX, formariam uma poderosa elite política eslavizada que governaria essas terras por séculos, dando início a dinastia dos Rurikidas ou “filhos de Rurik”. A cristianização de Rus’, descrita mitologicamente na “Crônica Primária”6, revela o intenso contato entre esses principados e os Estados que os circundavam, além de seu valor estratégico para estes. A conversão de Rus’ 6

Também conhecida como “Crônica de Nestor”, é o mais antigo relato histórico sobre as origens da civilização russa. Um dos episódios mais intrigantes, narra a cristianização do príncipe Vladimir de Kiev, no ano de 986. O príncipe se encontrou com representantes de diversas religiões. Ao se encontrar com os búlgaros do Volga, muçulmanos, enviados judeus do Khanato Cazar e missionários católicos germânicos, se decepcionara com essas religiões. Porém, ao visitar a cidade bizantina de Constantinpola e ver o esplendor das suas igrejas, como a catedral de Santa Sofia (em grego: “Sagrada Sabedoria”), seus emissários afirmariam: "Não sabíamos mais se estávamos no céu ou na terra, nem de tamanha beleza e não sabemos como descrevê-la". In SEGRILLO, 2012 p.105

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possibilitou não apenas a centralização política e social, mas também selou uma sólida aliança geopolítica com o Império Bizantino, o mais poderoso império cristão da época. A posição geográfica possibilitou esses fluxos varegos, bizantinos, árabes, persas e tártaros serem assimilados pelas raízes eslavas de Rus’, modelando sua sociedade com características híbridas europeias e asiáticas. No primeiro quartel do século XIII, os principados de Rus’ são invadidos pelas hordas tártaro-mongóis de Batu Khan (neto de Genghis Khan), Muitas cidades russas, como Ryazan, Vladimir, Tchernigov e Kiev são saqueadas e destruídas, marcando o fim da Rus’ de Kiev e dando início a um período que submeteria os principados russos por dois séculos. Apenas Novgorod e Pskov, os principados mais setentrionais, escapariam desse destino, devido a seu terreno pantanoso (o que dificultaria as investidas mongóis) e à custa de pesados tributos. Outros principados russos, buscando proteção no Ocidente, seriam subjugados e incorporados pelos vizinhos poloneses, lituanos, germânicos, suecos e dinamarqueses; e seus espólios sendo disputados por estes. (MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 52-53) Essa nova configuração territorial que surgira após a derrocada da Rus’ de Kiev, irá acentuar a clivagem linguística, cultural e religiosa que surgirá entre os “grandes russos”, “russos brancos” (ou bielo-russos) e “pequenos russos” (ou ucranianos). Esse importante momento da história russa divide os estudiosos tanto na Rússia quanto no resto do mundo. Para alguns autores, como Robert Kaplan (2013) a violência e terror do jugo tártaro-mongol irão traumatizar a sociedade e a elite política russa. Sendo negado o acesso ao Renascimento europeu, os russos ficariam para sempre marcados pelos mais amargos sentimentos de inferioridade e insegurança. Sem outras barreiras naturais contra invasões além da própria floresta, a Rússia jamais esqueceria como era ser objeto de uma conquista brutal, o que a tornaria para sempre obcecada pela necessidade de expansão e incorporação de territórios, ou no mínimo de domínio das “zonas de amortecimento” contíguas (KAPLAN, 2013 p. 67). O domínio tártaromongol influenciaria no advento de uma “cultura estratégica” russa, como notado por Lantis & Howlett (2013). A sua localização geográfica, as experiências históricas e a tenacidade de sua cultura e identidade, resultariam em um forte sentimento nacional de cerco, onde os russos se veriam constantemente ameaçados além de suas fronteiras. (LANTIS & HOWLETT apud BAYLIS & GRAY, 2013. p. 94) Tal percepção estratégica acarretaria uma grande militarização do Estado e da sociedade.

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Em contrapartida, muitos outros estudiosos, consideram que os dois séculos de dominação tártaro-mongol tiveram seus impactos positivos e duradouros: eles seriam o último ingrediente para constituir a futura autocracia russa, que perduraria até as primeiras luzes do século XX, e cuja superestrutura influenciaria os modelos político soviético e republicano nas décadas subsequentes. Segrillo (2012) argumenta que os mongóis, por terem de administrar um vasto Império terrestre – cujo território de 33 milhões de km² estendia-se da Coréia a Mesopotâmia, passando pela China, Pérsia e Ásia Central – não se imiscuíam exageradamente na vida cultural (e mesmo na política interna) dos povos conquistados. Eles toleravam todas as religiões e permitiam que os governantes nativos continuassem em seus postos, desde que, obviamente, reconhecessem a suserania do Khan mongol. Como vimos, a Rus’ de Kiev era uma confederação de cidades-Estado com vassalagem ao Grande Príncipe de Kiev. Um Estado florescente, mas excessivamente descentralizado. Em tempos de ameaça militar estrangeira, havia divergências entre os principados em engajar-se contra o inimigo externo. Essa desunião foi fatal, quando as primeiras hordas tártaro-mongóis cruzaram suas fronteiras. Após essa trágica experiência, era necessária a criação de um Estado forte e centralizado, capaz de superar todas as vaidades e rivalidades entre os principados, e unir os russos para libertá-los do jugo estrangeiro. A resposta estaria numa pequena cidade no principado de VladimirSuzdal, às margens do rio Moskva, de que adotaria o nome: Moscou. Moscou emerge e floresce em condições plenamente favoráveis: para os mongóis, servia como um recurso para enfraquecer os outros principados, passando a colaborar com estes, e ascendendo como intermediário entre a Horda Dourada e as cidades-Estado ocupadas. Passou a recolher tributos, desenvolveu uma forte e centralizada burocracia, e um eficiente sistema de estradas, correios e sistemas censitários. Além disso, a Pax Mongólica, demonstrada no mapa 2, permitiu o florescimento de um grande comércio euro-asiático, com o restabelecimento da “Rota da Seda” evitando seu distúrbio por guerras e conflitos armados (SEGRILLO, 2012 p.117) Muitas tecnologias, armaduras e armas (como a pólvora e as armas de fogo) seriam trazidas as terras russas por esse intercâmbio, ainda no século XIV, e depois espalhadas ao resto da Europa.

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Mapa 2 – A Pax Mongolica (séc. XIII)

Elaborado pelo Autor. Fontes: MILNER-GULLAND & DEJEVSKY, 2007 p. 50 e 41; DUBY, 2013 p.141.

Os principados russos passariam a se beneficiar de suas exportações entre o Ocidente e Oriente, cada vez mais interconectado. Os principados de Novgorod e Pskov, por exemplo, eram um dos principais polos mercantis da Liga Hanseática7. Enfim, esse “privilégio geográfico”, combinado a uma complexa percepção estratégica, pragmatismo e astúcia dos líderes político-militares russos perante as condições ambientes que se encontravam, permitiu a instituição de um Estado solidamente centralizado e autocrático em Moscou, reunindo os demais principados russos e formando uma poderosa e organizada força militar, que possibilitou a libertação do jugo tártaro-mongol em 1480.

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Do alemão Hansa, “associação” foi uma aliança de cidades mercantis que estabeleceu e manteve um monopólio comercial sobre quase todo norte da Europa e Báltico, em fins da Idade Média e começo da Idade Moderna.

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1.2 A Expansão Imperial da “economia-mundo” russa Apesar da independência do domínio estrangeiro no último quartel do século XV, o jovem Grande Principado de Moscou (também denominado Moscóvia) emerge num ambiente caótico e perigoso: ao leste, o Império Mongol, em declínio após a morte de Genghis Khan, ainda se mantinha presente na região do Volga e Ásia Central pelos Estados sucessores da “Horda Dourada”8; ao oeste, o Grão-Ducado da Lituânia expandia-se a custas dos principados russos caídos pelo jugo tártaro-mongol e após sua união com a Polônia, formaria a República das Duas Nações (ou Comunidade PolacoLituana), despontando como o principal rival (e ameaça) ao Estado moscovita no controle daquelas terras; ao norte, a Dinamarca e a Suécia ameaçavam os territórios próximos ao Mar Báltico; e ao sul, o Império Otomano avançava pelos Bálcãs, e pela Crimeia. Além disso, muitas cidades-Estado russas estavam descontentes com a unificação sob Moscou, especialmente Novgorod, pelo seu amplo prestígio comercial. O cientista político russo Aleksandr Dugin (2014) afirma que neste contexto, a proclamação de Ivan III (1440 – 1505) como “Czar de toda a Rússia” (traduzido erroneamente como “todas as Rússias”), após seu casamento com Sofia Paleóloga sobrinha do último imperador bizantino, Constantino XI – e por consequência, herdeira deste império que havia caído perante os turcos otomanos em 1453 – fez o Estado russo ascender da periferia da Ortodoxia, a guardião do legado bizantino, nomeando-se a “Terceira Roma” – após as quedas de Roma e Constantinopla. (DUGIN, 2014 p. 14-15; MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 59). Essa “nova” Rússia será uma síntese entre suas raízes eslavas e a convergência das influências e valores nórdicos, bizantinos, árabes, persas e tártaro-mongóis que recebera em sua história. Essa combinação da autocracia bizantina com o despotismo oriental tornou o Czarado da Rússia (sucessor de Moscóvia em 1547) um amálgama entre Oriente e Ocidente, ao mesmo tempo que possui suas próprias tradições e valores. Assim, a partir do século XV os russos emergem no panorama da História Mundial como uma telurocracia – “civilização terrestre”, uma sociedade tradicional, centralizada, militarizada e autoritária; e todas as linhas de força geopolítica fundamentais da sua política externa passam desde esta altura a ser sujeitas a um único 8

O Khanato da Horda Dourada, também conhecido como Horda de Ouro foi um dos quatro khanatos originários da fragmentação do Império Mongol e o mais duradouro de todos eles. Abrangia, em seu apogeu, grande parte da atual Rússia Europeia, Cazaquistão, Ucrânia, parte da Bielorrússia, norte do Uzbequistão, Sibéria Ocidental e uma parte da Roménia.

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objetivo: primeiro a restituição de todos os principados de Rus’ ao soberano de “toda Rússia”. Isso torna inevitável o embate direto com as potências limítrofes na Europa Oriental, como a Polônia-Lituânia e a Suécia. Por último, a política moscovita buscará a expansão e integração da Eurásia, subjugando as tribos tártaro-mongóis, personificados nos khanatos sucessores da Horda Dourada – Crimeia, Qasim, Kazan, Astrakhan e Sibéria – que a ameaçavam constantemente. (DUGIN, 2014 p. 15) Para contemplar esse ambicioso projeto, o Estado russo, sob o reinado de Ivan IV “O Terrível” (1547 – 1584), agraciado pelo comércio de peles, grãos, ferro, mel, âmbar e manufaturas com a Europa (especialmente com a Inglaterra), o acesso a novas tecnologias e técnicas do Ocidente e Oriente, e por uma sólida e rígida centralização política e tributária, permitiu instituir uma força militar bem organizada, padronizada, treinada, equipada e disciplinada: os streltsy (“atiradores”), um dos primeiros exércitos permanentes e padronizados da Europa Moderna, comparáveis apenas aos janízaros otomanos. Formado por recrutas oriundos do campesinato e da pequena burguesia urbana, eram remunerados regularmente, uniformemente vestidos e equipados com sabres e bardiches (um machado pesado russo), e gozavam do uso extensivo de armas de fogo e artilharia. Utilizavam de táticas inovadoras para a época, como a gulyaygorod (“cidade errante”). Composta por fortificações móveis de madeira de madeira montado sobre rodas no qual os streltsy poderiam atirar por pequenas saliências, sendo protegidos das chuvas de flechas disparado da cavalaria leve tártaro-mongol. Em apoio aos infantes russos, a tradicional cavalaria pesada formada pelos boiardos (nobreza) foi dando espaço a unidades irregulares mais leves, de maior mobilidade e equipados com sabres, arcos, e posteriormente pistolas e carabinas: os cossacos (em russo: kazaki – “homens livres”). Eram recrutados das fronteiras meridionais da Rússia, onde suas populações, apesar da origem eslava, tiveram intenso contato com as tribos turcas, tártaras e mongóis, acabaram assimilando parte de sua cultura e adotando seu estilo de vida semi-nômade adaptado à estepe, incluindo suas armas e táticas militares (SHAPKOVSKY e NICOLLE, 2006. p. 7-9 e 38-40). A combinação do poder de fogo dos streltsy e a mobilidade dos cossacos, foram decisivos para neutralizar as hordas de cavaleiros e arqueiros montados tártaro-mongóis. Ivan IV derrotaria e anexaria os khanatos de Kazan (1552), Astrakhan (1554) e da Sibéria (1582), expandindo o território de 2,8 para 5,4 milhões de km² em 51 anos de reinado, controlando todo o curso do Rio Volga e ganhando acesso a Ásia Central (MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 66). Além disso, com as recentes 31

conquistas, a Rússia se transformaria num estado multiétnico e multiconfessional, característica que permanece até os dias atuais. Para garantir a coesão administrativa, a coroa russa concederia limitada liberdade cultural e religiosa; em contrapartida, os hábeis cavaleiros tártaro-mongóis seriam incorporados como tropas irregulares no exército russo (NASIROV, 2005). Paralelamente ao decorrer do século XVI, os reis da Suécia e Polônia-Lituânia preocupavam-se com o crescimento e fortalecimento do Estado russo, que podia ameaçar seus interesses na região, e impuseram sanções severas, banindo as importações de bens primários e o acesso dos russos a armas e tecnologia avançada. A reação de Moscou culminou com a deflagração da Guerra da Livônia, que degastou o Estado russo (considerando as outras guerras em curso contra os sucessores da Horda Dourada) e conteve sua expansão para o Mar Báltico por quase um século. (GRIGORIEV, 2006) Mello (1999) destaca nos séculos XVI e XVII, que a expansão terrestre russa para a Sibéria, ultrapassando os Montes Urais e subjugando as tribos mongóis ao domínio do czar; como de igual importância com a expansão marítima das talassocracias europeias. Segundo o autor, essa dupla expansão (russa e europeia) permitiu colocar as tribos mongóis (que constantemente assediavam a Europa) na defensiva, explorar novos territórios e o acesso a novos recursos e mercadorias. Porém, alimentou os choques futuros entre o poder terrestre e marítimo pela hegemonia mundial (MELLO, 1999 p.28). A figura 1 demonstra a superioridade ténico-militar dos conquistadores russos sobre as tribos tártaro-mongóis, em sua expansão pela Sibéria. Mackinder (1904), em sua teoria do “Poder Terrestre”, afirmava que a exploração dos imensos recursos do Heartland ou “área-pivô”, a área basilar no coração da Eurásia – compreendendo a planície russa, a Sibéria e a Ásia Central – concederia ao Estado que a controlasse condições para desenvolver uma economia autárquica e um inexpugnável poder terrestre”. Entrincheirado no coração do Velho Continente, esse poder terrestre auto-suficiente poderia resistir ao assédio e às pressões do poder marítimo, cujo raio de ação limitava-se às ilhas próximas e regiões costeiras da Eurásia. (MELLO, 1999 p.16).

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Figura 1 – Yermak conquista a Sibéria, pintura de Vasily Surikov (1895)

Fonte: http://www.art-drawing.ru/gallery/category/685-surikov-vasily-ivanovich acessado em 15/04/2015.

Com a conquista dos Urais, os russos garantem uma barreira natural contra as incursões das tribos asiáticas, estabelecendo uma plataforma de projeção para a Sibéria. No século XVII, a descoberta de ricos depósitos de minério de ferro, sal, cobre, ouro, mica, pedras preciosas e outros minerais, seria reconhecida como “fonte estratégica de recursos minerais” para o Estado russo, transformando a região numa das maiores regiões mineradoras e metalúrgicas do continente. Mais de sessenta fábricas seriam construídas no início do século XVIII e esse número dobraria nos próximos cinquenta anos.9 A região se destacaria na exportação de lingotes de ferro para a indústria inglesa, e inúmeras fundições se engajariam na produção de canhões e mosquetes imprescindíveis à guerra moderna, e decisivos para a ascensão da Rússia entre as grandes potências europeias. (KAPLAN, 2013 p.173) A expansão para a Sibéria, conquistada pela derrota do Khanato da Sibéria, garantiu o acesso russo a mercadorias de enorme valor no mercado internacional, tal qual como as especiarias indo-chinesas tiveram para as monarquias europeias, como peles de raposas, castores, arminhos e martas, cuja produção anual era avaliada em 600 mil rublos em 1640-1650, e respondia por 33% da arrecadação dos cofres imperiais. Além disso, extraía-se marfim de morsas e madeira, e exerciam atividade pesqueira, exportada para comerciantes ingleses, holandeses e escoceses pelo porto de Arkhangelsk. (BYCHKOV, 1994). Também foi a partir da Sibéria que a “economia9

“URAIS, Região dos” Larousse Cultural, Ed. Brasileira – Folha de S. Paulo, 1998

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mundo” russa se conectou comercialmente com a China, Índia, Ásia Central e o Oceano Pacífico. Este último, sendo sua ponte para as Américas. (BRAUDEL, 1998 p. 14). Abaixo, o mapa 3 ilustra essas transformações no território russo. Mapa 3 – De Moscóvia ao Império Russo

Elaborado pelo Autor. Fontes: MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 74, 128 e 129; DUBY, 2013 p.203 e 244; LAROUSSE, 1998 p. 5160 e 5163; BONIFACE e VÉDRINE, 2009. p. 94.

Por outro lado, tal ritmo de guerras e conquistas comprometeram os cofres públicos, trazendo graves consequências e desdobramentos: a derrota perante a coalizão sueco-polaco-dinamarquesa na Guerra da Livônia (1558-1582) privou o acesso ao Mar Báltico por dois séculos, e fez o Estado, desgastado, sofrer ataques e saques do Khanato da Crimeia apoiados por tropas otomanas que buscavam ampliar suas fronteiras ao sul. Apesar de repelidos, levaram grande devastação às cidades russas, inclusive a capital, Moscou, incendiada pelos tártaros da Crimeia em 1571. O país passou por um longo período de estagnação, fome, desordem e até rebeliões internas. O “tempero final” chegaria com a morte do Czar Teodoro Ivanovich (1557 – 1598), Sem deixar herdeiros, mergulhou a Rússia num período de anarquia, marcado por lutas sucessórias, rebeliões internas e invasões oportunistas de poloneses e suecos, ansiosos por expandir sua influência colocando governantes fantoches e 34

anexando novos territórios às custas da Rússia enfraquecida. Esse período caótico, denominado “Período das Desordens” (1598 – 1613) terminaria com a eleição pela Zemskiy Sobor – “Assembleia da Terra”, de Miguel Romanov (1613 – 1645) como czar, reforçando a unidade do país, encerrando a era dos Rurikidas e inaugurando uma nova dinastia, que governaria a Rússia por trezentos anos até a Revolução de 1917 (SEGRILLO, 2012 p. 125). Nos finais do século XVII um novo capítulo é escrito na história da Rússia. O reinado de Pedro I, “o Grande” (1682 – 1725) inaugura uma nova etapa nas relações da Rússia com o Ocidente: longe de ser um admirador servil da Europa, seu objetivo era adotar técnicas ocidentais para alcançar e ultrapassar o Ocidente, especialmente nas ciências, táticas e organização militar e a construção naval, no qual almejava uma saída para o mar Negro e Báltico. Especialmente após a custosa captura da fortaleza otomana de Azov, no Mar Negro em 1696, demonstrara a necessidade de modernização militar e a instituição de uma marinha de guerra eficaz. Em 1697, Pedro organiza uma viagem de um ano à Europa, denominada a “Grande Embaixada” passando pela Prússia, Polônia-Lituânia, Áustria, as terras do Sacro Império Romano (atual Alemanha), Países Baixos e Inglaterra. Apesar de o objetivo principal ser o fortalecimento da Santa Liga10 (SEGRILLO, 2012 p. 131), no qual fracassara, ela rendeu valiosos frutos para o Estado russo: Pedro levou cerca de 750 técnicos e artesãos, especialmente holandeses para trabalharem na Rússia, nos mais diversos ofícios; suprimentos militares e modernas armas foram adquiridas. Inclusive o próprio monarca russo, na condição de anonimato, trabalhou como operário em um estaleiro holandês. Este tipo de pensamento era impensável para um membro da realeza, mas deu-lhe experiência direta com a tecnologia europeia (SEGRILLO, 2012 p. 131) Ao retornar a Rússia em 1698, Pedro inicia uma forçada e verticalizada modernização ocidentalizante. Sofreu fortes resistências, como a revolta dos streltsy que foi duramente reprimida, mas resultou em transformações profundas na política, economia, na sociedade e no poderio militar. Reformou a burocracia e a administração; recrutou artesãos e técnicos alemães, holandeses e ingleses, ao mesmo tempo que enviava russos para estudarem construção naval, ciências, literatura, artes, cartografia e navegação no exterior; adotou medidas mercantilistas e usou apoio estatal para criar

10

A Santa Liga de 1684 foi uma aliança organizada pelo Papa Inocêncio XI para combate a expansão do Império Otomano nos Balcãs. Era composto pelos Estados Pontifícios, o Sacro Império RomanoGermânico, a Comunidade Polaco-Lituana, a República de Veneza e o Czarado da Rússia.

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uma série de novas indústrias e manufaturas no país; incentivou a mineração e metalurgia nos montes Urais; realizou um censo da nobreza em 1722, que serviria de base para uma medida revolucionária: a “tabela de graduações”, obrigando todos os nobres e burocratas a serem reconhecidos pelos seus serviços ao Estado e não pela hereditariedade (SEGRILLO, 2012 p. 133). Isso permitiu uma reforma no exército, seguindo o modelo prussiano, onde criaria uma moderna força de 100 mil conscritos, porém com um eficiente corpo de oficiais que não necessitavam estar ligados à nobreza (KONSTAM, 1993 p. 12-15). Na marinha, instituiu escolas náuticas, de formação de marinheiros, além de estudos de cartografia e navegação; em 1696, instituiu os estaleiros de Voronej na bacia do rio Don, privilegiado pela produção adjacente de madeira e cânhamo. Era inicialmente formados por pequenos empreendimentos privados, depois a produção foi estatizada devido, à má qualidade das embarcações e a dificuldades logísticas. No mesmo ano, criou a base naval de Azov que em 1699, compreenderia uma força de 134 navios, sendo dez navios de primeira linha, com um poder de fogo combinado de 366 canhões e uma tripulação de 2.126 homens.11 No plano externo, a Rússia realizaria movimentos simultâneos visando o acesso aos mares Negro e Báltico. Porém, as ambições marítimas russas entravam em choque com a presença do Império Otomano, que tinha como vassalo o pequeno Khanato da Crimeia, e do outro lado a Suécia que despontava como uma potência naval no Mar Báltico – sendo este seu Mare Nostrum, e almejava sua expansão para a Europa continental, projetando-se a Polônia-Lituânia, Dinamarca, Prússia e os principados germânicos. Ciente do perigo sueco, Pedro estabeleceu uma aliança com a Dinamarca e Saxônia, lançando uma ofensiva contra os territórios suecos, iniciando a Grande Guerra do Norte (1700 – 1721) que apesar dos vários reveses e vitórias, culminaria com a completa destruição do exército sueco pelos russos na batalha de Poltava, na Ucrânia (1709), apesar da guerra se arrastar por mais alguns anos, a Suécia, derrotada e humilhada, jamais recuperaria seu status anterior, e cederia à Rússia sua tão sonhada saída para o Báltico, com a anexação da Livônia, Estônia, Íngria e parte da Karélia. Na Íngria, ocupada desde 1703, Pedro havia construído, naquele terreno pantanoso, o Forte de São Pedro e São Paulo, e uma década mais tarde, a elevados custos financeiros e 11

The History of Russian Navy: Peter I and the Azov Fleet http://www.neva.ru/EXPO96/book/chap14.html acessado em 08/05/2015

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humanos, criou a vibrante cidade portuária e comercial de São Petesburgo, a “janela da Rússia para o Ocidente” (SEGRILLO, 2012 p. 133) Após a vitória na Grande Guerra do Norte, em 1721, Pedro proclamou a instituição do Império Russo, em lugar do antigo Czarado da Rússia. Com a derrota da Suécia, restava a Polônia-Lituânia como grande força na Europa Oriental. Os antecessores de Pedro já vinham de vitórias importantes contra os poloneses, em 1654 a 1667, quando se aproveitando da instabilidade interna do vizinho, engajaram-se no apoio de rebeliões dos hetmans – “chefes de guerra” cossacos ortodoxos, contra o jugo católico polaco-lituano. Culminou com o tratado de Pereyaslav de 1654, com a adesão voluntária dos cossacos ao Estado russo. Mas os ganhos mais significativos surgiriam com o reinado de Catarina II, “a Grande” (1762 – 1796) que, após derrotar uma rebelião que surgia no país vizinho, marcado pelo declínio desde a Grande Guerra do Norte (que fora devastado pelos suecos), além de guerras internas, problemas étnico-religiosos e estagnação econômica; resultou na intervenção russa e a assinatura de um acordo juntamente com a Áustria e Prússia promovendo a partilha da Polônia-Lituânia em três etapas (1772, 1793 e 1795). Isso garantiu a Rússia uma enorme adição de 463.200 km² ao seu território, compreendendo a Bielo-Rússia, grande parte da Ucrânia Ocidental (também conhecida como “margem direita do Dnieper”) e também os territórios da Lituânia. (SEGRILLO, 2012 p. 139) Simultaneamente, Catarina empreendeu uma extensiva campanha contra o Império Otomano e seu vassalo, o Khanato da Crimeia. A vitória nas guerras de 1768 – 1774 e 1787 – 1792 garantiu à Rússia o controle de todo o sul da Ucrânia, e do Cáucaso Norte. A Crimeia seria anexada em 1783, garantindo pleno acesso ao Mar Negro, com a construção do porto comercial de Odessa (em 1794), os estaleiros de Nikolayev (1789) e a fortaleza e base naval de Sebastopol (1784), garantiram o controle da litoral norte do Mar Negro, tirando a exclusividade do Mare Nostrum otomano, e podendo projetar-se militarmente contra suas cidades na Anatólia, Balcãs e até na capital, Istambul (Constantinopla). A conquista da estepe se deu com a anexação completa da Ucrânia, do Cáucaso Norte e nos territórios do atual Cazaquistão. Nas planícies meridionais ucranianas, redenominadas Novorossiya ou “Nova Rússia” (MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 111-112), deram início a um extenso programa de colonização de camponeses russos e ucranianos (além de outros povos de diversas partes da Europa) para essas 37

“terras virgens” que encontrariam terreno fértil e condições climáticas favoráveis para o cultivo de grãos como trigo, aveia, centeio e girassol, transformando a região em pouco tempo, no “celeiro agrícola do império” sendo um dos maiores produtores de cereais da Europa. (MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 111) No alvorecer do século XIX, o Império Russo era o maior produtor mundial de cânhamo, planta semelhante à maconha, que tinha grande versatilidade na era da navegação a vela: mastros, velas, cordas, as vestes dos marinheiros, óleo para as lanternas, e até as sementes serviam de alimento nas embarcações. A produção de cânhamo russa era beneficiada pelo comércio com a Grã-Bretanha, o principal consumidor mundial dessa commodity. A Rússia, pelas suas províncias no Báltico, facilmente estabeleceu um monopólio na área de “insumos navais” (como a produção de resinas a partir de pinheiros) e rapidamente, tornou-se uma ameaça não apenas ao bem estar econômico britânico, mas também ao seu poderio marítimo. (MURRAY, 1943 p. 298) Outros produtos importados pelos britânicos incluíam trigo, linho, madeira, carvão e minério de ferro. Ciente da importância do fluxo comercial russo-britânico, a França napoleônica assina um acordo secreto em 1807 (tratado de Tilsit) com a Rússia e a Prússia, onde as partes se comprometem na formação de um sistema continental bloqueando o comércio com a Grã-Bretanha, em troca, os franceses seriam coniventes com a expansão russa em direção à Finlândia, esta sob domínio da Suécia. Por não respeitar o bloqueio continental, Napoleão invadirá o território em 1812 com resultados desastrosos. O uso de táticas de terra arrasada12 em seu imenso território, as adversidades do clima (especialmente no inverno e na primavera), as grandes reservas materiais e humanas, e o emprego extensivo de irregulares tártaromongóis e milícias civis junto às tropas imperiais, contribuíram decisivamente para quebrar a espinha dorsal do até então “invencível” exército francês, mudando os rumos da guerra. (HAYTHORNTHWAITE, 1987) Karl Von Clausewitz, cunha o termo “guerra total” a partir da observação da invasão francesa à Rússia, por destacar a mobilização e articulação de setores civis, estatais e militares no esforço de guerra. (LEMOS, 2010) Ao longo do século, houve um período de franca expansão do Império Russo: das Guerras Napoleônicas, conquistou a Finlândia, a Polônia, e parte da Moldávia 12

Uma tática de terra arrasada ou terra queimada envolve destruir qualquer coisa que possa ser proveitosa ao inimigo enquanto este avança ou recua em uma determinada área.

38

(Bessarábia); nas décadas seguintes, completou a conquista do Cáucaso com a incorporação da Geórgia, Circássia, Daguestão, Chechênia e partes da Armênia e Azerbaijão após derrotar os Impérios Otomano e Persa; na Ásia Central, conquistaria o chamado “Turquestão russo” em 1867, com a incorporação dos Khanatos de Khiva e Kokand, e suserania sobre o Emirado de Bukhara; no Extremo Oriente, conquistaria a Manchúria Exterior do decadente Império Chinês da dinastia Qing, onde fundaria Vladivostok, seu principal porto marítimo, militar e comercial no Pacífico. Em 1900, o Império Russo compreendia 21.799.825 km², de território contínuo, com uma população, segundo o censo imperial de 1897 de 125.640.021 habitantes. Distribuídos em uma centena de identidades étnico-confessionais eslavas e não-eslavas. Sendo o terceiro Estado mais populoso, após a China Qing e o Império Britânico (este de posse da Índia). Além da enorme massa territorial, sua influencia se estendia além de suas fronteiras, nos Bálcãs (proclamando-se “protetor” dos cristãos ortodoxos sob jugo otomano), e pela massa eurasiática, na Pérsia, Mongólia, China e Coréia.

1.3 Modernização, Colapso e Revolução Com a “Revolução Industrial” em curso pela Europa, os governantes russos tinham grande interesse em ter acesso às modernas tecnologias ocidentais e industrializar o país, porém, a estrutura econômica servil da sociedade russa, a péssima infraestrutura no extenso território, a pequena burguesia, e mesmo o descaso da nobreza, acomodada pelo papel político e militar conquistado na Europa pósnapoleônica, tornaram tímidos e precários os empreendimentos industriais se comparados aos países mais avançados da Europa Ocidental (SEGRILLO, 2012 p. 148). Tal estagnação ficou ainda mais evidente com a derrota na Guerra da Crimeia (1853 – 1855), o atraso tecnológico nos meios terrestres e navais e as graves dificuldades logísticas acarretadas pela incipiente malha ferroviária, fez o exército imperial russo, contando com 1 milhão de homens e combatendo em seu território, mostrar-se incapaz frente aos modernos exércitos britânico e francês, mesmo lutando a milhares de quilômetros da terra natal (NOGUEIRA, 2013. p. 41). Após o conflito, reformas eram necessárias, e um importante marco veio com a abolição da servidão (80% da população russa) em 1861, pelo czar Alexandre II (1855 – 1881) concedendo aos ex-servos, a possibilidade de adquirirem terras, e impulsionarem um desenvolvimento capitalista de mercado. Essa limitada “reforma agrária” permitiu

39

um forte crescimento na produção de grãos, crescendo de 56,3 para 447 milhões em quarenta anos (GREGORY, 1972 apud NOGUEIRA, 2013 p. 48). Durante a década de 1860-70, a Rússia se engajou na construção de ferrovias, interligando as zonas agrícolas aos corredores de exportação. Buscava com a intensificação extrema das exportações agrícolas, adquirir tecnologia e capital necessários à indústria e sistemas de transporte (NOGUEIRA, 2013. p. 53). Entre 1861 e 1913, a rede ferroviária russa aumentou de 2.238 km para 70.156 km, ou seja, uma média de 1.300 km por ano (VILLELA, 1970. p. 38) Tais ligações terrestres tinham dupla finalidade: além de incentivar o crescimento econômico e a integração nacional, possibilitaram o transporte rápido de tropas em seu massivo território. Além disso, concessões, políticas monetárias flexíveis e incentivos estatais, atraíram investimentos britânicos, franceses, alemães e belgas, combinados a uma forte intervenção e protagonismo do Estado como indutor do desenvolvimento da indústria nacional. (SEGRILLO, 2012 p. 151) Como resultado, a produção industrial russa cresceu 662% em quarenta anos, sendo três vezes maior do que na Alemanha, e seis vezes maior do que na Grã-Bretanha e França. (VILLELA, 1970 p. 53) Mesmo com a produção total menor que os países ocidentais, ela apresentava franca expansão até a 1ª Guerra Mundial. Os principais centros industriais se destacavam no leste da Ucrânia (conhecida como Donbass, ou “Bacia do rio Don”) e nos montes Urais, com a produção de carvão, ouro, platina, prata, manganês, cobre, ferro, gusa, aço, máquinas e material ferroviário; em Baku, no Azerbaijão, produzia-se petróleo; Lodz na Polônia disputava com Ivanovo na Rússia europeia, a supremacia nacional (e até europeia) na produção têxtil; indústrias de bens de consumo e de capital floresciam nos centros urbanos de São Petesburgo, Moscou, Varsóvia (Polônia), Kiev e Kharkov (na Ucrânia) e Riga (na Letônia). Além destes, destacavam-se pequenos e médios empreendimentos em expansão no Cáucaso (mineração de manganês, prata, zinco e chumbo) Sibéria (madeira, couro), na Ásia Central (carvão e ferro) e no Turquestão (artesanato têxtil) (MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 135). Como demonstrado na tabela 1:

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Tabela 1 – Indicadores de crescimento da Economia russa (1860 – 1900) 1860

1870

1880

1890

1900

População (milhões de hab.)

73,8

86,6

102,4

120,2

126,4

Produção de Ferro (em milhares de t)

296,8

375,6

477,2

1.097,2

2.048,4

Produção de Carvão (milhares de t)

357,5

1.244,8

3.696,6

7.122,5

11.042,1

Produção de Petróleo (milhares de t)

0.004

0.033

0.382

3.864

10.684

Consumo de Algodão (milhares de t)

29,5

60,7

127,9

165,6

229,6

Produção de Açúcar (milhares de t)

---

113,2

257,5

467,4

636,3

Importação de Máquinas e Equipamentos

7,4

29,4

22,4

33,7

59,8

456

3.320

1.355

2.039

2.935

(em milhões de Rublos) Construção de Ferrovias (km)

Elaborado pelo Autor. Fontes: KROMOV p. 435 e 463 apud VILELLA, 1970 p. 34; GOLDMAN, 2008 p. 3-4.

Porém, no limiar das primeiras luzes do século XX, nos reinados de Alexandre III (1881 – 1894) e seu filho Nicolau II (1894 – 1917), o cenário já não dava seus frutos: a miséria social, no ambiente rural e urbano; as precárias condições de vida do proletariado industrial; a repressão e russificação das minorias étnicas e religiosas; a persistência de um regime autocrático e centralizado; e elevados gastos econômicos e políticos em sua política externa imperialista nos Balcãs e na China, levaram o Império Russo a um período de forte estagnação econômica e agitação social (SEGRILLO, 2012 p.154). Esse cenário seria agravado pela derrota na Guerra Russo-Japonesa (1904 – 1905), onde manifestações civis, duramente reprimidas pelo regime (num episódio chamado “Domingo Sangrento”), desencadeariam uma série de greves no campo e nas fábricas; revoltas camponesas contra a pequena nobreza; e distúrbios civis e militares, como o motim dos marinheiros do encouraçado Potemkin. O aumento dos protestos tornariam mais frágil a posição do czar, que acabou realizando algumas concessões políticas. Em outubro de 1905, o czar lançaria um manifesto onde prometia o estabelecimento de uma assembleia legislativa (a Duma) e concedia liberdades fundamentais civis, incluindo liberdade de expressão e de imprensa. As referidas medidas satisfizeram em grande parte os liberais, que começaram a retirar seu apoio à revolução, os revolucionários que permaneceram foram suprimidos pelo exército. Os efeitos da revolução foram diversos, os trabalhadores conseguiram melhores salários e redução na jornada de trabalho, e os camponeses obtiveram a abolição dos pagamentos relacionados ao fim da servidão (NOGUEIRA, 2013 p.62-63) 41

Mesmo assim, a economia russa registrou um forte crescimento até 1913. Mesmo com os desdobramentos da crise financeira internacional de 1907, a construção de ferrovias continuaria com o incremento de 7.563 km entre 1905 – 1913; destaque para a finalização das obras da Ferrovia Transiberiana que, construída desde 1891, compreendia 9.289 km, ligando Moscou, na Rússia europeia, à cidade portuária de Vladivostok, no Extremo Oriente siberiano; além de suas ramificações para a China (Trans-Manchúria) e Ásia Central (Trans-Caspiana). Houve um aumento considerável nos gastos militares, crescendo 60% entre 1911-12 e 33% em 1912-13. O programa de rearmamento russo gerou um crescimento considerável da atividade empresarial após 1910, gerando a criação de novas empresas, a integração de fábricas existentes e expansão nas fábricas relacionadas ao setor de engenharia. A metalurgia foi outra atividade beneficiada pela demanda do governo. As produções de ferro laminado e aço expandiram-se rapidamente, superando, nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, 50% o nível de produção alcançado no final do século XIX. (NOGUEIRA, 2013 p.65) Porém, com mais de 90% da população ainda vivendo e trabalhando no campo, a Rússia acabara se caracterizando como uma nação onde conviviam e se combinavam três formações econômico-sociais: a asiática, representada pelas aldeias, sociedades nômades, montanhesas e pastoris; a feudal, não completamente desenvolvida; e pela capitalista moderna, muito recente e com uma burguesia débil, por isso mesmo incapaz de opor-se de forma consequente ao absolutismo czarista. Leon Trotsky denominará a realidade russa em seu conceito teórico sobre o “desenvolvimento desigual e combinado” (PAULINO, 2010. p. 56). Com o estouro da Primeira Guerra Mundial, em julho de 1914, o Império Russo mostrou-se, ao longo do conflito, totalmente despreparado. Apesar do enorme contingente (5,9 milhões de soldados em 1914), uma indústria militar crescente, e uma agressiva política externa em proteção aos seus aliados cristãos ortodoxos nos Bálcãs; o uso de táticas mal planejadas, oficiais mal preparados, dificuldades logísticas, e até insuficiência da produção de armas e munições para uma guerra de tal magnitude; 13 levou os russos, após modestos avanços iniciais em 1914 contra os otomanos no Cáucaso, os austro-húngaros na Galícia, e os alemães na Prússia; a sofrerem um duro

13

Russian Military Logistics in World War I. http://www.portalus.ru/modules/english_russia/print.php?%20subaction=showfull&id=1188913493&arch ive=&start_from=&ucat=7& acessado em 11/05/2015.

