Felix da Costa Meesen e o Louvor da Pintura, Comunicação no II Seminário do Pensamento Estético Português, FCH- Universidade Católica, 30 de Abril de 2015

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Félix da Costa, The antiquity of the art of painting by Félix da Costa, New Haven and London, Yale University Press, 1967, p. 361 (3v)
Ibidem (20r) p. 93
Ibidem. (33v) p. 120
Ibidem (38r) p. 129
Ibidem, (42v), p. 138
Ibidem (45r) p. 143
Ibidem (68r) p. 189
Ibidem, (7r) p. 67
Ibidem (8r) p. 69
O LOUVOR DA PINTURA EM FELIX DA COSTA MEESEN (1639- 1712)

Introdução:

Félix da Costa nasceu em 1639. É filho do pintor Luís da Costa, tradutor dos Quatro Livros de Simetria de Durer. Ele pp era artista gravador e desenhador de retábulos, cujas obras, apesar de documentadas, são hoje praticamente desconhecidas.
A principal motivação da sua vida foi a tentativa de fomentar os estudos artísticos em Portugal através da fundação de uma Academia inspirada no modelo francês. Este desejo não viria contudo a ser realizado no seu tempo, apesar do entusiasmo, com que este autor argumenta a respeito da dignidade da Pintura, por forma a sensibilizar os poderes públicos vigentes.
A Antiguidade da Arte da Pintura é o seu principal texto, manuscrito de 1696, nunca publicado em Portugal e publicado pela Universidade de Yale em 1967) este texto revela a infuência dos espanhois Vicente Carducho e Gaspar Gutiérrez de los Ríos, assim como a de Giovanpietro Bellori.
Afasta-se da cultura que lhe era contemporanea, o Barroco e reflecte uma admiração genuína pelo maneirismo, manifesto no apreço que revela pelos pintores portugueses António Campelo, Gaspar Dias, Francisco Venegas e Diogo Teixeira. 
A Antiguidade de Arte da Pintura, é um texto longo e erudito que retrata bem os seus conhecimentos e as suas ideias estéticas acerca da pintura, mais próximas do maneirismo do que da época que lhe era contemporãnea, que desprezava. O seu manuscrito esteve, tal como o de Francisco de Holanda, esquecido durante séculos e por isso o pensamento deste autor não pode exercer uma real influência, nem mesmo servir o seu propósito, o de transmitir conhecimentos acerca da Pintura.
Inicia a sua obra, afirmando que pretende mostrar aos leitores vulgares e não aos profundos conhecedores da pintura, como esta arte é estimada noutros países. Lembrando indirectamente a falta de cultura artística dominante em Portugal que certamente o indignava.
Félix da Costa, irá conjugar sabiamente duas correntes, o classicismo e o cristianismo recorrendo tanto a fontes da Antiguidade como às do Renascimento e Maneirismo.

Defesa da Liberalidade da Pintura:

Perante a acusação de que a pintura possa parecer meramente manual e operativa, Félix da Costa defende-se, afirmando que qualquer ciência usa materiais para atingir os seus objectivos:
Digo pois que a ocupação das mãos em a Pintura he o menos (…) arrespeito do imenso theorico em a especulação da sciencia.

Recorre a um axioma de Aristóteles para justificar, aplicado à Pintura, como a manifestação externa de alguma coisa tem o seu fundamento numa força interna:
Quais obras do entendimento são livres, por serem do entendimento. Pois se a Pintura consiste em actos do entendimento, bem se prova ser liberal.

Em paralelo com o elogio à Pintura, Costa faz uma crítica à situação vivida em Portugal, em que a pintura permanecia longe do estatuto liberal desejado tanto por Félix da Costa como por F. Holanda. Ao longo da redacção do Da Antiguidade da Arte da Pintura revela uma preocupação muito particular com a situação social dos pintores, nomeadamente, refere as fracas remunerações que os pintores portugueses recebiam, aspecto que tem como consequência a falta de critério e de reconhecimento da qualidade da boa pintura:
Sabem hoje em Portugal são os Pintores persistentes por força, que o sustento, aqueles haviam de repartir com si mesmos, com moderação conveniente, a Pintura lhes dá tão pouco que padecem pela muita limitação do premio, não tendo que negar a si próprios, regulando-se a Pintura, não como acto do entendimento mas como cousa que tem seu preço certo, igualando-se Pintura à Pintura sem diferença.

