Federações Desportivas, Poderes Públicos e Extra-territorialidade no ordenamento jurídico francês: observações a respeito do caso AS Mónaco, objecto de decisão pelo Conselho de Estado a 9 Julho de 2015

June 19, 2017 | Autor: A. Flamínio da Silva | Categoria: Sports Law, Teoria do Direito, Direito Administrativo, Filosofia do Direito
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Federações Desportivas, Poderes Públicos e Extra-territorialidade no ordenamento jurídico francês: observações a respeito do caso AS Mónaco, objecto de decisão pelo Conselho de Estado a 9 Julho de 2015

ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre e Doutorando em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

Resumo: O presente texto comenta a decisão do Conselho de Estado de 9 de Julho de 2015. Estuda-se, em particular, os fundamentos jurídicos que envolvem a recente polémica envolvendo a inscrição de um clube de futebol monegasco na primeira divisão francesa. O interesse da decisão é manifesto e tem reflexos relativamente às relações entre a normatividade desportiva e a normatividade estadual. Por outro lado, evidencia uma aplicação extra-territorial do Direito Administrativo francês.

Sumário: I – Introdução; II – Enquadramento fáctico-jurídico; III – Comentários; IV – Reflexões conclusivas

I – Introdução

As relações entre o Estado e o associativismo desportivo manifestaram uma evidente proximidade no continente europeu desde o início do Séc. XX (1), as quais se acentuaram, particularmente, em ambiente ditatorial, situação que, embora com um sentido diferente, se acabou por perpetuar nos países do sul da Europa até à actualidade. Entre estes países, encontram-se Portugal, Espanha, Itália, mas também França (2). A submissão da actividade das federações desportivas a um regime de Direito Público gera (1) Escusamo-nos, no entanto, de discutir os motivos que estiveram subjacentes a essa aproximação. Sobre o exemplo português, de um modo sintético, cfr. ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA, «A Justiça Desportiva em Portugal durante Estado Novo e o Pluralismo Jurídico: Uma Análise do Procedimento Disciplinar de Eurico Rocha Surgey», in Revista Direito em Debate, Vol. 24, n.º 43 (2015), pp. 84 e ss. (2) Para uma aproximação sucinta à publicização do Desporto no ordenamento jurídico em Portugal, cfr. ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA, «A Justiça Desportiva em Portugal: Traços Gerais e Futuras Mutações», in Revista Síntese – Direito Desportivo, n.º 14 (2013), pp. 56 e ss. Sobre a publicização no ordenamento jurídico francês, cfr., por todos, FRÉDÉRIC BUY ET ALLI, Droit du Sport, 2.ª Edição, L.G.D.J., 2009, pp. 111 e ss.

necessariamente tensões quando aquelas são confrontadas com a exigência do cumprimento da normatividade estadual. Estamos, pois, em ambiente propício à existência de um pluralismo normativo (3). Recentemente, perante ordenamento jurídico francês, colocou-se uma interessante polémica que culminou numa deliberação do Conselho de Estado. O nosso trabalho tem por objecto uma breve análise dos problemas mais relevantes que a decisão do Conselho de Estado convoca. A factualidade é, porém, complexa e exige uma explicação e um enquadramento jurídico mais aprofundado. II – Enquadramento fáctico-jurídico

Em França, a polémica jurídica que envolveu o clube AS Mónaco teve um alcance muito relevante no panorama futebolístico. Os factos podem ser reconduzidos aos seguintes: o clube de futebol AS Mónaco é uma sociedade comercial sediada no Mónaco, tendo ascendido, na época 2013/2014, à primeira divisão francesa. Neste contexto, os outros clubes concorrentes alegaram, em tese e em momento anterior à subida de escalão competitivo, que o facto de aquele clube de futebol não se sediar em solo francês, mas no Mónaco, seria contrário à equidade entre competidores. Aqueles entendiam, em particular, que o AS Mónaco teria vantagens evidentes em relação aos seus concorrentes, uma vez que a carga fiscal que incidia sobre os seus atletas e a sua actividade era manifestamente inferior em relação aos outros clubes que competiam no campeonato francês. Para evitar esta situação, a 21 de Março de 2013, a Liga Francesa de Futebol Profissional (LFP) procedeu à alteração do artigo 100.º do seu regulamento, o qual estabelecia as condições de participação de clubes na competições designadas como Liga 1 ou Liga 2, adicionando-lhe uma alínea que dispunha o seguinte: «[a] sede de direcção efectiva da sociedade constituída pelo clube deve localizar-se imperativamente no território francês, conforme dispõem os artigos L.122-1 e seguintes do Code du sport. Esta disposição aplica-se a partir de 1 de Junho de 2014». Face a esta disposição, o clube monegasco tinha duas opções: (i) ou se passava a sediar-se em França,