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revés, retrocedendo os territórios conquistados e perdendo a Polônia, a Lituânia e partes da Curlândia (na atual Letônia) para as tropas alemãs. Ciente das potencialidades geográficas do território russo, muitos membros da elite intelectual e política alemã já arquitetavam planos para criação de “Estadostampão”, economicamente e politicamente dependentes do Império Alemão (considerando a notável desvantagem germânica na “corrida colonial” dos séculos XIX e XX), e sujeitos a uma progressiva “germanização” e “magiarização” cultural, assegurando sua hegemonia na Europa Central e Oriental. Essa concepção geopolítica alemã foi proposta e redigida em 1915, pelo teólogo protestante e político liberal Friedrich Naumann em sua obra Mitteleuropa (“Europa Central”), e depois rapidamente incorporada ao Septemberprogramm, (“Planos de Setembro”), a relação dos objetivos de guerra alemães, redigida pelo chanceler Theobald von Bethmann-Hollweg. Com a conquista da Mitteleuropa, os alemães previam a colonização de suas terras por comunidades de língua germânica, e a intensa exploração de seus recursos naturais pela indústria alemã, tornando-a competitiva para rivalizar com suas congêneres na Grã-Bretanha, França, EUA e Japão (DUGIN, 2012 p.32). O mapa 4, mostra os objetivos almejados pelos alemães no “reordenamento” territorial da Europa Centro-Oriental, e consolidação de sua hegemonia.

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Mapa 4 – O Plano Mitteleuropa

Elaborado pelo Autor. Fontes: HAYES, Barry. Bismarck and Mitteleuropa, Fairleigh Dickinson University Press, 1994, p. 16

Com o fracasso nos campos de batalha, e a crescente insatisfação popular com o pesado esforço de guerra, incluindo a fome e a subida dos preços decorrentes da canalização das safras camponesas para as tropas, como um retorno a 1905, ocorre um período intenso de greves, distúrbios civis e deserções das tropas que lutavam no front, ou eram enviadas na repressão às manifestações. Pressionado, o czar Nicolau II abdica do poder em 2 de março de 1917 e um governo provisório assume o poder, porém diluído entre a

Duma e o Soviete (assembleias proletárias) de Petrogrado14.

(SEGRILLO, 2012 p.173) Divergências entre os liberais, social-democratas e os comunistas radicais (os bolcheviques) na continuação (ou não) da Rússia na guerra, entre outras posições 14

Devido ao clima germanófobo durante a Primeira Guerra Mundial, a cidade russa de São Petesburgo teria seu nome rebatizado para uma congênere eslava, de 1914 a 1924.

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políticas e ideológicas, culminando com a fragilidade do governo provisório, e o aumento do apoio popular aos bolcheviques por estes se oporem à continuação da guerra, e as promessas de uma nova sociedade, que quebraria séculos de paradigmas sociais e econômicos do czarismo e capitalismo russo. Os bolcheviques, apoiados por milícias populares denominados “guarda vermelha” assumiriam o poder em Petrogrado em outubro de 1917, iniciando a Guerra Civil Russa (1917 – 1922) (MILNERGULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 151). O novo governo bolchevique, interessado em estabilizar o país e instituir suas novas reformas socialistas de ordem política e econômica, precisava, antes de tudo, tirar a Rússia da desgastante guerra que a arrastava por quatro anos. Assim, em 3 de março de 1918, assina o humilhante acordo de Brest-Litovsk com as potências centrais (Império Alemão, Áustria-Hungria, Império Otomano e Reino da Bulgária), retirando-se da Tríplice Entente (junto a França e Grã-Bretanha). Devolveria o controle das regiões conquistadas no Cáucaso e Anatólia para os otomanos; e se comprometendo a desmobilizar seu exército e frota; além de pagar uma quantia de 6 milhões de marcos às potências centrais. Por fim, abriria mão do controle da Finlândia, Países Bálticos, BieloRússia, Polônia e Ucrânia para as tropas alemãs, perdendo cerca de 780 mil km², representando um terço de sua população, um quarto das indústrias e nove décimos de suas reservas de carvão (DUGIN, 2012 p. 27). Tal ação levou os aliados ocidentais (Grã-Bretanha, França, EUA, Itália e Japão) e os pequenos Estados combatentes (como Sérvia, Romênia, Grécia e a agora independente Tchecoslováquia) a intervirem em favor dos “russos brancos” (o governo provisório derrubado pelos “vermelhos” bolcheviques), para reinstituí-los no poder e trazer a Rússia novamente para a Guerra. Além destes, insurgiam-se movimentos nacionalistas que buscavam sua emancipação do Império Russo, independente das partes em disputa. Destacavam-se na Polônia, Finlândia, os países Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), o Cáucaso (Geórgia, Armênia, Azerbaijão e a República do Cáucaso15), as “Repúblicas Cossacas” do Don e Kuban, além de outros movimentos separatistas na Sibéria, Extremo Oriente, Ásia Central e no Turquestão. Na maioria dos casos, tais movimentos tinham apoio direto ou indireto das potências interventoras como o Império Otomano, Alemanha e Japão, buscando assegurar seus interesses e influência, em detrimento da integridade territorial 15

Também denominada “República Montanhesa do Cáucaso Norte”, foi criada em 1918 e absorvida pela Rússia soviética em 1920. compreendia uma confederação das tribos majoritariamente muçulmanas do Cáucaso russo: como os chechenos, inguches, daguestaneses, kabardinos e balkares, mas também ossetas cristãos ortodoxos e até mesmo russos.

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do Império Russo, cujo colapso tornava-se iminente (MILNER-GULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 152-153.). Durante a Guerra Civil, torna-se notável um fato pontual na perspectiva histórica, mas extremamente simbólico e relevante para a Geopolítica: Em 1919, o geógrafo britânico Halford Mackinder foi nomeado alto-comissário britânico para o Sul da Rússia e foi enviado para apoiar as forças “brancas” anti-bolcheviques lideradas pelo general Denikin. Esta missão permitiu a Mackinder apresentar as suas recomendações geopolíticas acerca da Europa Oriental que seriam a base para seu livro Democratic Ideals and Reality: A Study in the Politics of Reconstruction, ao governo britânico (DUGIN, 2012 p. 32) O geógrafo britânico beberia da mesma fonte de Naumann, com o diferencial de que sua versão da Mitteleuropa não se submeteria a nenhum poder regional russo ou alemão, mas sim estabeleceria uma constelação de Estados-tampão, anglófilos e francófilos entre a Rússia e a Alemanha, para dissuadir quaisquer movimentos de fortalecimento como um bloco euro-asiático. Mackinder, alertando os políticos britânicos de uma Rússia bolchevique aliada a uma Alemanha revanchista, cunha a célebre frase:

Quem domina a Europa Oriental, controla o Heartland; Quem domina o Heartland, controla o World Island16; Quem domina a World Island, controla o mundo.

(MACKINDER, 1919 p.23 apud NEVES, 2014 p. 181)

Tal percepção geopolítica encontrava ora ressonância, ora contraste em outros políticos e ideólogos europeus, apesar de diferentes propósitos. Os pensamentos do primeiro-ministro francês Georges Clemenceau ao cunhar o termo cordon sanitaire (“cordão sanitário”) referia-se a esses novos países limítrofes, que circundavam a Alemanha e isolavam a Rússia da Europa Ocidental; e na “auto-determinação dos povos” presente no idealismo liberal do presidente norte-americano Woodrow Wilson, que acreditava que os novos Estados, resultantes da emancipação do mosaico étnicoreligioso dos Impérios Russo, Alemão, Austro-Húngaro e Otomano, abririam para um cenário de cooperação, desenvolvimento econômico e democrático para a Europa e 16

“Ilha-mundial” compreende os territórios conectados da Eurásia e África. Segundo Mackinder, ela tomada em conjunto, compreende a maior, mais populosa e mais rica massa terrestre do planeta. (MACKINDER, 2011 p. 97-99)

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Oriente Médio, proscrevendo a possibilidade de novos conflitos territoriais (MELLO, 1999 p. 56-57). Tais pensamentos entrariam em debate nas negociações do Tratado de Versalhes, em 1919. Com o desenrolar dos combates, Mackinder provaria estar correto. Ignorado pela esmagadora maioria dos políticos britânicos, convencidos de que o regime bolchevique não duraria muito, negaram o apoio necessário às tropas brancas, e assim como os outros aliados, enfrentaram catástrofes logísticas na vastidão territorial russa; o rigor climático do inverno e primavera russa; e a instabilidade dos seus “aliados” brancos (sujeitos a motins e deserções). Culminaria com a retirada de todos os interventores em 1920, abrindo caminho para a vitória final dos bolcheviques, em 1922. (DUGIN, 2012 p. 32). Glantz & House (2009) destacam a importância do uso das ferrovias para o rápido deslocamento de tropas, cujo controle era crucial tanto pelos “brancos” e aliados, quanto para os “vermelhos” bolcheviques. Durante os anos críticos de 1918 e 1919, Lênin e seu comissário para assuntos militares, Leon Trotsky, usaram as linhas ferroviárias para transferir suas limitadas reservas de um lugar para outro, sempre evitando a derrota. Esta tática ficou conhecida como “guerra de escalões”, pela qual forças com um grande número de componentes eram transferidas por ferrovias (escalão) para sucessivamente reforçar as frentes ameaçadas. Algumas divisões de infantaria foram transferidas entre as frentes até cinco vezes durante a guerra. Essa experiência deu a todos os participantes uma contínua noção da necessidade de se criarem reservas e forças estratégicas planejadas em profundidade. (GLANTZ e HOUSE, 2009 p.22) As operações eram conduzidas pelos “trens blindados” que não só transportavam tropas e suprimentos, como davam apoio de fogo, com o uso de metralhadoras e canhões de 76 mm e 107 mm. Tais fatores combinados converteram-nos em uma força de choque de alta mobilidade, capazes de moverem-se rapidamente de uma zona de combate para outra (ZALOGA, 2008. p. 15). Além disso, a necessidade forçou Lênin a declarar o “Comunismo de Guerra”, um sistema de extremas exigências e repressão política. A fim de criar forças militares eficazes, o novo governo tinha que recrutar homens de todas as classes sociais e aceitar os serviços de milhares de ex-oficiais imperiais. Por outro lado, a necessidade de assegurar a lealdade política desses “especialistas militares” levou a nomeação de um comissário político para cada unidade, que tinha autoridade de aprovar todas as ações do comandante titular (GLANTZ e HOUSE, 2009 p.22). 47

As reformas e resultados do Exército Vermelho renderam bons resultados: no início de 1920, a legião tchecoslovaca17 entrega o almirante Alexander Kolchak, autoproclamado líder dos “brancos”, em troca de saída irrestrita do país. Mais tarde, o Exército Vermelho reconquistaria a Ucrânia e partes da Bielo-Rússia, apesar de fracassar contra os poloneses em Varsóvia. Nos anos seguintes, as forças brancas e seus aliados são derrotados no Cáucaso, na Sibéria e na Ásia Central, pondo fim à Guerra Civil e assegurando a hegemonia do primeiro Estado socialista, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (DUGIN, 2012 p.35).

1.4 A “Industrialização Militar” Soviética Com a vitória na Guerra Civil Russa, em 1922, os bolcheviques tornam-se a força dominante na maior parte das fronteiras do defunto Império Russo. Porém, com a natureza anárquica do Sistema Internacional, ainda mais com as intervenções ocidentais que ocorrera durante o conflito, ficava mais claro e evidente que o Estado soviético precisava contar com seus próprios recursos. Nesse contexto, a modernização e a industrialização continuavam sendo cruciais para projeção de poder externo de um Estado, e a Rússia, sendo czarista ou soviética, não poderia estar indiferente ao referido fato (NOGUEIRA, 2013 p. 67). A rápida industrialização seria condição para superar a pesada herança feudal e “dormência asiática”. Para Bahro (1980), antes da instauração do socialismo seria necessário construir, portanto, aceleradamente a sua base material. (BAHRO, 1980 apud PAULINO, 2010 p. 73) Além disso, a percepção geopolítica soviética estava dividida: de um lado, parte de sua elite política advogava a convivência e acomodação com o mundo capitalista; do outro, a ideia de que o Ocidente imperialista é hostil ao socialismo, e a nação precisa estar preparada para defender e “exportar” a revolução em escala internacional. Enfim, com o fracasso das revoluções socialistas europeias nos anos 1920, buscou-se uma posição mais pragmática: para sobreviver, era necessário reajustar sua estratégia para garantir o desenvolvimento econômico e a consolidação da Revolução, nesse sistema internacional anárquico e desfavorável (NOGUEIRA, 2012 p. 71). De início, em 1921, foi promulgada a NEP (Novaya Ekonomiceskaya Politika – “Nova Política Econômica”), recuperando certas práticas capitalistas para reconstrução 17

As legiões tchecoslovacas foram unidades formadas por voluntários tchecos e eslovacos, que serviram nos exércitos da Tríplice Entente durante a Primeira Guerra Mundial, tendo como objetivo a independência desses territórios do Império Austro-Húngaro. Com a eclosão da Guerra Civil Russa, teriam uma atuação destacada lutando ao lado dos exércitos brancos.

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da Rússia, destruída pela Guerra Civil. O governo bolchevique permitiu a liberdade para os camponeses comercializarem seus produtos, estimulando a produção agrícola; também foi autorizado certo espaço aos capitais privados na indústria e comércio, permanecendo o Estado com a propriedade das grandes empresas industriais, bancos, transportes, meios de comunicação e do comércio exterior. A partir de 1923, com o impulso originado nos campos, a indústria, por sua vez, reanimou-se. Até 1926 iria atingir o mesmo nível de produção de 1913, ainda que com muita desigualdade entre seus diversos ramos (PAULINO, 2010 p. 103-104). Ilustrado na tabela 2: Tabela 2 – URSS: Índices da produção industrial em 1926 Produção (em milhares de t) 1913* 1926 Petróleo 9.215 10.184 Carvão 28.356 30.950 Minério de Ferro 8.689 4.815 Manganês 1.221 1.618 Cobre 33.700 21.926 Ouro 49.239 23.152 Sal 1.998 1.908 Açúcar 1.513 1.336 Aço 4.918 3.586 Têxteis 534,2 362,1 *- Índice de produção pré-guerras: 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e Guerra Civil Russa (1917-1922). Elaboração pelo Autor. Fontes: PAULINO, 2010 p. 103-104; SUHARA, 2006 p. 39-42; Soviet Union Information Bureau https://www.marxists.org/history/ussr/government/1928/sufds/ch05.htm#doc-1 acessado em 16/07/2015.

Porém, o grande crescimento da indústria soviética se concretizaria nos anos 1930, com os planos quinquenais do líder Josef Stalin (1922 – 1953). Ao assumir o poder, estava convicto de que não dispunha dos investimentos estrangeiros, levando o a contar apenas com os recursos internos para impulsionar a industrialização em grande escala, e constituir uma base material para conceber uma força militar capaz de garantir a sobrevivência do Estado soviético no cenário internacional. (NOGUEIRA, 2013 p.82) A instituição do Primeiro Plano Quinquenal (1929 – 1933), e a coletivização da terra foram os grandes motores dessa expansão. Para Stalin, só através do excedente agrícola, a industrialização pesada poderia ser financiada e as cidades alimentadas. As medidas de coletivização forçada ocorreram na estepe russa (da Ucrânia ao Cazaquistão), destruíram a propriedade privada da terra, dirigida especialmente contra a classe média camponesa, ou kulaks, e organizou a produção em grandes fazendas coletivas – os kolkhozes, cooperativas agrícolas com adesão voluntária dos camponeses, ou estes poderiam trabalhar como proletários rurais nas fazendas estatais, ou sovkhozes 49

(NOGUEIRA, 2013 p.83). Devido ao confisco e expropriação das terras, muitos camponeses mataram suas criações e destruíram colheitas, reduzindo a oferta de carne e derivados nas cidades, Isso foi agravado por um período de forte seca entre 1932 e 1933, matando cerca de 5 milhões de pessoas na Ucrânia, Sul da Rússia e Cazaquistão. (NOGUEIRA, 2013 p.84) A produção agrícola só voltaria a registrar crescimento anterior ao período a partir de 1935. Na indústria, ocorreu uma alocação de recursos que se tornaria um padrão na URSS por décadas: a indústria pesada (siderurgia, metalurgia, mecânica), mineração e energia, transportes (ferroviário, rodoviário, portuário e fluvial), receberiam prioridade máxima, absorvendo 78% do total dos investimentos apenas no primeiro ano do Plano. Durante a década de 1930, na qual foram desenvolvidos três planos quinquenais, o ritmo de crescimento da URSS foi maior do que qualquer país capitalista em toda a sua história. Enquanto o capitalismo amargava a Grande Depressão de 1929, que se prolongará por quase toda a década de 1930, a URSS impressionava o mundo, realizando ousadas proezas econômicas (NOVE, 1991 apud PAULINO, 2010 p.122). O Estado soviético registraria crescimento econômico anual de 13,2% no Primeiro Plano Quinquenal (1929 – 1933) e 16,1% no Segundo Plano Quinquenal (1933 – 1937). O crescimento foi fundamentado, principalmente, na entrada em operação de modernas máquinas ou unidades de produção, desenvolvidas nacionalmente ou com importantes licenças obtidas no Ocidente, especialmente na Alemanha com o Tratado de Rapallo em 1922. (NOGUEIRA, 2013 p.86) A produção de carvão aumentou nesse período de 35,4 para 128 milhões de toneladas; a produção de aço saltou de 4 para 17 milhões de toneladas; a produção de energia elétrica aumentou sete vezes; a construção de máquinas aumentou mais de vinte vezes, e a de tratores, em quase quarenta vezes. (KENNEDY, 1989 apud NOGUEIRA, 2013 p. 86) Como a meta era superar, em pouco tempo os índices de produção nas nações capitalistas, isso significou medidas de comprimir o consumo da população, para assegurar os investimentos necessários. Como resultado, os setores de habitação, indústria leve e de bens de consumo ficaram estagnados e subdesenvolvidos. (PAULINO, 2010 p. 126). O exemplo do planejamento verticalizado e autoritário soviético e da alocação centralizada de recursos para setores prioritários aplicado na URSS será copiado por diversos países retardatários. Ainda que sem reconhecê-lo, correntes do pensamento

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econômico como o Keynesianismo18 e o desenvolvimentismo da Cepal19 na América Latina também beberiam dessa fonte. Outros economistas ocidentais preocupados com a questão da aceleração do crescimento dos países, como Schumpeter (1996), também adotaram uma perspectiva favorável ao planejamento (PAULINO, 2010 p.123). Porém, os principais avanços da indústria pesada soviética nos anos 1930 serviriam a um propósito principal: estabelecer a base material para a produção militar soviética e o equipamento das suas Forças terrestres, navais e aéreas. Stalin estava convencido que a deficiência da indústria russa durante a Primeira Guerra Mundial foi decisiva para sua ruína nas linhas de combate, e que a Revolução Comunista permanecia vulnerável a um ataque das potências capitalistas, tal como ocorreu na Guerra Civil Russa, décadas antes (GLANTZ e HOUSE, 2009 p.25). Com o extenso desenvolvimento da mineração e indústria pesada, novas fronteiras geoeconômicas irão florescer: a Sibéria, antes desolada e fornecedora de peles e madeira, seria convertida numa crescente zona de produção de minérios e energia, com o desenvolvimento da Bacia do Kuznetsk (ou Kuzbass), a região passou a produzir carvão, ferro, aço, níquel, zinco, alumínio e terras-raras, além de máquinas e produtos químicos; passando a rivalizar com outras regiões produtoras, como os Urais e a Bacia do Don (ou Donbass), na Ucrânia, denominado o “coração industrial” da Rússia czarista e da URSS; no Cazaquistão, seriam descobertas jazidas de carvão, ferro e petróleo; e na Ásia Central, produziria algodão com a irrigação dos afluentes do Mar de Aral, e seriam descobertas as primeiras jazidas de petróleo e gás natural no Turcomenistão e Uzbequistão. Novas cidades seriam fundadas, como o exemplo de Magnitogorsk, polo siderúrgico nos Urais, em 1931, contando com 100 mil habitantes (MILNERGULLAND e DEJEVSKY, 2007 p. 172-175). O maior beneficiário desse novo montante de recursos naturais e industriais que germinava na URSS, era sem dúvida, a indústria bélica, que apresentou notável crescimento durante o período, influenciado por dois fatores substanciais: O Tratado de Rapallo, assinado com a Alemanha em 1922, permitiu a esta contornar as restrições do 18

O Keynesianismo é uma teoria econômica do começo do século XX, baseada nas ideias do economista inglês John Maynard Keynes, que defendia a ação do estado na economia com o objetivo atingir o pleno emprego. 19 A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) foi criada em 1948 pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas com o objetivo de incentivar a cooperação econômica entre os seus membros. Ela é uma das cinco comissões econômicas da Organização das Nações Unidas (ONU) e possui 44 estados e oito territórios não independentes como membros. é uma organização que reúne grandes nomes do pensamento desenvolvimentista latino-americano. Postulava que a industrialização era o principal caminho para superação do subdesenvolvimento dos países da América Latina.

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Tratado de Versalhes (1919), e em contrapartida, garantiu investimentos e assistência técnica alemã na produção e teste de modernos armamentos. A criação do conceito de operação em profundidade20 por teóricos militares soviéticos em 1929, demandou o uso intenso de novas tecnologias, principalmente tanques e aeronaves para penetrar nos complexos de defesa inimigos. Essa nova percepção estratégica não era novidade na época, apesar de estar em desenvolvimento em outras forças armadas, mas o pioneirismo soviético surgiria com a sanção oficial de Stalin (GLANTZ e HOUSE, 2009 p.23-25). Nos finais dos anos 1920, instituiu a criação dos OKBs (Opytnoe Konstructorskoe Byuro – “Escritórios de Desenho Experimental”), agências de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e aplicações de uso militar; criando nos segmentos de blindados (como a Morozov, Kartsev-Venediktov), aeronaves (Polikarpov, Yakovlev e Lavochkin), embarcações, submarinos, armas leves e outros insumos. Assim, essas iniciativas produziram frutos em um intervalo surpreendentemente curto. A produção de artilharia, por exemplo, passou de 952 em 1930, para 4.368 em 1934 e, alcançou a marca de 15.300 em 1940. O total de tanques construídos também apresentou um grande aumento, de 170 em 1930, para 3.509 em 1933, atingindo a produção de 4.800 em 1936. A produção de aeronaves chegava a um patamar de 3.578 unidades construídas em 1935. (KENNEDY, 1989 p.313 apud NOGUEIRA, 2013 p. 86). Entretanto, permaneciam notáveis a desigualdade de investimentos e crescimento dos setores ligados a Defesa e o resto da indústria civil, como demonstra o gráfico 1:

20

Caracterizava-se pelo uso de formações de armas combinadas (infantaria, tanques, artilharia e aeronaves) para penetração profunda nas linhas inimigas, destruindo sua retaguarda e logística.

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Gráfico 1 – URSS: Crescimento anual da indústria (1926 – 1940) 90

Setor de Defesa

80

Setor de Bens de Capital*

70

Setor de Bens de Consumo

60 50 40 30 20 10 0

*- Este setor inclui parte da indústria de defesa, envolvido na produção de bens de uso civil e militar. Elaborado pelo Autor. Fonte: Estatísticas oficiais soviéticas, op. cit. In DAVIES, HARRISON & WHEATCROFT, 1994 p. 139

Contemporâneo da projeção soviética que crescia nos anos 1930, o generalgeógrafo alemão Karl Haushofer, um dos principais teóricos da Geopolitik21, via na URSS um aliado geopolítico natural, que serviria de ponte entre a Alemanha e os povos da região indo-pacífica, como o Japão; cujo inimigo comum eram o colonialismo e o poder marítimo britânico. Nesse sentido, Haushofer advogava um eixo Berlim – Moscou – Tóquio, onde as dimensões continentais, os imensos recursos e grandes contingentes populacionais do Estado comunista alimentariam a máquina de guerra nipo-germânica nos dois “fronts”, neutralizando a Grã-Bretanha e colocando os EUA na defensiva, inviabilizando qualquer plano de contraofensiva na Europa e no Pacífico. (MELLO, 1999 p.79) Criando quatro regiões geopolíticas denominadas “Pan-regiões”, compreendendo um polo e suas zonas de influencia, como mostra o mapa 5:

21

Caracterizado pela Geoestratégia alemã desde o século XIX até a Segunda Guerra Mundial. Influenciado pelo “darwinismo social” e o “determinismo geográfico” de Friederich Ratzel, compreendia um discurso de superioridade do povo alemão, sua necessidade de expansão e consolidação de espaços hegemônicos. Muitos analistas (inclusive geopolíticos) a consideram uma “pseudo-ciência”.

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Mapa 5 – As Pan-Regiões de Karl Haushofer

Elaboração pelo Autor. Fonte: MELLO, 1999 p. 81 e 83.

Entretanto, o ideal racista (antisemita e antieslavo) e anticomunista do líder alemão Adolf Hitler (1933 – 1945), considerava inaceitável o controle desse imenso território e recursos por “povos inferiores eslavo-mongóis”. Por isso, ignorou parcialmente as ideias de Haushofer, adotando como base as ideias de Ratzel, aplicando a ideia do Lebensraum22 para os territórios no Leste Europeu e principalmente a URSS. O plano nazista para a construção do “Quarto Reich” incluía a anexação desses territórios criando os Reichkomissariats – “comissariados do Reich”, com a subsequente deportação, germanização, e até extermínio dos povos nativos. (ver mapa 6). Isso daria à máquina de guerra alemã uma infinidade de recursos, como as grandes reservas de carvão e ferro da Ucrânia, as gigantes minas de ferro em Kursk, os ricos depósitos de petróleo no Cáucaso, e os solos férteis chernozyon (“terras negras”) das estepes russo-ucranianas. Era nos territórios da Europa Oriental que os alemães buscavam construir os alicerces do seu “Reich de mil anos”. A rigor, o projeto hitlerista nada tinha de original, inovador ou revolucionário: era apenas a visão moderna do

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“Espaço Vital” em alemão. Cunhado pelo geógrafo Friederich Ratzel em finais do século XIX, teorizava que a expansão territorial continua rumo a novos espaços geográficos, é essencial para suprir as necessidades de uma população em crescimento. Na época, Ratzel estava advogando maior empenho do Estado alemão na busca de colônias na África e Ásia. Entretanto, esse pensamento influenciará uma geração de estudiosos e políticos nacionalistas e fascistas alemães que o adaptará e aplicará nas duas grandes guerras, como a Mitteleuropa e o “Quarto Reich”.

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Drang nach Osten – “marcha para o leste” dos cavaleiros teutônicos medievais e a retomada da secular rivalidade entre germanos e eslavos (MELLO, 1999 p.84). Mapa 6 – O Lebensraum da Alemanha Nazista

Elaborado pelo Autor. Fonte: http://www.obersalzberg.de/utopie-grossgermanisches-reich.html?&L=1 acessado em 31/08/2015.

A invasão da URSS pela Alemanha e seus aliados e satélites do Eixo, em 1941, revelou aos invasores as dificuldades de conquistar um território tão extenso, mas valioso: Apesar das dolorosas derrotas sofridas pelos soviéticos nos primeiros anos da invasão, Stalin e o Stavka (alto-comando soviético) estavam cientes de que os alemães tinham como prioridade o controle da Ucrânia e do Cáucaso, para abastecer a já deficitária máquina de guerra alemã (GLANTZ e HOUSE, 2009 p.60). A invasão de 1941 havia conquistado 1/3 da sua parte europeia (conquistando a Ucrânia, BieloRússia, Países Bálticos, partes da Rússia e do Cáucaso), onde estão os maiores centros 55

urbanos, agrícolas, e industriais do país. Nas palavras de Glantz e House (2009) o resultado catastrófico passado pelos soviéticos: “seria como uma ocupação inimiga dos EUA da costa atlântica para além do Rio Mississipi” (GLANTZ & HOUSE, 2009 p. 321). Por isso, precisavam reorganizar-se defensivamente para assegurar a sobrevivência de seus recursos humanos e máquina produtiva. A “Grande Guerra Patriótica”, como ficaria conhecida a Segunda Guerra Mundial pela historiografia soviética e russa, tinha como principal objetivo ideológico a derrota do inimigo fascista, mas também uma luta de sobrevivência da civilização russa (e de sua constelação de povos e credos) contra a agressão externa (DUGIN, 2014 p.45-47). Por isso, o governo soviético determinou uma medida sem precedentes na história: a transferência massiva de seu parque industrial envolvido no esforço de guerra para regiões mais “seguras”, afastadas das linhas de frente ocupadas pelas forças do Eixo. No total, 1.523 fábricas, incluindo 1.360 unidades de insumos e peças, foram transferidas para as regiões do Volga, Sibéria e a Ásia Central, entre julho e novembro de 1941. (GLANTZ & HOUSE, 2009 p.92-93) As táticas da maskirovka23, envolviam o emprego de terra arrasada, destruindo ou desativando parcialmente as minas do Donbass, instalações ferroviárias, usinas elétricas, além de silos e plantações, nas regiões produtoras de grãos da estepe; negando seu uso para a economia de guerra do inimigo; e o reparo e construção clandestina de armas, munições e até tanques em instalações fabris “abandonadas” nos territórios ocupados. Com o planejamento soviético, e os novos recursos e reservas vindas dos Urais, Sibéria e Ásia Central, toda a indústria militar e civil foi mobilizada no esforço de guerra; fábricas automobilísticas, mecânicas, de tratores e até têxteis e alimentícias passaram a produzir todo o tipo de armamentos e insumos para as tropas nas linhas de frente, sendo capazes de superar, em poucos anos a produção alemã (ver tabela 3). A cidade de Chelyabinsk, nos Urais, envolvida na produção de tanques T-34 e KV-1 foi apelidada de Tankograd, ou “cidade dos tanques”, pela imprensa soviética e estrangeira. (GLANTZ e HOUSE, 2009 p.93)

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“camuflagem” em russo. Termo soviético que envolve meios ativos e passivos concebidos para enganar e surpreender o inimigo. A camuflagem, no ponto de vista soviético, permeia todos os níveis da guerra. Desde que a guerra é por definição marxista-leninista, uma extensão da política, a camuflagem também a transcende para a esfera política — especificamente, no período que antecedeu sua eclosão (...) Envolve em sua essência, quatro princípios fundamentais: “dissimulação”, “imitação”, “simulação”, “negação”, “desinformação”, e “manobras enganosas”. (GLANTZ, David. Soviet Military Deception in the Second World War. London: Routledge. Frank Cass, 1989. p.3)

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Tabela 3 – URSS e Alemanha: Produção industrial (1941 – 1945) URSS Ano

Rifles

1941 1942 1943 1944 1945 (jan.-abr.)

1.760.000 5.910.000 5.920.000 4.860.000 1.380.000

Ano

Rifles

1941 1942 1943 1944 1945 (jan.-abr.)

1.358.500 1.149.593 1.946.200 2.282.380 310.118

Tanques e Canhões Autopropulsados 4.700 24.500 24.100 29.000 16.000

Canhões e Morteiros

Aviões de Combate

Navios de Guerra

53.600 287.000 126.000 47.300 11.300

8.200 21.700 29.900 33.200 8.200

35 15 14 4 2

Canhões e Morteiros

Aviões de Combate

Navios de Guerra*

15.430 52.239 78.737 91.386 5.232

8.729 12.011 19.241 34.614 6.039

231 231 304 291 98

Alemanha Tanques e Canhões Autopropulsados 3.623 5.530 11.601 18.956 4.406

*- Incluindo submarinos U-boat. Elaborado pelo Autor. Fontes: GLANTZ & HOUSE, 2009 p. 343 e German arms production by weapon types http://ww2-weapons.com/german-arms-production/ acessado em 16/07/2015.

Tais fatores revelaram-se decisivos na contenção do avanço alemão em 1942 e 1943, além de revigorar as forças soviéticas, agora mais bem preparadas, treinadas e equipadas, a tomarem a iniciativa e lançarem uma poderosa contra-ofensiva expulsando os alemães do território soviético em 1944, derrubando os regimes germanófilos e títeres na Europa Central e Oriental, substituindo por regimes comunistas simpáticos a Moscou. O contra-ataque soviético quebraria a espinha dorsal da Wehrmacht24, chegando à capital, Berlim em maio de 1945, capturada pelas tropas soviéticas, encerrando a guerra na Europa. E em agosto do mesmo ano, tropas soviéticas, mais experientes descansadas e equipadas com modernos tanques, artilharia e aeronaves, seriam transportadas maciçamente pela ferrovia Transiberiana para combater as tropas japonesas na Manchúria (a pedido dos aliados anglo-americanos), ocupada por estes desde 1931. A batalha da Manchúria, considerada a última grande batalha da Segunda Guerra Mundial, permitiu o colapso da máquina de guerra japonesa, privando-os das valiosas reservas de carvão e ferro, fundamentais para sua indústria militar, contribuindo decisivamente para a rendição nipônica em setembro de 1945 (GLANTZ e HOUSE, 2009 p. 314-315). Após a guerra, mesmo com a vitória, ela deixaria profundas cicatrizes no Estado e sociedade soviética. Com a perda de 27 milhões de pessoas, entre militares e civis (13,7% da população em 1940), além da destruição da infraestrutura trazida aos

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Forças Armadas Alemãs

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territórios outrora ocupados pelos alemães. Isso condicionou a economia soviética, a um árduo esforço de reconstrução econômica e social não apenas de seu território, mas também de seus novos satélites na Europa Oriental. Em 1949, seria criado o Conselho para Assistência Econômica Mútua – Comecon, para apoiar tais ações. Nas décadas seguintes, de 1950 e 1960, os sucessores de Stalin, Nikita Krushchov (1953 – 1964) e os anos iniciais de Leonid Brejnev (1964 – 1982) irão incentivar a intensa colonização agrícola e a expansão de projetos industriais e energéticos na Sibéria e Ásia Central (programa “terras virgens”), aumentando consideravelmente a oferta de bens de consumo para uma população cada vez mais educada e urbanizada. Entretanto a prioridade de investimentos ainda residia na indústria pesada e militar (PAULINO, 2010 p.170-174). Além disso, no plano geopolítico, o inimigo fascista derrotado daria lugar a um novo “cordão sanitário”, desta vez encabeçado pela nova superpotência capitalista, os EUA. Esse novo arranjo territorial, estenderia da Europa Ocidental, passando pelo Oriente Médio, Sudeste Asiático e ao Extremo Oriente, fechando na península coreana e no arquipélago japonês. Esse novo sentimento de “cerco” levou a elite política soviética a acreditar que se encontrava em enorme vulnerabilidade em relação ao Ocidente capitalista, e sendo uma das potencias vencedoras do conflito, as Forças Armadas Soviéticas, alçariam tamanho orgulho nacional, que os líderes soviéticos do pós-guerra lutariam (em vão) para limitar o impacto político e orçamentário das forças de defesa. A economia soviética, já atrofiada pelas experiências de guerra, foi forçada a alocar seus mais valiosos recursos em extensos programas de armamentos, de desenvolvimento nuclear (para fins militares e civis) e aeroespacial. (PAULINO, 2010 p. 245 e 251) De modo geral, a invasão alemã tinha reforçado ainda mais o tradicional e justificado medo de uma invasão estrangeira. A Grande Guerra Patriótica, com sua devastação e sofrimento, coloriu o pensamento estratégico de toda uma geração de líderes soviéticos. Isso levou os governos do pós-guerra a criarem um complexo sistema de Estados fronteiriços e clientes, destinados a isolar a URSS de qualquer ataque. Embora os países do Pacto de Varsóvia tivessem contribuído para a defesa e economia soviética, suas populações rebeldes eram uma recorrente ameaça ao senso de segurança do regime. Postos externos como Cuba e o Vietnã poderiam parecer barganhas úteis nas lutas ambientadas da Guerra Fria, mas representavam maior drenagem na economia soviética. No longo prazo, o governo soviético provavelmente perdeu tanto quanto ganhou com esses Estados fronteiriços e satélites (GLANTZ e HOUSE, 2009 p. 326). 58

Muitos analistas ocidentais estavam cientes do enorme potencial econômico dos vastos recursos agrícolas, minerais e energéticos, presentes e produzidos no território soviético. Isso é evidente no livro Soviet Natural Resources in the World Economy (1983), escrito pelos geógrafos norte-americanos Robert G. Jensen, da Universidade de Syracuse, e Theodore Shabad, da Universidade de Columbia, além do economista Arthur W. Wright, da Universidade de Connecticut. Nesta obra, os autores advogam que o Estado socialista funcionaria como uma grande “reserva mundial” de petróleo, gás natural, minérios e recursos florestais, regulando o preço mundial dessas commodities, e exportando-as aos mercados capitalistas em troca de acesso as modernas tecnologias ocidentais (JENSEN; SHABAD e WRIGHT, 1983 p.10-15). A tabela 4 mostra os índices da produção mineral e energética soviética nessa época. Tabela 4 – A importância soviética no mercado de minérios e energia (em milhares de t – 1975)

Aço Alumínio Bauxita Cimento Carvão** Chumbo Cobre Diamante Estanho Gás Natural*** Manganês Minério de Ferro Níquel Ouro Petróleo (cru) Petróleo (derivados) Platina Titânio Tungstênio Zinco

Produção

Importação

Exportação

Consumo*

ranking

141.400 1.030 7.900 119.500 521.900 440 570 N/D 40 282.000 7.100 189.200 150 3.150 397.700 306.700

(%) produção mundial 22 12 6 17 31 14 11 22 13 21 34 27 19 19 18 15

141.400 1.700 4.400 122.000 538.000 480 770 9.650 30 289.000 8.500 232.800 152 7.500 490.800 344.000

----3.500 800 9.800 60 10 --10 12.000 ----Pouco --6.500 1.100

--500 --3.300 25.900 100 210 Grande --19.000 1.400 43.600 Pouco 4.350 93.100 37.300

2.650 30 8 690

----4 45

750 Pouco --100

1 2 5 1 1 1 2 1 2 2 1 1 2 2 1 2

Auto suficiência (%) 100 140 60 100 110 110 130 N/D 80 100 120 120 100 240 120 110

1.900 30 12 635

46 N/D 21 12

Reservas

500.000 N/D 250.000 Grande 334.000.000 17.000 45.000 150.000 800 25.000.000 2.600.000 111.000.000 6.000 200.000 10.000.000 N/D

1 N/D 2 2

140 100 70 110

100.000 900 150 22.000

*Estimativa; **Antracito e Betuminoso (combinados); ***dados em milhões de megâmetros cúbicos (MM m³). Elaborado pelo Autor. Fonte: JENSEN, SHABAD e WRIGHT, 1983 p. 256

Porém, a lógica da Guerra Fria, e a constante sensação de ameaça, canalizavam praticamente toda a produção soviética para atender ao complexo industrial e militar nacional, que chegou em 1990 a um contingente de 4 milhões de homens; 55 mil carros de combate (tanques) e 94 mil blindados; 50 mil peças de artilharia (fixa e autopropulsada); 13 mil sistemas de defesa antiaérea (baterias de mísseis e canhões); 59

4.300 helicópteros; 7.819 aeronaves; 886 embarcações (navios e submarinos); dezenas de milhares de mísseis balísticos intercontinentais; além de 22 mil ogivas nucleares.25 Além de tamanho poderio bélico, a indústria soviética deveria ser capaz de atender seus aliados do Pacto de Varsóvia, a aliança militar formada com os países socialistas da Europa Oriental: Albânia26, Bulgária, Hungria, Polônia, Alemanha Oriental, Romênia e Tchecoslováquia. Segundo dados da SIPRI, entre 1955 e 1989, tempo de duração da aliança, a URSS comercializou cerca de US$ 125,8 bilhões em armamentos com os membros do pacto, incluindo doações para ajuda militar e concessão de licenças para produção de meios terrestres, navais e aéreos.27 Além dos países do Pacto, a URSS também canalizou centenas de bilhões de dólares em cooperação técnico-militar e reconstrução de infraestrutura civil e econômica a dezenas de países clientes e parceiros do bloco socialista, na África (Angola, Argélia, Egito, Etiópia, Líbia, Moçambique) América Latina (Cuba, Nicarágua), Europa (Chipre28, Iugoslávia), Leste Asiático (China, Coréia do Norte, Mongólia), Oriente Médio (Afeganistão, Iêmen do Norte, Iêmen do Sul, Iraque, Síria), Sul e Sudeste Asiático (Índia, Indonésia, Laos, Vietnã). Na maioria dos casos, o envolvimento soviético ocorreu durante os períodos de descolonização e/ou conflitos regionais que estes países se envolveram. Tais ações ficariam ainda mais intensas sob a chamada “doutrina Brejnev”, onde se comprometeu a uma aliança e solidariedade aos países e movimentos socialistas, reservando-se o uso da força para uma intervenção direta ou indireta, caso a existência destes estejam ameaçada. Sob tal doutrina, a URSS se envolveria no seu mais sangrento e custoso conflito desde a Segunda Guerra Mundial: A intervenção militar no Afeganistão (1979 – 1989) acarretaria em grandes perdas materiais, financeiras e humanas para o Estado soviético, enfraquecendo ainda mais sua capacidade econômica. (PAULINO, 2010 p. 250-251). Com a crise e dissolução do bloco socialista na Europa Oriental, a partir de finais dos anos 1980, repentinamente apareceram no mercado mundial enormes fluxos de petróleo, gás natural, carvão, ferro, aço, urânio e outros grandes montantes de 25

Russian Land Combat Equipment: http://www.globalsecurity.org/military/world/russia/armyequipment.htm acessado em 15/05/2015. 26 A República Socialista da Albânia se retira da aliança em 1968 após a invasão da Tchecoslováquia. 27 SIPRI – Importer/Exporter Trend-Indicator Values Table: http://armstrade.sipri.org/armstrade/page/values.php acessado em 15/04/2015. 28 Sobre as relações soviético-cipriotas ver STERGIOU, Andreas. Soviet Policy Towards Cyprus https://www.academia.edu/5968118/SOVIET_POLICY_TOWARD_CYPRUS acessado em 27/06/2015.