Félix da Costa e Francisco de Holanda têm um roteiro conceptual e temático comum, do qual se destaca o elogio da Pintura, a sua dimensão estética e metafísica, a crítica à situação portuguesa ou a falta de reconhecimento da Pintura e o amargo reconhecimento da falta de um mecenato:

Costa está consciente que o problema das artes em Portugal é uma questão de ignorância. Defende que se houvesse um Mecenato com cultura artística que soubesse investir no favorecimento dos pintores cultos e instruídos, a Pintura poderia ocupar o lugar que na verdade merece:
Pois se pretende amparar de hum Mecenas tão benigno, que a sua imitação a hão de favorecer os Doctos e bem entendidos; já que a vulgar e plebeya ignorância sega e temerária lhe tira sua nobreza como gente que carece de luz superior do entendimento, esperando verse em este Reyno, com as honras, prémios e estimação que se lhe deve.

Caracterização do Pintor:

Tal como F. Holanda, F. Costa irá defender que o Pintor precisa ter algumas qualidades naturais e imprescindíveis sem as quais não pode ser pintor: um bom entendimento, um engenho dócil, uma capacidade de ouvir críticas daqueles que sabem mais, um coração nobre, boa disposição e perfeita saúde, o pintor deve ser bem proporcionado e de boa talha, pois o pintor imita a sua semelhança assim como a natureza costuma produzir o seu semelhante.Deve ser aplicado, pois a teoria é suficiente sem a prática, deve amar a sua arte para suportar melhor o cansaço e as dificuldades. Por último defende que o pintor deve ser obediente a um artífice sábio, pois tudo depende dos bons princípios.
Para além destas qualidades, o pintor deve ter uma formação eclética, que envolva disciplinas como, a Filosofia, a Fisiognomia, a Anatomia, a Geometria, a Perspectiva, a Arquitectura e a História sagrada e profana.
Considera que o génio e a imaginação não são suficientes para a perfeita elaboração da obra. O talento do Pintor deve ser enriquecido por um longo processo educativo ao qual a fundação de uma Real Academia viria responder.
E como lhes faltão os documentos para o conhecimento seguem seu natural e esta falta de sciencia, a qual não se adquire sem muito exercício, além de um bom génio e natural inclinação à mesma arte, fundado sobre as partes que requere a Pintura.

Deus como origem e causa da Pintura:

Em termos de pensamento estético, é de destacar alguma semelhança entre Félix da Costa e Francisco de Holanda, apesar de ser pouco provável que este tivesse tido acesso à sua obra. Como origem da Pintura ambos são unânimes em reconhecer em Deus a sua primeira causa. Nos dois autores a estética é concebida em conexão com a metafísica, o que é por sua vez comum ao pensamento Maneirista: Deus como primeiro artista.
As comparações entre Deus e o pintor são múltiplas. O poder demiúrgico de Deus servirá de exemplo ao poder criativo do pintor.
A arte da pintura infunde vida à matéria terrena tal como Deus aquando da criação originária do primeiro homem, concebido e feito à sua imagem lhe dá o dom da existência.
A referência ao Génesis é uma constante. Assim como Deus criou o mundo e todas as criaturas também o pintor através dos seus instrumentos, geometria, perspectiva, distribuição das formas e cores, etc., criará uma realidade artística paralela. Referindo-se à Pintura afirma o seguinte:
Seu primeiro autor foi Deus Nosso Senhor em a criação do primeiro homem, obra feita pelas mãos de sua omnipotência Divina.