(3) Sobre esta questão, cfr., com indicações, ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA, «O Ordenamento Jurídico Desportivo da FIFA: Um diálogo entre Kelsen e Santi Romano», in Revista Síntese – Direito Desportivo, n.º 10 (2013), pp. 65 e ss. e «A norma desportiva: Plural mas pouco? – Algumas Notas sobre o Acórdão 4A_558/2011 de 27 de Março de 2012 do Tribunal Federal Suíço», in Desporto & Direito, n.º 26 (2012), pp. 255 e ss.

submetendo-se ao regime fiscal desse país; (ii) ou deixava de competir no campeonato francês. Em virtude desta realidade, o AS Mónaco recorreu ao Conselho de Estado com vista à anulação da decisão da LFP (4). Entretanto, a 29 de Janeiro de 2014, em audiência pública do Conselho de Estado, o AS Mónaco propôs um entendimento com a LFP por intermédio de uma transacção. Esta solução foi aceite pela LFP. O acordo do AS Mónaco com a LFP implicou que, a 20 de Janeiro de 2014, o secretariado da LFP propusesse ao conselho de administração uma alteração ao artigo 100.º do seu regulamento que estabelecia o acesso à competição, no qual seria consagrada uma excepção a favor do AS Mónaco (5), no que respeita à exigência de estabelecimento da sede em solo francês. Em contrapartida, o AS Mónaco pagaria uma contribuição de cinquenta milhões de euros como forma de «restauração da equidade desportiva». Neste contexto, a 23 de Janeiro, o conselho de administração da LFP deliberou a modificação do artigo 100.º do regulamento, autorizando o presidente da LFP a celebrar a transacção. Um dia depois, o presidente da LFP celebrou o acordo com o AS Mónaco, acabando este clube por desistir da acção proposta perante o Conselho de Estado. Esta circunstância levou a que, em coligação, um conjunto de clubes da primeira divisão da liga francesa de futebol (6) invocasse a ilegalidade das deliberações, propondo a correspondente acção perante o Conselho de Estado. Em síntese e entre outras questões, aqueles clubes pretendiam a anulação das deliberações que estiveram subjacentes à transacção celebrada entre o AS Mónaco e a LFP, com o correspondente convite a que as partes resolvessem o referido contrato.

(4) A providência cautelar proposta pelo clube foi, no entanto, rejeitada a 21 de Junho de 2013. O argumento essencialmente invocado pelo Conselho de Estado diz respeito à inexistência de urgência, uma vez que a disposição só entraria em vigor a 1 de Junho de 2014. Em contrapartida, o Conselho de Estado comprometia-se a decidir a questão jurídica nos meses seguintes. Cfr., o processo n.º 368629, disponível em (http://www.conseil-etat.fr/Decisions-Avis-Publications/Decisions/Selection-des-decisions-faisant-lobjet-d-une-communication-particuliere/Ordonnance-21-juin-2013-Association-AS-Monaco-FootballClub-et-Societe-AS-Monaco-Football-Club). (5) Actualmente, o artigo 100.º do regulamento dispõe que: «[e]xceptuando o AS Mónaco FC, cuja sede efectiva é situada no principado do Mónaco, a sede de direcção efectiva da sociedade constituída pelo clube deve localizar-se imperativamente no território francês». (6) Os clubes foram os seguintes: o Football Club des Girondins de Bordeaux, Caen, Football Club Lorient Bretagne sud, Olympique Marseille e Paris Saint-Germain.