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recursos naturais, derrubando violentamente os preços internacionais das commodities. Pois a diminuição dos gastos militares e a desaceleração industrial diminuiu a alocação desses insumos minerais e energéticos nos programas militares.

O Petróleo, por

exemplo, mesmo com as hostilidades dos conflitos no Golfo Pérsico, entre 1986 e 2000 se manteve no patamar médio de US$ 19 o barril. O economista russo Leonid Grigoriev (2006) ilustra tal cenário, ilustrado no gráfico 2: “Apenas faça o comparativo – de US$ 8 em agosto de 1998 para US$ 70 hoje. Tudo isso facilitou o crescimento econômico nos anos 90 que foi um dos mais expressivos da história até a crise asiática de 1998. Imagine como estariam os preços no mercado global atualmente se a Rússia continuasse a tradição soviética alocando metais, petróleo, madeira e outros recursos para suas necessidades militares.” (GRIGORIEV, 2006)

Gráfico 2 – Evolução dos preços do petróleo (1987 – 2011)

Fonte: EIA Oil prices: http://www.eia.gov/oog/info/gdu/gasdiesel.asp acessado em 12/04/2011

1.5 A “Era Yeltsin” e a Privatização dos Recursos Naturais Entretanto, no cenário interno da Rússia, a situação não era das melhores: A antiga superpotência soviética havia de desintegrado em quinze Estados independentes, entre os quais a Federação Russa emergia como sua natural sucessora, herdando a maior parte de seu estrato geográfico, político, econômico, técnico-científico, industrial e 61

militar. Uma burocracia grande, mas um Estado fraco (ELLMAN, 2006 apud SCHUTTE, 2010 p. 14). As capacidades regulatórias estatais estavam destruídas, o Estado não tinha capacidade de arrecadação nem governo, era um país sem autoridade (POPOV, 2009 apud SCHUTTE, 2010, p.15). Os burocratas ligados às antigas instituições partilhavam as empresas estatais entre si, muitas vezes desviando os recursos para a construção de patrimônios pessoais, e vendendo toneladas de matériasprimas e energia aos mercados ocidentais a preços baixos, causando evasão fiscal e perda de arrecadação aos cofres públicos. Enquanto isso, o povo russo sofria com o aumento da pobreza e desigualdade social. Numa medida para realizar uma “transição” para o capitalismo o governo de Boris Yeltsin (1993 – 1999) adotou uma estratégia sugerida pelo então primeiroministro, o economista Yegor Gaidar, que ficou conhecida como “terapia de choque”. Entre as medidas adotadas, ocorreram privatizações em massa, no setor de energia. O antigo Ministério do Petróleo tornou-se a Rosneftgaz (hoje Rosneft) e passou por vários desmembramentos com as subsidiárias e títulos públicos concentrados majoritariamente nas mãos de seus antigos gestores da época soviética, que se tornavam os proprietários dessas empresas, passando a serem conhecidos como “diretores vermelhos”. Uma segunda fase de privatizações iniciada em 1995, com um esquema denominado Loan for Shares – “empréstimos em troca de ações” isso representou: “(...) a maior e mais controversa transferência de riqueza já vista na história (...)” (GOLDMAN, 2008 p.63 apud SCHUTTE, 2010 p.16). Com problemas de arrecadação, o governo Yeltsin convidava os bancos abertos pelos novos ricos a emprestar dinheiro ao governo. Como garantia, o Estado daria as ações das empresas estatais (incluindo as do setor energético) que não tinham sido privatizadas. Se não conseguisse pagar os empréstimos, os bancos teriam o direito de leiloar as ações. Se sobrasse dinheiro, era devolvido ao governo (SCHUTTE, 2010 p. 16). Resultado: o Estado não conseguia pagar as dívidas e os leilões eram fraudados pelos próprios bancos, que se tornavam proprietários das estatais por preços extremamente baixos. Assim surgia uma classe de oligarcas dotados de um imenso patrimônio econômico e influência política, objetivando tornar o país uma plutocracia. Porém, ao contrário dos antigos gestores do ramo energético, os novos proprietários não tinham nenhuma experiência e apenas interessavam-se em tirar o máximo possível de riqueza a curto prazo e enviá-la para o exterior em um maciço e constante fluxo de fuga de capitais. (SCHUTTE, 2010 p.17) Para ilustrar a realidade da época, o jornalista russo 62

Andrey Fadin cunharia o termo Semibankirschina29, (DUGIN, 2014 p. 107; SEGRILLO, 2014 p.122) Essa nova classe de magnatas foram decisivos para manutenção e reeleição de Yeltsin, mesmo com suas reformas econômicas e sociais impopulares, em troca, o mandatário russo garantia (ou pelo menos, não condenava) a ampliação do poder econômico e influência política dos oligarcas. No plano externo, a Federação Russa viu seus antigos satélites comunistas no Leste Europeu serem incorporados pela União Europeia (UE) e pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar euro-americana com a qual rivalizara durante a Guerra Fria (1945 – 1991); seu “império” desmoronara na África, Oriente Médio e Ásia; teve de renegociar a duros custos políticos e econômicos a devolução do arsenal nuclear soviético no Cazaquistão, Bielo-Rússia e Ucrânia, que também passou a cobrar um aluguel pela presença da frota russa do Mar Negro. Além disso, presenciou a implosão de conflitos internos e interestatais em várias ex-repúblicas soviéticas, agora independentes: Nagorno Karabakh (1991 – 1994) entre a Armênia e o Azerbaijão; a guerra civil na Geórgia (1991 – 1993); Moldávia (1992) e Tadjiquistão (1992 – 1997); inclusive no próprio território russo, com as insurgências separatistas nas suas repúblicas muçulmanas do Cáucaso, como a Chechênia e a Ingushétia (1994 – 1996). Estas últimas, sendo motivadas pela ascensão e fortalecimento de grupos fundamentalistas islâmicos, que agiam não só nessa região, mas também na Ásia Central, a partir do Afeganistão e Paquistão (SOUSA, 2012 p.6170). A debilidade econômica e militar, o atraso tecnológico, a instabilidade política e a perda de prestígio e descrédito no novo sistema internacional que emergia neste cenário pós-Guerra Fria, demandava da elite política russa, uma nova estratégia, capaz de aprender com o presente ambiente externo, analisar as potencialidades e vulnerabilidades do Estado russo perante a estes, e reinventar a própria estrutura política e econômica russa. Tal como ocorreu em vários momentos da sua história, era

29

em russo: “O Reinado dos Sete Banqueiros”. O termo é uma analogia da semiboyarschina, ou “Reinado dos Sete Boiardos”, período que ficou caracterizado o governo pela nobreza russa durante o “Período das Desordens”. Em sua concepção “moderna”, compreende o nome dos sete principais oligarcas russos, que tiveram papel destacado em influenciar a política interna do país nos anos 1990: Boris Berezovsky (Logo Vaz), Mikhail Khodorkovsky (Rosprom Group, Menatep), Mikhail Fridman (Alfa Group), Pyotr Aven (Alfa Group), Vladimir Gusinsky (Most Group), Vladimir Potanin (UNEXIM Bank), Alexander Smolensky (SBS-Agro, Bank Stolichny) e Vladimir Vinogradov (Inkombank). Em artigo publicado por Fadin em 1996 no jornal Obschaya Gazeta, mostra que os sete nomes combinados, detem 50% da economia russa, e tiveram papel decisivo na reeleição de Boris Yeltsin, ao derrotar o comunista Gennady Zyuganov.

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necessário reafirmar o papel estatal como indutor do desenvolvimento econômico, social e tecnológico, capaz de projetar o país, e assegurar seus interesses num ambiente externo hegemonizado pelas potências militares, econômicas e tecnológicas do Ocidente. O governo de Boris Yeltsin tinha um pequeno potencial, mas seu raio de ação era limitado, e incapaz de realizar uma eficaz transformação. Era necessário um poder político mais eficaz, que pudesse projetar sua autoridade ao colossal e hetereogêneo território russo, e esse cenário surgiria a partir de seu sucessor, Vladimir Putin.

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CAPÍTULO II A DIARQUIA: PUTIN & MEDVEDEV No capítulo anterior, por meio de um retrospecto histórico, foi analisado o papel fundamental da geografia russa, e seus recursos naturais na constituição de seu “poder nacional”, e sua projeção externa no sistema internacional. Nas últimas luzes do século XX, o Estado russo estava atravessando graves problemas político-administrativos, socioeconômicos, e até conflitos étnico-confessionais em seu ambiente interno e no “estrangeiro

próximo”,

que

compreende

as

ex-repúblicas

soviéticas,

agora

independentes. Além disso, com o fim do bloco socialista, o qual liderava sob o status da superpotência soviética, acarretou uma crise de identidade que se perpetuou ao longo dos anos 1990: com a maior liberalização da sociedade russa, iniciada pela perestroika e glasnost (em russo: “reconstrução” e “transparência”) no governo de Mikhail Gorbachov (1985 – 1991), ainda no período soviético, levou muitos setores da emergente sociedade civil russa a advogar a orientação do país em diferentes vertentes. Sem a metanarrativa marxista-leninista, o país privava-se de uma ideologia nacional, impossibilitado de se posicionar como ator político internamente e externamente. Em suma, a Rússia precisava reinventar-se, fato que ocorreu em todos os momentos críticos da sua história política. Não se tratava de limitadas reformas de ordem política ou econômica; o Estado russo necessitava modelar um novo projeto de nação, para estabelecer as diretrizes gerais para os rumos a serem tomados para garantir o desenvolvimento econômico, a estabilidade e autoridade política, e sua inserção protagonista no sistema internacional. Entretanto, a excessiva descentralização política, a estagnação econômica e a obsolescência do poderio militar, características do mandato de Boris Yeltsin (1991 – 1999), impossibilitavam a adoção dessas políticas, e como consequência, agravou ainda mais sua marginalização geopolítica. Esse cenário político começaria a mudar em dezembro de 1999 com a ascensão dos siloviki (ou “homens fortes”) ao cenário político russo.

2.1 Vladimir Putin: O “fenômeno” “O fenômeno Putin”. Assim são as palavras nas obras de Segrillo (2014) e Dugin (2014), para definir a rápida e repentina ascensão de um então desconhecido e incógnito 65

personagem, ao mais elevado cargo político russo; dando início a uma nova página na história do país: com a reestruturação econômica, a centralização política, a restauração do prestígio (e temor) internacional, sendo um dos nomes mais influentes na condução da geopolítica global (DUGIN, 2014 p.111; SEGRILLO, 2014 p. 152). No entanto, para compreender o surgimento de tal “fenômeno”, é necessário entender o processo político em vigor nos últimos anos de Boris Yeltsin. Após sua reeleição nas eleições presidenciais de 1996, o segundo mandato de Yeltsin, ainda mostrava feridas abertas da sua impopularidade: As reformas “ultraliberais” lideradas pelos premiês Yegor Gaidar (1992 – 1994) e Anatoly Chubais (1994 – 1996 / 1997 – 1998), centradas na liberalização do comércio e dos preços, mecanismos de controle fiscal e privatização de ativos estatais, resultaram na drástica contração de setores e atividades produtivas não ligadas ao ramo exportador, levando a um boom nas importações e facilitando a criação e o fortalecimento de uma poderosa oligarquia, dotada de ampla influência política. Não obstante, a ineficiência de mecanismos de arrecadação estatal, decorrente da excessiva descentralização política, levaram à expansão do crime organizado e a uma maciça fuga de capitais, fatores que contribuíram decisivamente para o Estado endividado, declarar moratória da dívida externa, desvalorizando o rublo, e iniciando a crise financeira em agosto de 1998. (MEDEIROS p. 24-25 In ALVES, 2011) O corolário político de Yeltsin iria aparecer com a expansão do separatismo no Cáucaso Norte, com a entrada de militantes islâmicos provenientes da de facto independente República Chechena da Ichkeria, no vizinho Daguestão (sob controle russo). Tais militantes, seguidores do ideário takfiri-wahabita (que prega o “puritanismo” islâmico frente às outras crenças) tinham como objetivo a criação de um “Emirado do Cáucaso”, um Estado teocrático que compreenderia todas as Repúblicas de maioria muçulmana do Cáucaso, e outras regiões no território russo, outrora sob domínio islâmico. (DUGIN, 2014 p.111-112) Para enfrentar tais desafios tanto na esfera econômica quanto política, Yeltsin acabou tomando medidas mais pragmáticas, apesar de pontuais. Logo após o estouro da crise financeira de 1998, nomearia em setembro, Yevgeny Primakov (ex-ministro de Relações Exteriores e ex-membro da KGB) como primeiro-ministro. Mesmo desconfiando de sua histórica relação com o finado Partido Comunista da União Soviética (PCUS), e por consequência, os comunistas russos, oposição ao seu governo.

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Primakov, que não se entusiasmava com o tipo de capitalismo financeiro especulativo que dominava a economia do país, iniciou uma série de reformas deixando claro que sua prioridade era incentivar o que denominava “setor real” (produtivo) da economia: a indústria e a agricultura. (SEGRILLO, 2014 p. 137) Obrigou o Banco Central Russo, em setembro de 1998 a forçar uma internalização dos recursos, por meio de alguns bancos específicos como o Sberbank (ou “caixa econômica russa”) e o Vnesheconombank (ou “banco de desenvolvimento russo” – VEB), de no mínimo 50% das exportações, que seria elevado em dezembro 75% (SCHUTTE, 2010 p.20), declarou moratória e recusou a pressão exercida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelos economistas liberais russos. Após a desvalorização do rublo, a economia russa reagiu bem, registrando pela primeira vez crescimento positivo de 7% em 1999 ( ELLMAN, 2006 apud MEDEIROS, p.25 In ALVES, 2011). No entanto, pressionado pelos “sete banqueiros” e políticos liberais, por temerem “o retorno dos comunistas”, a breve, mas marcante passagem de Primakov encerra-se em 12 de maio de 1999. (SEGRILLO, 2014 p.139) No Cáucaso Norte, a situação do Daguestão se agravava ainda mais com o influxo massivo dos militantes chechenos (cerca de 2 mil homens) em conjunto com simpatizantes wahabitas locais. No entanto, apesar da aversão da população local ao radicalismo dos “forasteiros” e engajaram-se na resistência contra tal ofensiva, a reação das autoridades federais foi apática e lenta, com esforços hesitantes e desorganizados. (SOULEIMANOV, 2005). A resiliência de Moscou chegaria a seu ponto crítico, quando Sergei Stepashin, um ex-coronel-general do Exército, com passagem política como diretor do FSB, ministro da Justiça e ministro do Interior, apontado por Yeltsin como sucessor de Primakov, visto como um “homem forte” e defensor dos “interesses russos” (SEGRILLO, 2014 p.141). Mostrou-se incapaz de lidar com a gravidade da situação, decidindo não enviar tropas federais, e pronunciou publicamente que “Podemos perder o Daguestão!” (TISHKOV, 2005 apud SAKWA, 2005 p. 157–181.) Frase esta que custou seu cargo em agosto de 1999, com apenas três meses no cargo (DUGIN, 2014 p.115). Em seguida, em 9 de agosto, nomeou Vladimir Putin como primeiro-ministro, substituindo Stepashin. Putin era uma figura desconhecida na política russa, apesar de ter um longo currículo: oriundo de Leningrado (atual São Petesburgo), formado em Direito Comercial pela Universidade Estatal de Leningrado em 1975, ingressou no

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PCUS, e trabalhou na KGB como agente de inteligência externa em Dresden, na então RDA, de 1985 a 1990. Com a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha, retorna à URSS, trabalhando no departamento de Inteligência em Leningrado. Com a tentativa de golpe contra Gorbachov, em agosto de 1991, Putin se desliga da KGB e é convidado pelo prefeito de São Petesburgo, Anatoly Sobchak (que tinha sido seu professor na universidade), para atuar como assessor de Relações Exteriores, cargo que irá exercer até 1996. Após a derrota de Sobchak nas eleições daquele ano, Putin é convidado a vir para Moscou, por Anatoly Chubais e Pavel Borodin para integrar o gabinete do presidente Yeltsin. Ele ocupará vários cargos, passando pelo Departamento de Gestão da Propriedade Presidencial (1996 – 1997), pela vice-chefia do gabiente presidencial (1997 – 1998), pela diretoria do FSB (1998 – 1999), e secretário do Conselho de Segurança da Federação Russa, de outubro a dezembro de 1999 (DANKS, 2009, SAKWA, 2008 apud SARAIVA, 2009 p.47). Ao ser nomeado primeiro-ministro em meio a uma “ciranda” de quatro trocas de ministros consecutivas (Kiriyenko, Chernomyrdin, Primakov e Stepashin) e a renovada crise chechena, o governo de Vladmir Putin assumiu o desafio de recuperar a autoridade do poder central. No início, seu pouco carisma (SEGRILLO, 2014 p. 142) preocupava analistas (russos e estrangeiros) sobre o futuro político do país, mesmo sendo apontado como sucessor de Yeltsin à presidência para as eleições do ano 2000. Porém, em outubro de 1999, ocorreram três atentados a bomba em apartamentos residenciais de Moscou, Buynaksk (no Daguestão) e Volgodonsk (no território de Stavropol30), duas cidades localizadas no Cáucaso Norte. 307 pessoas morreram e cerca de 1700 ficaram feridas, causando enorme comoção nacional, exigindo uma resposta do Estado russo. Apesar de algumas “contradições” acerca dos perpetradores dos atentados (DUGIN, 2014 p. 115; SEGRILLO, 2014 p. 142), o novo primeiro-ministro reagiu com firmeza, acusando formalmente o envolvimento do governo da Chechênia, e ordenando o extensivo envio de tropas federais numa campanha aérea e terrestre contra as posições dos militantes wahabitas no Daguestão, que se desdobraria na Segunda Guerra da Chechênia (1999 – 2000) (DUGIN, 2014 p. 115; SEGRILLO, 2014 p. 142). A campanha militar resultaria na vitória das tropas russas, a reintegração do território checheno à Federação Russa e no aumento surpreendente da popularidade do

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Stravropol krai, em russo

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novo primeiro-ministro, que se beneficiaria com outra surpresa política: a renúncia de Boris Yeltsin em 31 de dezembro de 1999. Com graves problemas de saúde e sofrendo sérias acusações de corrupção pela imprensa e a oposição liberal e comunista, isto levou a acertar um acordo polêmico com seu sucessor: pela Constituição russa, em caso de renúncia presidencial, o primeiro-ministro assume o cargo interinamente, e em três meses deverá convocar eleições. As eleições russas estavam marcadas para junho de 2000, mas Putin poderia aproveitar a popularidade conquistada no conflito checheno e chegar como favorito às Eleições, adiantando-as para março. Em troca, garantiria a Yeltsin a completa imunidade nas investigações de corrupção (SEGRILLO, 2014 p.161). Assim, em março de 2000, Vladimir Putin é eleito o segundo presidente da Federação Russa, com 52,94% dos votos (DANKS, 2009 apud SARAIVA, 2009 p. 47).

2.1.1 Os Petyas31 no Kremlin No entanto, apesar de sua história política com a “Era Yeltsin”, o governo Putin, abraçará uma série de mudanças políticas, econômicas e estratégicas, a partir de um projeto nacional, conjugando políticas e estratégias adotadas nos períodos anteriores, aliada a convicções e anseios inovadores, buscando restaurar a autoridade do Estado russo. Isso pressupõe a restauração da capacidade de arrecadação tributária e o monopólio do uso da força. Para isso, Putin traria consigo, seu grupo de confiança de São Petersburgo, composto por dois grupos político – ideológicos principais: primeiro, constituído por dirigentes oriundos dos antigos órgãos de segurança (como a antiga KGB, também dos atuais FSB, SVR, GRU, e as Forças Armadas), são denominados siloviki (em russo: “homens fortes” ou “durões”). Este grupo, pela sua experiência burocrática, encoraja uma imagem, perante a sociedade russa, de serem geralmente dotados de uma “honestidade” e sem uma afiliação ideológica, contendo uma visão pragmática de “leie-ordem”, e agem conforme os interesses da pátria russa. Apesar de não formarem um grupo coeso, ou compartilharem de uma agenda comum, são geralmente vistos como defensores de um Estado forte (ou gosudarstvennik – “homens de Estado”) (SEGRILLO, 2014 p. 152), podendo ser menos sensíveis a certos aspectos do sistema

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“Petya” é o diminutivo de Pyotr ou Petr (Pedro), um dos nomes mais comuns para a cidade de São Petesburgo. O autor por meio de um trocadilho, fez uma referência ao grupo de conterrâneos trazidos por Putin ao assumir o mandato em Moscou.

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liberal-democrático32, caso estes se coloquem como “entraves” ao seu projeto de nação (WILLERTON, 2005 apud WHITE, GITELMAN e SAKWA. 2005). Entre os siloviki, destacam-se alguns nomes notáveis: Sergei Ivanov, no Ministério da Defesa (2001 – 2007), e Igor Sechin, vice-chefe de gabinete (1999 – 2008), e o próprio presidente Putin. Apesar de críticos apontarem uma “hegemonia” dos siloviki, nos círculos internos do Kremlin, deve-se notar uma importante ala “civil-liberal” (SEGRILLO, 2014 p. 179), que integra o segundo (e não menos importante) grupo político. Composta por tecnocratas especializados para diversas áreas políticas e econômicas, ocupando cargos estratégicos no gabinete presidencial: nos principais nomes constam os juristas Dmitry Medvedev, diretor da Gazprom (2000 – 2005), Dmitry Kozak, chefe de gabinete (1999 – 2004) – ambos transitariam entre vários cargos políticos nesse período; e os economistas German Gref para o Ministério do Comércio e Desenvolvimento Econômico, e Alexei Kudrin, para o Ministério das Finanças. Isso concedeu ao presidente Putin uma forte capacidade de manobra política, perante diversos setores da sociedade russa, podendo “transitar” a condução de suas políticas entre as duas correntes. (SEGRILLO, 2014 p. 180) Diante das críticas ao seu suposto caráter autoritário, os defensores da nova política introduziram a noção de democracia administrada, também chamada de democracia soberana. (SCHUTTE, 2010. p. 20) Além da democracia e liberdade, a política nacional demanda outros problemas de caráter mais agudo, como a miséria, a segurança e a soberania. A democracia deveria servir para o desenvolvimento do país e, quando não alcançar esse objetivo, ser limitada. Outra referência para defender o reforço do papel do Estado seria o ambiente externo, interpretado como um ambiente “agressivo”, como a ampliação da OTAN, o fundamentalismo islâmico no Cáucaso e Ásia Central, e a instabilidade política nos vizinhos “soviéticos”. A seguir, nos tópicos e capítulos seguintes, verificaremos com maiores detalhes, como tais pensamentos foram construídos e como se materializaram nos objetivos nacionais.

32

Apesar do conceito de “democracia” ser alvo de diversas controvérsias e debates, este autor estará utilizando o conceito do think tank norte-americano Freedom House, para caracterizar o modelo enunciado nesta passagem, que a aproxima do conceito de “democracia liberal”. "It is characterised by fair, free, and competitive elections between multiple distinct political parties, a separation of powers into different branches of government, the rule of law in everyday life as part of an open society, and the equal protection of human rights, civil rights, civil liberties, and political freedoms for all persons." (FREEDOM HOUSE – Freedom in the World Report, várias edições.)

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2.1.2 A Tese de Putin Antes mesmo da sua nomeação como primeiro-ministro, Vladimir Putin havia se graduado como doutor (kandidat nauk, em russo) em Economia pelo Instituto de Mineração33 de São Petersburgo em junho de 1997. Em que apresentou sua tese de doutorado intitulada “Recursos Naturais na Estratégia para o Desenvolvimento da Economia Russa”34. Tese esta, defendia que, dada a situação sócio-econômica nos anos 1990, a Rússia deveria utilizar o potencial dos recursos minerais e energéticos como alicerce de uma “nova economia”. Os recursos naturais seriam responsáveis para uma transição para uma moderna economia de mercado, com as receitas obtidas, impulsionaria novos setores econômicos, afim de agregar tecnologia e investimentos nacionais ou estrangeiros (PUTIN, 1997 In BALZER, 2006 p. 50). Com sua “geografia singular” – sendo o maior país em extensão territorial, com uma ampla e diversificada ocorrência de reservas energéticas e minerais, uma ampla infra-estrutura ferroviária, fluvial, marítima e dutoviária, além de uma forte indústria de base e potencial técnico-científico ligado a esse setor – claro, se comparado à maioria dos países exportadores de recursos minerais e energéticos, a Federação Russa ocupa uma “posição especial” entre os países industrializados. Se utilizados efetivamente, os recursos naturais se tornariam as mais importantes pré-condições para uma entrada sustentável na economia mundial. O gráfico 3 mostra abaixo o potencial econômico das reservas minerais e energéticas do país.

33

Atualmente denominado “Universidade Nacional de Recursos Naturais”. Fundado em 1773, pela imperatiz Catarina, é considerado um dos institutos universitários mais antigos da Rússia e da Europa. Resultado das ideias propostas pelo seu predecessor, Pedro, e o cientista Mikhail Lomonosov para formação e capacitação de engenheiros e técnicos para as indústrias de mineração e metalurgia. 34 PUTIN, Vladimir. “Mineralno-syrevye resursy v strategii razvitiia Rossiiskoi ekonomiki”, St. Petersburg State Mining Institute, 1997

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Gráfico 3 – Potencial das Reservas minerais e energéticas da Federação Russa. (em bilhões de US$) Total avaliado: US$ 28,56 trilhões Metas Raros e Não-Ferrosos US$ 1.807 (6,3%)

Metais Preciosos e Diamantes; US$ 272 (1,0%)

Urânio US$ 4 (0,01%)

Metais Ferrosos US$ 1.962 (6,8%)

Gás Natural US$ 9.190 (32,2%)

Outros Minerais US$ 4.193 (14,7%)

Petróleo e Condensados US$ 4.481 (15,7%)

Carvão e Xisto U$6.651 (23,3%)

Elaborado pelo Autor. Fonte: PUTIN, 1997 In BALZER, 2006 p.50

No entanto, Putin pontuava que o funcionamento do livre mercado e a atuação de empresas privadas não coincidem com a defesa do “interesse nacional”. É necessário, que a intervenção estatal garanta um ambiente favorável para a atuação e expansão das empresas do setor extrativo, mas ao mesmo tempo, a efetiva canalização dos recursos para os cofres públicos. Para isso, estabeleceu algumas diretrizes que o poder público deveria seguir para legitimar a contribuição que o desenvolvimento desses recursos proporcionaria ao país:

a) Os recursos naturais e toda a cadeia produtiva ligada ao seu desenvolvimento devem ser considerados “estratégicos” para o Estado; b) A criação de grandes corporações industriais e financeiras ligadas a exploração e processamento dos recursos naturais – as chamadas “campeãs nacionais” – capazes de competir em igualdade com as principais empresas multinacionais do Ocidente; c) o Estado deve agir como órgão regulador no setor extrativo e garantir total assistência ao desenvolvimento de indústrias de base e processamento ligadas ao setor extrativo; d) necessidade de atração de capital e tecnologia estrangeira por meio da modernização da infra-estrutura e da indústria extrativa, mas sempre supervisionados pelo Estado, mantendo a soberania nacional no setor; 72

e) os recursos naturais não podem ser um “fim”, mas um “meio” de transição para o desenvolvimento de um moderno sistema econômico, agregando capital e trazendo novas tecnologias. As receitas obtidas do setor extrativo seriam canalizadas para outros setores “estratégicos” da economia, como a indústria aeroespacial, bélica, tecnologia da informação etc; f) Com as lições “aprendidas” com o Ocidente, a Rússia deve usar as receitas obtidas com a exploração de seus recursos naturais para garantir uma “transição energética”, desenvolvendo novas formas de energia para assegurar uma “soberania energética” garantindo assim, um uso mais racional de seus recursos. (PUTIN, 1997 In BALZER, 2006 p. 52)

Obviamente, pela defasagem tecnológica e falta de recursos financeiros para tais investimentos, a Federação Russa necessitava dos capitais e tecnologia do Ocidente para modernização da atual estrutura produtiva e em novos empreendimentos nas denominadas “novas fronteiras” (POUSSENKOVA, 2007. p.15) minerais e energéticas como a Sibéria Oriental e Extremo Oriente russo. Porém, o Estado deveria assegurar a posição majoritária russa nesses projetos conjuntos. (SCHUTTE, 2010 p. 27 & GOLDMAN, 2008. p. 79) Após assumir a presidência, Putin foi abertamente acusado de “plágio” por pesquisadores do Brookings Institution, um influente think tank norte-americano baseado em Washington. Clifford Gaddy e Igor Danchenko defendem que Putin copiou diversas vezes trechos inteiros sem citação do livro Strategic Planning and Public Policy, dos professores William King e David Cleland, da Universidade de Pittsburgh. O livro foi redigido em 1978, e depois traduzido e publicado para o idioma russo em 1982, no qual Putin teria tido acesso na sua passagem pelo Instituto de Mineração. (DANCHENKO e GADDY, 2006). Tal acusação contra o presidente russo encontraria eco na imprensa ocidental e russa, crítica ao Kremlin. Apesar dos pesquisadores norteamericanos afirmarem que o plágio “não foi intencional”.35 Outros veículos de imprensa russos (inclusive privados), e o próprio reitor do Instituto de Mineração, Vladimir

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“Russia’s plagiarism problem: Even Putin has done it!” Washington Post 18/03/2014: http://www.washingtonpost.com/blogs/answer-sheet/wp/2014/03/18/russias-plagiarism-problem-evenputin-has-done-it/ acessado em 14/07/2015

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Litvinenko – e assessor de Putin, em “política energética” – contestaram os fatos apresentados.36 Independente da polêmica (na qual este autor não se debruçará em investigar a “veracidade” dos fatos, pois não é a proposta desta dissertação); o que deve ser realmente notado é a influência produzida pela obra teórica de William King e David Cleland, sobre o político russo, que a adaptou e aplicou a realidade de seu país, conjugando-a com sua realidade geopolítica e econômica. Como produto final, sua tese será a pedra angular que conduzirá sua política energética e estratégica, em seus oito anos de mandato (2000 – 2008), e influenciará fortemente na tomada de decisão de seu gabinete, no mandato de Dimitri Medvedev (2008 – 2012).

2.1.3 Reformas econômicas e centralização política Como expresso anteriormente, as ideias expostas na tese de Putin, somado ao estrato político-ideológico de seu grupo de São Petesburgo, contribuíram na implantação de uma “revisão do rumo” econômico que estava tomando o país. Houve uma reavaliação da relação Estado-mercado passando de um processo de “liberalização e privatização” para uma estratégia de “policiamento e intervenção do Estado”. (SCHUTTE, 2010 p. 20) Goldman (2008) Medeiros (2011), e Segrillo (2014) apontam o forte aumento dos preços do petróleo a partir de 1999, como principal fator de crescimento econômico do governo Putin e, portanto, a explicação de seu “sucesso político”, ilustrado no gráfico 4 (GOLDMAN, 2008 p. 77; MEDEIROS, p.25 In ALVES, 2011; SEGRILLO, 2014 p. 173-174). Com tamanha entrada de dólares, o governo russo pôde realizar um pagamento antecipado aos credores internacionais, como o “Clube de Paris”, reestruturando a posição patrimonial do Estado e tornando-o atrativo para investimentos estrangeiros (MEDEIROS, 2011 p.26 In ALVES, 2011 p. 26). Entretanto, outros autores como Bernstam e Rabushka, citados por Ellman e (2006), Busquet (2002) citados por Schutte (2010), além de Beck e Schularick (2003), Esanu (2003) Kwon (2003) citados por Nunes (2004), argumentam que sem uma mudança estrutural na condução da política econômica, o simples aumento nos preços do petróleo não teria provocado nenhuma bonanza ou fortuna maquiaveliana na economia russa. 36

"The President as Candidate". Kommersant, 30/03/2010 http://www.kommersant.com/pda/doc.asp?id=662935 acessado em 14/07/2015

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Gráfico 4 – Federação Russa: Receitas do Petróleo e variação do PIB (1996 – 2002)

Fonte: DOBRINSKY, 2003 apud NUNES, 2004 p.15

Um ponto importante de análise é a herança de medidas “Primakovianas”, que encontraram continuidade e aperfeiçoamento no período Putin: a internalização das receitas de exportação em bancos russos; a aguda desvalorização da moeda russa, o rublo; e a fixação da tarifa única do Imposto de Renda em 13%, uma das mais baixas da Europa. (SCHUTTE, 2010 p.21) Isso permitiu que muitas empresas do setor extrativo pudessem investir em exploração geológica, modernização da produção (inclusive com o uso de tecnologias ocidentais), e incremento na infra-estrutura com a construção de novos portos, ferrovias e redes dutoviárias (oleodutos e gasodutos). Fator que foi incentivado pela elevação dos preços dos hidrocarbonetos, que reanimaram não só a economia de exportação, como também as indústrias de equipamentos conectadas a este setor: metalurgia, construção, e transportes, mobilizando sua capacidade ociosa, aumentando o emprego estatal e revitalizando as trocas comerciais (GOLDMAN, 2008 p. 79-80; MEDEIROS, 2011 p. 25 In ALVES, 2011; NUNES, 2004 p. 17). Entre outras medidas, destacam-se a implementação de um novo regime de tributação sobre a extração e exportação de hidrocarbonetos, relacionando quantidades e preços para exportação. Quando o preço do petróleo aumentava no mercado internacional, a parcela estatal aumentava progressivamente. Para cada US$ 1,00 adicionado ao preço da commodity no mercado mundial, US$ 0,87 ficavam com o Estado (SCHUTTE, 2010 p. 21).

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A reforma tributária de Putin ampliaria a taxação sobre os recursos naturais, conforme a produção, preços e exportação destas commodities registrava crescimento e expansão da capacidade produtiva. Ao mesmo tempo, baixava as tarifas nos demais setores da economia. Mesmo em uma época de disciplina fiscal, reforçou a capacidade de arrecadação, evitando a dependência de receitas exclusivas do setor mineral e energético. Dentre as principais mecanismos de tributação, destacam-se: a) imposto sobre renda e dividendos da empresa – 24% sobre os lucros; dividido entre as esferas políticas, destinando 5% para a Federação; 17% para as regiões e 2% para o distrito municipal. b) imposto sobre extração de recursos naturais – resource extraction tax (RET), royalties incidentes sobre toda receita proveniente da extração de petróleo, que é de 22% sobre o que excede US$ 9 por barril; c) tarifas sobre exportação – diferentes faixas considerando o preço do barril do petróleo: entre US$ 15 e US$ 20 = 35%; entre US$ 20 e US$ 25 = 45%; acima de US$ 25 = 65% (FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL, 2006 apud SCHUTTE, 2010 p.35)

Tais medidas possibilitaram maior captura das receitas petrolíferas, e a redução de impostos para outros setores produtivos, mantendo os preços de energia abaixo dos níveis internacionais, e a rígida gestão das finanças públicas, permitiu a diminuição na taxa de juros, e criou um clima de confiança no país. As empresas passaram a se capitalizar mais, com investimentos russos (estatais e privados) e estrangeiros, levando os setores manufatureiros voltados para o mercado interno conseguissem acompanhar o crescimento da produção e exportação de gás e petróleo, evitando assim, um processo de desindustrialização devido a especialização ineficiente, como é demonstrado na tabela 5. (SCHUTTE, 2010 p. 35) Tabela 5 – Rússia: Crescimento dos setores exportadores e manufatura interna (em %)

Fonte: OPPHEIMER, MASLICHENKO op. cit. In ELLMAN, 2006 in SCHUTTE, 2010 p. 35. Dados do Banco Mundial.

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Paralelamente às reformas econômicas, incentivadas pelas consequências (e causas) da Segunda Guerra da Chechênia, houve um esforço para uma reorganização política e territorial do país, buscando atender a dois objetivos principais: diminuir a autonomia dos poderes regionais (isso não inclui apenas as Repúblicas e Territórios Autônomos37, habitadas por populações não-russas, como a Chechênia, mas também as outras unidades federativas russófonas como os oblasts e krais) heranças da descentralização do período Yeltsin, e uma das fontes políticas de poder dos oligarcas; e estabelecer a presença ostensiva de representantes regionais leais a Moscou, garantindo melhor efetividade administrativa, judiciária e tributária (SEGRILLO, 2014 p. 166). Assim, criaria por decreto presidencial (ukaz) em 13 de maio de 2000, “para garantir a implementação do Presidente da Federação Russa, em seus poderes constitucionais, Representantes Plenipotenciários nomeados pelo Presidente e funcionários da administração presidencial”.38 São criados sete “Distritos Federais” (Federal’nye Okruga), macrorregiões que agrupariam as unidades menores, e seus “representantes plenipotenciários do presidente federal” se reportavam diretamente a presidência e atuavam como “supervisores” de todas as regiões administrativas inseridas em seu distrito federal. Originalmente, os distritos federais criados eram os seguintes: Distrito Federal Central (centro administrativo: Moscou); Volga (em Nizhni Novgorod); Noroeste (em São Petesburgo); Sul (em Rostov-on-Don); Urais (em Yekaterinburgo); Sibéria (em Novossibirsk); e Extremo Oriente (em Khabarovsk).39 Não obstante, a configuração cartográfica dos sete distritos federais se assemelha aos distritos militares russos (MEDEIROS, 2011 p.27 In ALVES, 2011), como demonstrado no mapa 7.