A pintura humana é imitação, não da natureza, mas da criação divina e daí retira não só a sua própria dignidade como também a dignidade da sua arte:
Imitador hê o Pintor da Omnipotencia Divina (…)


As Partes da Pintura:

Defende que a Pintura é constituída por três partes: a Invenção, o Desenho, debuxo e a Cor, colorido. Em Félix da Costa a Pintura resulta do perfeito equilíbrio das três partes: Invenção, Desenho e Cor. As três juntas manifestam o afecto da alma e a ciência do pintor.
A ideia é a representação mental da obra, que contempla já a selecção do pintor, a disposição das figuras e o todo da obra. Ao debuxo pertence dar a plena execução da obra de acordo como ficou definido na ideia. Aqui entram as ciências que apoiam e fundamentam a arte: Anatomia, Perspectiva e regras da Arquitectura. De seguida vem o colorido, que respeita à cor, viveza e diminuição da cor e naturalmente ao claro/escuro.

Invenção como Desenho Interno

Apesar do equilíbrio entre as 3 partes, a primazia é dada à concepção da obra, à Invenção. Esta é entendida como debuxo interno.
Costa cita Zuccaro que tinha usado exactamente a mesma expressão, desenho interno, para definir uma espécie de conceito, ou modelo invisível, que não é exclusivo da Pintura, mas que faz parte do intelecto cognoscente. No fundo Zuccaro revisita a Teoria das Ideias platónicas, e defende que as ideias são conceitos a priori, ou "formas", que se traduzem num "desenho interno" que permitem ao intelecto humano conhecer ou reconhecer a multiplicidade das coisas.
Federico Zuccaro, artista e teórico do Maneirismo italiano, definiu o campo do desenho em duas componentes distintas: o disegno interno e o disegno externo, sendo, no geral, o desenho interno o conceito formado no pensamento, e o desenho externo a sua concretização.
No conceito de Federico Zuccaro, o desenho interno é portanto a ideia e o desenho externo a materialização dessa ideia, numa utilização de termos neoplatónicos em que a ideia é pura imagem mental e o desenho final é o seu receptáculo. A grande diferença entre Zuccaro e Felix da Costa circunscreve o campo do desenho interno a um domínio estritamente estético, enquanto Zuccaro se refere tal como na teoria platónica das ideias, a todo o intelecto cognoscente e não apenas o intelecto do pintor.
O conceito de desenho externo, também copiado de Zuccaro via Carducho é entendido como estrutura e fundamento das três artes: Pintura, Escultura e Arquitectura.
Desta relação entre Desenho Interno e Desenho Externo, o processo criador encontra uma justificação teórica para a liberdade artística que Costa reivindicava. A Pintura enquanto desenho interno é um acto de especulação livre dos sentidos e da substância corporal.
Se pelo desenho interno a arte imita Deus, pelo desenho externo, o artista imita a natureza, ao criar com os seus instrumentos múltiplas formas, não a partir da mimesis fiel do mundo sensível, mas das formas unificadoras do seu intelecto.
A completa Pintura deve contemplar 3 tipos distintos em equilíbrio: o desenho a partir da memória, fantasia, e imaginação, faculdades que estão mais próximas do engenho da criação do que da mera mimesis. O 2º tipo constitui-se a partir do trabalho árduo, do estudo e da investigação e o 3º a partir da cópia da natureza, de formas naturais e de gravuras.
Costa tenta aproximar a arte de critérios objectivos e científicos e por isso o pintor é apresentado com espírito eclético e como um sábio segundo o modelo aristotélico: um saber acerca das primeiras causas e um enciclopedismo universal.

Conclusão:

A arte é em suma para Costa um eterno alternar de "desenhar, especular e voltar a desenhar"(52v)
O complexo texto de Felix da Costa é bem a prova de como em pleno séc. XVII em Portugal, ainda era tão necessário louvar as artes e lembrar a sua dignidade. É por fim a demonstração de um espírito voluntarista, conciliador e académico, pleno de síntese e de racionalidade que apresenta a Pintura como um organismo onde se conciliam; o intelecto e o engenho, a imaginação e a mimesis, o desenho interno e o desenho externo, a invenção e a execução.






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