III – Comentários A decisão de 9 de Julho de 2015 do Conselho de Estado (7) permite uma interessante demonstração (de submissão da normatividade desportiva ao direito estadual) sobre as relações que se estabelecem entre o associativismo desportivo e a normatividade de um ordenamento jurídico estadual no qual existe uma submissão da actividade de uma federação desportiva ao Direito Público. Por outro lado, permite ainda uma reflexão sobre a existência de uma eficácia extra-territorial da normatividade estadual. Vejamos como é que o Conselho de Estado abordou estas duas questões. Relativamente à primeira problemática, deve referir-se que o Conselho de Estado entendeu, relativamente à deliberação de 23 Janeiro de 2014, que a autonomia da LFP não é ilimitada. Em bom rigor, o Conselho de Estado entende que a expressa atribuição do Estado à federação desportiva de um poder regulamentar administrativo implica, por sua vez, que as atribuições da LFP – em matéria de exercício de poderes públicos – sejam negociadas com a federação desportiva competente – por intermédio de contrato – e que a competência da LFP seja, a este respeito, circunscrita ao âmbito «delegado» pela federação desportiva na LFP (8). Deste modo, conclui que a celebração de uma transacção com o AS Mónaco não é abrangida pela competência que detém no exercício de poderes públicos delegados, pelo que um contrato que viole aquele interesse público ou outros com este relacionados «tem um objecto ilícito», tal como sucede no presente caso. De um modo simples, podemos perceber que a autonomia da LFP é condicionada pelo quadro legal existente no que concerne às normas de Direito Público. É que, ao contrário do que sucede com a construção normativa em ordenamentos em que não existe qualquer intervenção estadual (por exemplo, a Alemanha ou a Suíça) (9), a actividade de regulação das ligas profissionais depende sempre – e encontra-se inclusivamente condicionada – do parâmetro legal que rege também as federações (7) Processos n.ºs. 375542 e 375543, disponível em (http://www.conseil-etat.fr/Decisions-AvisPublications/Decisions/Selection-des-decisions-faisant-l-objet-d-une-communication-particuliere/CE-9juillet-2015-Football-club-des-Girondins-de-Bordeaux-et-autres). (8) Sobre as relações entre as federações desportivas e as ligas profissionais no direito português, cfr., por exemplo, PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Coimbra, Almedina, pp. 865 e 866. (9) Nos países onde não exista uma publicização da actividade das federações desportivas existe, na verdade, uma ampla liberdade para a fixação do quadro normativo próprio daquelas e das respectivas ligas profissionais que se constituam segundo o Direito Privado. De qualquer modo, aquelas entidades encontram-se submetidas ao controlo jurisdicional dos tribunais estaduais nos mesmos termos que se situam quaisquer outras associações de outra índole. Sobre esta questão no Direito alemão, cfr. FRITZWEILER, PFISTER e SUMMERER, Praxishandbuch Sportrecht, Munique, C.H. Beck, 2014, pp. 125 e ss.

desportivas. A delimitação de competências depende, por um lado, das limitações de competência que o legislador efectua a favor da federação desportiva respectiva (e também, quando o faça, das competências que aquele atribui às ligas profissionais) e, por outro lado, pela existência de uma delegação de competências pela federação desportiva (a quem cabe originariamente a delegação de poderes públicos). É, portanto, este o motivo último que fundamenta a conclusão do Conselho de Estado quando afirma que a deliberação de 23 de Janeiro de 2014, na medida em que «autoriza a assinatura» de uma transacção, «é ilegal». No entanto, não se deve, de uma forma apressada, concluir que a jurisprudência do Conselho de Estado não é «amiga» da competição desportiva (10). Embora anulando as decisões tomadas pelos órgãos da LFP, o Conselho de Estado não deixou de formular uma restrição aos efeitos anulatórios da sua decisão. Na verdade, reconheceu que a consequência da anulação de um acto administrativo é a destruição dos efeitos que produz (inclusivamente os que produziu). Neste contexto, retomando a doutrina da decisão Association AC! (11), entendeu que, por um lado, a anulação da deliberação de 23 de Janeiro de 2014 não produziria os seus efeitos imediatamente. Desde logo, argumentou que a anulação daquela deliberação implicaria uma modificação do quadro