37

Em russo: avtonomniy okrug Documento original em http://graph.document.kremlin.ru/page.aspx?654538 acessado em 15/07/2015 39 Em 19 de janeiro de 2010, será criado o Distrito Federal do Cáucaso Norte (centro administrativo: Pyatigorsk), separado do Distrito Federal Sul. Em 21 de março de 2014, em meio à intervenção militar russa e anexação da Crimeia (pertencente a Ucrânia), será criado o Distrito Federal da Crimeia (centro adm: Simferopol). Porém a legalidade deste último não é reconhecida internacionalmente, especialmente pelos países-membros da OTAN e União Europeia, que condenam a anexação. 38

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Mapa 7 – Federação Russa: Distritos federais* (2014)

*Divisão política em 2000. Elaboração pelo Autor. Fonte: https://www.wilsoncenter.org/publication/russias-presidential-districtsrepresentatives-view acessado em 01/09/2015.

Além disso, o atentado da Escola nº 4, em Beslan, na Ossétia do Norte (Cáucaso) em setembro de 2004, quando militantes chechenos tomaram os alunos e funcionários como reféns, e a ação controversa das autoridades locais e federais resultaram na morte de 330 pessoas (a maioria, crianças), fez novamente o governo adotar medidas mais duras de centralização político-administrativa: beneficiado pela maioria na Duma (Câmara Baixa russa), conquistada nas eleições parlamentares de 2003, Putin conseguiu aprovar o fim das eleições diretas para governador regional, onde tais dirigentes passariam a ser nomeados diretamente pela presidência (mediante aprovação do legislativo local). Tal situação perduraria até 2012, quando o então presidente Dmitry Medvedev, re-estabeleceria a eleição direta para governador (SEGRILLO, 2014 p. 167).

2.1.4 “Caça” e “Domesticação” aos oligarcas Como mencionado anteriormente, as reformas econômicas de Putin tinham um objetivo claro: entrelaçar os interesses do setor privado com os interesses do Estado e, se necessário, moderar a busca de lucros em defesa de interesses geopolíticos. A projeção externa é parte dessa política. As empresas russas deveriam ser integradas em

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conglomerados industriais (ou “campeãs nacionais”) com capacidade de competir em pé de igualdade com as multinacionais ocidentais. Progressivamente o Estado foi ganhando espaço com a retomada do controle majoritário das empresas estratégicas como a Gazprom – principal produtora de gás natural, privatizada parcialmente no período Yeltsin. Em junho de 2000, embora o Estado fosse o principal acionista, 62% de suas ações estavam nas mãos de grupos privados. Trocou a diretoria, indicando Dmitry Medvedev para tornar a gestão mais eficiente, e aumentou o controle acionário levando a estatal do petróleo, Rosneft a adquirir 10,74% das ações, colocando a empresa sob controle estatal majoritário. (SCHUTTE, 2010 p. 21) Outras empresas de extração mineral e energética privatizadas no governo Yeltsin, nas mãos de oligarcas e “diretores vermelhos”, começaram a ser investigadas por evasão fiscal, gestão mafiosa, descumprimento de leis fiscais e ambientais, e até tráfico de influência, usando o poder econômico e o controle da mídia para atacar o governo (ELLMAN, 2006 In SCHUTTE, 2010, p.22). A reação dos oligarcas, ameaçados pelo Kremlin foi diversa: alguns fugiram do país levando milhões de dólares em ativos das empresas, exemplo de Boris Berezovsky, que pediu asilo político na GrãBretanha, onde residiu até seu falecimento em 2013, sendo um feroz crítico de Putin. Outros magnatas, investigados pela Justiça, foram condenados e seus bens empresariais foram leiloados e, na maioria dos casos, incorporados pelas estatais. O caso mais famoso (e mais reportado e repudiado na mídia ocidental) foi o caso Yukos que após uma investigação relatando diversos descumprimentos jurídicos e até assassinatos políticos (o caso Petrukhov)40, culminou com a prisão de vários funcionários da empresa, incluindo seu proprietário, Mikhail Khodorkovsky, o congelamento de ativos da empresa e sua subseqüente aquisição pela estatal Rosneft em 2005. A Yukos foi declarada falida em agosto de 2006 (SCHUTTE, 2010 p. 22). No entanto, nem todos os oligarcas russos foram alvo da “caça às bruxas” empreendida pelo Kremlin. Alguns magnatas, como Roman Abramovich, aliado de longa data de Berezovsky e dono da Sibneft, barganhou suas empresas em troca de benefícios políticos (SEGRILLO, 2014 p. 168-170). Outras empresas privatizadas, como a petrolífera Lukoil, com o “diretor vermelho” Vagit Alekperov (ex-ministro do

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Vladimir Petrukhov, prefeito de Neftyugansk, localizada no distrito (okrug) autônomo dos KhantiMansi, na Sibéria Ocidental, foi assassinado em 1998 por funcionários de segurança da Yukos, após demandar uma revisão na carga tributária que a empresa concedia a cidade. In SCHUTTE, 2010 p.22

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Petróleo em 1990), tinham um histórico favorável de boa administração, efetividade e competitividade. No primeiro ano de Putin na presidência, a Lukoil já contava com notável projeção internacional, sendo a primeira empresa russa a adquirir empresas nos EUA, em novembro de 2000, contando com milhares de postos de distribuição e dezenas de refinarias na América do Norte e na Europa. Para Putin, devido ao seu sucesso, não havia sentido incriminar Alekperov. Pelo contrário, iniciando um “acordo tácito”, será incentivada pelo Estado através de incentivos fiscais, concessões de jazidas, e promoção de suas atividades no exterior, securitizando a empresa privada como uma estratégica “campeã nacional”, desde que Alekperov não se envolvesse (criticamente) nas políticas do Kremlin. (SCHUTTE, 2010 p. 24) Tabela 6 – Federação Russa: Mudanças patrimoniais no setor de energia.

Fonte: SCHUTTE, 2010 in ALVES, 2011 p.105

As reformas de Putin foram bem recebidas pela opinião pública local: 77% dos russos entrevistados eram a favor da revisão parcial ou total das privatizações nos anos 1990 (GOLDMAN, 2004 apud SCHUTTE, 2010 p.23), gerando maior confiança entre o governo e a população, fortalecendo o poder estatal. Contudo, críticos (russos e ocidentais) argumentam que essa intervenção na economia poderia gerar uma incerteza no setor, desencorajando investimentos, e criando um clima de desconfiança internacional na economia russa (OOMES e KALCHEVA, 2007 p. 3 apud SCHUTTE, 2010 p.23) O resource nationalism (EHRSTED e VAHTRA, 2008 apud SCHUTTE, p.113 In ALVES, 2011), fez a participação estatal nas empresas de energia saltar de menos de 10% em 2000, para 47% em 2007. Para contornar essas medidas, o governo passou a permitir parcerias entre empresas russas e estrangeiras na prospecção de novos depósitos minerais e energéticos: A tecnologia e o capital ocidental eram bem-vindos e necessários para a modernização da Rússia e negar sua importância era uma completa insensatez. Alguns exemplos 80

notáveis encontram-se no Extremo Oriente russo – como o projeto Sakhalin-I e Sakhalin-II, em conjunto entre a Gazprom a anglo-holandesa Shell, sendo a empresa russa majoritária. E a criação da joint-venture russo-britânica TNK-BP. (SCHUTTE, 2010 p.25)

2.1.5 O Fundo de Estabilização da Federação Russa Outro marco importante da nova política econômica russa foi a criação em 2004, do Fundo de Estabilização da Federação Russa, sob liderança do ministro das Finanças Alexei Kudrin, homem de confiança de Putin. O fundo foi criado por meio de uma lei federal aprovada no final de 2003. A ideia nasceu tanto de uma reação à experiência com a crise financeira de 1998, que mostrou a necessidade de mecanismos de defesa, e de evitar a valorização do rublo com o aumento dos fluxos de recursos do setor de exportação de energia (SCHUTTE, 2010 p.36).

O funcionamento do fundo foi submetido a quatro regras básicas:

1- uma quantidade mínima de recursos deveria ficar no fundo, estipulada em 500 bilhões de rublos, na época equivalente a cerca de US$ 18 bilhões. Quando os recursos superassem esse patamar eles poderiam ser usados. O excedente seria utilizado para financiar o déficit público quando o preço do petróleo estivesse num patamar abaixo de US$ 20 por barril. Em 2005, foi especificado, porém, que o excedente poderia ser utilizado também para financiar o déficit do Fundo de Pensão da Rússia e para o pagamento da dívida externa. Assim, recursos adicionais foram sacados do fundo para essas finalidades. O ministro Kudrin tentou, sem êxito, aumentar o patamar mínimo, mas configurou-se uma tensão entre a prudência fiscal absoluta e a demanda reprimida em vários setores estruturais, inclusive despesas militares (MEDEIROS, 2008 apud SCHUTTE, 2010 p. 36); 2- nem todas as receitas do petróleo e gás natural (impostos sobre exportação e produção) seriam depositadas no fundo. Também para isso foi estipulado um valor de referência dos preços internacionais, originalmente fixados em US$ 20 por barril, mas em seguida, foi aumentado para US$ 27 por barril. Quando o preço ultrapassasse o valor de referência, seria calculado o adicional de arrecadação e somente esse valor seria direcionado para o fundo. O fundo 81

também receberia o excedente no orçamento do governo federal no final do ano fiscal; 3- as aplicações deveriam ser feitas no exterior para evitar excesso de liquidez na economia nacional; 4- o governo deveria relatar a respeito do fundo ao Parlamento num período trimestral e anual (SCHUTTE, 2010 p. 36-37).

Em 2005, foi especificado que os excedentes poderiam ser utilizados para reduzir o déficit do Fundo de Pensão da Rússia e para o pagamento da dívida externa. A ideia geral do fundo respondia a dois objetivos principais: A proteção contra a flutuação dos preços do petróleo e gás e garantia de receitas futuras. Para diferenciar melhor esses dois objetivos, o Ministro das Finanças Alexei Kudrin dividiu o fundo em dois, em fevereiro de 2008, criando duas subdivisões:

a) O Fundo de Reserva, cujo patrimônio deve ser mantido em 10% do PIB. Realiza investimentos em títulos públicos estrangeiros de baixo risco e pode ser utilizado se os preços de petróleo/gás caírem. b) O Fundo Nacional de Bem-Estar, excedente dos recursos (quando o Fundo de Reserva já tiver absorvido o equivalente a 10% do PIB). As aplicações são realizadas em ativos de maior risco e maiores retornos.

Os investimentos de ambos continuam mantidos no exterior, evitando excesso de liquidez no mercado doméstico. Desde o início havia um debate a respeito da oportunidade de se investir parte do Fundo Nacional de Bem-Estar nos mercados financeiros domésticos (SCHUTTE, 2010. p.38; BEHRENDT, 2013). Tal dinâmica evolutiva desses mecanismos financeiros é demonstrada no gráfico 5 a seguir.

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Gráfico 5 – O Fundo de Reserva e o Fundo de Riqueza Nacional – Ações Administradas (2008-2013)

Fonte: GEOECONOMICA Political Risk Management

Todas essas medidas tinham como objetivo canalizar as receitas obtidas pela exploração dos recursos naturais (sobretudo o petróleo e gás natural) para outras atividades econômicas do país, muitas delas consideradas “estratégicas” pelo governo russo, os recursos eram revertidos em forma de subsídios, incentivos fiscais ou crediários abertos pelos principais bancos estatais (SCHUTTE, 2010 p.38; OLCOTT, 2004 p. 25 apud NUNES, 2004 p. 26). A tabela 7, a seguir demonstra os principais setores onde tais recursos seriam canalizados. Tabela 7 – Federação Russa: Distribuição dos recursos financeiros do Fundo de Estabilização (2005) Transações Bilhões de US$ Pagamento antecipado da dívida com o Fundo Monetário Internacional 3,3 Pagamento da primeira parcela da dívida com 15 os países-membros do Clube de Paris Pagamento ao Vneshekonombank (VEB) por empréstimos providenciados ao 4,3 Ministério das Finanças em 1998-1999 para o pagamento da dívida externa da Federação Russa Transferência para o Fundo de Pensão da Federação Russa 1,04 Elaborado pelo Autor. Fonte: http://old.minfin.ru/en/nationalwealthfund/statistics/vnesheconombank/ acessado em 17/07/2015.

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2.1.6 Panorama da Indústria Energética e Mineral Russa A Federção Russa é descrita por muitos acadêmicos e jornalistas como uma “Superpotência Energética”, o termo em si, inicialmente utilizado como um “jargão” midiático e ideológico para caracterizar a política energética que o governo russo conduzia com seus vizinhos da UE e as ex-repúblicas soviéticas. No entanto, alguns autores como Grigoriev (2006) mostraram preocupação em robustecer o significado do termo, tomando as características geográficas, econômicas e geopolíticas do país, apesar de considerar o uso do termo como “pejorativo”. (GRIGORIEV, 2006) “A Rússia representa uma enorme reserva de estabilização global (juntamente com o Alaska) – uma reserva florestal, de água, petróleo, gás natural e assim por diante. Naturalmente, os investimentos e as despesas na extração estão crescendo, mas ainda há muitos espaços potenciais de energia não-explorados desde o Mar Branco até o Alaska que podem ser prospectados; nesse sentido podemos ser uma superreserva!” (GRIGORIEV, 2006)

Completa: “Nosso país [a Rússia] não consome tanto como os outros, e não é tão eficiente (sua razão de consumo por unidade do PIB é bastante alta); não somos produtores de tecnologias energéticas avançadas (exceto em hidroeletricidade e energia nuclear); até temos pesquisas no campo do hidrogênio, mas em geral não somos um líder mundial, Mas existem apenas dois países – Rússia e os EUA (se tomados em conjunto o Canadá e o México) que simultaneamente tem grandes reservas de carvão, gás natural, petróleo, energia nuclear e hidroelétrica e recursos para novas tecnologias como vento, maremotriz etc. Porém, os EUA, para todas suas vastas reservas e grande produção de recursos energéticos, ainda é um importador de energia, enquanto nós somos exportadores de energia.” (GRIGORIEV, 2006)

A Federação Russa, mesmo com as grandes perdas territoriais oriundas do fim da URSS, do que é a principal herdeira política, ainda é o maior Estado em extensão territorial, com cerca de 17.098.242 km²41. Com esse território colossal, resultado de séculos de expansão imperial, como mencionado no capítulo anterior, configurou uma área geográfica bastante rica e diversificada em recursos naturais. Praticamente não existe um recurso mineral ou energético conhecido no mundo, que não tenha ocorrência em escala comercial em território russo.

41

IBGE, Atlas Geográfico Escolar, 5ª Edição, 2009. (Não incluída o território da Crimeia, anexada em março de 2014).

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No que tange aos recursos energéticos, a Rússia possui a maior reserva conhecida de gás natural do mundo (48,7 trilhões de m³ - 2013)42, sendo o segundo maior produtor (669,7 bilhões de m³ - 2013)43 – atrás dos EUA, e o maior exportador (196 bilhões de m³ - 2013)44; além de possuir a nona maior reserva de gás de xisto recuperável, estimada em 8 trilhões de m³

45

. Tem a segunda maior reserva de carvão

46

(157 milhões de toneladas – 2010) , é o sexto maior produtor (354,8 Mt – 2012)47 responsável por 5% da produção mundial, e o terceiro maior exportador (150,7 Mt – 2012)48, ou 10,7% da parcela mundial. Apesar do destaque em outras fontes, o seu principal recurso energético comercial é o petróleo, com a oitava maior reserva mundial (com 17,8 bilhões de toneladas – 2012)49, consagra-se como o maior produtor mundial (10,1 milhões de barris/dia ou 1212 Mt – 2015)50 ou 14% da produção mundial, e destaca-se como o segundo maior exportador (7,2 milhões de barris/dia – 2012)51 – atrás apenas da Arábia Saudita. Exporta 70% do petróleo produzido, sendo um dos maiores exportadores mundiais de energia e o principal fornecedor de petróleo e gás natural à UE. Os países do Oriente Médio, combinados em comparação exportam 20 milhões de barris por dia.52 As principais jazidas de petróleo e gás natural do país se encontram, em sua maioria na Sibéria Ocidental (no oblast de Tyumen, e nos territórios autônomos de Khanti-Mansi e Yamalo-Nenets), e no Volga (repúblicas do Tatarstão e Basquiristão), com reservas menores, no Cáucaso Norte (Chechênia, Daguestão e krai de Stavropol) e no Noroeste (república dos Komi e territórios autônomos dos Nenets); outras reservas potenciais começaram a se desenvolver na Sibéria Oriental, no Extremo Oriente (as Ilhas Sakhalina) e no Mar de Barents. O carvão russo se encontra em sua maioria nas bacias do Kuznetsk e Kansk-Achinsk (ambas na Sibéria Oriental), e no Extremo Oriente, com algumas reservas importantes na região de Moscou, e no Sul do país 42

OPEP, Table 3.2 Natural gas proven reserves by country, acessado em Dez 2013. http://www.opec.org/library/Annual%20Statistical%20Bulletin/interactive/current/FileZ/XL/T32.HTM 43 CIA. The World Factbook. Natural gas – production. 44 CIA. The World Factbook. Natural gas – exports. 45 United States Energy Information Administration Technically Recoverable Shale Oil and Shale Gas Resources: An Assessment of 137 Shale Formations in 41 Countries Outside the United States. Analysis and projections.. 13 June 2013. 46 World Energy Council – Survey of Energy Resources 2010. 47 BRITISH PETROLEUM, Statistical Review of World Energy. 2013. 48 World Coal Flows by Importing and Exporting Regions. Eia.doe.gov. acessado em 16/07/2015. 49 "Russia Reveals Official Data on Oil and Hydrocarbon Reserves For The First Time". Oil&Gas Eurasia. 12 July 2013. https://www.oilandgaseurasia.com/node/54728/ acessado em 16/07/2015. 50 , US Energy Information Administration. International Energy Statistics 51 US Energy Information Administration . International energy data and analysis 52 EIA, Key Energy Statistics, 2010

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(oblast de Rostov). O mapa 8 mostra a distribuição geográfica das reservas energéticas no território russo. Mapa 8 – Rússia: Distribuição geográfica das reservas energéticas.

Elaborado pelo Autor. Fontes: Rosatom Yearbook 2012; Donugol Yearbook 2008; Le Monde Diplomatique; Stratfor; LEONARD, 2003 apud NUNES, 2004 p. 30.

A extração e refino do Petróleo é assegurado pelas “campeãs nacionais”, como as estatais Rosneft (e sua subsidiária TNK-BP), Gazprom Neft (subsidiária da Gazprom), Tatneft e Bashneft; e as privadas Lukoil e Surgutneftgaz. No setor de gás natural, a produção é virtualmente controlada pela estatal Gazprom, apesar da existência de competitivas empresas privadas, como a Novatek. Além disso, a Rússia se destaca como o quinto maior produtor de eletricidade (1.064 GWh – 2015)53, superado pela China, EUA, Índia e Japão. Sua matriz geradora é bem diversificada. Apesar da queima de combustíveis fósseis, boa parte da geração de energia provém do seu potencial hidroelétrico (com capacidade instalada de 45,7 GW e produção anual de 167 TWh – 2009)54, ocupando a quinta posição mundial. Outra fonte geradora bem desenvolvida é a energia nuclear, produzida por cerca de 34 usinas (com

53

BRITISH PETROLEUM Statistical Review of World Energy 2015. WORLD WATCH INSTITUTE (January 2012). "Use and Capacity of Global Hydropower Increases". http://www.worldwatch.org/node/9527 acessado dia 16/07/2015 54

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capacidade instalada de 24 mil MWe, e geração anual de 169 mil GWh – 2014)55, ocupando a quarta posição mundial. Tal destaque deve-se em grande parte, às suas reservas de Urânio (505,9 mil toneladas – 2013)56 ou 9% do total mundial, ocupando o quarto lugar; e sua produção (2,9 mil toneladas – 2014)57 ou 5% do total mundial, ocupando a sexta posição. Como consequência da corrida nuclear enfrentada no período soviético durante a Guerra Fria, acabou desenvolvendo um importante know-how tecnológico para mineração e processamento de urânio, além do enriquecimento deste minério para produção de combustível nuclear – integrando um seleto grupo de países detentores dessa tecnologia, contendo quatro centros especializados para produção58. Por fim, tecnologias de construção e geração de energia, com os reatores VVER e VBER59, concebidos nacionalmente e exportados para outros países. A Figura 2 a seguir, mostra os principais projetos nuclares russos no exterior – em licitação, construção e operação.

55

AGÊNCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA ATÔMICA.Nuclear Share of Electricity Generation in 2014. Acessado em maio de 2015. https://www.iaea.org/PRIS/WorldStatistics/NuclearShareofElectricityGeneration.aspx 56 WORLD NUCLEAR ASSOCIATION, What is Uranium? How Does it Work? http://www.worldnuclear.org/info/Nuclear-Fuel-Cycle/Introduction/What-is-Uranium--How-Does-it-Work-/ acessado dia 16/07/2015 57 WORLD NUCLEAR ASSOCIATION, World Uranium Mining Production http://www.worldnuclear.org/info/Nuclear-Fuel-Cycle/Mining-of-Uranium/World-Uranium-Mining-Production/ 58 MAKHIJANI, Arjun. Uranium Enrichment: Just Plain Facts to Fuel an Informed Debate on Nuclear Proliferation and Nuclear Power, Institute for Energy and Environmental Research 15 de outubro de 2004 59 VVER – sigla de Vodo-Vodyanoi Energetichesky Reaktor (“reator resfriado e moderado a água”). O VBER, seria uma versão otimizada para regiões remotas, para geração de energia a baixo custo e dessalinização de água.

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Figura 2 – Projetos de Usinas Nucleares russas no Exterior.

Fonte: Gazeta Russa: http://gazetarussa.com.br/articles/2012/11/22/os_projetos_russos_das_novas_usinas_nucleares_no_exteri or_16557?crid=77 acessado em 21/07/2015.

As demais fontes renováveis de energia (maremotriz, solar, eólica, biomassa, biocombustíveis) ainda estão em um estágio subdesenvolvido, no entanto, seu potencial é promissor. Além do potencial hidroelétrico já mencionado, destacam-se as centrais geotérmicas, utilizadas para aquecimento residencial e geração de eletricidade. Encontram-se majoritariamente nas regiões do Cáucaso Norte e Extremo Oriente (nas regiões dos Montes Stanovoi e a Península de Kamchatka), devido a sua intensa atividade vulcânica. Com capacidade instalada de 97 MW (2013) (MATEK, 2013 p. 1011) são consideradas as fontes renováveis mais desenvolvidas na Rússia.60 No tocante a produção mineral, a Federação Russa se destaca na produção de uma infinidade de recursos industriais, voltadas para as mais diversas aplicações. Assim, como ocorreu no setor energético, o governo Putin incentivou a criação e fortalecimento de diversas “campeãs nacionais”, abrindo o espaço para expansão e consolidação de poderosas estatais e privadas tais como a ALROSA (diamantes), Norilsk Nickel (níquel, paládio, cobre, platina, ouro, cobalto, selênio, telúrio, ródio, prata, irídio, rutênio e carvão), Polyus Gold (ouro), PhosAgro (fosfatos, fertilizantes), RusAl (alumínio, bauxita, alumina), Evraz Group (minério de ferro, aço, carvão, vanádio), Severstal (aço), Uralkali (potássio, fertilizantes), VSMPO-AVISMA (titânio, alumínio,

60

Country Analysis Brief. Russia. EIA April 2007.

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magnésio, aço) NLMK (aço), MMK (aço), Mechel (minério de ferro e aço), Metalloinvest (minério de ferro e aço), entre outras (ALVES, 2011). A mineração e a metalurgia contribuem com 11% do PIB e 19% da produção industrial (2005) (LEVINE e WALLACE, 2007). Na tabela 8 abaixo, mostra o protagonismo russo na produção e exportação mundial de diversos produtos minerais e metalúrgicos. Tabela 8 – Federação Russa: Produção mineral e metalúrgica (2014) Produto Produção (ranking) Alumínio (mil t) 3.500 (2º) Bauxita 5.300 (8º) Cobre 850 (7º) Cobre refinado 590 (6º) Ouro 245 (3º) Ferro-Gusa 50.000 (3º) Minério de Ferro 105.000 (5º) Magnésio 400 (2º) Manganês 4.400 (16º) Platina 2,5 (2º) Prata 170 (4º) Aço 71.461 (6º) Titânio 45 (2º) Zinco 225 (11º) Elaborado pelo Autor. Fonte: Minerals Yearbook 2014. http://minerals.usgs.gov/minerals/pubs/commodity/ acessado em 17/07/2015.

No entanto, deve-se salientar um importante elemento de análise, quando comparamos a estrutura econômica da Federação Russa com os demais produtores e exportadores de energia e minerais. Medeiros (2008 e 2011), argumenta que existe uma peculiaridade russa devido à diversidade de sua estrutura industrial, destacando um grande setor de máquinas e equipamentos. A articulação deste com os setores energético e mineral tornaram os canais de transmissão da elevação do preço dessas commodities para a indústria de transformação mais expansivos do que na maior parte das economias primário-exportadoras (MEDEIROS, p.30 In ALVES, 2011). Assim, destacam-se fortes empresas produtoras de equipamentos e insumos para a atividade energética e mineral: como a OMZ, e HMS Group, (equipamentos e máquinas para mineração e exploração de hidrocarbonetos), Power Machines (turbinas para geração de energia), OKB Gidropress (projetos de reatores nucleares), Atomenergomash (engenharia nuclear), TVEL (produção de combustível nuclear) Transneft, ChTPZ e TMK (infraestrutura dutoviária). Em comparação aos países industrializados e desenvolvidos, fica clara a assimetria industrial e tecnológica da Federação Russa em relação aos EUA, ao Japão, e 89

às economias mais avançadas da Europa Ocidental, colocando a Rússia numa relação comercial primário-exportadora com esses países (fornecendo energia e minérios, e importando máquinas, equipamentos e tecnologia avançada). Entretanto, se julgarmos os recursos da extensa geografia russa, aliada a uma importante massa científica e mãode-obra qualificada (possui a maior proporção de pós-graduados da Eurásia), e uma forte tradição científica, tecnológica e industrial, isto condiciona a Rússia os ingredientes necessários para garantir um progressivo desenvolvimento econômico61, diminuindo o gap com os países desenvolvidos, e com custos de produção abaixo destes, mantendo um superávit energético e mineral confortável, como mostra a tabela 9: Tabela 9 – Mundo: Produção e Consumo de Energia Primária em trilhões de BTU*(2007) País Produção Consumo Balanço Energético EUA 71.503,62 101.553,86 -30.050,24 Japão 3.827,94 22.473,19 -18.645,25 Alemanha 5.123,52 14.166,17 -9.042,65 França 5.069,21 11.206.47 -6.137,26 Grã-Bretanha 7.357,52 9.460,27 -2.102,75 China 70.796,18 77.807,73 -7.011,55 Índia 13.048,46 19.093,68 -6.045,22 Arábia Saudita 23.806,95 7.362,72 +16.444,23 Irã 12.993,74 7.916,02 +5.077,72 Venezuela 7.968,47 3.369,58 +4.598,89 Brasil 8.315,47 10.130,44 -1.814,97 Rússia 53.971,33 30.354,82 +23.616,51 Austrália 11.880,51 6.123,67 +5.756,84 Canadá 19.421,73 13.752,63 +5.669,1 *British Thermal Units – Unidades Termais Britânicas (1 BTU = 252,2 calorias) Fonte: EIA Country Brief 2010 http://www.eia.doe.gov/emeu/international/contents.html acessado em 11/02/2011

2.1.7 A Lei de investimentos em Setores Estratégicos Em abril de 2008, nas últimas luzes do segundo mandato de Vladimir Putin, foi aprovada a lei dos “Procedimentos para investimentos estrangeiros em companhias de significância estratégica para Defesa e Segurança para o Estado”. Nº57-FZ, ou denominada “Lei de Investimentos Estrangeiros”.

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"Russia: How Long Can The Fun Last?". BusinessWeek. 13 December 2006. acessado Dezembro de 2007. https://web.archive.org/web/20061213231938/http://www.businessweek.com/globalbiz/content/dec2006/ gb20061207_520461_page_2.htm

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Essa legislação restringe os investimentos por atores estrangeiros em companhias consideradas “estratégicas” para o Estado russo – denominadas “Empresas Estratégicas”. Requer que tais investidores obtenham liberação a priori do governo russo, ou submetam uma notificação pós-transação após sua execução, ou em certos casos, a proibição dos investimentos. Além disso, esta lei estabelece regulamentos especiais adicionais para empresas estratégicas envolvidas com atividades de exploração mineral e/ou de parcela do subsolo sob estatuto federal – denominadas “Empresas de Mineração Estratégicas”. (BALAYAN, 2011 p.1) Pela legislação russa, as Empresas Estratégicas são definidas como companhias que realizam atividades econômicas em setores estratégicos para o Estado russo, podendo ser não apenas de ordem econômica, mas também política, social e militar. Segue abaixo uma lista das principais categorias inclusas nesses setores estratégicos:

1) serviços providenciados pelos monopólios estatais o Transporte dutoviário de petróleo, gás natural e derivados. o Transporte ferroviário o Serviços providenciados pelos terminais de transporte, portos e aeroportos. o Serviços relacionados ao uso da infraestrutura das vias fluviais internas. o Gestão e despacho operacional na indústria de energia o Serviços de transmissão de energia e aquecimento residencial (de acordo com o tipo de rede instalada utilizada); 2) exploração mineral e/ou de parcela do subsolo sob estatuto federal; 3) transmissão de rádio e/ou televisão em territórios habitados, ao menos, pela metade da população total de uma entidade particular constituinte da Federação Russa; 4) operações envolvendo influencia ativa em processos e fenômenos hidrológicos, meteorológicos e geofísicos; 5) atividades envolvendo o uso de agentes infecciosos; 6) desdobramento, construção, comissionamento e descomissionamento de instalações nucleares, fontes radioativas, assim como sítios de material nuclear, e armazenamento de resíduos nucleares, salvo por atividades com respeito ao comissionamento de instalações nuclares realizadas pelas entidades legais cuja atividade econômica não é a principal; 91

7) manuseio de materiais e resíduos nucleares e substâncias radioativas, incluindo o manuseio dos mesmos, durante a exploração e produção de minério de urânio, assim como durante a manufatura, uso, processamento, embarque e armazenamento do mesmo. Além do uso em pesquisa e desenvolvimento; 8) design, manufatura e engenharia de instalações nucleares, fontes radioativas, equipamentos para instalações nucleares, assim como sítios de material nuclear e resíduos nucleares; 9) avaliação experta, design, engenharia e produção de documentos corroborando a segurança nuclear e radioativa de instalações nucleares e sítios de material e resíduos nucleares; 10) desenvolvimento e manufatura de dispositivos criptográficos assim como sistemas de dados e telecomunicações, sendo tal desenvolvimento e manufatura sendo sujeito a licença dentro da legislação russa; 11) distribuição, provisão e manutenção técnica de dispositivos criptográficos, e serviços de criptografia, sujeitos a licença dentro da legislação russa, salvo por tal atividade realizada por bancos, sem participação estatal nas ações; 12) detecção de dispositivos de escuta eletrônica dentro de residências ou em equipamentos técnicos (exceto quando tais atividades cumprem requerimentos de uma entidade legal); 13) desenvolvimento, manufatura, venda e aquisição para revenda de dispositivos especiais de escuta por entidades empresariais corporativas; 14) desenvolvimento, manufatura, manutenção, remoção e comércio de armamentos de combate e equipamentos militares; 15) manufatura de armas de fogo e seus principais componentes (exceto por alguns tipos de armas); 16) manufatura, comércio e remoção de munições e insumos para armas de fogo (exceto para as armas utilizados pelas forças de segurança); 17) manufatura e distribuição de explosivos industriais; 18) controle e segurança da aviação; 19) atividades espaciais; 20) desenvolvimento, manufatura e teste de equipamento aeronáutico, incluindo equipamento aeronáutico de uso dual;

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21) manutenção de equipamento aeronáutico, incluindo equipamento aeronáutico de uso dual. (exceto por peças e componentes que serão reparadas por companhias aéreas civis); 22) extração de recursos biológicos aquáticos (BALAYAN, 2011 p.2-3)

Os investidores estrangeiros, podem compreender três sub-grupos: 1) Corporações não-russas e indivíduos estrangeiros (denominados “Investidores Privados Estrangeiros”). 2) Estados estrangeiros, organizações internacionais e empresas sob seu controle (denominados “Entidades Estatais Estrangeiras”) 3) Empresas russas e organizações controladas por investidores privados e/ou entidades estatais estrangeiras.

Dessa forma, a aquisição de ativos por investidores estrangeiros está sujeita a três regulamentos do aparelho burocrático russo: o primeiro é a “obtenção de licença prévia”, onde o investidor submete sua proposta a uma comissão presidencial especial, conduzido pelo “Serviço Federal Antimonopólio da Federação Russa” (ou FAS)62, que analisará a cota de investimentos, delineando o limite de investimento em determinada atividade, desde que ela não exceda um determinado patamar, e não conceda ao investidor uma grande peso acionário, levando a maior capacidade de influência no processo decisório da empresa adquirida. A tabela 10 apresenta os limites estabelecidos para investimento estrangeiro nas empresas russas: Tabela 10 – Rússia: Limites estabelecidos para investimento estrangeiro em empresas estratégicas

Fonte: BALAYAN, 2011.

62

Estabelecido por decreto presidencial nº314, em 9 de março de 2004, com funções semelhante aos demais órgãos reguladores de competição econômica, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica no Brasil, ou o Federal Trade Comission, nos EUA.

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Numa segunda situação, em que a notificação do investimento é realizada a posteriori, isto é, a transação financeira já foi realizada sem a obtenção da licença. quando a autorização é necessária, é anulada. As partes são orientadas a retornarem o valor investido, caso não seja possível, a Corte pode privar a parte inadimplente dos direitos de voto nas assembleias gerais (no caso da empresa estratégia, enfrentará processo judicial), mediante ao pedido do FAS. Na terceira situação, se a um investidor ou entidade estatal estrangeira controlar parcelas maiores que os limites estabelecidos (mais de 50% das ações em empresas estratégicas; e mais de 25% em empresas estratégicas de mineração) é imediatamente derrogado por consentimento do governo russo. (BALAYAN, 2011 p.2)

2.1.8 A criação das Corporações Estatais Conforme discorrido anteriormente, a economia russa, vinha de um período doloroso de “desindustrialização” e uma virtual paralisação de investimentos nesse setor, sofrido com o colapso da URSS, e as políticas econômicas liberais, no governo Yeltsin. As indústrias soviéticas, como aponta Medeiros (2008), sofriam com o atraso tecnológico no setor civil, especialmente nas fabricantes de bens de consumo, tanto no produto final em si, mas também na obsolescência progressiva das máquinas e equipamentos, o que aumentava os custos de produção e limitava sua competitividade frente aos EUA, Japão e a Europa Ocidental. Deve-se também considerar a divisão do trabalho imposta pela URSS aos países da Europa Oriental, integrantes do Comecon – baseada na cooperação, os soviéticos, outrora fornecedores e máquinas, equipamentos e produtos industriais até 1970, passam a ser provedores de armamentos, minerais e energia, importando os bens industriais de seus satélites e aliados para incentivar seu processo de industrialização. (MEDEIROS, 2011 p.16 In ALVES, 2011) O setor militar era tecnologicamente mais avançado, por meio dos grossos investimentos originados no período “stalinista” (1922 – 1953), cuja participação aumentaria ainda mais com nova realidade da Guerra Fria (GLANTZ e HOUSE, 2009 p. 326). Isso levou à criação da Comissão Industrial-Militar – VPK em 1957. Era o núcleo do complexo industrial-militar63 soviético, com estreita vinculação com a 63

O termo foi cunhado pelo presidente norte-americano Dwight Eisenhower (1953 – 1961) em seu discurso de despedida de governo. O presidente alertava para as implicações da criação de uma estrutura permanente voltada para a guerra e o lobby da indústria bélica na política interna.