(10) Nas palavras do Conselho de Estado: «[c]onsidérant qu’il ressort des pièces du dossier que, peu de temps avant la séance publique du Conseil d’Etat du 29 janvier 2014 au cours de laquelle devait être examinée sa requête contre la délibération du 21 mars 2013, l’AS Monaco Football Club a proposé à la Ligue de football professionnel de transiger; que cette proposition a donné lieu à la délibération du bureau de la Ligue du 20 janvier 2014 autorisant le président de la Ligue à signer une transaction visant à mettre un terme définitif au litige opposant la Ligue à l’AS Monaco FC devant le Conseil d’Etat; qu’en raison du souhait de l’AS Monaco que cette délibération soit reprise par le conseil d’administration de la Ligue, les membres de ce conseil ont été convoqués par un courrier électronique adressé le 23 janvier 2014, à 13 heures 31, pour une réunion sous forme de conférence téléphonique prévue le jour même à 18 heures 30; que le message adressé et la convocation jointe ne comportaient aucun ordre du jour; que n’ont été adressés aux membres du conseil ni le projet de transaction, ni aucun document de nature à les informer de la teneur et de la portée des projets d’actes soumis à la délibération du conseil, au nombre desquels figurait en particulier la modification du règlement administratif de la Ligue; que, dans ces conditions, et alors même que la transaction concernait un litige connu d’eux, les membres du conseil d’administration n’ont pas été mis en mesure de se prononcer en connaissance de cause sur la portée et les conséquences de la transaction et de la modification du règlement administratif proposées lors de la réunion du 23 janvier 2014; que, par suite, les requérants sont fondés à soutenir que la délibération du conseil d’administration de la Ligue du 23 janvier 2014 a été adoptée dans des conditions irrégulières». (11) Aí se dispunha que: «que, toutefois, s'il apparaît que cet effet rétroactif de l'annulation est de nature à emporter des conséquences manifestement excessives en raison tant des effets que cet acte a produits et des situations qui ont pu se constituer lorsqu'il était en vigueur que de l'intérêt général pouvant s'attacher à un maintien temporaire de ses effets, il appartient au juge administratif - après avoir recueilli sur ce point les observations des parties et examiné l'ensemble des moyens, d'ordre public ou invoqués devant lui, pouvant affecter la légalité de l'acte en cause - de prendre en considération, d'une part, les conséquences de la rétroactivité de l'annulation pour les divers intérêts publics ou privés en présence et, d'autre part, les inconvénients que présenterait, au regard du principe de légalité et du droit des justiciables à un recours effectif, une limitation dans le temps des effets de l'annulation». Cfr. a decisão de 11 de Maio de 2004, processo n.º 255886, disponível em (http://legifrance.gouv.fr/).

normativo que não deixaria «um período suficiente para serem retiradas as consequências» deste arresto, na medida em que a época de 2015-2016 (da Liga 1 e da Liga 2) já estaria prestes a iniciar. Deste modo, invocou a existência de um «interesse geral que se encontra acoplado ao bom desenrolar das competições desportivas», o qual motivaria um deferimento da anulação da deliberação para o dia 1 de Outubro de 2015. Por outro lado, relativamente a respectiva anulação da deliberação de 23 de Janeiro de 2014, entendeu que a mesma implicaria, em condições normais, uma eliminação «retroactiva da validade da participação do AS Mónaco no campeonato da Liga 2 que se desenrolou na época 2014-2015 e que, entretanto, terminou, uma vez que a sua sede efectiva de administração não se encontra estabelecida em território francês». Neste sentido, sustentou que estas «consequências retroactivas serão, no caso concreto, manifestamente excessivas», pelo que «os efeitos produzidos pela deliberação atacada anteriormente por via da anulação devem considerar-se como definitivos». É, neste contexto, manifestamente interessante constatar que, inexistindo um «caso julgado desportivo» no ordenamento jurídico francês – como existe, por exemplo, em Portugal e no Brasil (12) – a jurisprudência do Conselho de Estado não deixa de ter uma devida preocupação com as intervenções dos efeitos das decisões jurisdicionais na competição desportiva. Por último e em segundo lugar, no que concerne à problemática que envolve uma eventual aplicação extra-territorial do Direito Público francês (13) é interessante confirmar através do discurso do Conselho de Estado uma «amizade» também pela tradição desportiva. A disputa jurídica envolveu dúvidas sobre a interpretação do artigo L.122-1 do Code du Sport, ao dispor que «toda a associação desportiva filiada numa federação desportiva que, habitualmente, participa na organização de eventos desportivos pagos (…) constitua para a gestão das suas actividades uma sociedade comercial submetida ao code de commerce». Em bom rigor, a pedra de toque dos problemas de interpretação residiam na interpretação de saber se, ao deter a sede efectiva de administração no principado Mónaco, a sociedade desportiva AS Mónaco podia também ser abrangida por esta disposição. O Conselho de Estado reconheceu que «a referência ao code de commerce não pode significar, por si, a exclusão a opção por (12) Sobre esta questão, com indicações bibliográficas, cfr. ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA, «A influência histórica do caso julgado desportivo português nas regras jurídicas portuguesas», in Revista da Faculdade de Direito da Uberlândia, Vol. 41, n.º 1 (2013), pp. 13 e ss. (13) Sobre a aplicação extra-territorial do Direito Administrativo, cfr., por todos, a tese de doutoramento de MIGUEL PRATA ROQUE, O Direito Administrativo Transnacional, AAFDL, Lisboa, 2014, pp. 463 e ss.