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Academia de Ciências da URSS, e com uma extensa rede de unidades de produção especializadas, espalhadas por todo o território nacional. Apesar do seu peso na economia soviética (cerca de 13-16% do PIB), (HARRISON, 2001 p. 6) o VPK estava sob uma forte política verticalizada que a isolava do restante das atividades produtivas, restringindo-a da possibilidade de spillover e spin-off64 das suas inovações tecnológica para o restante da indústria civil soviética. É importante lembrar que tal problema estrutural não passava despercebido por parte da elite política e militar soviética: nomes de destaque como o primeiro-ministro Alexei Kosygin (1964 – 1980), e o Marechal Nikolai Ogarkov (que veremos adiante), Chefe do Estado Maior da URSS (1977 – 1984), advogavam em suas respectivas esferas de ação, reformas econômicas, que possibilitassem o incentivo a inovação tecnológica, em todos os setores da economia e sociedade do país. Suas ideias reformistas, tais pensamentos, contrastavam com a ortodoxia marxista-leninista do PCUS e das Forças Armadas, especialmente durante o governo de Leonid Brezhnev (1964 – 1982) – preocupado com os movimentos socialistas “reformadores” na Tchecoslováquia (1968), Iugoslávia (1971), e Polônia (1980), desencorajou tais medidas, ainda que fossem implementadas em caráter experimental (LAVIGNE, 1965 p.154 apud in PAULINO, 2010 p. 194). O problema se agravaria após o colapso da URSS, com a descentralização da cadeia produtiva (tanto em bem de consumo quanto em de produção) espalhada em um mosaico de repúblicas soviéticas – agora, nações soberanas e independentes. Especialmente na Ucrânia, Bielo-Rússia, Cazaquistão e Uzbequistão, encontravam-se importantes polos e monocidades65 siderúrgicos, metalúrgicos e de maquinário, mas também indústrias automobilísticas, de armamentos, blindados, sistemas eletrônicos, estaleiros, aeronaves e veículos espaciais, além de fabricantes de peças e componentes; afetando seriamente o complexo industrial-militar russo. Além disso, com as privatizações massivas, a “terapia de choque” e a abertura de mercado do período Yeltsin levou muitas empresas do setor manufatureiro a fecharem as portas, ou terem sua competitividade comprometida mesmo dentro do mercado russo. Por fim, a redução 64

Em inglês “transbordamento” e “derivação”, conceitos utilizados na economia para designar a difusão de tecnologias e modos de produção em toda a atividade produtiva. Nos EUA e nos países capitalistas avançados, devido a estreita relação entre o complexo industrial militar, a academia e a economia civil, a ocorrência da difusão de tecnologias oriundas de pesquisas militares para fins civis é muito mais frequente. 65 Cidades soviéticas cuja atividade econômica era concentrada numa única grande empresa, que normalmente se responsabiliza pela provisão de serviços públicos e sociais básicos à população local

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do orçamento de Defesa, e por consequência, o decréscimo das encomendas militares, levou as empresas russas a disputarem de maneira caótica e predatória no mercado internacional, preocupando a sobrevivência desse setor. (MEDEIROS, 2011 p.27 In ALVES, 2011) Quando Putin e seu grupo assumiram o poder, traziam consigo o desejo de restaurar a proeminência industrial, tecnológica, militar e geopolítica russa. Após conduzir sua política de fortalecimento do Estado e apropriação do setor mineral-energético, já descrito, expressavam-se receios de uma “doença holandesa”66 na economia russa, podendo afetar novamente o setor industrial que uma parte buscava crescer articulado ao setor extrativo. Em 2007, o vice-presidente russo siloviki, Sergei Ivanov (apontado na época como principal sucessor de Putin), discursava no Fórum Econômico Internacional de São Petesburgo, que a Federação Russa deveria buscar o domínio mundial em cinco críticos setores – energia nuclear, aeronáutica, aeroespacial, construção naval e nanotecnologia (EBEL, 2009 p.21). Assim, repetindo o sucesso conquistado no setor petrolífero e minerador, o governo russo deu continuidade na sua criação e incentivo de “campeãs nacionais”. Criando as “Corporações

Estatais”,

que

compreendem

um

conglomerado

de

empresas

especializadas numa determinada atividade industrial, mas ao contrário do modelo predecessor soviético, não é uma reestatização de todos os setores da indústria, mas sim, tal intervenção estatal (seja na incorporação física, ou concessão de incentivos fiscais ou jurídicos) se destinará aos ramos considerados “estratégicos” para o Estado, especialmente aqueles em que o país possui maior know how e destaque internacional (GOLDMAN, 2008 p. 133). Para reorganização do complexo industrial-militar, tema que mais interessa neste trabalho, o primeiro passo importante (e talvez até decisivo) foi a criação de uma holding estatal que centralizasse todo o comércio de armamentos e equipamentos de “uso dual” com o exterior, evitando uma concorrência predatória entre as empresas russas, comprometendo uma cadeia produtiva tão fulcral para o Estado russo: assim, em 4 de novembro de 2000, pelo decreto presidencial nº 183467, é criada a

66

Pode-se entender o “mal holandês” o aumento repentino da receita decorrente da exportação de recursos naturais, causando sobrevalorização do câmbio que torna outros setores da economia como indústria e agricultura menos competitivos no mercado internacional, causando o fenômeno de “desindustrialização” da economia. 67 Rosoboronexport - "Status" http://www.roe.ru/roe/eng_status.html acessado em 20/07/2015

96

Rosoboronexport68, sendo a única entidade russa que possui licença para exportar armas e equipamentos militares (LUCENA, 2011 p.6), além de conduzir processos de importação e aquisição de tecnologias estrangeiras, em cooperação com parceiros internacionais. Posteriormente este modelo se estenderá pelas indústrias aeronáuticas militar e civil, com a criação em fevereiro de 2006, da Corporação Aeronáutica Unida – UAC (MEDEIROS p.27-28 In ALVES, 2011), agregando todos os escritórios de projetos aeronáuticos russos (Mikoyan – MiG, Sukhoi, Yakovlev, Tupolev, Ilyushin e Beriev), e todas as principais linhas de produção em território russo. A estrutura da empresa baseia-se na experiência da EADS69 europeia. Também essa política seria estendida para outros setores prioritários para o Estado, como a combalida indústria naval, fortemente prejudicada com a independência da Ucrânia, pois nesta encontravam-se os principais estaleiros e as fabricantes de peças e componentes navais da era soviética. Assim, todos os estaleiros navais russos que restaram são reorganizados na criação da Corporação Unida de Construção Naval – USC, em 2007. Em 7 de julho do mesmo ano, é aprovada pelo Conselho da Federação (Câmara Alta russa), a criação da “Corporação Estatal Russa de Nanotecnologia”, ou RUSNANO. Ela tem por finalidade por implementar uma política estatal de fomento, promoção e coinvestimento em projetos de nanotecnologia russos, sejam estes endógenos ou em cooperação por meio de parcerias internacionais, para assim instituir e fortalecer tal indústria no país.70 Com um capital inicial de US$ 4,39 bilhões, e cerca de 634 requisições de projetos de financiamento; os investimentos da Rusnano são destinados a seis aglomerados (clusters) de projetos: 1) energia solar e eficiência energética; 2) desenvolvimento de nanomateriais; 3) medicina e biotecnologia; 4) engenharia mecânica e metalúrgica; 5) optoeletrônicos e nanoeletrônicos; 6) projetos de infraestrutura. Em novembro, são criadas as corporações estatais no ramo da indústria nuclear, com a transformação da Agência Federal de Energia Atômica, na Corporação Estatal Rosatom, que engloba todas as empresas russas envolvidas com quaisquer atividades 68

literalmente – “exportações de defesa russas”. Sigla de European Aeronautic Defence and Space Company. Atualmente é denominada Airbus Group Societas Europaea. 70 RUSNANO, Rusnano Strategy to 2020: http://en.rusnano.com/upload/images/documents/RUSNANO_Strategy_2020.pdf acessado em 21/07/2015 69

97

nucleares para fins civis. (FUJITA, 2009 apud MEDEIROS, p. 31 in ALVES, 2011) Ela compreende a Atomenergoprom, que é uma holding de empresas menores especializadas na administração de usinas nucleares (Energoatom), produção e provisão de combustível nuclear (TVEL), comércio de urânio (TENEX), construção de usinas e sítios nucleares (Atomenergomash), exportação de equipamentos e construção de plantas no exterior (Atomstroyexport), e mineração de urânio (ARMZ Uranium Holding Co.). A Rosatom também administra a frota russa de quebra-gelos nucleares (Atomflot) e tem como suas subsidiárias, dois escritórios de pesquisa e desenvolvimento de reatores nucleares – a OKB Gidropress e a OKBM Afrikantov, responsáveis pelo desenvolvimento dos novos modelos do reator VVER, dos reatores “compactos” VBER-300 e da nova geração de reatores super-regeneradores de nêutrons rápidos (FBR) BN-800 e BN-1200.71 Por fim, a última corporação estatal criada, e talvez a mais significativa – do ponto de vista de seus objetivos – em 23 de novembro de 2007 por meio da lei federal nº 270 da Rostekhnologii (atualmente Rostec), que contempla a promoção do desenvolvimento, manufatura e exportação de produtos industriais de alta tecnologia, providenciando incentivos, investimentos e cooperação para com os organismos russos nos mercados doméstico e internacional.72 Compreende cerca de 663 organizações (outono de 2012), com foco nos seguintes setores73: 

Automobilística (AvtoVAZ, KAMAZ, RT-Auto)



Aeronáutica (Technodinamika, Russian Helicopters, Oboronprom)



Motores e turbinas (United Engine Corporation)



Construção civil (PromInvest, RT-Construction technologies)



Eficiência Energética (RT-Energy Efficiency)



Metalurgia (VSMPO-Avisma)



Ótica (Shvabe)



Materiais compostos (RT-Chemcomposite)



Equipamento médico



Fármacos (RT-Biotechprom)

71

Rosatom: ROSATOM Group http://www.rosatom.ru/en/about/enterprises/ acessado em 21/07/2015 About the Russian Technologies State corporation. Federal Law of the Russian Federation from November 23, 2007 of No. 270-FZ http://cis-legislation.com/document.fwx?rgn=19911 acessado em 21/07/2015 73 Nezavisimaya Gazeta: State Corporations: not all the i’s have been dotted: http://archive.premier.gov.ru/eng/premier/press/ru/4406/ acessado em 21/07/2015 72

98



Biotecnologia industrial



Eletrônica (Ruselectronics, KRET, United Instrument Manufacturing Corporation)



Instrumentos de mensuração



Tecnologia da Informação e Telecomunicações



Construção de máquinas e equipamentos para uso industrial (RTStankoinstrument)



Produção e comércio de armamentos e equipamentos de uso militar (Izmash74, Rosoboronexport, High Precision Systems, Tekhmash, Transport and Exhibition Complex, RT-Okhrana)



Investimentos em infraestrutura, sustentabilidade e inovação (RT-Invest, RT Global Resources)



Segurança institucional (Security Technologies, RT-Inform)

Deve-se considerar que outras empresas (estatais e privadas) são contempladas e beneficiadas indiretamente pelo estabelecimento da Rostekhnologii, apesar de terem maior capacidade de autofinanciamento, e maior autonomia administrativa e comercial: destacam-se como exemplos a Uralvagonzavod e a Kurganmashzavod (máquinas e equipamentos – principais produtores de carros de combate do país), a Power Machines (motores e turbinas energéticas), e o conglomerado Russian Machines (veículos, autopeças, material ferroviário, máquinas e equipamentos, aeronáutica e armamentos). Em suma, a política das “Corporações Estatais” conduzidas no segundo mandato de Vladimir Putin atenderá a dois objetivos principais: 1) a continuidade da política de criação das “campeãs nacionais”, em setores cuidadosamente selecionados como estratégicos e de alta prioridade para o Estado

russo.

O

critério

de

escolha

destes

setores

se

baseará

majoritariamente nas “vantagens comparativas” da expertise russa nestas frente a seus competidores (reais e potenciais) internacionais. 2) uma vez consolidada os recursos do setor extrativo como fonte de financiamento, Putin usará parte desses recursos para revitalizar e modernizar notadamente o complexo industrial-militar russo em grandes clusters robustos suficientemente para serem os alicerces da modernização 74

Renomeado em 2013 para Concern Kalashnikov – “Consórcio Kalashnikov”.

99

das Forças Armadas e Estratégicas, sendo provedores dos insumos necessários e de novas tecnologias existentes, diminuindo décadas de atraso em relação ao Ocidente e restaurar a sua posição como global player.

2.2 Medvedev: o Interregnum e a “Modernização Liberal” As últimas luzes do segundo mandato de Putin em fins de 2007, será marcado pela grande discussão da sucessão presidencial. Pela Constituição da Federação Russa, o presidente é impossibilitado de possuir três mandatos consecutivos. Assim, muito se discutiu na Rússia e até no Ocidente como seria a sucessão do atual presidente russo. Analistas mais “pessimistas” e críticos de seu caráter “autoritário” argumentavam que ele poderia usar a maioria constitucional (mais de dois terços) do Parlamento para mudar a constituição e permitir uma nova reeleição. (SEGRILLO, 2014 p. 193) Porém, não foi o que ocorreu, pois o mandatário russo afirmou que deixaria o cargo apoiando a candidatura de algum aliado como sucessor. Em 2008, a indicação de um nome ficaria em disputa pelo silovik Sergei Ivanov (ex-ministro da Defesa e vice primeiro-ministro), oriundo da KGB e do FSB, como Putin, e Dmitry Medvedev, (exdiretor da Gazprom e chefe de gabinete), este jurista, que trabalhara com Putin na administração de Anatoli Sobchak em São Petesburgo, e se aproximava mais da ala “civil-liberal” do grupo político de Putin. A maioria dos analistas políticos e jornalistas ocidentais, apostavam na continuidade de uma “hegemonia siloviki” apontando Sergei Ivanov como favorito; chegaram até a considerar um terceiro candidato, após a nomeação do tecnocrata Viktor Zubkov (ex-vice ministro das Finanças) como primeiroministro, no inicio de maio (SEGRILLO, 2014 p. 193). Porém a dúvida se encerraria (pelo menos parcialmente) em 10 de dezembro de 2007, com o anúncio de apoio de Putin à candidatura de Medvedev, surpreendendo muitos observadores internacionais, apesar de que para Segrillo (2014), tal manobra só corrobora a sinergia do governo Putin entre a ala silovik e a “civil-liberal” de seu governo. Isso pode significar que o projeto político de Putin não coadune totalmente com um centralismo autocrático, mas sim um sistema republicano e democrático de características iliberais (SEGRILLO, 2014 p. 196). Assim, aproveitando-se da grande popularidade de seu predecessor, Dmitry Medvedev é eleito presidente nas eleições de 3 março com 71,2% dos votos. Pela Constituição russa de 1993, reconhece um sistema político, semi-presidencialista no

100

país, isto é, constituído pelo Presidente – que cuida da política externa, e o PrimeiroMinistro – que cuida do ambiente doméstico, sendo este, apontado pelo presidente e submetido a aprovação da Duma75. Assim, Medevedev nomeia Putin como seu primeiro-ministro em 8 de maio de 2008, mantendo a influência deste na política russa, mas em um espectro menor. Devido ao carisma conquistado de Putin como “homem forte” do Kremlin, muitos autores vão argumentar que apesar da divisão de poderes, o primeiro-ministro terá ainda um importante papel no processo decisório do presidente, onde Segrillo (2008) argumentará a coexistência dos dois mandatários numa “diarquia” Putin-Medvedev,

evitando

assim,

os

chamados

“problemas

de

coabitação”

(SEGRILLO, 2011 p. 147 In ALVES, 2011). O governo de Medvedev será marcado por dois fatos delicados, mas importantes na história recente da Federação Russa que, portanto, devem ser analisados para melhor compreensão das políticas a serem conduzidas neste mandato. O primeiro caso foi a eclosão, em 8 de agosto de 2008, em meio a cerimônia de abertura dos XXIX Jogos Olímpicos, em Pequim na China, da guerra contra a Geórgia, onde tropas russas invadiram o país vizinho, em resposta à campanha militar que o governo georgiano empreendia para retomar as províncias separatistas da Abkházia e Ossétia do Sul à força. Ataques aéreos e de artilharia georgianos causaram danos consideráveis ao contingente russo das Forças Conjuntas de Pacificação (subordinadas a CEI, compostas também por georgianos e ossetas), matando 63 homens e causando a reação russa. (DUGIN, 2014 p. 147; LAVROV, p. 37-39 In PUKHOV, 2010) A Geórgia, governada por Mikheil Saakashvili, com uma forte política pró-ocidental, denunciou a “agressão russa” na comunidade internacional, causando uma dura reação das potências ocidentais, especialmente os EUA, governados pelo republicano George W. Bush (2000 – 2008), e por alguns de seus aliados na OTAN, como a Grã-Bretanha e Polônia, condenando a política de Moscou unilateralmente; outros países como França e Alemanha, tiveram posições mais moderadas, mas não menos preocupantes quanto ao conflito (ADAM, 2011 p. 70-71 In ALVES, 2011). O esquentamento de relações entre os EUA e Rússia, e o reavivamento de rivalidades datadas da Guerra Fria por alguns analistas e veículos de imprensa, levou insegurança a muitos investidores estrangeiros, afetando consideravelmente a economia russa (SCHUTTE, 2010 p. 125 in ALVES, 2011). 75

The Constitution of Russian Federation caps. 5 – 6 http://www.constitution.ru/en/10003000-07.htm acessado em 22/07/2015.

101

Em complemento com os desdobramentos da Guerra com a Geórgia, a economia russa será ainda mais atingida com a crise financeira mundial de 2007-2009, causada pela quebra das instituições de crédito hipotecário (subprime) nos EUA, levando a um forte queda nas bolsas internacionais, e derrubando o preço do petróleo de US$ 145 em julho para US$ 32 em dezembro; este causado pela excessiva valorização do dólar e da diminuição drástica da demanda europeia. Esses fatores, somados à falta de liquidez dos bancos russos, levaram a uma queda brusca de -7,9% no PIB em janeiro de 2009. (SCHUTTE, p.126 in ALVES, 2011). A vulnerabilidade econômica russa, cada vez mais evidente pelos fatores internacionais e domésticos, levou Medvedev a questionar os resultados do “desenvolvimentismo energético” implementado no mandato de Putin, e passou a advogar que a modernização e diversificação da economia não é mais uma opção, e sim um imperativo para garantir o crescimento da Rússia. Em outras palavras, era necessário “reinventar” a estrutura econômica e produtiva do país. Assim, através da instituição do Programa de Medidas Anticrise de 2009, divulgada pelo Ministério das Finanças, contemplava medidas imediatas, de ação rápida para contenção dos problemas causados pela turbulência financeira, e ao longo prazo – constituir elementos para a construção de uma economia mais eficiente. O programa se propõe a adotar medidas consistentes, com as diretrizes da Concepção do Desenvolvimento de Longo Prazo da Federação Russa para 2020 e com as Diretrizes Básicas da Atividade do Governo da Federação da Rússia para 2011 (POMERANZ, 2009). Basicamente, trata de medidas relacionadas com o incentivo do capital humano, como as áreas de educação e saúde; e com o incremento do sistema de inovação e a promoção de projetos tecnológicos e de infraestrutura. O programa se propõe ainda, assegurar, de forma consequente, os institutos de mercado (POMERANZ, 2011 p. 159 In ALVES, 2011). Os alertas sobre a dependência econômica da atividade petrolífera e mineral, não são nenhuma novidade na realidade política russa. Como já mencionado anteriormente, os primeiros-ministros siloviki Yevgeny Primakov em 1998, no período Yeltsin, Mikhail Fradkov em 2005, e Sergei Ivanov em 2007 no governo Putin, chamavam a atenção para o assunto, e advogavam que, sem a diversificação, a economia russa poderia sofrer um colapso iminente (SMITH, 2010). Apesar dos esforços realizados na criação das corporações estatais, seus resultados eram lentos, e muitas dessas empresas seriam denunciadas por esquemas de corrupção e má gestão de recursos públicos. Ainda 102

assim, a estrutura primário-exportadora da economia era presente e importante para o desenvolvimento do país. O ponto de virada para essa nova política se concretizaria no artigo publicado por Medvedev, no sítio virtual do Kremlin em 10 de setembro de 2009.76 Entitulado Go Russia! (“Avante Rússia!”), o artigo pretende mobilizar a opinião pública e receber sugestões para suas políticas, em uma atitude vista por muitos analistas, considerada semelhante à de Gorbachov, no lançamento da perestroika, e por isso, buscava que suas investidas tivessem o mesmo impacto que seu predecessor soviético. (RUSSIA PROFILE, 2009 apud POMERANZ, 2011 p.167 in ALVES, 2011) No artigo, Medvdev critica a “regressão” econômica do período pós-soviético e a “humilhante” dependência no petróleo e matérias-primas; descreve que pensamentos “arcaicos” e “paternalistas” da sociedade russa atrapalham o desenvolvimento do país, e que não se deve confiar apenas nas conquistas do passado para assegurar um futuro próspero. Na visão de Medvedev, a Rússia deve buscar por uma moderna, e diversificada economia baseada na alta tecnologia e inovação. Além disso, criticou as experiências passadas de modernização – os períodos czarista e soviético – dizendo que tais resultados vieram a um preço muito alto, e nos tempos modernos, a modernização deve vir não pela coerção, mas pelo desenvolvimento do potencial criativo de cada indivíduo, através da iniciativa privada e empreendedorismo.77 Ele identifica cinco áreas prioritárias para modernização econômica, em que os avanços devem ser conquistados: 1) novos combustíveis e eficiência energética; 2) tecnologias médicas e fármacos; 3) Engenharia Nuclear; 4) Tecnologias da Informação 5) telecomunicações e tecnologias espaciais

Porém, como argumenta Pomeranz (2011), Medvedev afirma que tais transformações serão graduais, e não vão se basear na mera importação de “modelos” político-econômicos. Por fim, estabelece uma relação condicionante entre a modernização econômica e a reforma do sistema político. Como jurista, indica medidas específicas para fortalecimento do poder Judiciário e o combate à corrupção. Isso

76

President of Russia .Dmitry Medvedev’s Article, Go Russia! http://en.kremlin.ru/events/president/news/5413 acessado em 22/07/2015 77 MEDVDEV, 2009 http://en.kremlin.ru/events/president/news/5413

103

pressupõe uma ampliação das instituições democráticas como base dessa relação. Para Medvedev, a modernização russa só será possível se forem usados os recursos intelectuais das sociedades pós-industriais, e reconhecendo serem insuficientes as capacidades tecnológicas e financeiras internas, afirma ser necessário harmonizar as relações da Federação Russa com as democracias ocidentais.78 Baseado em seu artigo publicado, Medvedev estabelecerá a Comissão Presidencial para Modernização e Desenvolvimento Tecnológico da Economia Russa. Como principais metas e projetos do programa destacam-se as áreas de concentração79: 1) Eficiência energética 1.1 Estabelecer procedimentos para incentivo da economia de energia em todos os setores; 1.2 Modernização dos sistemas de iluminação e distribuição de energia, adotando tecnologias mais econômicas e eficientes. 1.3 Desenvolvimento de sistemas locais de geração de energia e aquecimento central; 1.4 Estímulo e incentivo de novos projetos inovadores no setor energético em território nacional; 2) Tecnologia nuclear (US$ 20 milhões alocados) 2.1 Desenvolvimento até 2012, de uma nova geração de reatores nucleares baseados na tecnologia VVER, adaptado para os padrões e mercados domésticos e internacionais; 2.2 Desenvolvimento até 2030, de uma nova base tecnológica para a engenharia nuclear, com o domínio do uso do ciclo fechado de combustíveis nucleares e reatores de nêutrons rápidos, tendo em vista o caráter estratégico e a escassez de tais recursos; 2.3 Desenvolvimento até 2050, de métodos práticos de fusão termonuclear controlada, para produção de energia a baixo custo e tendo maior independência de fontes não-renováveis. 3) Tecnologia da informação

78

POMERANZ in ALVES (org.), 2011 p. 167 Presidential Commission on the modernisation and technological development of the Russian economy Official site. (em russo) http://www.i-russia.ru/ acessado em 22/07/2015 e Think Russia http://www.thinkrussia.com/ (em inglês) 79

104

3.1 Desenvolvimento

nacional

até

2011

do

primeiro

supercompuatdor (US$ 500 milhões alocados) para cálculos complexos que atendam os setores nuclear, aeroespacial e demais

setores

que

necessitem de tais

serviços

de

processamento de dados e simulações; 3.2 Formação e capacitação de 500 novos profissionais para as áreas de supercomputação até 2012, por meio de um consórcio de 25 universidades russas; 3.3 Informatização completa das estruturas governamentais (egovernment),

educação

profissional

e capacitação

(e-

learning), serviços públicos e inclusão social; 3.4 Implementação de serviços de internet banda larga para 90% da população da Federação Russa até 2015. 4) Tecnologias espaciais (US$ 3,1 bilhões alocados a Roskosmos) 4.1 Provisão dos serviços do sistema de posicionamento e navegação global GLONASS, para todos os tipos de clientes, incluindo serviços de emergência, empresas de construção, transporte, petróleo e gás, suprimento de energia e logística, além de consumidores individuais; 4.2 Monitoramento espacial da atmosfera terrestre e superfície, para prospecção de recursos naturais, controle ecológico, mudanças climáticas, meteorologia e apoio a operações de resgate; 4.3 Implementação de sistemas com capacidades de aquisição de alvos baseados no espaço para apoio em operações militares, antiterroristas,

emergências,

controle

de

processos

atmosféricos etc.; 4.4 Transferência para o espaço de sistemas de transmissão em banda larga, como sinais digitais de rádio e televisão. 5) Tecnologias médicas e fármacos 5.1 Pharma 2020 – aumentar a competitividade do mercado farmacêutico doméstico com investimentos de US$ 6 bilhões no setor, oriundos do setor estatal e privado;

105

5.2 Apoio

a

desenvolvimentos

no

setor

de

biotecnologia,

nanotecnologia e medicina nuclear.

Medvedev também abarcou uma série de reformas nos institutos legais, como o sistema judiciário, a polícia e novas regras para representação partidária; além do programa de combate a corrupção e a investigação por ele requerida junto à Procuradoria Federal em agosto de 2009, sobre as atividades das corporações estatais, criadas no governo Putin como instrumentos de implementação da estratégia de longo prazo de desenvolvimento do país; que com o passar do tempo, revelaram-se uma espécie de “caixa-preta”, deficitária para o Estado, e de difícil controle jurídico (SEGRILLO, 2011 p. 145 In ALVES, 2011). Assim, acabou por determinar o fechamento de algumas delas, e a transformação de outras em joint-ventures, tal como ocorreu com a Rusnano (POMERANZ, 2011 p. 166 In ALVES, 2011) Em sua declaração ao Parlamento em 12 de novembro de 2009, afirmou sobre a situação das corporações estatais:

(...) que tenham, por lei, um horizonte temporal definido devem ser liquidadas ao final de seu prazo e aquelas que funcionam em ambiente concorrencial de mercado devem ser transformadas em sociedades por ações controladas pelo Estado. (POSLANIE, 2009 apud SEGRILLO, 2011 p. 145-146. in ALVES, 2011)

Este ambicioso programa proposto por Medvedev materializou-se, em novembro de 2009, Em mensagem anual dirigida ao Parlamento, referiu-se a “necessidade de completar o trabalho preparatório de elaboração de um programa para o estabelecimento de um centro proeminente de pesquisa e desenvolvimento na Rússia, com foco no apoio a todas as áreas prioritárias. Trata-se de um projeto para criar um centro tecnológico moderno, algo nas linhas do Vale do Silício e centros internacionais similares. Ele oferecerá condições atrativas de trabalho para pesquisadores líderes, engenheiros, designers, programadores de software, administradores e especialistas financeiros; e produzirá nova tecnologia, capaz de competir no mercado global”.80 Assim, como medidas concretas desta mensagem, além da criação da Comissão Presidencial para Modernização e Desenvolvimento Tecnológico da Economia Russa; 80

President of Russia. Addresses to the Federal Assembly novmebro de 2009: http://archive.kremlin.ru/eng/speeches/2009/11/12/1321_type70029type82912_222702.shtml acessado em 23/07/2015. Op. cit. POMERANZ, p. 171 2011 in ALVES, 2011

106

já mencionada, e da destinação de 10 bilhões de rublos ou (US$ 174 milhões) para seus trabalhos iniciais no orçamento federal de 2010. (POMERANZ, 2011 p. 171 In ALVES, 2011) Na tabela 11, mostra a canalização de recursos para setores e investimentos prioritários definidos pelo gabinete de Medvedev.

Tabela 11. Dispêndios do orçamento federal na economia nacional em tecnologia, por rubricas principais – 2010 (em milhões de rublos)

Fonte: POMMERANZ, 2011 p. 181 In ALVES, 2011.

Além desse aporte de recursos, houve o envio de representantes da Comissão Presidencial, para os EUA, em janeiro de 2010, onde participaram de seminários sobre inovação no Massachussets Institute of Technology (MIT), além do recebimento de uma delegação do Silicon Valley, na Rússia – incluindo altos executivos da Ebay,Twitter e Cisco Systems. (POMERANZ, 2011 p. 171 in ALVES, 2011) Vale lembrar que essa cooperação tornou-se possível e potencializada após a eleição, em novembro de 2008 de Barack Obama como presidente dos EUA, cujas medidas iniciais na política externa foi 107

a “reconciliação” (reset) dos laços diplomáticos com a Federação Russa, afetados durante a Guerra na Geórgia. (SEGRILLO, 2014 p. 205) Em 17 de março de 2009, é escolhido o local para construção do futuro Parque Tecnológico, numa área de 370 hectares, na região de Skolkovo, nos subúrbios de Moscou, doada pelo oligarca Roman Abramovich, não obstante, a região escolhida é próxima a Escola Moscovita de Administração Skolkovo, considerada de excelência, fundada em 2006 como um projeto conjunto entre o governo russo e um círculo de homens de negócios nacionais e internacionais. Assim o Skolkovo Innovation Center tomou forma, apesar de críticas de círculos acadêmicos russos, alegando que os recursos investidos na “Cidade da Inovação” poderiam ser canalizados a alguns centros científicos e tecnológicos já existentes, como Zelenogrado, também nos arredores de Moscou, e Akademgorodok na região de Novosibirsk (na Sibéria Ocidental), O governo defendeu-se, afirmando que embora tais centros contem com considerável infraestrutura e um corpo técnico capacitado, conseguem obter resultados importantes, mas não o transformam em projetos concretos. (POMERANZ, 2011 p. 172 in ALVES, 2011) A composição de Skolkovo irá envolver institutos de desenvolvimento, estabelecimentos de pesquisa e instituições educacionais, presidida por nomes renomados da área científica e empresarial, sendo promotores e agentes de cooperação entre o centro e organismos científicos e empresariais no exterior. Os nomes escolhidos para compor a diretoria administrativa são Viktor Vekselberg (oligarca, presidente do Renova Group, conglomerado de alumínio, petróleo, energia e telecomunicações – além de ser o principal acionista da Oerlikon, conglomerado de tecnologia suíça), Craig Barrett (ex-diretor executivo da Intel), Zhores Alferov (Nobel em física – 2000), Roger David Kornberg (bioquímico, Universidade de Stanford, Nobel em química – 2006). A “Cidade da Inovação” terá capacidade para abrigar de 25 a 30 mil habitantes, com a infraestrutura adequada de serviços para atender às necessidades dos pesquisadores russos e estrangeiros. Tendo agrupados os cinco clusters propostos pela Comissão Presidencial (tecnologia da informação, biomedicina, energia, aeroespacial e nuclear), além de ser administrada por uma fundação (e não um prefeito, como nas demais cidades russas), constituída por representantes da Academia Russa de Ciências, da Rusnano, da VEB, da Russian Venture Company – fundo de investimento criado em 2006 para incentivo a inovação, além de outros órgãos governamentais e universidades (POMERANZ, 2011 p. 173 In ALVES, 2011). O projeto tem previsão de ser concluído 108

em três a quatro anos, com investimentos de 4,6 bilhões de rublos no seu primeiro estágio (oriundos dos 10 bilhões destinados a Comissão Presidencial). Entre as empresas interessadas em instalar-se em Skolkovo, destacam-se a Nokia, Google, Ericsson, EADS, Alstom, Siemens, SAP, Microsoft, Intel, Cisco Systems, IBM, Johnson & Johnson, entre outras instituições estrangeiras (POMERANZ, 2011 p. 175 in ALVES, 2011). Assim como Skolkovo, outros projetos similares estão em fase de prospecção, projeto e desenvolvimento. Entre eles destaca-se o Titanium Valley, uma região econômica especial de 584 hectares, localizada no oblast de Sverdlovsk (na região dos Urais), destina-se a abrigar empresas e institutos que se dediquem a pesquisa, desenvolvimento e manufatura de produtos de titânio (meios de produção e componentes), para a indústria automobilística, aeroespacial, naval, máquinas, materiais de construção, produtos químicos e equipamentos médicos.81 Lançado em 16 de dezembro de 2010, está localizado nas cercanias da VSMPO-Avisma (a maior produtora mundial de titânio) e maior parceira do projeto. Outras vinte empresas demonstraram interesse em se instalar na região, incluindo a United Aircraft Corporation, MAG, SR Systematics, Arvi, Rolls-Royce, e Goodrich Corporation. O governo russo já disponibilizou US$ 1,29 bilhão para o projeto, além das empresas VSMPO-Avisma (US$ 700 milhões) e ChTPZ (US$ 630 milhões) para modernizar e equipar as instalações.82

81

Titanium Valley Emerges in the Mountains. The Moscow Times. 19 de novembro de 2010. http://www.themoscowtimes.com/business/article/titanium-valley-emerges-in-the-mountains/423833.html acessado em 23/07/2015. 82 Titanium Valley SEZ - http://titanium-valley.com/eng acessado em 23/07/2015

109

Figura 3 – Federação Russa: Zonas Econômicas Especiais (2012).

Fonte: Gazeta Russa. http://gazetarussa.com.br/articles/2011/12/30/zonas_economicas_especiais_da_russia_atraem_investidore s_estrangeiro_14015 acessado em 17/07/2015.

2.2.1 A “Reforma Militar” Russa Um ponto importante e decisivo do governo de Dmitry Medvedev (no que concerne aos temas e objetivos deste trabalho), foi o início, a partir de outubro de 2008, de uma grande reforma estrutural nas Forças Armadas da Federação Russa, reorganizando sua estrutura e tamanho, atendendo as exigências da nova realidade política, econômica, social, tecnológica e geopolítica do país. Desde os tempos soviéticos, havia iniciativas para transformar as Forças Armadas, numa força compacta, ágil e tecnologicamente capacitada. Em 1982, o Marechal Nikolai Ogarkov, Chefe do Estado Maior Geral da URSS (1977 – 1984), considerado um dos criadores do conceito de “Revolução nos Assuntos Militares – RAM”83, em seu artigo escrito em 1984 para a revista militar Krasnaya Zvezda84, entitulado “sempre alerta em defesa da pátria” delineava uma visão modernizadora, priorizando as forças convencionais, que deveriam integrar modernas tecnologias, tornando-se mais flexíveis, móveis e precisos. (MOURA, 2008 p.4) Para Ogarkov, os 83

Uma RAM ocorre quando a aplicação de novas tecnologias num número significativo de sistemas é combinada com conceitos operacionais inovadores e adaptações organizacionais, de modo a alterar o caráter e a condução do conflito, produzindo um grande aumento do potencial de combate e da eficiência militar (KREPINEVICH, 1994 p.23-29) 84 “estrela vermelha” em russo.

110

EUA e algumas potências ocidentais estavam passos a frente da URSS em termos tecnológicos e econômicos, e isso era refletido no poderio de novos vetores, como mísseis de cruzeiro AGM-86 “Tomahawk”, e aviões de bombardeio furtivo F-117 “Nighthawk”. Por isso, advogava um “salto qualitativo” das Forças Armadas, que demandaria não apenas uma reforma setorial, mas também uma reorganização estrutural da economia, política e sociedade soviética, adotando, internalizando e popularizando novas tecnologias como a informática. Essa sua defesa de uma “força qualitativa” contrastava com a maior parte do oficialato soviético, que tinha as armas nucleares estratégicas como ponta-de-lança no equilíbrio estratégico com o Ocidente, e as forças convencionais ficavam em segundo plano, apostando no seu poderio “quantitativo” e táticas tradicionais da chamada “Guerra Industrial85”. Apesar de seu brilhantismo, Ogarkov acabou sendo retirado do cargo, remanejado para comando dos exércitos no teatro europeu, devido a suas “tendências antipartidárias”. (MITCHELL, 1990) A experiência da campanha militar no Afeganistão fariam as tropas soviéticas tirar importantes lições dos escritos de Ogarkov. (ISBY, 1986) Nos anos 1990, com a dissolução da URSS, a situação se agrava ainda mais para as Forças Armadas Russas: o decréscimo no orçamento militar como reflexo da situação econômica desfavorável que vigorava no país, acarretou a paralisação de investimentos, trazendo graves consequências a um enorme contingente humano e material herdado do período soviético. Como consequência, baixa remuneração, piora no nível de treinamento e capacitação de oficiais e soldados, e a progressiva obsolescência e até mesmo sucateamento do “hardware” militar, devido a precária manutenção dos equipamentos. O estado crítico das Forças Armadas tornou-se evidente com a desastrada Primeira Guerra da Chechênia (1994 – 1996), quando a falta de preparo das forças, e baixa liderança política e militar acarretou um elevado custo humano, com resultados aquém dos planos estratégicos. (PALLIN, 2009 p. 6) Em contrapartida, os principais ministros e oficiais de alto escalão do período Yeltsin, apesar de haver certo debate, tinham foco na manutenção (com os parcos recursos) e otimização das Forças

85

Define-se como um período na história da guerra mais ou menos desde o início do século XIX e o início da Revolução Industrial para o início da era atômica, que viu o surgimento de Estados-nação, capaz de criar e equipar grandes exércitos, marinhas e forças aéreas, através do processo de industrialização. (ARCHER, 2008 p.410 in ARCHER, FERRIS et al., 2008)

111

Estratégicas, cientes de que sua capacidade nuclear ainda constitui como único elemento dissuasivo em relação aos EUA e a OTAN. (JESUS, 2010 p.454-455) Quando Vladimir Putin assume a presidência de jure, a partir de março de 2000, demite o ministro Marechal da Federação Russa86 Igor Sergeyev, oriundo da Força Estratégica de Mísseis, e defensor da continuidade das políticas de otimização dos vetores estratégicos, como ocorria no período Yeltsin. Será nomeado em seu lugar, o silovik Sergei Ivanov, sendo o primeiro civil (apesar de ser coronel da reserva) a ocupar a pasta de Defesa na história da Federação Russa; tinha como objetivo a implementação de uma reforma nas forças, decorrentes de suas debilidades evidentes nos conflitos chechenos. Ao indicar um civil para esta pasta, o silovik Putin chama atenção para mudanças de pessoal nas estruturas de segurança, coincidindo com a nomeação de Ivanov como “um passo para desmilitarizar a vida pública”. Esse fator em si já mostra uma importante mudança política, tendo em vista a tradição militarista do Estado russo, desde os períodos czarista e soviético, onde os líderes políticos eram educados como oficiais, recebiam fardamentos, e títulos militares.87 A principal tarefa empreendida por Ivanov em seus sete anos de mandato foi a redução do enorme e oneroso contingente militar. Embora o objetivo inicial fundamentou-se na extinção do recrutamento obrigatório, passo para instituir a profissionalização da Força. Porém, mesmo com as condições econômicas favoráveis com o gradativo aumento do orçamento militar, este se deparou com a inércia burocrática e corrupção dos militares, além da pesada carga de trabalho, pois também ocupava o cargo como vice primeiro-ministro do silovik Mikhail Fradkov (2004 – 2007). Por estas razões, muitas outras reformas planejadas acabaram por ser postergadas para o próximo ministro (BARABANOV, 2011 p.16-18). Em 15 de fevereiro de 2007, pelo decreto presidencial nº 177, Putin nomeará Anatoly Serdyukov como novo ministro da Defesa. Com graduações em Direito e Economia, tinha conduzido, em 2004, o Serviço Federal de Tributação da Rússia, subordinado ao Ministério das Finanças. Amigo pessoal de Putin, foi nomeado para o novo cargo com o intuito de combater a corrupção e a ineficiência das Forças Armadas. Além disto, a estrutura da força ainda carregava consigo a pesada herança soviética, e as

86

Tal patente equivale ao Marechal de Exército no Brasil e General of Army, nos EUA, Library of Congress Country Studies Russia, Command Structure http://lcweb2.loc.gov/cgibin/query/r?frd/cstdy:@field(DOCID+ru0194) acessado em 23/07/2015 87

112

reformas até então, não haviam conquistado resultados tangíveis. Pelo contrário, novos problemas haviam surgido, com a demanda dos militares de recomposição de algumas unidades,

trocando

os

conscritos

por

soldados

inteiramente

profissionais

(BARABANOV, 2011 p. 19). Medidas radicais deveriam ser tomadas, mas nem tanto. Serdyukov inicia um trabalho de revisão orçamentária, de modo a atender as necessidades exigidas pela presidência, e por isso não se envolvia com a administração diária das tropas, muito menos com o planejamento estratégico-operacional, levando essas questões para os profissionais competentes. Assim, ele conseguiu crescer devido a sua eficiência como gestor, insistindo nas metas e objetividade com as gastos e capacidades orçamentárias. Com seu pulso firme e determinação em fazer uma “faxina” no ministério, conseguiu fazer com que se projetasse sua autoridade sobre os generais, ganhando seu respeito e temor (até de veteranos renomados). Ele chegou até a demitir um terço dos oficiais de alto-escalão da Administração Militar Central, para começar sua onda de reformas estruturais no Ministério da Defesa. (PUKHOV, 2009) A Guerra da Geórgia em 2008, permitiu a intensificação das reformas propostas por Serdyukov e seu predecessor silovik, pois problemas relatados há décadas foram evidenciados, apesar da total superioridade militar russa sobre o vizinho caucasiano: deficiências do sistema de comando e controle, a falta de autonomia dos comandantes locais, condicionavam as ordens a levarem um longo tempo, pois dependiam dos canais do Distrito Militar do Cáucaso para chegar às linhas de frente; problemas organizacionais e logísticos também foram relatados, além do uso de grandes aeronaves para reconhecimento fotográfico como os Tupolev Tu-22MR (derivação da sua concepção original como bombardeiro de longo alcance), colocando em risco suas tripulações (um desses modelos seria perdido na guerra por mísseis antiaéreos inimigos) e mostrando uma grave carência de tecnologias sofisticadas, como o uso de veículos aéreos não-tripulados – VANTs, muito mais compactos e eficazes para este tipo de missão (BARABANOV, 2011 p. 19-20). Logo após o termino do conflito, em fins de agosto, o escritório do primeiroministro (Putin) e da presidência (sob Medvedev), ordenaram a tomada de medidas imediatas para melhorar a performance das Forças Armadas. Incumbindo o Ministério da Defesa e o Estado-Maior de implementarem ambiciosas e radicais reformas sob uma pesada agenda. Isso significa que as reformas não são mais de prioridade ministerial, 113

mas sim da liderança política. Com o esfriamento das relações com o Ocidente a partir de 2007 e agravadas com a guerra, as Forças Armadas precisavam incrementar seu nível de prontidão para lidar com tal cenário geopolítico que se desenhava (VALDAI, 2011 p. 5-6) Assim, em outubro de 2008, são delineados os parâmetros gerais do programa, e os trabalhos iniciais começam em 2009. Emtre as prioridades listadas:

a) redução do efetivo das Forças Armadas em 16,6% para um contingente de 1 milhão de homens até 2012; b) redução do número de oficiais em 38%; c) centralização do treinamento e capacitação dos oficiais de 65 escolas militares para dez centros “sistêmicos” de treinamento militar; d) criação de um corpo profissional de oficiais não-comissionados; e) redução do tamanho do comando central; f) introdução de maior corpo logístico civil, e equipes auxiliares; g) eliminação das formações estruturais da força (divisões); h) reorganização das reservas e substituição dos exércitos para o sistema de brigadas; i) reorganização da força aérea em sistemas de base áerea em vez de regimentos;

Com base nas metas e objetivos delineados acima, uma série de medidas foram tomadas: primeiramente, foi conduzida a redução substancial do corpo de oficiais de 355 mil para 220 mil homens – indicando um corte de 38%, sendo reduzidos 56% dos capitães, 70% dos majores, 61% dos tenentes-coronéis, 80% dos coronéis, e 22% dos generais, mas com um incremento de 30% tenentes, e 17% primeiros-tenentes (MOSCOW DEFENCE BRIEF, 2008 p. 21-24 & Idem, 2009 p. 18-20). Originalmente estava planejada a redução para 150 mil – com um corte de 57,7% no oficialato (VALDAI, 2011 p. 17). Houve também a abolição de cargos de oficiais temporários88 após a constatação de uma ociosidade de 55% em seu contingente (BARABANOV, 2011 p. 22).

88

Warrant officers no original.

114

Apesar do recrutamento obrigatório ainda ser mantido para a próxima década,89 a previsão é o progressivo incremento da participação de quadros profissionais especialistas, com meta de 186.400 homens em 2012, chegando a 425.000 em 2016. Serão designados a ocupar posições prioritárias como oficiais não-comissionados, tripulação naval, unidades especiais no Cáucaso Norte, unidades de forças especiais, operadores de equipamentos especiais, e outras posições de elevada prontidão militar. 90 Paralelamente, houve reformas na educação e formação dos oficiais, com a redução das 65 instituições militares de alto aprendizado: 15 academias, 4 universidades e 46 colégios – incluindo as renomadas academias Suvorov (do exército) e Nakhimov (da marinha), serão reduzidos até 2012 para dez “institutos sistêmicos”: três centros de pesquisa e ensino, seis academias e uma universidade. Os novos institutos não servirão apenas para o treinamento e capacitação de oficiais, mas também conduzirão pesquisas em ciências militares e outras aptidões técnicas (MOSCOW DEFENCE BRIEF, 2008 p. 21-22). Com o “enxugamento” da cadeia de comando e controle, houve uma reorganização geográfica dos distritos militares russos, substituindo o antigo modelo de seis distritos militares, por um novo modelo de quatro grandes distritos, correspondentes a quatro Comandos Estratégicos Conjuntos (JSC – Joint Strategic Commands), subordinando suas respectivas unidades militares terrestres, aéreas e navais, como mostra a figura 4.

89

Asian Defence News Russia To Continue Military Conscription For Next 10-15 Years http://www.asiandefence.net/2011/04/russia-to-continue-military.html acessado em 24/07/2015 90 Valdai Discussion Club Analytical Report. 2011 p. 27

115

Figura 4 – Mudanças na divisão administrativa militar da Federação Russa

Fonte: VALDAI Discussion Club, 2011 p. 19

Sob o novo modelo descrito acima, os distritos militares de Moscou e Leningrado91, compreendendo as regiões mais populosas e industrializadas do país – além de fronteiriças com países da OTAN, são fundidos, formando o JSC “Ocidental”, com comando sediado em São Petesburgo, englobando também as Frotas Navais do Mar Báltico, sediados na mesma cidade, e Frota do Norte, em Murmansk; o distrito militar do Cáucaso Norte foi renomeado JSC “Sul”, com sede em Rostov-on-Don, incluindo a Frota do Mar Negro em Sebastopol, na Crimeia, 92 e da flotilha do Mar Cáspio, em Astrakhan; o distrito militar do Volga-Urais (compreendendo importantes regiões urbano-industriais) e parte do distrito militar da Sibéria, são incorporados no JSC “Central”, com sede em Ekaterinburgo; e a outra parte do distrito militar siberiano é incorporada ao distrito militar do Extremo Oriente, formando o JSC “Oriental”, sediado em Khabarovsk, tendo sob sua jurisdição a Frota do Pacífico, sediada em Vladivostok (VALDAI, 2011 p. 19).

91

Apesar do rebatismo da cidade após a dissolução da URSS, o antigo nome foi mantido para este distrito militar. 92 Antes mesmo da anexação da Crimeia à Rússia, a frota do Mar Negro já operava na peninsula por meio do “Acordo de Partilha” entre a Rússia e a Ucrânia firmado em 1997.

116

Além do remanejamento territorial, a estrutura das forças dentro de cada região foi alterada: no antigo sistema, de quatro canais, cada distrito compunha um exército, com suas divisões – compreendendo cerca de 8 a 14 mil homens, com seus diversos regimentos, subordinada ao comando de um General-mayor.93 Sob o novo modelo, cada distrito militar terá um comando de operações e suas brigadas – compreendendo cerca de 4,5 a 6,5 mil homens, subordinada um Polkovnik.94 A finalidade dessa mudança é buscar uma otimização de comando e controle (eliminando elementos “supérfluos”), e adaptar as forças para a nova realidade geopolítica e tecnológica dos conflitos modernos,

requerendo

tropas

com

maior

mobilidade,

eficácia

e

prontidão

(BARABANOV, 2011 p. 21). Segundo relatórios do Valdai Internation Discussion Club, sob consultoria do think tank russo Centre for Analysis of Strategies and Technologies – CAST (2011), até o ano de 2008, a prontidão das forças armadas era inferior a 13% – compreendendo 17% no Exército, 7% na Força Aérea (zero nas unidades de Defesa Aérea), e 70% na Marinha. Apenas as Forças Estratégicas de Mísseis e as Forças Aerotransportadas (subordinadas diretamente ao Ministério da Defesa) estão em total prontidão de combate. Fato que contribuiu para acelerar as reformas organizacionais (VALDAI, 2011 p. 5). Assim como os distritos militares e corpo de oficiais, houve uma drástica redução de 75% no número de suas unidades militares: o mais afetado foi o Exército, com redução de 90%, a Marinha sofreu redução de 49%, e a Força Aérea com 48%. Outras armas tiveram reduções mais modestas, seja pela sua menor participação no total, mas também pela sua importância estratégica. As Forças Estratégicas de Mísseis, por exemplo, foram reduzidas em 33%, as Forças Aerotransportadas foram reduzidas em 17%, e as Forças Aeroespaciais, em 15%; conforme mostra a Figura 5.

93

Equivalente ao Major General nos EUA. Em países como o Brasil, onde não existe o posto de majorgeneral, a patente correspondente é, normalmente, designada "General de Divisão" ou "General de Brigada". 94 Equivalente o “coronel” no Brasil.

117

Figura 5 – Reforma nas Forças Armadas Russas*

* Dados previstos em 2009. Fonte: Sputnik News Infographics: http://sputniknews.com/infographics/20091204/157098191.htmll acessado em 25/08/2015.

Por fim, mas um dos mais críticos problemas enfrentados pelas Forças Armadas da Federação Russa desde sua criação, reside na gradativa obsolescência e sucateamento de seu aparato material militar. Em dezesseis anos, entre 1992 e 2008, virtualmente jamais ocorreu uma aquisição significativa de armamentos ou equipamentos militares de uso geral. Como resultado, até a implementação das reformas, as forças estavam equipadas

com

materiais

tecnologicamente

obsoletos

ou

em

vias

de

descomissionamento. A situação era particularmente desesperadora na Força Aérea, 118

uma arma totalmente tecnológica, onde 55% dos seus equipamentos estavam descomissionados (VALDAI, 2011 p. 6). Fato este que só contribuiu para aumentar o atraso tecnológico das forças russas em relação aos seus análogos ocidentais, especialmente os EUA. Ao analisarmos as transformações do orçamento russo de Defesa, deparamosnos com uma notável questão: para Lucena (2011), o orçamento militar russo é passível de muitas flutuações, pois envolve um espectro amplo de atividades relacionadas ao ramo de Defesa. Essa problemática ocorre porque os recursos militares gastos contemplam uma variedade de itens e artigos constituintes no orçamento federal. É comum que certos projetos e programas estejam incluídos em áreas que não estão diretamente ligadas ao setor de Defesa. Uma metodologia bastante aceita é a soma dos dispêndios do Ministério da Defesa, somados ao Ministério do Interior para obter dados mais confiáveis e esclarecedores dos gastos do orçamento (LUCENA, 2011 p. 6-7). Gráfico 6 – Federação Russa: Evolução dos gastos com defesa (2005 – 2009)

Fonte: CAST op. cit. LUCENA, 2011 p. 7

Traçando uma linha do tempo, os processos de aquisição (procurement) de novos armamentos na Federação Russa datam do primeiro grande projeto, o NAP – 200595, concebido em 1996, no governo Yeltsin. Ele focava em um planejamento de longo prazo para desenvolvimento da Força, conectando atuais requerimentos e missões a serem conduzidos pelas Forças Armadas com os recursos existentes de financiamento. Porém, o programa caiu por terra no ano seguinte ao superestimar os desenvolvimentos econômicos, pois superestimava o crescimento em 5-7% – na verdade encolheu em 1996-1997 e um modesto crescimento de 2% em 1998-1999; além de projetar os gastos em defesa entre 3,6 e 5,2% do PIB, sendo que este foi limitado a 2,3-2,8%. Como

95

National Armaments Program, em inglês.

119

resultado, entre 1996-2000 só contemplou 23% do orçamento previamente planejado (MOSCOW DEFENCE BRIEF, 2008 p. 18). Com a mudança da liderança política e a retomada mais vigorosa do crescimento econômico, houve uma revisão minuciosa do NAP – 2005 pelo Ministério da Defesa, o Conselho de Segurança da Federação Russa e outras agências federais. Adequando-o à nova realidade econômica, mas também geopolítica do país, o programa tornou-se o NAP – 2010, apresentado em fins de 2000 e aprovado no início de 2002. O novo documento orientava para o financiamento do desenvolvimento de novos modelos de armamentos, levando as indústrias de defesa (em fase de reestruturação, já dito) a sobreviverem com suas receitas de exportação. Assim, o NAP – 2010, incluiu um inventário de armas e equipamentos militares designados para exportação. Visava à produção em série dessas novas gerações de armamentos para equipar as forças russas até o ano de 2020, e unificou os processos de aquisição do Ministério da Defesa com outros ministérios e agências federais. O orçamento era estimado em US$ 128, 2 bilhões, mas foram alocados somente US$ 35,9 bilhões (dissolvidos entre o orçamento federal, programas de aquisição e as receitas excedentes de exportação), a serem gastos no período de 2001 – 2010. O dinheiro até que era “generoso”, se não fosse o fato de que 40% desses fundos oriundos do período 2001 – 2005 eram destinados a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Até 2006, estava previsto o financiamento pleno de 70% dos projetos em desenvolvimento. O programa buscava aos poucos mudar o foco dos invesimentos para manutenção e reparos, para desenvolvimento e aquisição de novos armamentos. A parcela desses dispêndios iria de 70/30% em 2001, para 60/40% em 2005, chegando em 50/50% em 2010 (MOSCOW DEFENCE BRIEF, 2008 p. 18-19). Em finais do programa, o NAP – 2010 conseguiu alocar 97,3% da verba planejada, em grande parte devido a incapacidade das empresas de conseguir conciliar o enorme aumento de encomendas, após uma década de paralisação de investimentos (MOSCOW DEFENCE BRIEF, 2008 p. 20). Baseados nas informações do Ministério da Defesa, os gastos com reparos e manutenção foram de US$ 2,2 bilhões em 2005 para US$ 3,7 bilhões em 2008. Já a aquisição de novos armamentos, equipamentos e modernização de vetores existentes dobrou de US$ 4 bilhões em 2005 para US$ 8,1 bilhões em 2008. Por fim, o investimento em P&D teve um crescimento mais modesto, mas significativo de US$ 0,4 bilhão em 2005 para US$ 2,9 bilhões em 2008. Além disso, projetos estratégicos como

120

o avião de caça multifuncional de 5ª geração PAK-FA96, e o carro de combate de nova geração T-9597 têm seus recursos alocados pelo Ministério da Indústria e Comércio, o que dificulta uma mensuração mais completa (LUCENA, 2011 p. 7). O gráfico 7, a seguir mostra a distribuição dos recursos destinados a aquisição de materiais. Gráfico 7 – Distribuição dos recursos das Ordens de Aquisição de Defesa Nacional (2003 – 2007)

Fonte: CAST, Moscow Defence Brief, nº 4 / 2008 p. 19

Enfim, com o início das reformas da “tríade” Medvdev-Putin-Serdyukov, são lançadas as bases do novo e ambicioso programa extensivo de modernização e aquisição de armamentos e equipamentos para as Forças Armadas. Em dezembro de 2008 é anunciado o State Armament Program 2011-2020 (SAP – 2020),98 aprovado e lançado oficialmente a partir de 2010. Trata-se de um aporte de 23 trilhões de rublos, ou US$ 426 bilhões destinados para a modernização das Forças Armadas, e do Complexo Militar-Industrial da Rússia (OPK). Tais gastos planejam contemplar 3,9% do PIB até 2020. O programa prevê que até 2020, 70% dos armamentos utilizados pelas Forças sejam de procedência nova, enquanto que os 30% restantes sejam modelos extensamente modernizados (VALDAI, 2011 p. 30). Enquanto isso, segundo Dmitry Rogozin, diretor da Fundação Russa para Projetos de Pesquisa Avançados na Indústria

96

Em russo: Perspektivny Aviatsionny Kompleks Frontovoy Aviatsii – "Complexo Aéreo Prospectivo para Aviação Tática", desenvolvido pela Sukhoi com o protótipo T-50, desde 2010. 97 Cancelado em 2010 em favor do T-14 “Armata”. 98 em russo: Gosudarstvennaia Programma Vooruzheniya (GPV)

121

de Defesa, e ex-enviado de Moscou para a OTAN, o volume de recursos destinados a modernização do Complexo Militar-Industrial totalizará 3 trilhões de rublos (US$ 51 bilhões), sendo 60% oriundos dos recursos orçamentários e os 40% restantes, investimentos das próprias empresas, que empregam cerca de 2 milhões de pessoas. (GORENBURG, 2010 p.2). Os equipamentos a serem adquiridos são contemplados na tabela 12. Tabela 12 – Federação Russa: State Armament Program 2020. Ações Previstas

Fonte: GORENBURG, 2009 apud FEDOROV, 2013.

Apesar do elevado volume de aquisições de armamentos convencionais, as prioridades do programa residem no aprimoramento dos sistemas estratégicos: as Forças Estratégicas de Mísseis e o desdobramento do Sistema Nacional de Defesa Aeroespacial. As prioridades do programa de aquisição de armamentos convencionais, deverão privilegiar os sistemas C4ISR, e incrementar a mobilidade das tropas (o que logicamente requer massivos investimentos na aquisição de vetores de transporte tático e estratégico). (VALDAI, 2011 p. 30) Muitos desses equipamentos poderão ser adquiridos no exterior, ou desenvolvidos com assistência estrangeira (GORENBURG, 2010 p.5). Esta hierarquia de prioridades revela as preocupações do Estado russo em dissuadir ameaças de escala global (como a OTAN no teatro europeu, ou a China na Ásia) do que ameaças de “baixa intensidade” como militantes islâmicos no Cáucaso Norte e Ásia Central (VALDAI, 2011 p. 30). 122

Entretanto, apesar das promessas, ambições e potencialidades do programa, existem incertezas quanto à sua execução: críticos apontam que as reformas implementadas por Serdyukov não foram suficientes para trazer maior transparência e eficácia ao Ministério, persistindo práticas centralizadas de burocracia e corrupção, prejudicando o andamento dos processos de aquisição (OXENSTIERNA, 2013 p.7). Outras preocupações residem na sustentabilidade do programa, em virtude do baixo crescimento da economia e na persistente vulnerabilidade financeira e dependência dos preços dos hidrocarbonetos, ameaçando até mesmo a sobrevivência do programa, dada as ambiciosas (e ilógicas) metas a serem alcançadas; na insuficiência de um corpo técnico-industrial qualificado para o setor industrial; a capacidade das empresas, em bancar parte dos investimentos e conseguir atender as encomendas quantitativamente e qualitativamente (GORENBURG, 2010 p.5-6). Alguns analistas asseguram que dadas as condições financeiras e econômicas do país, a previsão mais “otimista” aponta que o SAP-2020 poderá cumprir pelo menos 50% das metas planejadas (FEDOROV, 2013). Independentemente dos êxitos, problemas e desafios presentes na economia, no sistema político e nas Forças Armadas, as políticas conduzidas nos períodos Putin e Medvedev revelam, mesmo em suas diferentes escalas político-ideológicas, uma sinergia e compartilhamento de um mesmo projeto político, mas, a que preço? Nessa nova era pós-Guerra Fria, onde prevaleceu o livre-comércio, e o papel dos organismos internacionais, ambos salvaguardados sob o guarda-chuva da hegemonia militar, econômica, cultural, científica e tecnológica dos EUA, e seus aliados “ocidentais” na UE e Japão, por que as elites políticas de países como a Federação Russa, iriam gastar tamanha energia e recursos para fins tão ambiciosos, levando em conta seus custos econômicos, sociais, políticos e geopolíticos de tais decisões? Para compreendermos as motivações que nortearam tais políticas, é necessário verificarmos a origem, desenvolvimento e perspectivas do projeto geopolítico russo, e seus principais atores e propagadores, que veremos mais detalhadamente no capítulo a seguir.

123

CAPÍTULO III PROJEÇÃO GEOPOLÍTICA RUSSA No capítulo anterior, foi apresentado um panorama das principais reformas e iniciativas políticas e econômicas realizadas nos períodos Putin e Medvedev. Tais políticas objetivavam em reestabelecer o papel do Estado na regulação das atividades econômicas, centralizando a tributação e tendo sua presença majoritária ou minoritária em setores por ele denominados “estratégicos”, especialmente os setores de extração, processamento e exportação de hidrocarbonetos e minerais, os atuais baluartes da economia da Rússia pós-soviética. Uma vez assegurado o virtual controle sobre este setor, a nova elite política russa iniciou um processo de canalização de suas receitas exportadoras para incentivar o crescimento e desenvolvimento de outros setores “estratégicos”, que se encontravam estagnados após décadas de desestruturação econômica soviética e a paralisação dos investimentos nos caóticos anos 1990. Assim, seriam criados vários instrumentos e mecanismos políticos, jurídicos e burocráticos, instituindo o setor extrativo como fonte financiadora para o estímulo a atividades econômicas mais dinâmicas e inovadoras, diminuindo sua vulnerabilidade primário-exportadora e capacitando um corpo técnicocientífico e empresarial produtor e difusor de novas tecnologias. Como a maior parte do know-how nacional está fortemente e historicamente relacionada ao desenvolvimento de tecnologias e equipamentos de emprego militar e uso dual, a modernização e inovação desses setores perpassam obrigatoriamente reformas estruturais e consistentes nas Forças Armadas da Federação Russa. Todavia, a condução dessas políticas, direcionadas a setores específicos de grande significado, levam-nos uma singela questão: Após a derrocada da superpotência soviética, e a queda gradual de sua importância política, econômica e militar no sistema internacional de poder, hegemonizado pela órbita euro-americana, o que levaria a esta nova elite política russa pós-1990 a buscar objetivos tão complexos e ambiciosos? Muitas vezes além das atuais capacidades financeiras, econômicas, tecnológicas e militares do país. Neste capítulo, tomaremos como elemento de análise os preceitos teóricos e ideológicos correntes que moldaram o debate acadêmico, político e geopolítico da Rússia nos anos 1990, e moldaram suas elites políticas, econômicas e militares para a construção de um “projeto nacional” russo para este novo século.

124

Paralelamente, avaliaremos a efetividade dessas políticas e apontaremos eventuais potencialidades e desafios para as próximas décadas.

3.1 A Construção do Pensamento Geopolítico Russo. Como já mencionado nos capítulos anteriores, o fim da URSS em dezembro de 1991, trouxe colossais transformações no cenário internacional. Se por um lado, atestaria a incontestável vitória da superpotência “multidimensional” norte-americana, ou seja, nas palavras de Brzezinski (1986), os EUA possuíam preponderância militar, mas também nas esferas econômica, tecnológica, e cultural; cujos fatores combinados, se relevaram decisivos na contenção e enfraquecimento do poderio soviético. (BRZEZINSKI, 1995 apud MELLO, 1999 p. 164-165), por outro lado, o fim do bloco socialista instituiu um mosaico de ex-repúblicas soviéticas, com características étnicoculturais e político-ideológicas, bem heterogêneas. Seu centro geoeconômico era vagamente centrado na Federação Russa, a maior, mais populosa, e mais industrializada das quinze repúblicas. Porém, a estagnação econômica, o enfraquecimento e instabilidade política em que esta se encontrava desde finais dos anos 1980, fez com que não conseguisse projetar sua liderança em seu entorno estratégico, levando esses jovens países a tomar direcionamentos políticos diversos: Os países bálticos como Estônia, Letônia e Lituânia rapidamente buscaram um alinhamento total com os blocos econômicos e políticos ocidentais, nos quais progressivamente se integrariam com a OTAN e a UE, em março e maio de 2004; um segundo grupo de países tentou conciliar uma agenda mista, perseguindo sua integração europeia, mas pragmaticamente pregavam uma “convivência cordial” com Moscou, desde que esta respeite suas próprias decisões e caminhos geopolíticos, este grupo se constituiu nos países do GUUAM99 e o Turcomenistão. Por último, outras repúblicas, como a Armênia, Bielo-Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão, mantiveram-se relativamente interligadas na deficiente esfera de influência russa, ainda que não impedissem que estes (e o segundo grupo mencionado) fossem suscetíveis a influências geopolíticas de outros atores regionais pela Eurásia. Como a Turquia, Irã, Índia e a República Popular da China. Além disto, a interdependência econômica com a Europa,

99

Denominada de “Organização para a Democracia e Desenvolvimento Econômico”, foi formado em 1999, e sua sigla é o acrônimo de seus membros: Geórgia, Ucrânia, Uzbequistão, Azerbaijão e Moldávia. Além de terem a Letônia e Turquia, como observadores. Em 2005, o Uzbequistão se retirou da organização.

125

Oriente Médio e a Ásia é intensa, limitando ainda mais a influência russa (KUZIO, 2000 p. 81-114). Também o fim do antigo regime abriu espaço para uma calorosa discussão no meio acadêmico, diplomático e político, sobre qual caminho geopolítico a política externa russa deveria tomar nessa nova ordem mundial pós-Guerra Fria. Durante o período soviético, as ciências sociais encontravam-se debaixo do dogmatismo e isolacionismo do “marxismo soviético”100, estabelecendo um rígido controle sobre o pensamento e produção teórico no campo das Relações Internacionais e na Geopolítica, esta última sendo considerada uma doutrina “reacionária” e legitimadora do expansionismo alemão na Segunda Guerra e do imperialismo euro-americano (SOLOVYEV, p. 19 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005). Assim as produções acadêmicas eram limitadas à reprodução interpretativa dos discursos e documentos oficiais do Partido Comunista. (TSYGANKOV, A. & TSYGANKOV, P., 2005 p. 8) Com a abertura política, a sociedade russa desfrutou de considerável liberdade de expressão, iniciando um período de “vácuo ideológico e teórico” (TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005 p. 16), devido ao surgimento de vários grupos ideológicos advogando os alinhamentos políticos que o novo governo deveria tomar. O outrora dominante marxismo soviético passou a dividir espaço com novas produções e pensamentos liberais, realistas, construtivistas e nacionalistas (abominados pelo regime soviético). Dentre essas escolas de pensamento pós-soviéticas, podemos destacar três grupos principais: A primeira corrente, denominada Escola Ocidentalista, Liberal ou Atlantista (SERGUNIN, p. 38 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005), tendo como seus principais expoentes, o ex-ministro de Relações Exteriores Andrei Kozyrev (1990 – 1996), e o historiador e comentarista político, Dmitri Trenin, diretor de um dos maiores think tanks russos, o Carnegie Moscow Center101; advogam que o “Ocidente” (a Europa Ocidental e a América Anglo-Saxônica) devem basilar a orientação da diplomacia russa. Insistem que a Rússia está ligada historicamente à civilização ocidental (cristã). Eles vislumbram como principal tarefa da estratégia internacional russa, a edificação de uma parceria com o Ocidente e a integração com suas instituições econômicas, políticas e

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Tsygankov A. (2005) p. 15, baseando-se em vários autores, coloca esse conceito para destacar e diferenciar a interpretação leninista-stalinista dos trabalhos de Karl Marx, das demais escolas marxistas. 101 Afiliada internacional do Carnegie Endowment for International Peace, think tank norte-americano baseado em Washington com outras unidades funcionais em Beirute, Bruxelas e Pequim.

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militares – como a UE, a OTAN, o FMI, o Banco Mundial, a OCDE, o GATT102, o G-7 e assim por diante (SERGUNIN, p. 38 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005). Os atlantistas afirmam que a Rússia deve reduzir suas atividades políticas e militares no espaço pós-soviético para acomodar sua falta de recursos, e uma série de mudanças radicais na doutrina nacional de política externa deveriam ser implementadas. Acreditam que a renúncia de uma política global “imperial” e do “messianismo ideológico” herdados do período soviético, podem abrir novas perspectivas para as reformas domésticas e facilitar o ressurgimento nacional da Rússia. Ao mesmo tempo, Moscou deve continuar a participar em processos amplos de cooperação internacional. (SERGUNIN, p. 39 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005) A segunda corrente, que emergirá como uma séria e robusta “alternativa” as teorias pró-ocidentais a partir de finais dos anos 1980 e início dos anos 1990, é o conceito de Eurasianismo (yevraziystvo em russo). Ainda que o conceito tenha surgido originalmente nos anos 1920, entre intelectuais da diáspora russa – comprometidos em caracterizar as mudanças do Stalinismo como uma “evolução” da sociedade russa, em contraste ao proletarismo internacionalista e ateísta que combatiam – o termo ganhará força e popularidade na academia russa em meados dos anos 1990. O Neoeurasianismo tem como principal ideia, a “peculiaridade” que caracteriza à civilização russa, que nunca foi totalmente pertencente a Europa, ou à Ásia. Por isso deve se posicionar como uma “terceira via” entre o Ocidente e Oriente e buscar edificar uma “ponte”, tornandose uma amálgama dessas duas civilizações (SERGUNIN, p. 39 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005). Esta segunda corrente, na academia contemporânea russa é subdivida em dois subgrupos opostos: uma vertente “democrática” com políticas reformistas, e uma corrente mais conservadora, comumente e pejorativamente denominada “expansionista”, “revolucionária” (SOUSA, 2012. p. 61-70) ou até mesmo, “eslavófila” (SERGUNIN, p. 42 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005; KUZIO, 2000), recorrendo ao termo cunhado no século XIX; apesar de que neste caso, sua interpretação seria equivocada, visto que os ideais neoeurasianistas compreendem um espectro identitário, cultural e religioso muito maior.

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Em 1995, pelo acordo de Marrakesh (Marrocos), será substituída pela Organização Mundial de Comércio (OMC).

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Os neoeurasianos ou neoeurasianistas “expansionistas” ou “eslavófilos”, tendo o filósofo e cientista político Aleksandr Dugin (Universidade Estatal de Moscou)103, como seu principal expoente, apontam a estratégica posição geopolítica russa como fator de distinção da Rússia em relação tanto ao Ocidente quanto ao Oriente. Situado entre essas duas civilizações, ela se impõe como detentora da balança natural do equilíbrio de poder mundial. Afirmam que tal posição geopolítica foi predeterminada em grande medida, pela evolução histórica do Estado russo como Grande Potência e o estabelecimento de uma forte autoridade central. Enxergam a Rússia como um “império” e anseiam pelo seu renascimento, não negando o uso da força militar, se necessário, para defender as minorias russas em outras repúblicas soviéticas. Por último, se opõem a assistência ocidental e propõem a mudanças das prioridades geopolíticas, dando maior atenção aos vizinhos meridionais e orientais russos – como os países do Cáucaso, Oriente Médio, Ásia Central e Leste Asiático (SERGUNIN, p. 44 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005). Baseiam-se nas teorias geopolíticas de teóricos ocidentais como Halford Mackinder e Alfred Mahan, corroborando a dicotomia britânica da rivalidade entre poder terrestre e poder marítimo, refinando-os na concepção de um eterno embate entre as telurocracias (do latim: tellus, “terra”; e do grego: kratos, “poder”) e as talassocracias (do grego: thálassa, “mar”), além da influência do geógrafo alemão Karl Haushofer em dividir o globo em várias “pan-regiões” encabeçada por múltiplos polos regionais e suas respectivas “esferas de influência”, conforme mostra o mapa 9 (SOUSA, 2012 p. 7).

103

Desde setembro de 2014, devido a suas posições políticas controversas sobre a crise na Ucrânia, Dugin perde seu posto como chefe do departamento de Sociologia e Relações Internacionais da Universidade Estatal de Moscou, e logo após é admitido na Universidade Ortodoxa de São Tikhon.

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Mapa 9 – A Divisão mundial segundo o Eurasianismo

Elaboração pelo Autor. Fonte: DUGIN, 2012 p. 17

Para os neoeurasianos, a civilização russa resulta de um amálgama entre sua origem eslava com a incorporação espaço-temporal de diversos elementos bizantinos, varegos, fino-urálicos104, turco-mongóis, e dos outras tribos conquistadas e assimiladas pelo Estado russo. Configurando um espaço geográfico de intersecção entre as civilizações “huntingtonianas”105 ortodoxa, islâmica e budista, além das influências ocidentais e da comunidade judaica presentes na História russa. Devem buscar o estreitamento de laços, se integrando com diversos polos regionais como a Bielo-Rússia, Ucrânia, Turquia, Irã, Índia e China, formando um gigantesco eixo geopolítico eurasiático. (DUGIN, 2012. p. 23-34) A vertente “democrática” do Neoeurasianismo, representada pelo cientista político Igor Panarin (Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou), compartilha dos preceitos teóricos defendidos pelos seus congêneres, no entanto, divergem quanto à negligência dos primeiros quanto ao estreitamento de relações com os países ocidentais, 104

Grupo etno-linguístico presente na Europa Central, Escandinávia, e nos Montes Urais; compreende uma variedade de idiomas de que se destacam o finlandês, o estoniano e o húngaro. Historicamente tais tribos habitavam grandes porções da Rússia europeia. 105 Referência a metodologia adotada pelo cientista político norte-americano Samuel Huntington no seu artigo Clash of Civilizations? Publicado em 1993 e transformado no livro The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order publicado em 1996. Nele, Huntington teoriza que as identidades culturais e religiosas são o principal fator nos conflitos pós-Guerra Fria, dividindo o mundo em nove “civilizações” de acordo com suas identidades culturais, etno-lingústicas e religiosas.

129

e à defesa da centralização excessiva do Estado russo. Para os democratas-reformistas, a integração com os organismos políticos e econômicos europeus (como a OSCE e a OTAN) deve servir aos interesses da Federação Russa, desde que se mantenha a multipolaridade do bloco e limite a emergência de uma potência regional dominante (como a Alemanha), Também advogam a recomposição das funções da OTAN como uma real instituição pan-europeia, dado a nova dinâmica dos conflitos e ameaças para o século XXI. Apesar desta postura, os democratas-reformistas reconhecem que deve se privilegiar o estreitamento de laços com o chamado “Terceiro Mundo”, especialmente os países da Ásia. Em seu entendimento, países em destaque como o Japão, Coréia do Sul, China, Índia e os principais membros da ASEAN, são vistos como parceiros comerciais promissores e importantes fontes de investimento para a estagnada economia russa, além de importantes pilares para a instituição de um futuro complexo de segurança eurasiático. Além disso, essa vertente não esconde seu ressentimento pela marginalização que a Federação Russa sofre pelas potências ocidentais, no que tange as discussões das principais pautas políticas e econômicas internacionais (SERGUNIN, p. 40-41 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005). Esta visão aproxima-se da vertente Realista russa, representada por antigos membros da intelligentsia soviética, membros da burocracia civil e militar (os siloviki), o lobby industrial, e neoeurasianos “democratas” do Partido Comunista, dentre os quais se destaca como principal nome, o ex-primeiro-ministro Yevgeny Primakov. Tal como seus colegas neoeurasianos, os realistas compartilham da mesma ótica geopolítica hobbesiana (SOUSA, 2012 p. 4), acreditando que a reafirmação da “nova”, humilhada e marginalizada Rússia no sistema internacional só se materializará por meio da restauração do derzhavnost (status de “Grande Potência”), assegurando seus interesses políticos, econômicos e estratégicos frente as potências hegemônicas do Ocidente. (SERGUNIN, p. 42 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005) Esse sentimento de “humilhação nacional”, ocorrida após a queda do regime soviético era claro no governo Yeltsin, compartilhado não apenas pela elite política, mas por todos os setores da sociedade (ADAM, 2011 p. 46 In ALVES, 2011). Tal cenário interno e externo presenciado contribuiu decisivamente para a emergência dos derzhavniki e gosudarstvenniki (proponentes de um “Estado Forte”) nos círculos políticos russos (SERGUNIN, p. 42-43 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005). De acordo com os realistas russos, a segurança nacional é a pedra angular para garantir a estabilidade política e o desenvolvimento econômico e social do país. 130

Consideram duas dimensões de segurança (“hard” e “soft”), que podem englobar diferentes interesses nacionais e focos de ameaça nas esferas econômica, política, social, militar, humanitária e ambiental (NATIONAL INTERESTS IN RUSSIAN FOREIGN POLICY, 1996 p.8 & SHAPOSHNIKOV, 1993 p.11 apud SERGUNIN, p. 43 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005) Esses dois tipos de ameaça podem ocorrer em dois ambientes: externo – como ameaças políticas com o objetivo de violar a integridade territorial da Federação Russa, prejudicar e bloquear os processos de integração da CEI, instabilidade política nos países vizinhos, esforços para enfraquecer o papel e posição russa nas organizações internacionais; ameaças econômicas, como diminuir e limitar a independência e potencial econômica e científica, assim como sua presença no mercado mundial; entre as ameaças militares, os conflitos armados nas proximidades da Rússia, a proliferação nuclear, e a necessidade de definição de fronteiras especialmente no sul e oeste da Rússia; ameaças ambientais, como o transbordamento de desastres ecológicos em países vizinhos e questões de longo prazo e impacto global; e ameaças sociais, como a internacionalização do crime organizado, tráfico

de

drogas,

terrorismo

internacional,

epidemias

patológicas

etc.

(SHAPOSHNIKOV, 1993 p.14-18 & KOKOSHIN, 2002 apud. SERGUNIN p. 43-44 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005). por outro lado, as ameaças podem ser Internas – como o risco de desintegração territorial da Federação Russa como resultado de conflitos regionais e inter-étnicos; tensões sócio-econômicas decorrentes da estagnação econômica, inflação, desemprego, desigualdade social, degradação da ciência e dos serviços públicos; crime organizado e corrupção; degradação cultural e espiritual; degradação ambiental e falta de mecanismos de segurança da informação. (SHAPOSHNIKOV, 1993 p.14-18 & LUKOV, 1995 p.5-7 apud SERGUNIN p. 44. In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005). Para lidar com tais ameaças, os realistas recomendam uma completa reforma doméstica fortalecendo as instituições estatais, garantindo assim os recursos e mecanismos para restaurar a estabilidade interna. Entre outras ferramentas, os realistas russos, preferem decisões políticas, diplomáticas, econômicas, e outros métodos pacíficos para resolução das suas questões de segurança. Porém, eles não abrem mão do uso da força militar, caso os diferentes interesses vitais interestatais sejam irreconciliáveis. (NATIONAL INTERESTS IN RUSSIAN FOREIGN POLICY, 1996 p.9-10 apud SERGUNIN p. 44. In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005).

131

As prioridades regionais dos realistas russos são similares às defendidas pelos neoeurasianos. Os principais círculos concêntricos vitais para os interesses da Federação Russa compõem: 1 – O “estrangeiro próximo” (as ex-repúblicas soviéticas); 2 – a Europa Oriental, o Oriente Médio, e o Leste Asiático, e 3 – o Ocidente (os EUA e a Europa Ocidental). O resto do mundo é visto como de importância periférica. (ROGOV, 1993 p.76 apud SERGUNIN p. 44 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005) Como seus colegas citados, os realistas russos advogam que a posição eurasiática do Estado o configura numa posição basilar na resolução de diversas questões internacionais, desde que sua política externa seja definida por reais interesses em vez de “ideais messiânicos” (SERGUNIN p. 44 In TSYGANKOV & TSYGANKOV, 2005). A integração da Eurásia deve-se consolidar através de instrumentos sólidos e robustos de segurança coletiva e desenvolvimento econômico; deve-se buscar a aproximação e evitar eventuais confrontações com o mundo islâmico, especialmente o Irã, desenvolvendo benéficos acordos bilaterais, mas paralelamente deve-se limitar e repelir o raio de ação de países como Turquia, Paquistão e Afeganistão (ROGOV, 1993 p.76 apud SERGUNIN p. 44 TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005) a interferir nos interesses econômicos, políticos, e militares russos. Na Europa, os realistas russos enxergam as sucessivas expansões da OTAN como uma ameaça a segurança nacional e regional, denunciando o unilateralismo euro-americano usando como evidência, sua ingerência no conflito do Kosovo em março de 1999. Enquanto acreditam no papel da OSCE como único real instrumento de segurança coletiva para o continente. (ARBATOV, 1995, 1999 p.8; PYADYSHEV, 1999 apud SERGUNIN p. 45 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005) Defensores do “balanço de poder”, os realistas russos possuem sérias preocupações com a emergência da República Popular da China como ator econômico, político e estratégico no cenário internacional, e alertam para o risco de dependência e até satelitização, dada a recente reaproximação deste país com a Federação Russa a partir dos anos 1990. Com os EUA, os realistas russos acreditam na possibilidade da “convivência cordial” com o papel político e limitada presença militar norte-americana na Europa e Ásia, desde que exista ou desenvolvam um novo sistema multilateral de segurança. Além disso, tanto o Ocidente quanto a Rússia possuem interesses comuns nas reformas do sistema econômico e político deste último, a manutenção de um regime robusto de controle de armas, a prevenção da ascensão de forças regionais 132

“revisionistas”, e manutenção de forças de paz. Ao mesmo tempo, a Rússia deve ser firme em assegurar seus interesses como a preservação de um sistema comum de segurança europeu, a manutenção de uma posição dominante no espaço pós-soviético, e a liderança na venda de armamentos para o “Terceiro Mundo” (ROGOV, 1995, 2000a apud SERGUNIN In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005) Além destes três primeiros, existem outras correntes minoritárias que acabam tendo algum destaque, mas são constituídas por arranjos teóricos e ideológicos largamente influenciados pelas correntes majoritárias, especialmente na crítica e descrença nas políticas ocidentalistas do governo Yeltsin, tendem a compartilhar as visões multipolares e multilaterais empreendidas pelas escolas Realista e Eurasianista. Neste grupo, menos ativo, mas não menos importante no debate russo encontram-se os neomarxistas (tradicionalistas e socialdemocratas) e pós-modernistas (SERGUNIN p. 48-54 In TSYGANKOV, A. e TSYGANKOV, P., 2005). Todas essas correntes teóricas e político-ideológicas estarão ativamente em debate na academia russa, tentando preencher o espaço deixado pelo outrora dominante marxismo-leninismo soviético. Apesar de serem incorporados e reproduzidos diversas vezes pela elite política e diplomática russa, uma corrente ou outra poderá ter maior proeminência ou ser majoritária norteando um dado mandato presidencial, mas jamais será absoluta, pois a nova dinâmica do poder no sistema internacional demanda políticas mais flexíveis em todas as instâncias. Por isso, a política externa buscará um ponto de equilíbrio, agregando influencias de todas as correntes em pauta em sua sociedade.