uma sociedade comercial de Direito estrangeiro», na verdade, a disposição legal «não pode, em todo o caso, ser interpretada como apresentando o efeito de impor aos clubes a obrigação de fixar a sede efectiva de administração em França». Um dos argumentos que utilizou para fundamentar a aplicação do Direito Público francês foi precisamente a circunstância «particular» de que o clube do Mónaco «(…) ainda que não se sedie no território francês, é filiado Federação Francesa de Futebol desde 1924 e participa regularmente nas competições profissionais francesas desde 1948» devendo concluir-se que «(…) o princípio da igualdade não se opõe a que existam disposições regulamentares que fixem as condições em que aquele clube possa participar nos campeonatos organizados pela Liga». Retirando desta solução as devidas consequências, para o Conselho de Estado o elemento de conexão relevante para a aplicação do Direito Público francês reconduz-se à filiação do AS Mónaco na federação desportiva de futebol francesa. Por conseguinte, enquanto participante na competição de futebol profissional de futebol em França encontra-se vinculando pelas regras (gozando também também das garantias daí decorrentes) que o Direito Administrativo estabelece e, por outro lado, encontra-se também, como sucede, em regra, com qualquer outra sociedade comercial com sede efectiva no Mónaco, submetida em bloco ao regime legal do Direito que rege aquele principado. É esta a consequência prática que se retira da decisão comentada que permite, portanto, impedir obstáculos à participação da equipa monegasca nas competições francesas. A solução salomónica do Conselho de Estado tem, todavia, uma dificuldade. É que, ao contrário do que afirma o Conselho de Estado (14), a submissão do AS Mónaco ao regime jurídico monegasco traduz-se numa evidente vantagem em relação aos clubes que com ele competem, na estrita medida em que beneficiam de uma legislação menos asfixiante em termos de impostos. Neste contexto, para terminar, cabe referir que o Conselho de Estado convidou as partes para que, num prazo de quatro meses, rescindam (14) Como é bem perceptível pela seguinte passagem «[c]onsidérant que la délibération attaquée ne saurait être regardée, en tant qu’elle modifie l’article 100 du règlement administratif de la Ligue, comme plaçant l’AS Monaco en position automatique d’abus de position dominante ni comme impliquant, par ellemême, la mise en œuvre d’une pratique anticoncurrentielle prohibée; que la seule circonstance que le taux des cotisations sociales que la société constituant le club de Monaco doit acquitter sur les salaires qu’elle verse est nettement inférieur au taux applicable en France pour les autres clubs participant au championnat de Ligue 1 et que l’AS Monaco n’est pas soumise à différentes impositions, assises notamment sur les salaires, auxquelles les autres clubs participant aux championnats professionnels français sont assujettis, n’impose pas à la Ligue, compte tenu par ailleurs des autres conditions économiques dans lesquelles les clubs participent aux compétitions professionnelles françaises, d’abroger, pour des motifs de légalité, les dispositions particulières applicables au club de Monaco».

o contrato de transacção que celebraram ou que, caso não cheguem a acordo sobre essa rescisão, recorram à jurisdição competente para retirarem as devidas consequências decorrentes da ilicitude do objecto daquele. Em qualquer dos casos, uma das consequências será, com toda a certeza, a restituição pela LFP do valor de quarenta milhões de euros pagos pelo AS Mónaco. Por outro lado, também não terá qualquer consequência imediata para o referido clube, uma vez que os efeitos da anulação não se produzem na presente época. IV – Reflexões conclusivas A decisão comentada envolve uma evidente situação de pluralismo normativo. Na verdade, a existência de um regime de Direito Público que regula a actividade das federações desportivas evidencia com uma maior acuidade as tensões entre a normatividade emanada pelo associativismo desportivo e a normatividade estadual pela opção deliberada daquelas entidades em submeterem-se ao Direito Administrativo. É, de qualquer modo, um equívoco admitir que as regras desportivas prevaleçam (pelo menos sempre) de facto ou de direito sobre o Direito estadual. Por outro lado, a decisão comentada transporta consigo uma novidade que merece ser explorada: a existência de uma extra-territorialidade do Direito Administrativo (interno) no Desporto.

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