3.2 Kozyrev, Primakov e Putin Ao subir ao poder como primeiro presidente da recém-criada Federação Russa, em dezembro de 1991, Boris Yeltsin gozava de grande prestígio popular que lhe valia como um contrapeso frente ao Parlamento (grande parte composta por remanescentes do PCUS) – que segundo a constituição soviética em vigor, possuía maiores atribuições executivas do que a presidência. A euforia popular era grande, pois acreditavam que com a declaração de independência da Rússia, esta, como a mais avançada das quinze repúblicas, livrar-se-ia dos encargos de subsidiar as regiões mais atrasadas, e teria todas as condições favoráveis para implementar as reformas necessárias para desenvolver uma economia capitalista e um regime democrático (ADAM, 2011 p. 41 in ALVES, 2011).

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Entretanto, a situação do novo país no cenário internacional não refletia essa bonanza prometida: o vertiginoso declínio econômico, aliado à diminuição do poderio militar convencional – devido à paralisação das despesas e à retirada gradual de contingentes soviéticos (e depois, russos) da Europa Central e Oriental, além de parte das ex-repúblicas soviéticas, agora independentes – acarretou uma drástica redução do status da Rússia como um Global Player, sendo marginalizada em favor da superpotência hegemônica dos EUA, os países da UE, e o Japão, inclusive cedendo espaço para forças regionais em ascensão como os denominados “Novos Países Industrializados” (África do Sul, Brasil, China, Índia, Indonésia, Malásia, México e Turquia), e os “Tigres Asiáticos” (Cingapura, Coréia do Sul, Hong Kong e Taiwan). Isto levou a elite política e tecnocrática russa a repensar o seu papel como ator internacional, adotando uma linha ocidentalista e atlantista, afirmando que a integração com os organismos políticos e econômicos euro-americanos é o mecanismo ideal para solucionar

a

estagnação

econômica

russa,

ao

mesmo

tempo

mostrando

comprometimento com os valores liberal-democráticos e o respeito aos direitos humanos. (DANKS, 2009 apud SARAIVA, 2009 p. 32) Assim para buscar tais objetivos, Yeltsin abriria duas frentes de ação: no plano econômico, como já mencionado anteriormente, nomearia uma equipe de jovens economistas como Yegor Gaidar e Anatoli Chubais para conduzir as reformas necessárias para a transição para a economia capitalista, no que ficaria conhecida como a “Terapia de Choque”. No plano político e diplomático, manteria o jovem Ministro dos Relações Exteriores, Andrei Kozyrev.

3.2.1 Andrei Kozyrev Nascido em 1951 na Bélgica, filho de um engenheiro soviético que trabalhava temporariamente neste país europeu, Kozyrev graduou-se em 1974 no renomado Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou106, o principal centro de formação de diplomatas do bloco socialista, mantido pelo Ministério de Relações Exteriores soviético, em seguida, teve uma destacável carreira diplomática no Departamento de Organizações Internacionais como pesquisador e redator de discursos para as Organização das Nações Unidas, referentes a regimes de controle de armas convencionais, nucleares, químicas e biológicas. Em 1978, obteve pós-graduação em 106

Em russo: Moskoviskiy Gosudarstvenniy Institut Mejdunarodnikh Otnoscheniy – MGIMO.

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Ciências Históricas, e a partir desse ano começará a galgar várias posições dentro do Ministério. Vale lembrar que esse período é largamente influenciado pelas políticas reformistas em curso sob Mikhail Gorbachov, instituindo uma agenda liberal e multilateralista, representando um contraste ao internacionalismo socialista da “Doutrina Brezhnev”, e períodos anteriores da diplomacia soviética (SARAIVA, 2009 p. 33). Em outubro de 1990, o parlamento russo aponta Kozyrev como ministro das Relações Exteriores, e após o fracassado golpe de agosto de 1991, integra o grupo político de Yeltsin, como um jovem tecnocrata com ideias ocidentalistas e liberais necessárias para seu projeto político. Como Ministro das Relações Exteriores, conduziu uma série de políticas de aproximação com os EUA e a Europa Ocidental, dando ênfase à cooperação política, estratégica e econômica, ao mesmo tempo reconhecendo a hegemonia norte-americana, e que esta deveria tratar a Rússia como uma “potência normal”, um aliado para construção de uma ordem mundial mais democrática e estável. (ADAM, p. 42 in ALVES, 2011) Esta política, conhecida como “Doutrina Kozyrev”, considerou a Unipolaridade norte-americana como um “fato consumado”, e foi acompanhada de um reconhecimento moral do fim da bipolaridade dos tempos da Guerra Fria. A Rússia reconheceria a legitimidade da visão de mundo norte-americana e o consentimento de construir a sua política externa em conformidade com os valores e políticas estratégicas dos EUA, adaptando-se a ela, e a partir daí convergir com os interesses russos. (DUGIN, 2012 p.92) Dugin (2012) e Adam (2012) afirmam que esse posicionamento geopolítico, levou à renúncia e negligência de Moscou em relação ao espaço pós-soviético, fato que se tornou evidente com a pouca importância que esta deu no apoio à CEI, limitando-se a algumas reuniões e acordos formais e consultivos; e especialmente ao destino das ogivas e vetores nucleares (mísseis, lançadores, submarinos e bombardeiros) e estratégicos soviéticos, em posse dos governos da Bielo-Rússia, Cazaquistão e Ucrânia. Um problema de segurança tão crítico, que uma intervenção de Washington, em 1994 – temerosa com os riscos do surgimento de quatro potências nucleares, no lugar da superpotência soviética, e o comércio ilegal desses insumos nucleares para terceiros, possibilitou a duros custos políticos e econômicos, a “desnuclearização” desses países, e o retorno dessas ogivas e vetores estratégicos para a Federação Russa, reconhecida

135

oficialmente como “herdeira natural” do legado soviético (DUGIN, 2012 p. 93, ADAM in ALVES, 2012 p. 42). Entretanto, há outros autores que consideram a presença de elementos eurasianistas nas políticas de Kozyrev: Litera (1995) coloca que apesar das inclinações ocidentalistas da política externa russa, o espaço pós-soviético (os países da CEI e os três Estados Bálticos) são tidos como “(...) a área onde os interesses vitais e cruciais russos estão concentrados. É a região onde as principais ameaças contra nossos interesses se originam”. Para isso propõe que a prioridade é a “preservação de nossa [russa] presença militar no estrangeiro próximo.” (KOZYREV, 1994 apud LITERA, 1994/1995 p.44) É importante notar o uso da expressão “estrangeiro próximo” ou “exterior próximo”107, como referência direta às outras quatorze repúblicas soviéticas no Báltico (Estônia, Letônia e Lituânia); Europa Oriental (Bielo-Rússia, Moldávia e Ucrânia); Cáucaso (Armênia, Azerbaijão e Geórgia); e Ásia Central (Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão), como áreas prioritárias e vitais para os interesses estratégicos russos, posição compartilhada por realistas e neoeurasianos russos, cujas posições são tradicionalmente opostas ao ocidentalismo de Kozyrev. Trata-se de uma adaptação da “Doutrina Monroe”108 a realidade da Rússia pós-soviética (LITERA, 1994/1995, p. 45). Tal postura é evidenciada pelos fatos e eventos apontados por Tsygankov (2006) e Saraiva (2009): a partir da desilusão com os resultados da “Terapia de Choque” e a baixa contrapartida das potências ocidentais, mesmo com todos os esforços políticos de aproximação e integração russa com estes e com os organismos internacionais como o G-7, a OTAN e o GATT. Pois os países ocidentais tinham sérias reservas sobre a legitimidade das reformas democráticas de Yeltsin, situação agravada pelos resultados sangrentos da crise constitucional de 1993.109

107

Blizhneye zarubyezhe, em russo. A chamada Doutrina Monroe foi anunciada pelo presidente norte-americano James Monroe (1817 – 1825) em sua mensagem ao Congresso em 2 de dezembro de 1823. Defendia a não intervenção das potências europeias em assuntos referentes ao continente americano, como uma justificativa para assegurar os interesses dos EUA em seu entorno geográfico. Tal pensamento seria personificado na frase: “A América para os Americanos”. 109 A crise constitucional russa de 1993 refere-se aos acontecimentos ocorridos entre 21 de setembro e 5 de outubro daquele ano. Tratou-se de um impasse político entre a Presidência e o Soviete Supremo (Câmara Alta). O conflito acabou sendo resolvido pelo uso da força militar, causando 187 mortos e mais de 2 mil feridos (estimativas disputadas) a dissolução do Parlamento, e sua divisão em uma estrutura legislativa bicameral concentrando mais os poderes do executivo. 108

136

Além disso, o surgimento de conflitos no “estrangeiro próximo”, como as guerras civis e tensões étnico-culturais na Moldávia (1992), Geórgia (1992 – 1993), Tadjiquistão (1992 – 1997), e Nagorno-Karabakh (1992 – 1994) entre Armênia e Azerbaijão, além dos conflitos internos na Chechênia (1994 – 1996). Todos esses conflitos pós-soviéticos presenciaram uma intervenção militar e política russa, direta ou indireta, seja no apoio de uma das partes envolvidas, ou na mediação diplomática e o estabelecimento de uma força de paz (ou uma presença militar permanente) composta por contingentes russos e de integrantes da CEI. Outro reflexo importante dessa mudança de postura foi a criação do “Conceito da Política Externa Russa” decreto presidencial promulgado em abril de 1993, que dentre os principais itens descritos, advogava a proteção e bem-estar dos cidadãos russos; o fortalecimento dos mecanismos de segurança e integração da CEI e demais Estados do “estrangeiro próximo”; e assegurar o papel da Rússia enquanto grande potência nas questões internacionais. (RUSSIAN FEDERATION, 1993b apud SARAIVA, 2009 p. 35).

3.2.2 Yevgeny Primakov Em janeiro de 1996, em face as críticas diante da sua postura no conflito checheno e na sua impotência (e conivência) com os ataques da OTAN contra posições sérvio-bósnias durante os conflitos na Bósnia (1992 – 1995), houve para o crescimento dos sentimentos anti-ocidentalistas na sociedade russa, levando o “atlantista” Kozyrev a renunciar o cargo, sendo substituído pelo “realista” e “neoeurasiano”, Yevgeny Primakov. (DUGIN, 2014 p.101) O novo ministro teve uma longa e destacável carreira acadêmica, graduou-se no Instituto de Estudos Orientais de Moscou em 1953, e concluiu a pós-graduação na Universidade Estatal de Moscou. Nas décadas de 1960 e 1970, trabalhou como correspondente do jornal estatal Pravda no Oriente Médio, sendo também enviado para missões de inteligência para essa região e o Ocidente pela KGB, de qual era membro. Nas décadas de 1970 e 1980, foi diretor do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais, e do Instituto de Estudos Orientais, ambos da Academia de Ciências da URSS, do qual era pesquisador sênior desde 1962. Sua experiência internacional o fez ser designado por Gorbachov como enviado soviético ao Iraque antes da Guerra do Golfo (1990 – 1991) após a tentativa de golpe em agosto de 1991, foi nomeado vice-chefe da KGB, e após a dissolução da URSS em dezembro,

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tornou-se diretor do serviço de inteligência externa, o SVR, cargo que iria exercer até 1996. (DONALDSON & NOGEE, 2009 p. 116 apud SARAIVA, 2009 p. 39) Primakov contrastava fortemente com as visões de seu antecessor: proponente de um “Estado forte” e da manutenção do status de potência global da Rússia, advogava uma sólida relação multilateral com o entorno pós-soviético, a aproximação com potências regionais asiáticas como a China, Índia e Irã, criando um “triângulo estratégico” euro-asiático, como uma alternativa a hegemonia norte-americana, além de uma reaproximação gradual com os antigos aliados “soviéticos” da Guerra Fria, especialmente no Oriente Médio, Ásia e África. (ADAM, 2011 p. 43 In ALVES, 2011) Em seu breve mandato, significativos acordos bilionários de fornecimento e licenças para fabricação de armamentos foram assinados, com destaque para duzentos caças Sukhoi Su-27 fabricados na China, o fornecimento de dezoito caças Sukhoi Su30K para a Índia (com a fabricação local de 140 unidades do modelo avançado Su30MKI110), além da exportação, licença para fabricação local e até desenvolvimento conjunto de modernos sistemas de mísseis, carros de combate, aviões, blindados leves, radares entre outros armamentos com estes e outros importantes clientes como Irã, Vietnã, Argélia, e muitos outros países, incluindo históricos aliados e clientes dos EUA e da OTAN, como os Emirados Árabes Unidos, Coréia do Sul e México. Além disso, foi assinado um acordo de cooperação para a construção da usina nuclear iraniana em Bushehr (uma “herança” do período Kozyrev).111 Tais acordos iriam contribuir para reanimar a combalida indústria militar russa (LO, 2008 p. 31). Porém a principal conquista, do ponto de vista geopolítico, foi a assinatura em abril de 1996, do Tratado de Fortalecimento da Confidência Militar Mútua em Regiões de Fronteira, com a República Popular da China, e três países da Ásia Central (Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão), na cidade chinesa de Xangai. Este acordo denominaria a criação do grupo, os “cinco de Xangai” que evoluiria em 2001 para a

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Aqui vale destacar uma nota: para conquistar maior competitividade no mercado internacional, a indústria de armamentos russa passa a oferecer parte do seu know-how, oferecendo uma gama de produtos personalizada de acordo com os requisitos exigidos pelos seus clientes, rompendo com a tradição soviética de “modelos degenerados para exportação”. Tais modelos contam com “arquitetura aberta”, aceitando componentes e insumos de origem estrangeira. Além de proporcionar uma política mais flexível para concessão de licenças para fabricação e transferência de tecnologia. No exemplo citado a sigla “MKI” é traduzida do russo como Modernizirovannyi Kommercheskiy Indiski (“Modernização Comercial para a Índia”), outros exemplos seriam o Su-30MKK (Kitayski – China), Su-30MKM (Malásia), Su-30MKA (Argélia) e o míssil anti-navio supersônico russo-indiano BrahMos (nome dos rios Brahmaputra e Moscou). 111 SIPRI, Arms Transfers Database: http://armstrade.sipri.org/armstrade/html/export_values.php acessado em 14/08/2015.

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Organização de Cooperação de Xangai, fortalecendo os laços político-militares entre seus membros e conquistando novos adeptos e observadores regionais. (LO, 2008 p. 2930) Em 1998, devido a seu sucesso e carisma entre os políticos russos (liberais e oposicionistas) Primakov é nomeado primeiro-ministro, e mantém sua “linha-dura” se opondo energicamente aos planos de expansão da OTAN na Europa Central e Oriental (em 1999, Polônia, República Tcheca e Hungria são admitidos na aliança), assim como a intervenção ocidental no bombardeio contra a Iugoslávia, durante a crise do Kosovo em março de 1999, representando um esfriamento de relações entre a Rússia e o Ocidente, causando um temor de isolamento político do país no cenário europeu. Esses fatores combinados com fatos já mencionados anteriormente resultam na demissão de Primakov por Yeltsin, mas sua agenda “eurasianista” é relativamente mantida (SMITH, 2006 op. cit. in SARAIVA, 2009 p. 45).

3.2.3 Vladimir Putin Ao assumir o cargo de primeiro-ministro em agosto de 1999, e depois a presidência, a partir de maio de 2000, Vladimir Putin herdaria o diplomata Igor Ivanov como ministro das Relações Exteriores (1998 – 2004), apontado como sucessor de Primakov, quando este fora nomeado primeiro-ministro. Putin conduziu a herança “primakoviana” dos anos finais do período Yeltsin, ou seja, a reafirmação da Rússia como um global player, no sistema internacional mas ao mesmo tempo, reconhecia as dificuldades sócio-econômicas que o país atravessava e em seu entendimento, o capital e a tecnologia do Ocidente são essenciais para a reestruturação e modernização econômica e social russa. Esses preceitos estão contidos no artigo Rússia na Virada do Milênio, escrito por Putin na virada do novo século, ao mesmo tempo em que assumia a presidência interina do país com a renúncia de Yeltsin. Neste documento, aponta os graves desafios políticos, sociais e econômicos enfrentados pela Federação Russa, e a necessidade da instituição de um “Estado Forte” para conduzir e regulamentar as reformas necessárias para o desenvolvimento. Putin também estabelece quatro “valores tradicionais” da denominada “Ideia Russa”: 1) o patriotismo – orgulho da diversidade étnico-cultural, sua história, e seu lugar no mundo; 2) o status de “Grande Potência” (dzhervanost) e seu papel geopolítico, econômico e cultural inerente ao país; 3) o papel do “Estado Forte”

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(gosudarstvennichestvo) como promotor e mantenedor do desenvolvimento econômico e ordem social; e 4) solidariedade social – o reconhecimento da importância das formas de atividade coletivas na vida social (PUTIN, 1999 apud SARAIVA, 2009 p. 49-51). No campo econômico, as já mencionadas reformas internas conduzidas por Putin possibilitaram um cenário favorável para o crescimento, aumentando a relação entre Estado e mercado, e permitindo a entrada dos investimentos estrangeiros tão necessários para a economia russa. Em 2002, os EUA e a UE reconhecem oficialmente a Federação Russa como economia de mercado (SAKWA, 2008 apud. SARAIVA, 2009 p. 51). Essa aproximação deve-se em grande parte do sentimento de “insegurança” política e geopolítica, gerado nos EUA sob o governo republicano e neoconservador de George Walker Bush (2001 – 2009) após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque e Washington. Na época, o presidente russo estava em sua segunda campanha militar na Chechênia, até então alvo de críticas de políticos e diplomatas europeus e norte-americanos sobre a conduta militar e “violações de direitos humanos” por parte das tropas russas com a população civil chechena. Após os atentados, o governo Putin declara total apoio à “Guerra ao Terror” empreendida pelo governo Bush, apoiando os esforços de guerra norte-americanos e de seus aliados europeus no Afeganistão, buscando legitimar a ligação entre os militantes islâmicos chechenos como desdobramento do fundamentalismo islâmico internacional. Para a Rússia, a intervenção ocidental no Afeganistão e a derrota do Taleban, traria a estabilidade política para o Cáucaso e para a Ásia Central, consideradas “zonas de influência” da Federação Russa. Assim durante as campanhas de invasão e ocupação do Afeganistão pelos EUA e a OTAN, as autoridades russas providenciariam passagem e apoio logístico não-letal, serviços de inteligência, hospitais de campanha para auxílio as tropas aliadas e a população civil112, e a provisão de armamentos para a Aliança do Norte e posteriormente, as Forças Armadas Afegãs.113 Estas ações refletem a face ocidentalista de Putin. Baseando-se em muitas declarações do mandatário russo e seu gabinete de governo, muitos autores russos e ocidentais, caracterizam Putin como um ocidentalista “moderado” ou “pragmático”. 112

BBC. In pictures: Russia's Kabul field hospital. 3 de dezembro de 2001: http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/1689421.stm acessado em 19/08/2015. 113 THE CHRISTIAN SCIENCE MONITOR. Burning question: Are Russian troops fighting in Afghanistan? 15 de outubro de 2001 http://www.csmonitor.com/2001/1015/p13s1-wosc.html acessado em 19/08/2015.

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Tem como um de seus ídolos pessoais, o reformista monarca Pedro, “O Grande”. Numa entrevista biográfica a jornalistas russos afirmou: “nós [russos] somos parte da cultura europeia. Na verdade, derivamos nosso valor exatamente disso. Onde quer que nosso povo habite, seja no Extremo Oriente ou no Sul, nós somos europeus.” (GEVORKYAN; KOLESNIKOV; TIMAKOVA, 2000 p.155-156 apud SEGRILLO, p. 142. In ALVES, 2011; & SAKWA, 2008 apud SARAIVA, 2009 p. 51) Igor Shuvalov – então assessor presidencial, em entrevista a Segrillo em 16 de novembro de 2004 – afirmou que Putin enfatizara em seus grupos de trabalho e reuniões de gabinete, que a Rússia “era parte da Europa e devia seguir um caminho de desenvolvimento ocidental”. (SEGRILLO, 2011 p. 142 In ALVES, 2011) Entretanto, esse mesmo Putin, reconhece a diversidade e a importância do mosaico étnico, cultural e religioso que moldou o atual Estado russo em sua história.114 Tal como o Kremlin considera o espaço pós-soviético como sua zona de influência natural, apesar de que a atual configuração territorial e geopolítica das relações interestatais não permite uma reanexação das repúblicas em um único Estado. Aliás, nem representa o desejo da Rússia, pois tais ações teriam elevados custos políticos e econômicos. (ADAM, 2011 p. 47 In ALVES, 2011) Além disso, os territórios euroasiáticos configuram-se prioritários nos interesses econômicos e estratégicos russos, e rejeitam qualquer forma de revisionismo territorial e estratégico no espaço pós-soviético (SAKWA, 2008 apud SARAIVA, 2009 p. 51). A segunda postura da diplomacia russa tornou-se mais intensa após algumas “decepções” com atitudes geopolíticas tomadas pelo mesmo governo norte-americano que apoiava em sua “Guerra ao Terror”. A denúncia e saída unilateral do Tratado sobre Mísseis Balísticos de 1972 (ou tratado ABM) pelos EUA em junho de 2002, foi o primeiro ponto de discórdia entre as duas potências, os norte-americanos afirmavam que tal tratado deixava o país vulnerável a uma “chantagem nuclear” de “Estados-Pária” detentores e/ou desenvolvedores de capacidades nucleares para fins militares, como o Irã, Iraque e Coréia do Norte, e por isso, precisava ter uma sólida estrutura de defesa anti-mísseis para defesa de seu território e de seus aliados europeus 115. Isso levou a Washington, a planejar a instalação de radares e silos de mísseis interceptadores na 114

RT. Putin warns against inciting ethnic conflicts in Russia. 19 de julho de 2011: http://www.rt.com/politics/putin-religion-meeting-front/ acessado em 19/08/2015 115 Announcement of Withdrawal from the ABM Treaty, White House Press Release, 13 de dezembro de 2001 http://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2001/12/20011213-2.html acessado em 21/08/2015.

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Polônia e na República Tcheca, causando uma forte reação de Moscou, temendo perder a paridade estratégica frente ao Ocidente, pois tal escudo teria capacidade de interceptação de seus mísseis nucleares balísticos intercontinentais (ICBMs). Apesar da tensão, os russos chegaram a oferecer o uso compartilhado do complexo de radares Daryal-U em Gabala (no Azerbaijão) operado pelas Forças Aeroespaciais da Federação Russa, mas a oferta foi rejeitada pela contraparte norte-americana.116 Essa nova “crise dos mísseis” surge em paralelo à cimeira de Praga, em novembro de 2002, que determinou o maior programa de alargamento dos paísesmembros da OTAN, no pós-Guerra Fria. Os novos membros incluiriam praticamente os antigos membros do Pacto de Varsóvia (1955 – 1991) – Eslováquia, Romênia e Bulgária (Polônia, Rep. Tcheca e Hungria já eram membros desde 1999) – além da exrepública iugoslava da Eslovênia e até as ex-repúblicas soviéticas da Estônia, Letônia e Lituânia. Tal manobra é duramente condenada pela Rússia, visto como uma expansão da aliança militar rumo a suas fronteiras, contrariando o clima de cooperação do fim da Guerra Fria.117 Nos anos seguintes, dois importantes eventos contribuem para o esfriamento das relações russo-americanas. Em março de 2003, os EUA, liderando uma coalizão internacional, incluindo aliados europeus e asiáticos, lançam uma invasão militar de larga escala contra o Iraque, governado pelo líder Saddam Hussein, acusado por Washington de desenvolver programas militares de “Armas de Destruição em Massa” – nucleares, biológicas e químicas – e ter ligações políticas e ideológicas com células e grupos fundamentalistas islâmicos, como a Al-Qaeda, principal arquiteta dos atentados de 11 de setembro. Assim por estas características alegadas, o país árabe seria incluído em 2002 no denominado “Eixo do Mal”, junto com Irã e Coréia do Norte. Com a invasão do Iraque realizada unilateralmente sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU, países como a Rússia e até mesmo aliados históricos dos EUA, como França e Alemanha (que tinham interesses econômicos e estratégicos no Iraque) se sentiriam impotentes e descrentes sobre o papel dos organismos internacionais face ao poderio da superpotência norte-americana.

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AFP, Azerbaijan no Substitute for Pole And Czech Bases,spacewar.com. 7 de setembro de 2007. http://www.spacewar.com/reports/Russia_Gives_Up_Ukraine_Missile_Radars_US_Says_Azerbaijan_No _Substitute_For_Poland_999.html acessado dia 21/08/2015. 117 COHEN, Stephen. America's Failed (Bi-Partisan) Russia Policy. Hufftington Post, 28 de fevereiro de 2012 http://www.huffingtonpost.com/stephen-f-cohen/us-russia-policy_b_1307727.html acessado em 21/08/2015

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Porém, o corolário iria vir nos anos seguintes, com a onda de “revoluções coloridas” nas ex-repúblicas soviéticas, com a “Revolução Rosa” na Geórgia em 2003; a “Revolução Laranja” na Ucrânia em 2004; a “Revolução das Tulipas” no Quirguistão em 2005; a fracassada “Revolução dos Jeans” na Bielo-Rússia em 2006; e a “Revolução das Uvas” na Moldávia em 2009 (esta durante o mandato de Medvedev), além de movimentos em curso na Armênia e na Ucrânia.118 Em todos esses casos, mostram claramente a atuação de movimentos sociais e Organizações Não Governamentais (ONGs) de cunho ideológico liberal-democrata e ocidentalista, advogando a diminuição (ou mesmo o rompimento) da dependência política, econômica e estratégica com Moscou, em favor do alinhamento geopolítico com o bloco europeu, buscando sua integração com a UE e a OTAN. Esses movimentos liberal-democráticos recebiam apoio direto e indireto de países ocidentais, seja pelo apoio diplomático por políticos e representantes euro-americanos simpáticos a causa, ou mesmo pelo financiamento direto desses grupos, por meio da canalização de fundos destinados a “promoção da democracia” através de órgãos europeus e norte-americanos como a USAID e NED. (LUPU, 2010 p. 6-28). Em especial no caso ucraniano ocorrido em novembro de 2004, estes eventos causaram uma profunda preocupação e ressentimento nas autoridades russas: em primeiro lugar porque criou um sentimento de “traição”, pela intensa interferência política ocidental no espaço pós-soviético apesar das iniciativas e esforços multilaterais empreendidos (ADAM, 2011 p. 55 In ALVES, 2011) e, segundo pelo sentimento de risco de que tais movimentos político-sociais cheguem com força na própria Rússia, decorrentes das críticas de setores da sociedade civil russa e governos ocidentais sobre a conduta política “autoritária” do governo Putin. (OKARA, 2007 apud SARAIVA, 2009 p.53-54) 118

Até o presente momento da redação desta dissertação, um fato histórico ocorre na Ucrânia desde fevereiro de 2014. Denominado Euromaidan (“Europraça”), com a queda do presidente “pró-russo” Viktor Yanukovich – acusado de corrupção e autoritarismo. A oposição dissolveu o parlamento e reconfigurou um governo “pró-ocidental” e “pró-europeu”. Isso levou a reação enérgica das populações russófilas na Crimeia, no Leste e Sul do país, decorrendo na anexação da Crimeia pela Rússia, e a insurgência armada de milicianos pró-russos no leste do país, que dura até os dias atuais. Na Armênia, protestos civis demandam o reajuste das tarifas sobre a eletricidade, cuja distribuição pertence à empresa russa Inter RAO UES, dando a denominação pela imprensa russa de EnergoMaidan sendo alguns grupos pedindo a renúncia do presidente Serge Sargsyan e a adoção de uma política mais “europeia” para o país caucasiano. CECIRE, Michael. The Bear in the Room in FOREIGN POLICY Democracy Lab: http://foreignpolicy.com/2015/07/30/the-bear-in-the-room-armenia-russia-electricyerevan/?utm_content=buffer6f58e&utm_medium=social&utm_source=facebook.com&utm_campaign= buffer 30 de julho de 2015. Acessado em 23/08/2015.

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Ciente da “marginalização” geopolítica da Rússia frente aos EUA e à UE, com o não cumprimento destes em respeitar o espaço pós-soviético como “zona de influência” russa, Putin toma uma decisão até então inédita e não vista em um líder russo, desde os tempos da Guerra Fria: em 10 de fevereiro de 2007, em meio a 43ª Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha, o presidente russo, em fins do seu segundo mandato, proferiu um discurso que chocou o mundo diplomático. Com uma linguagem franca, longe das formalidades tradicionais, acusou abertamente os EUA de imporem uma ordem mundial unipolar, realizando intervenções unilaterais em países estrangeiros em detrimento do Direito Internacional e fomentar mudanças radicais de regime em governos com os quais não concordem (SEGRILLO, 2014 p. 192). Para analistas ocidentais e críticos, isso seria um sinal claro de uma renovação da “Guerra Fria”, com uma aberta confrontação ao Ocidente, enquanto outros como Dugin (2014), apesar de considerarem o valor estratégico e geopolítico do discurso de Munique, em meio à crescente tensão entre os dois polos de poder, este não representou um “divisor de águas”, na percepção geopolítica russa, tampouco um rompimento definitivo nas suas relações com o Ocidente, especialmente seus importantes parceiros econômicos da UE (DUGIN, 2014 p. 138-142.). Com a subida do “civil-liberal” e ocidentalista, Dimitry Medvedev, em março de 2008, acreditava-se numa imediata melhora nas relações com o Ocidente, porém em agosto deste mesmo ano, a diplomacia russo-ocidental vai atingir seu ponto mais baixo com a eclosão da Guerra na Geórgia e a intervenção russa em favor dos rebeldes separatistas. O apoio explícito do Ocidente (especialmente os EUA e a Grã-Bretanha) a declaração unilateral de independência do Kosovo, a candidatura da Geórgia e Ucrânia como membros da OTAN, contribuiu para a reação enérgica de Moscou, sentindo-se humilhada e incapaz de influenciar seu comportamento geopolítico. (TSYGANKOV A.; TARVER-WAHLQUIST, 2009; DONALDSON e NOGEE, 2009 apud SARAIVA, 2009 p. 64) O fim do conflito caucasiano, e a derrota dos republicanos nos EUA, com a eleição do democrata Barack Obama, representaram uma nova tentativa de esfriar as tensas relações entre os dois países, com o ato simbólico entre o ministro russo de Relações Exteriores Sergei Lavrov, e a secretaria de Estado norte-americana Hillary Clinton, em março de 2009 com aperto conjunto do botão reset (“recomeço”) na diplomacia russo-americana. Os países vão ter um progressivo período de cooperação política, estratégica, econômica e tecnológica – como por exemplo, a assinatura do 144

acordo de controle de armas NEW START, em 2010, e o cancelamento do sistema antimísseis norte-americano na Europa Oriental (SEGRILLO, 2014 p.205). Em razão disso, a diplomacia russa apresentaria posições de “conivência” com algumas políticas ocidentais nos anos seguintes, como a condenação do regime de Muammar Khadafi na repressão popular na “Primavera Árabe” e a abstenção (e não veto) para instituir uma “Zona de Exclusão Aérea”, que serviu de trampolim para a intervenção da OTAN à Líbia (que estava engendrando fortes laços comerciais e técnico-militares com Moscou) em 2011.119 Em suma, a política externa de Putin (e continuado por Medvedev), representaria uma conjugação entre suas faces ocidentalista e eurasianista, como espelho de seu gabinete misto “siloviki-liberal”, como um amálgama entre as doutrinas Kozyrev e Primakov (ADAM, 2011 p. 48 In ALVES, 2011), mas ao mesmo tempo formando uma visão excessivamente pragmática e tecnocrática das relações internacionais e o papel que a Federação Russa deve exercer nesse sistema (DUGIN, 2014 p. 128). À medida em que se mantém a parceria econômica privilegiada com o Ocidente, existe a rivalidade estratégica com este, e a Federação Russa, em convergência com seus interesses econômicos e técnico-militares, vai gradativamente abrindo crescentes canais de cooperação no resto do mundo, como a Ásia (China, Coréia do Sul, Índia e Japão), Sudeste Asiático (Indonésia e Vietnã), Oriente Médio (Irã, Israel, Turquia e Síria), África (África do Sul, Angola, Argélia, Egito e Líbia) e na América Latina (Brasil, Cuba, Nicarágua e Venezuela). Além de buscar assegurar seus interesses estratégicos no espaço pós-soviético e ser protagonista em iniciativas políticas de projeção multilateral e multipolar como a Organização de Cooperação de Xangai – OCX e os BRICS120 – arranjo político compreendendo as cinco “economias emergentes” do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. (ADAM, 2011 p. 48-49 In ALVES, 2011) Alguns autores apontam que a estratégia empregada pelo mandatário russo em conjugar os interesses econômicos e políticos, se aproximaria de uma “geoeconomia política”. (LO, 2003;

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BBC G8: Libya's Gaddafi 'should go', say world leaders. 27 de maio de 2011 http://www.bbc.com/news/world-africa-13572830 acessado em 23/08/2015. 120 O acrônimo “BRIC” seria cunhado pelo economista britânico Jim O’Neill, chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sachs, em um estudo realizado em 2001 entitulado. “Building Better Global Economic BRICs” Anos mais tarde, por convergências de diversos interesses geopolíticos por parte dos países listados, houve notáveis esforços para a criação de uma “clube político” convertendo seu crescente poder econômico em influência política no sistema internacional. Em 2009, os países realizaram sua primeira cimeira em Ekaterinburgo (Rússia) e emitiram uma declaração advogando o estabelecimento de uma ordem multipolar. Em 2011, por claros motivos políticos, convidaram a África do Sul (com economia assimétrica aos demais) a integrar o grupo, passando a denominar-se ”BRICS”.

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WALLANDER, 2004; GOLDMAN, 2008; LEVGOLD, 2007; KLARE, 2009; TSYGANKOV, 2010 & SAKWA, 2008 apud ADAM, 2011 p. 51 In ALVES, 2011)

3.3 Resultados do Reformismo Putin-Medvedev Como já analisado anteriormente, as reformas exercidas no período Putin visavam a fortalecer o papel do Estado como regulador das atividades econômicas, aumentando sua capacidade de arrecadação tributária, mas ao mesmo tempo, sendo promotor e indutor para o desenvolvimento nacional. Tais políticas, dentro do escopo deste trabalho, desdobraram-se em resultados diversos. No plano econômico, graças ao aumento dos preços do petróleo a partir das primeiras luzes do novo século, alimentado pela crescente demanda chinesa e indiana (GOLDMAN, 2008 p.89-90), o Produto Interno Bruto russo, cresceu de US$ 195,9 bi (ou US$ 1,3 tri em PPC121) em 1999, para US$ 2 trilhões (US$ 3,3 tri) em 2012, com a renda per capita aumentando de US$ 9.257 para US$ 23.699, numa taxa de crescimento anual média de 7% neste período (com crescimento negativo de 7,8% em 2009).122 A Federação Russa ultrapassaria a Itália, França e Grã-Bretanha tornando-se a 6ª maior economia mundial em 2014 (PPC); a segunda maior economia da Europa 123; e a terceira entre os BRICS. Tal crescimento econômico veio acompanhado de uma forte elevação da produção industrial com uma média anual de 8,3%, chegando a um pico de 12,6% em maio de 2010 (apesar da queda de 16% em 2009). Nos avanços sociais, houve a diminuição do desemprego de 13% em 1999 para 5,5% em 2012, e a população vivendo abaixo da “linha da pobreza” (menos de US$ 1 por dia), diminuiu de 30% em 2000 para 14% em 2008.124 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) aumentou de 0,717 – “médio desenvolvimento” em 2000, para 0,778 em 2013 – considerado pelos padrões

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Paridade de Poder de Compra. É considerado um método alternativo para medição das riquezas produzidas no país em relação a simples conversão do câmbio para o dólar, pois leva em consideração o poder aquisitivo em relação aos preços domésticos do país. 122 FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL, IMF World Economic Outlook Database, Abril de 2015: http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2015/01/weodata/index.aspx acessado en 24/08/2015. 123 Se levarmos em consideração os estudos do Banco Mundial, a economia russa ultrapassaria a alemã, sendo a maior do continente europeu e atingindo a 5ª posição mundial. BANCO MUNDIAL, Database Gross domestic product 2014 PPP, 2 de julho de 2015 http://databank.worldbank.org/data/download/GDP_PPP.pdf acessado em 24/08/2015. 124 FMI, IMF World Economic Outlook Database, Abril de 2015: http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2015/01/weodata/index.aspx acessado en 24/08/2015.

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do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD) como “elevado desenvolvimento humano”, a maior entre os BRICS.125 Além disso, dado ao favorável cenário econômico, houve um progressivo crescimento da entrada de Investimentos Diretos Estrangeiros no país, registrando um aumento anual de 62,2%, saltando de US$ 3 bilhões em 1999 para US$ 70 bilhões em 2008; perdendo para apenas para a China em valores recebidos, mas registrando a maior taxa de crescimento relativo entre os BRICS, apesar das políticas protecionistas adotadas (ALVES, 2011 p. 184-185.). A dívida externa também diminuiu nesse período atingindo, US$ 636 bilhões, ou 12% do PIB (uma das mais baixas do mundo) mesmo assumindo a responsabilidade sobre toda a dívida soviética126, assim como a dívida pública que caiu para US$ 298 bilhões, ou 11% do PIB, reduzindo a vulnerabilidade econômica a choques externos, e tornando o país um grande atrativo para investimentos estrangeiros.127 Por fim, as reservas russas em moeda estrangeira cresceram de US$ 8,4 bilhões em 1999 para US$ 476 bilhões em 2012, entre as cinco maiores do mundo. Além disso, foi o país que registrou o maior crescimento mundial de suas reservas em ouro, com um aumento de 800 t, entre 1993 a 2014, chegando a 958 t de ouro em 2012, avaliado em US$ 51 bilhões.128 As políticas do Kremlin de criação, incentivo e expansão das “campeãs nacionais”, sob a “diarquia” Putin-Medvedev, permitiu uma intensa internacionalização das empresas russas, especialmente aquelas ligadas aos já mencionados “setores estratégicos” como mineração e exploração de hidrocarbonetos. Obedecendo a uma métrica geoeconômica e geopolítica, essas empresas – estatais e privadas, empreenderam sua projeção para o exterior, direcionando seus investimentos em quatro aspectos principais: market seeking – como a aquisição de ativos de distribuição de energia e serviços em países da UE; resource seeking – como a aquisição e prospecção de novas reservas nos países da CEI, Ásia, África, Austrália e America Latina; efficiency seeking – com a descentralização e racionalização produtiva, instalando unidades produtivas em países da Europa Oriental e CEI; e o strategic asset seeking – 125

PNUD, Human Development Reports Database 1980-2013. http://hdr.undp.org/en/content/table-2human-development-index-trends-1980-2013 acessado em 24/08/2015. 126 PRAVDA.RU “Russia pays off USSR’s entire debt, sets to become crediting country". 22 de agosto de 2006. http://english.pravda.ru/russia/economics/22-08-2006/84038-parisclub-0/ acessado em 24/08/2015. 127 BANCO CENTRAL RUSSO, External Debt of the Russian Federation. http://www.cbr.ru/eng/statistics/print.aspx?file=credit_statistics/debt_an_det_new_e.htm&pid=svs&sid=it m_272 acessado em 24/08/2015. 128 BANCO CENTRAL RUSSO, International Reserves of the Russian Federation Database 1999-2012. http://www.cbr.ru/Eng/hd_base/?Prtid=mrrf_m acessado em 24/08/2015.

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como a aquisição de unidades de produção estratégicas nos EUA e na Europa Ocidental (DUNNING, 2004; SAUVANT, 2005; KALOTAY, 2007 apud ALVES, 2011 p. 210211). No tocante a sua Indústria de Defesa, o crescimento da economia, a estabilização das contas estatais, permitiu a sua capacidade de despesas e endividamento, e a uma Política de Defesa que busque restaurar o prestígio de potência militar com a adoção de novas tecnologias e modernos vetores convencionais e estratégicos, permitiu uma política constante de aquisições e investimentos estatais para fortalecer a Indústria Nacional – especialmente nos setores de manufatura de armamentos, aviões civis e militares, lançadores e sistemas espaciais, embarcações navais, e engenharia nuclear. Revitalizados com a retomada dos investimentos e compras estatais, as empresas russas ganharam nova competitividade no mercado internacional, chegando a um patamar de exportações na ordem de US$ 13,2 bilhões em 2012, contra US$ 3,7 bilhões em 2001.129 Dentre os setores mais importantes, a aviação civil e militar registrou crescimento de 37%, sistemas terrestres e equipamentos militares aumentaram 27%, equipamentos navais – 18%, e sistemas antiaéreos – 15%, tornando a Federação Russa, o segundo maior exportador de armas convencionais, atrás somente dos EUA.130 A empresa Rosoboronexport recebeu cerca de 1.877 pedidos estrangeiros, e 1.309 contratos assinados só em 2012, duas vezes e meia, as registradas no ano anterior.131 No setor espacial, parcerias foram desenvolvidas entre a Roskosmos e agências estrangeiras como a NASA e a ESA (Agência Espacial Europeia), para prestação de serviços, exportação de equipamentos, e desenvolvimento de projetos, como a Estação Espacial Internacional, além de pesados investimentos foram realizados no desenvolvimento do sistema de posicionamento global russo – GLONASS, que tornouse operacional em setembro de 2008 para uso militar e civil. Em 2011, foram investidos US$ 2,4 bilhões no programa espacial – civil e militar (contra US$ 67 milhões em 2001, e US$ 498 milhões em 2005).132 Como mostra a tabela 13.

129

RUSSIAN BUSINESS DIGEST "Arms Exports Thrive Amid Military Revamp", 7 de julho de 2014. http://trbd.org/2014/07/07/arms-exports-thrive-military-revamp/ acessado em 24/08/2015. 130 REUTERS, "Putin says Russia must boost arms exports: RIA news agency", 7 de julho de 2014 http://www.reuters.com/article/2014/07/07/us-russia-arms-idUSKBN0FC10X20140707 acessado em 24/08/2015. 131 SPUTNIK NEWS, "Russian arms exports exceed US$ 8 bln in 2008" 16 de dezembro de 2008. http://www.sputniknews.com/russia/20081216/118889555.html acessado em 24/08/2015. 132 SPUTNIK NEWS."Russia allocates $3.8 bln for space programs in 2011" 01 de novembro de 2011. http://www.sputniknews.com/russia/20110111/162102586.html acessado em 24/08/2015.

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Tabela 13 – Evolução das exportações russas de armamentos (em bilhões de US$) 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 3,7 4,8 5,6 5,8 6,1 6,5 7,4 8,3 8,8 10,0 13,2 15,2 13,2 Elaboração pelo Autor. Fonte: CAST, Moscow Defence Brief nº 1 / 2010 p. 9 e SIPRI Arms Trade Database. http://armstrade.sipri.org/armstrade/page/trade_register.php acessado em 16/07/2015.

Para compreender as transformações nas Forças Armadas da Federação, além da Reforma Militar de 2008, já analisada no capítulo anterior, é necessário entender a evolução da Doutrina Militar Russa, desde o fim da bipolaridade Leste-Oeste, até as novas transformações e desafios geopolíticos contemporâneos. O primeiro documento preliminar, redigido em 1992, logo após a dissolução da URSS, não trazia muito além de uma réplica do pensamento estratégico soviético, identificando as fontes de ameaça em “Estados unitários e coalizões que desdobrem um considerável aparato militar nas fronteiras russas.” Apesar de levar em consideração o declínio da possibilidade de uma guerra mundial em grande escala, o documento delineia o uso primário de vetores nucleares estratégicos como elemento de dissuasão (DICK, 1993, p.13). Este documento é rejeitado pelo Soviete Supremo da Federação Russa, e em novembro de 1993, um novo documento entra em vigor. Nele, mantém-se a preocupação com a possível expansão dos blocos militares ocidentais, e violação dos tratados de controle de armas, assim como a interferência em populações russas no “estrangeiro próximo”. O compromisso de não uso primário de vetores nucleares estratégicos é abandonado, e a prioridade é levada para conflitos regionais de “baixa intensidade”, proliferação de armas nucleares, biológicas e químicas e o terrorismo. Isso demandaria forças menores, mais leves e móveis, com elevado grau de profissionalismo, e rápida capacidade de prontidão e desdobramento. Mudança que não foi possível atender.133 Em abril de 2000, é aprovada uma nova doutrina, que se diferencia das anteriores por não diferenciar as fontes de ameaça como “perigos militares externos” e “ameaças militares imediatas”, como reflexo do fim da Segunda Campanha Chechena. Entre outras mudanças, são delineadas como principais ameaças a “possibilidade de reivindicação territorial na Federação Russa, assim como interferência em seus assuntos domésticos.” Em segundo lugar, é mencionado o “desrespeito e marginalização da Federação Russa na resolução de conflitos internacionais” e a “oposição ao 133

The Basic Provisions of the Military Doctrine of the Russian Federation, 1993, Rossiiskie Vesti, 18 Nov 1993 via FBIS-SOV-93-222-S, http://www2.hawaii.edu/shaps/russia/russia-mil-doc.html acessado em 24/08/2015.

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fortalecimento da Rússia como um centro de um mundo multipolar”. 134 Denotando progressivamente, a priorização progressiva do papel internacional da Federação Russa com o decréscimo da percepção de ameaças internas. O Documento mais recente, aprovado em 2010 durante o mandato de Dmitry Medvdev tendo Anatoli Serdyukov como ministro da Defesa, identifica onze itens que constituem as “ameaças externas” à integridade territorial e política da Federação Russa. A doutrina de 2010 se define como estritamente defensiva, mas explicita unilateralmente a expansão da OTAN e o desdobramento de sua infraestrutura para as proximidades das fronteiras russas; além de outros Estados que tentem desestabilizar a situação em países soberanos e regiões, minando a estabilidade estratégica; desdobramentos de vetores convencionais e estratégicos nas fronteiras da Federação Russa e de seus aliados; e Estados, órgãos e agentes que atuem como promotores e patrocinadores da proliferação de armas de destruição em massa e o terrorismo internacional. Sob essa nova doutrina, as autoridades russas mostram explícita ou implicitamente a preocupação com a aliança militar ocidental, mas também atenção para a emergência de novos atores como a China, que pode despontar como um potencial rival estratégico no contexto geopolítico asiático. Em razão disto, a Federação Russa reserva-se o uso de vetores nucleares, em resposta ao uso de armas de destruição em massa por terceiros contra seu território ou contra seus aliados.135 Em 2014, o presidente Putin, reeleito, realiza uma revisão na doutrina de 2010, endurecendo mais a posição russa em relação a OTAN e as interferências políticas dos EUA; considera a necessidade de maior aproximação e consolidação da cooperação político-militar com importantes atores regionais como China, Índia e seu entorno pós-soviético, e a sua projeção estratégica para a região do Ártico.136

3.4 Rumos da Política Energética Russa As principais diretrizes da Política Energética da Rússia, nesta primeira década do novo século foram delineadas no documento: Energy Strategy of Russian Federation

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Draft Military Doctrine of the Russian Federation, Krasnaya Zvezda, 9 October 1999, p.3-4 FBIS Translation, Section 1.1. 135 Russian Military Doctrine, 2010 http://carnegieendowment.org/files/2010russia_military_doctrine.pdf. Carnegie Endowment of Peace. 5 de fevereiro de 2010. acessado em 24/08/2015 136 “Russia Overhauls Military Doctrine”. DefenseNews, 10 de janeiro de 2015 http://www.defensenews.com/story/defense/policy-budget/policy/2015/01/10/russia-military-doctrineukraine-putin/21441759 /acessado em 24/08/2015.

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to Year 2020. Em 2000, o governo russo aprovou as principais provisões do Plano, e em 2003 já estava em vigor. O documento apresenta as seguintes prioridades: 

a preocupação com a intensidade energética na produção industrial e na provisão de energia para o setor civil, à medida em, que registra o aumento progressivo do consumo interno e externo. Deve-se considerar uma política ativa de eficiência energética;



preocupação com uma “extravagância energética”, com cenários críticos de peak oil e peak gás;



a implantação de medidas de “desenvolvimento sustentável”, em acordo com os termos assinados (mas não ratificados) do Protocolo de Kyoto;



desenvolvimento tecnológico e capacitação da força de trabalho no setor energético, aumentando sua efetividade e competitividade econômica. Uma “renovação técnica” da Economia;



a conclusão da reforma estrutural dos monopólios energéticos e reestruturação da indústria carbonífera. Provisão para os produtores de gás e petróleo “independentes” maior acesso ao sistema dutoviário e terminais de exportação;



diversificação da matriz energética, priorizando tecnologias modernas, eficazes e sustentáveis, como a energia nuclear, hidroelétrica, e unidades de cogeração energética. O desenvolvimento, expansão e implementação destas matrizes irá variar de acordo com a realidade geográfica e socioeconômica das diversas regiões no território nacional;



a diminuição dos custos de produção no setor energético, otimização do potencial industrial disponível, liquidação das unidades deficitárias e expansão das unidades rentáveis;



formação e regulação de preços internos para os recursos naturais a um nível que providencie o autofinanciamento para o setor energético e os produtores de combustíveis. Aumento dos preços dos recursos energéticos e aprimorar a política tributária;



aprimorar o nível da qualidade administrativa nas empresas de capital aberto que operam no complexo energético e de combustíveis. Medidas administrativas mais estritas (imposição de Standards, supervisão 151

energética e auditorias) (BUSHUYEV, MAKAROV, MASTEPANOV e SHAMRAYEV, 2008.)

Em 21 de dezembro de 2006, o então Ministro da Indústria e Energia Viktor Khristenko, emite o decreto Nº 413 “Para refinamento da Estratégia Energética da Rússia para o período de 2020 e seu prolongamento para 2030”, mobilizando treze grupos de trabalho interdepartamentais compostos por cientistas e especialistas de diversas áreas. Em 2008, no mandato presidencial de Dmitry Medvedev, o recémcriado Ministério da Energia (a “Indústria” iria para o Ministério de Indústria e Comércio), sob o comando do ministro Sergei Shmatko conduziu várias audiências e debates públicos sobre o documento com o Conselho Federal da Duma, a Câmara de Comércio, a União Russa de Industriais e Empreendedores, o Instituto de Estratégia Energética e outros especialistas que contribuíram no desenvolvimento do documento. Sendo aprovado por decreto ministerial em 13 de novembro de 2009 (ENERGY STRATEGY OF RUSSIA, 2010 p.3). Em comparação com o documento anterior, a Energy Strategy of Russia 2030 reconhece muitas mudanças econômicas e geopolíticas ocorridas no período da vigência do antigo documento, o que o tornava invalidado, pois muitas das metas já tinham sido alcançadas em dois ou três anos. No entanto, alerta a gravidade da persistência de problemas estruturais, especialmente a lentidão na expansão de projetos energéticos na Sibéria e Extremo Oriente, e a insuficiente inovação técnico-científica que as indústrias de máquinas e equipamentos deveriam articular ao setor de energia (ENERGY STRATEGY OF RUSSIA, p. 28-29). Em suma, o novo documento faz uma revisão das metas, através dos cenários prospectivos levando em consideração a nova realidade política e econômica do país, praticamente reforçando os pontos outrora apresentados no antigo documento. Porém, em conformidade com as políticas de “eficiência energética” no governo Medvdev, advogará a inovação, não apenas científica e tecnológica para as empresas de energia, mas também administrativa e gestora e em forte articulação com os ministérios, órgãos jurídicos, empresas (estatais e privadas). A diversificação da matriz energética e uso sustentável e racionalização dos recursos disponíveis, por meio de uma maior interação entre a gestão pública, os órgãos privados e a sociedade civil, também são destacados (ENERGY STRATEGY OF RUSSIA, 2010 p. 38-40).

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3.5 Novas Fronteiras, Novos Desafios. Entretanto, apesar de todos os projetos, esforços e iniciativas de reestruturação, modernização e inovação, empreendidas por Putin e Medvedev, sérios problemas e vulnerabilidades estruturais ainda persistem na realidade política, econômica russa. Em primeiro lugar é necessário destacar a estrutura primário-exportadora da economia russa, com a intensa dependência do comércio e preços internacionais de commodities, especialmente o petróleo, gás natural e minérios em geral. Somente o setor petrolífero, se tomado separadamente, é responsável por 16% do PIB, 52% das receitas do orçamento federal e 70% das exportações em 2012.137 Se somarmos o setor de mineração de minerais metálicos e exploração madeireira, essa participação aumenta para 80%.138 O gráfico 8 mostra a predominância do setor energético e mineral nas exportações russas: Gráfico 8 – Federação Russa: Estrutura das Exportações em 2012

Notas e Legenda: itens representados pela cor marrom escuro – hidrocarbonetos; marrom claro – metais; laranja – pedras preciosas; lilás – produtos químicos; azul claro – máquinas e equipamentos elétricos; azul bebê – veículos e equipamentos de transporte. Fonte: Harvard Atlas of Economic Complexity http://atlas.cid.harvard.edu/explore/tree_map/export/rus/all/show/2012/ acessado em 25/08/2015)

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BANCO MUNDIAL, "World Development Indicators: Contribution of natural resources to gross domestic product". http://wdi.worldbank.org/table/3.15 acessado em 25/08/2015. & ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION. "Russia - Analysis".. 12 de março de 2014. http://www.eia.gov/beta/international/?fips=rs acessado em 25/08/2015 138 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY, CIA World Factbook. https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/rs.html acessado em 25/08/2015.

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Apesar da sua indústria associada ao setor de máquinas, equipamentos e infraestrutura ligada ao fornecimento e abastecimento de insumos para a indústria petrolífera e energética, décadas de paralisação de investimentos dos períodos do declínio soviético e do governo Yeltsin, incrementaram o atraso tecnológico em relação às economias capitalistas avançadas e até alguns de seus congêneres emergentes, como a China. Se levarmos em conta o setor de bens de consumo, historicamente marginalizado pela estrutura econômica soviética, a situação é ainda mais grave (MEDEIROS p. 30 In ALVES, 2011). Isso se reflete na relação econômica assimétrica entre a Federação Russa e seus principais parceiros econômicos, a UE e a China. Para estes países e regiões geoeconômicas, a Rússia exporta principalmente petróleo e gás natural, além de insumos minerais, e importa bens industriais, especialmente máquinas e equipamentos. Recebe investimentos de países como Alemanha e China em energia, transportes, bancos e atividades industriais voltadas para o abastecimento do mercado doméstico, como automóveis e alimentos (MEDEIROS, 2011 p. 31 in ALVES, 2011). Além disto, o investimento tecnológico em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) é considerado baixo, só em 2013, foi registrado na ordem de US$ 32,8 bilhões, ou 1% do PIB. Apesar deste valor se apresentar na nona posição no ranking mundial, relativamente similar aos gastos registrados na Grã-Bretanha (US$ 38,4 bi – 1,7% do PIB) e França (US$ 42,2 bi – 1,9% do PIB), encontra-se bem abaixo de outras economias avançadas, como a Alemanha (US$ 69,5 bi – 2,3% do PIB), Japão (US$ 160,3 bi – 3,6% do PIB) e Coréia do Sul (US$ 65,4 bi – 4,3% do PIB), para não citar os EUA; mas também abaixo de economias emergentes, com renda média inferior à russa, como a China (US$ 337,5 bi – 2% do PIB) e Índia (US$ 36,1 bi – 0,9% do PIB) (FUJITA, 2009 apud MEDEIROS p. 31 In ALVES, 2011). Tais resultados comprometem consideravelmente os esforços governamentais de transformação de Poder Potencial em Poder Efetivo, ainda mais para um projeto nacional que busca sua restauração como potência militar, econômica e técnico-científica (LONGO e SERRÃO, 2012 p. 25). Cabe ressaltar ainda alguns aspectos e transformações sociais ocorridos na Rússia pós-soviética. Com a drástica redução e até encerramento, do apoio estatal aos grandiosos e onerosos projetos científicos e militares soviéticos, houve uma catastrófica “fuga de cérebros” com centenas de milhares do corpo científico russo emigrando para os EUA e países da Europa Ocidental, em busca de melhores condições de emprego e 154

pesquisa, sendo incorporados por importantes institutos de pesquisa e empresas de tecnologia desses países.139 Como mostra no gráfico 9. Gráfico 9 – Emigração na Rússia pós-soviética (1990-2014)

Fonte: Rostat cit por Daily Mail http://www.dailymail.co.uk/news/article-2858108/GreatRussian-Brain-Drain-Spike-professionals-leaving-country-President-Putin-started-term-office-Crimeaannexed.html acessado em 25/08/2015)

Outro problema apontado é o elevado índice de corrupção na gestão das empresas públicas e privadas, e o crime organizado no país. Mesmo com a “domesticação dos oligarcas” nos primeiros anos de Putin, outros fortes magnatas surgiram, beneficiados pelas suas políticas protecionistas, mas seus interesses nem sempre podem convergir com os do Estado, e suas atividades de evasão fiscal custam aos cofres públicos cerca de US$ 2 bilhões por ano. (BARRY, 2009) Alguns analistas afirmam que a Rússia está sob um regime “cleptocrático” instituído por Yelstin e continuado por Putin (DAWISHA, 2014), sendo considerado o segundo país mais corrupto do continente europeu, abaixo da vizinha Ucrânia.140 Por último, aponta-se que a estrutura de interesses das novas elites e a base política de poder estatal – em virtude 139

DAILY MAIL “Putin’s great Russian brain-drain: Number of professionals quitting country soars amid Crimea and Ukraine Crisis. http://www.dailymail.co.uk/news/article-2858108/Great-RussianBrain-Drain-Spike-professionals-leaving-country-President-Putin-started-term-office-Crimeaannexed.html acessado em 25/08/2015. 140 TRANSPARENCY INTERNATIONAL, Corruption Perceptions Index - CPI 2014: http://www.transparency.org/research/cpi/overview acessado em 25/08/2015.

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destas serem compostas por economistas e profissionais liberais, muitos com formação no Ocidente e com visões estritamente economicistas; podem dificilmente apontar um cenário de concentração de poder em torno de uma estratégia liderado pelo Estado, centrado numa política de catch-up de reestruturação industrial em inovação e tecnologia nacional. (GUSTAFFSON, 1999; SEGRILLO, 2009 apud MEDEIROS, 2011 p. 33 In ALVES, 2011) No plano geopolítico externo, está em curso o recente “divórcio” entre a Federação Russa, e o Ocidente, liderado pelos EUA e seus aliados na UE, referentes a postura política russa na Crise da Ucrânia de fevereiro de 2014, com a anexação da Crimeia e a condenação das facções políticas (apoiados pelo Ocidente) que assumiram o poder após o episódio do Euromaidan. Críticos às ações russas, as potências ocidentais (EUA, Canadá, Japão, Austrália e a UE) impuseram uma série de sanções políticas e econômicas a Rússia, atingindo os setores financeiro, técnico-militar e energético.141 Isso prejudicou o comércio entre a Rússia e a UE – seu principal parceiro econômico, responsável por absorver 52,3% das exportações (2008) e 75% dos investimentos diretos estrangeiros no país142. Porém, muitos países dentro do bloco europeu mostram-se contrários às sanções e advogam sua retirada ou suavização, visto sua forte dependência dos insumos energéticos e minerais russos, e a necessidade destes para revitalizarem a debilitada economia do bloco, em recessão desde a crise financeira de 2009143. Por outro lado, existem iniciativas europeias e até norte-americanas de buscar “fontes e caminhos alternativos” de petróleo, gás natural e minérios, evitando ou diminuindo a dependência russa, com resultados parciais ou insuficientes.144 O mapa 10 demonstra as inciativas europeias de redução da enorma dependência energética russa.

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EUROPA - European Union Newsroom. EU sanctions against Russia over Ukraine crisis". http://europa.eu/newsroom/highlights/special-coverage/eu_sanctions/index_en.htm acessado em 22 de junho de 2015 142 EUROPEAN COMISSION, EU-Russia bilateral relations. http://ec.europa.eu/trade/policy/countriesand-regions/countries/russia/ acessado em 25/08/2015. 143 RUSSIA DIRECT, "Everything you need to know about Western sanctions against Russia" 21 de outubro de 2014: http://www.russia-direct.org/things-you-need-know-about-western-sanctions-againstrussia#explanation-2 acessado em 25/08/2015. 144 FINANCIAL TIMES, "Time to end Europe’s dependence on Russian energy" 5 de maio de 2015: http://blogs.ft.com/beyond-brics/2015/05/05/time-to-end-europes-dependence-on-russian-energy/ acessado em 25/08/2015.

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Mapa 10 – Os caminhos russos e europeus do petróleo e gás natural.

Elaborado pelo Autor. Fonte: Stratfor.

Entretanto, ademais das adversidades citadas anteriormente, existem muitas oportunidades e possibilidades geopolíticas e geoeconômicas para os interesses estratégicos da Federação Russa. Em primeiro lugar, diz respeito as relações de interdependência russo-europeias como parceria econômica e rivalidade estratégica. Ainda que a clivagem geopolítica se mantenha em decorrência das divergências sobre a Crise da Ucrânia, é notável a vulnerabilidade energética e mineral do bloco europeu, a não ser que outros países possam substituir a consolidada infraestrutura russa como fornecedores (KLARE, 2006 p. 146-150). Porém, tendo em vista a crescente instabilidade no Oriente Médio – em meio aos desdobramentos políticos da “Primavera Árabe” como as guerras civis na Líbia, Síria, Iraque e Iêmen, além de crises políticas no Egito e no Líbano e a persistente guerra no Afeganistão – as possibilidades de mudança de parcerias energéticas são muito limitadas. Os EUA, que experimentam sua

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“revolução do fracking145”, registram um aumento progressivo na produção nacional de gás natural e petróleo, e podem despontar como potenciais fornecedores ao mercado europeu. No entanto, dados os elevados custos de produção, o baixo preço do petróleo (US$ 42,69 – agosto de 2015146), a falta de infraestrutura necessária nos países da Europa Central e Oriental para receber gás natural liquefeito (GNL), e a possibilidade do aumento do consumo no mercado interno, poderá demandar anos (talvez décadas) para a produção norte-americana poder entrar com força no mercado europeu com competitividade, permanecendo a importância da Rússia como principal fornecedor a Europa (BORDOFF e HOUSER, 2014. p. 29-32). O gráfico 10 demonstra a participação do gás russo no consumo de países do bloco. Grafico 10 – A dependência do gás natural russo no consumo doméstico da União Europeia – 2007 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

Elaborado pelo Autor. Fonte: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=SEC:2009:0978:FIN:EN:PDF acessado em 21/08/2015.

Em segundo lugar, as sanções ocidentais levaram a Federação Russa a endurecer sua projeção geoeconômica e geopolítica eurasiana para outros continentes e regiões,

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“frautramento hidráulico”. é um método que possibilita a extração de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo. O procedimento consiste na perfuração de um poço vertical no qual, uma vez alcançada a profundidade desejada, a broca é girada 90° em sentido horizontal e continua perfurando. A seguir uma mistura de água, substâncias penetrantes e químicas é injetada no terreno sob alta pressão. O objetivo é ampliar as fissuras existentes no substrato rochoso que encerra petróleo e gás natural. 146 BLOOMBERG BUSINESS, Energy Markets http://www.bloomberg.com/energy acessado em 25/08/2015.

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especialmente a Ásia.147 Além de assegurar sua presença no Heartland centro-asiático, tem como principal parceiro estratégico a China, seguido de perto da Índia, Coréia do Sul, Irã, Turquia, os países da ASEAN, e até o Japão – tendo em vista sua dependência dos recursos russos, e suas sanções mais “brandas”, comparados as adotadas pelo bloco euro-americano (YANAGISAWA, 2014). Em maio de 2014, é assinado um acordo onde a Federação Russa se compromete a fornecer 38 bilhões de m³ de gás natural anuais para a China por um período de trinta anos, ao custo de US$ 400 bilhões. (BORDOFF e HOUSER, 2014 p. 19) Tal acordo é assinado logo após a aplicação das sanções, mostrando a decisão russo-chinesa em atuar fora das contingencias norte-americanas. Para Moscou, acordos com este e em curso com outros países nos mais diversos temas, tem como objetivo, o desenvolvimento e integração do Extremo Oriente Russo – como fronteira energética, industrial e comercial, ao complexo geoeconômico nacional; se São Petesburgo fora a “janela para a Europa” no século XVIII Moscou espera que a cidade portuária de Vladivostok (em russo: “Senhor do Oriente”) seja para a Ásia neste século.148 Assim, os investimentos chineses, coreanos, indianos e japoneses serão fundamentais para desenvolver as riquezas naturais desta face “asiática” da Rússia (POUSSENKOVA, 2007 p. 44). Contudo, existe a clara preocupação com sua “satelitização” a China. (LO, 2008 p. 120127) Buscando assegurar uma “liderança compartilhada” de um bloco eurasiático e multipolar, a Federação Russa se empenhará, movida pelo pragmatismo, mas motivada pelos seus interesses estratégicos, para a construção e consolidação de blocos geopolíticos eurasiáticos e multilaterais como a Organização de Cooperação de Xangai, já mencionada anteriormente, cujo papel poderá ser fortalecido, estabelecendo agendas mais robustas sobre as questões de segurança, combate ao terrorismo, cooperação técnico-militar, integração econômica, e segurança energética. Apesar de haver divergências e preocupações com o Dragão Chinês, o desejo de contrapor-se ao unilateralismo norte-americano pode servir de contrapeso para aprofundar a parceria estratégica russo-chinesa (LO, 2008 p. 104-110). Mostrado no mapa 11.

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Mapa 11 – Eurásia: Arranjos Geoestratégicos

Elaborado pelo autor. Fonte: BONIFACE & VÉDRINE, 2009 p. 93

Também deve-se levar em consideração a instrumentalização dos BRICS como um bloco político multipolar. Ainda que possa demandar agendas mais complexas e robustas, importantes avanços foram tomados, como por exemplo, a recente instituição do Novo Banco de Desenvolvimento, em 15 de julho de 2014, na 6ª cimeira dos BRICS, em Fortaleza. Conhecido informalmente como “Banco dos BRICS”, se apresenta como uma alternativa aos organismos financeiros existentes, como o Banco Mundial e o FMI, geridos pelas potências ocidentais. Será sedidado em Xangai (China), mas todos os países-membros participarão do processo decisório, tendo poder de veto. O novo banco terá um aporte inicial de US$ 100 bilhões, destinado a projetos de desenvolvimento nos países-membros com planos de expansão para terceiros, especialmente nos países subdesenvolvidos.149 Por fim, a “última fronteira” energética e geopolítica de grande prioridade para a Federação Russa, reside no gélido Oceano Ártico. Descrito por Mackinder como a barreira marítima que impede as telurocracias do Heartland a projetarem-se para fora da “Ilha Mundial”, é vista como uma região de elevado potencial energético, mineral e marítimo, podendo servir como uma via de transporte entre a Europa e Ásia. Por esse 149

RT, BRICS bank opens for operations in Shanghai

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valor estratégico, desde 2007 as autoridades russas direcionam uma robusta política ártica, por meio de expedições científicas, presença de instalações militares, e uma extensiva campanha diplomática, buscando a reivindicação de novos territórios como parte de sua plataforma continental, e assim obter a expansão exponencial da sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE), entrando em atrito geoestratégico com os interesses de outros “países árticos” como os EUA, Canadá, Noruega e Dinamarca. (KLIMENKO, 2014. p.3-24) Como mostrado no mapa 12. Mapa 12 – Potencialidades do Ártico russo.

Elaborado pelo Autor. Fonte: http://sputniknews.com/infographics/20100628/159604153.html acessado em 16/08/2015.

Em resumo, a nova dinâmica geopolítica a partir desta segunda década do século XXI irá demandar novamente uma “reinvenção” da Federação Russa, em retomar seu papel como global power no sistema internacional. Se, por um lado, existe a clivagem política com o Ocidente, apesar das resistências de ambos os lados e a esperança de reatar os laços perdidos, por outro, existe a expansão da presença geoestratégica e geoeconômica russa em novos territórios, mercados e arranjos geopolíticos e multipolares, podendo robustecer-se suprindo a perda de seus antigos parceiros econômicos, financeiros e técnico-científicos, como também estabelecer sua presença endógena nesses campos, na busca de mostrar-se novamente como a Grande Potência que o mundo historicamente respeitou e temeu.

161

CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho de dissertação, buscou-se analisar através do resgate histórico, e a análise política, institucional, econômica, geopolítica e estratégica, as diversas transformações

ocorridas

no

território,

sociedade,

elite

político-econômica,

componentes do Estado russo. Em primeiro lugar, dadas as leituras de inúmeros teóricos geopolíticos e estrategistas como Halford Mackinder, Karl Haushofer, Nicholas Spykman, Zbigniew Brzezinski e Robert Kaplan entre outros, comparados e cujas ideias e visões estudadas separadamente, sempre notaram a importância dos fatores geográficos na insituição, desenvolvimento e expansão de uma determinada civilização. A posição estratégica, a proximidade com o oceano e vias hídricas, a disponibilidade de recursos naturais – como terras férteis, jazidas minerais, e recursos energéticos, e a ocorrência de “fronteiras naturais” e a suscetibilidade a ataques e invasões estrangeiras, podem ser fatores que contribuem ou limitem em primeira instância no florescer de uma sociedade, ao longo da história. Entretanto, outros fatores como a coesão e organização social, identidade etnolíngustica e religiosa, o conhecimento técnico e científico, e a capacidade de tributação, administração, coerção e projeção de poder do Estado complementam os fatores naturais e geográficos, instrumentalizando-os como elementos de poder. A Rússia, ao longo de sua dimensão espaço-temporal, desenvolveu-se em um território fértil, rico em recursos hídricos e minerais, e uma posição privilegiada, num entroncamento viário e comercial interligando vários espaços geoeconômicos como a Escandinávia, o Sul da Europa, o Oriente Médio, a Ásia Central e a Sibéria. Porém, ao mesmo tempo hostil e vulnerável a incursões e invasões estrangeiras, especialmente das hordas semi-nômades tártaro-mongóis. Isto contribuiu para moldar uma sociedade fortemente centralizada, burocratizada e autoritária, capaz de defender-se das tribos estépicas, projetar-se além de suas fronteiras, mas também de absorver as influências euro-asiáticas que recebia dos seus vizinhos (varegos, bálticos, bizantinos, fino-urálicos, tártaro-mongóis, cristãs, pagãs e islâmicas), seja pelo intercâmbio comercial, ou pela conquista militar, isto configurou na como uma civilização multinacional. Tais elementos combinados foram os ingredientes necessários para a transformação da Rússia numa Grande Potência e inserida no jogo político europeu. Seus território, 162

recursos, população, combinados com as tecnologias ocidentais e orientais, e um Estado forte, poderiam projetar suas conquistas territoriais em vastas porções territoriais na Europa Oriental, Escandinávia, Balcãs, Cáucaso, Sibéria, Ásia Central, Mongólia e Manchúria, configurando em um colossal império e economia-mundo (numa terminologia “braudeliana”) ligando vários pontos e civilizações da Eurásia, como a Europa, Império Otomano, Pérsia, Índia, China e Japão. Contudo, tal poderoso aparelho estatal cobrava um elevado preço, pago com sangue, suor e impostos pela sociedade russa, especialmente as classes mais baixas, que alimentavam as grandiosas campanhas e expedições militares, mas também o luxo de uma nobreza autoritária e repressora. Por isso, a Rússia passou por inúmeras turbulências internas, com resultados variados, onde influenciada por fatores e ideias internas e externas, mostrou-se capaz de adaptar-se as novas realidades e reinventar-se como Estado e sociedade, conseguindo superar os períodos de fraqueza, e projetar-se para uma nova História. Tais momentos refletiram-se na história imperial – superando problemas internos e repelindo inúmeras invasões estrangeiras, e na mudança radical desta para o período soviético, inaugurando um novo modelo utópico de sociedade, então desconhecido no mundo. O jovem Estado soviético, edificado pelos ideais do proletarismo ateísta, e a emancipação do homem em relação aos modelos de produção, trabalho e capital, era desprezado, marginalizado e temido pelos impérios capitalistas europeus, norteamericanos e japoneses, pois representava uma ameaça ao modelo político e sócioeconômico que personificavam. A desconfiança era mútua, e o jovem Estado socialista temia ser alvo de uma onda de invasões pelos seus vizinhos imperialistas e capitalistas (que ocorrera no momento de seu nascimento), e a partir disso, buscou conjugar os recursos do Estado, economia e sociedade num esforço em prol de uma estratégia única (talvez até uma paranoia para alguns) de instituição e solidificação de si como uma máquina militar, capaz de defender e impor e seu poderio bélico perante aos seus inimigos. Fato que se revelou crucial na vitória durante a Segunda Guerra Mundial, e na sua sobrevivência durante a Guerra Fria, mas cobrando um oneroso preço material, econômico e social, fatores que contribuíram para seu colapso em dezembro de 1991. Com o fim da antiga superpotência soviética, o renascido Estado russo, experimentou um profundo processo de declínio nacional e civilizacional: a queda no nível de vida, aumento do desemprego, pobreza e desigualdade social, o esvaziamento e ineficiência dos serviços públicos, a emigração do seu corpo ténico-científico e mão-de163

obra qualificada, o decréscimo populacional, o aumento da corrupção e criminalidade, o fechamento, obsolência e desnacionalização das empresas e da economia, e o sucateamento de seu outrora poderio militar. No plano externo, como herdeira do legado soviético, via seus antigos “satélites” europeus, asiáticos e africanos serem incorporados pelos seus antigos adversários e rivais estratégicos. Mesmo no limitado espaço póssoviético, sua autoridade e projeção geopolítica era questionada. Porém, esse altíssimo preço foi minimamente compensado com o influxo de novas ideias nacionais e estrangeiras, pensamentos que poderiam novamente “reiventar” Rússia para si e para o mundo. Deste debate, surgiria um mosaico de variados pensamentos que inundariam a classe intelectual e política russa, buscando um projeto de revitalização nacional sem representar uma volta ao passado imperial-soviético, mas também não ser incorporados aos valores liberal-democráticos hegemônicos ocidentais. As quais consideradas “incompatíveis” com a realidade russa, e responsável por causar os sentimentos de “humilhação nacional” que sua sociedade experimenta. Esse novo projeto, conjugaria a reinstituição da autoridade estatal, aliada a nacionalização parcial de setores considerados “estratégicos”, especialmente os recursos minerais e energéticos abrigados em seu imenso território. Porém, o livre-comércio capitalista internacional é uma realidade, e a Federação Russa não pode estar indiferente. Deve sim empreender uma realpolitik, buscando oportunidades nesse novo mundo, absorvendo investimentos e tecnologia do Ocidente, possibilitando a modernização econômica e estratégica e preparando-se para competir em pé de igualdade com estes por meio de uma política de “campeãs nacionais” estatais e privadas, projetando-se aos principais mercados mundiais. Ao mesmo tempo, para restaurar seu status multidimensional de potência, resgatando seu prestígio científico, tecnológico, industrial e militar dos tempos imperiais e soviéticos, A “nova” Rússia buscará otimizar os recursos oriundos da exploração mineral e energética para (re)impulsionar novas atividades econômicas e industriais mais dinâmicas, como seu tradicional complexo industrial-militar, aeroespacial e nuclear, assim como novas tecnologias como a nanotecnologia, biotecnologia, e tecnologias da informação. Entretanto, décadas de paralisação econômica oriundas do período soviético e da transição ao capitalismo, deixaram chagas a serem superadas pelo Estado e sociedade russa, como o atraso tecnológico, a dependência primário-exportadora, a assimetria com as economias avançadas, a corrupção, crime organizado e as agudas desigualdades 164

sociais e regionais, são alguns dos desafios a serem enfrentados pelo Estado e a sociedade. Apesar da parceria econômica com o Ocidente, a rivalidade estratégica com este ainda persiste, além de sua marginalização geopolítica com a Rússia como ator importante na resolução das principais questões internacionais. Tal rivalidade intensificou-se com a gradual e progressiva expansão dos blocos regionais políticos, militares e econômicos euro-americanos, as fronteiras russas, a divergência destes em questões, temas e conflitos internacionais, e a expansão dos valores liberal-democráticos ocidentais ao espaço pós-soviético. Estas medidas levaram a um “divórcio” entre as duas forças, levando a Rússia a buscar por meio da reestruturação de seu poderio militar e estratégico, assim como o alinhamento multilateral e multipolar com diversos órgãos e atores regionais (como os BRICS e a OCX) elementos para denunciar o “unilateralismo” euro-americano e resurgir-se como global player no sistema internacional. Porém, como representada simbologicamente na águia bicéfala bizantina em seu brasão-de-armas, a Federação Russa olhará para o Ocidente e Oriente, sendo uma amálgama dos dois, mas ao mesmo tempo negando seu alinhamento unilteral com estes, e sim representando uma nova força querendo emergir e se fazer respeitada nesse novo século XXI. Em virtude do exposto, pode-se afirmar que obedecendo um ambicioso projeto geopolítico de resutauração do status de Grande Potência da Federação Russa, os governos Putin e Medevedev, a partir de diferentes perspectivas estratégicas, convergiram na busca de reestabelecer a autoridade do Estado como promotor e indutor do desenvolvimento econômico e inovação tecnológica, assim como o massivo complexo industrial-militar, tradicional baluarte do poderio estratégico russo. Suas políticas reformistas beneficiaram-se de um favorável ambiente político e econômico, além da percepção de sensibilidades internas e externas, que possibilitaram que estas fossem implantadas com relativa eficiência e aprovação de diversos setores da sociedade russa. Entretanto, devido a décadas passadas de estagnação econômica e política, tal projeto ainda deve superar grandes desafios estruturais, podendo perdurar-se por um longo período. O urso russo, ciente de suas potencialidades e debilidades, pode estar engordando no verão preparando-se para o longo inverno que há de vir.

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