Feminismo Local na Academia, entre calcas e capulanas

May 19, 2017 | Autor: Dulce M P Pereira | Categoria: Gender Equality
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Feminismo Local na Academia, entre calcas e capulanas Dulce Maria Passades Pereira1

Minhas senhoras e meus senhores, caso existam homens nesta sala, visto que o tema em voga não reúne muita simpatia pela ala das calças. Antes de começar, permitam-me referir-me às mulheres como capulanas e aos homens como calças. Porque? Pois foi no seio académico que aprendi esta tipologia, ou seja, mulheres usam capulanas e homens usam calças. Passam duas semanas que recebi uma chamada telefónica da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Católica de Moçambique pela qual me foi feito o convite para proferir uma palestra no âmbito do mês da mulher, a saber, mês de Março. Agradeci e, de seguida, senti o peso da responsabilidade, pois já estivera antes na sala de palestra da FCSP, onde assistira a palestras muito interessantes, a título de exemplo, do Professor Brazão Mazula e do Professor Gilles Sistac (paz à sua alma), só para citar algumas. Espero ser digna da responsabilidade que me foi incumbida.

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Biografia: Docente da Universidade Pedagógica- Delegação de Quelimane e Guardiã do valor Justiça e Equidade na Universidade Pedagógica. Doutoranda em Psicologia Social (Universidade de Coimbra), Mestre em Dinâmica de Saúde e Bem-estar (Universidade de Évora (Portugal) e Linkoping University (Suécia), coordenado pela Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris) e Licenciada em Psicologia e Pedagogia (Universidade Pedagógica- Delegação de Nampula). Lecciona as cadeiras de Teoria Sobre Diferença de Género; Psicologia Comunitária da Família; Didáctica de Educação Sexual, Saúde, Família e comunidade, entre outras. Academicamente de forma glocal cruza o campo dos estudos de género com a psicologia social, particularmente com a Teoria das Representações socias, com interesse na informalidade e no senso comum dos bastidores dos espaços políticos. Algumas Publicações: Passades, Dulce (2016) DHABUNO MUTHABWA, ou seja, vocês (as mulheres) agora estão a piorar: as representações sociais sobre a participação das mulheres nos espaços políticos na província da Zambézia. Passades, Dulce (2013). Género, poder e gestão de ensino superior: os gestores usam calças (masculinidades) e as gestoras usam capulanas (feminilidade). Algumas Comunicações: Passades, Dulce (2015). ‘Pontes’ entre os curricula oculto, local e oficial no campo das representações sociais de género na realidade escolar: reflexões do quotidiano das raparigas na Província da Zambézia. Passades, Dulce (2013). Etnopsicologia e etnogénero: a (des)construção e a (des)nasturalização das relações de género.

A partir da bandeira ideológica e pragmática samoriana sobre a emancipação da mulher moçambicana na década 60 e 70, discuto a de-construção do conceito género como uma construção (bio)social da identidade comportamental das mulheres e dos homens no quotidiano social, nos espaços privados e públicos, particularmente no espaço académico, por um lado, e, por outro,

problematizo o conceito samoriano da emancipação, ou seja, falamos da

emancipação da mulher nos espaços privados e públicos, ou simplesmente no espaço público? Tendências globais sobre o feminismo, a descolonização de Moçambique, o projecto de unidade nacional colocaram o país mais exposto às correntes teóricos ideológicas contemporâneas, incluindo narrativas e representações sociais sobre o feminismo. Abordagens teóricas glocais como etnofeminismo, etnogénero, re-significar, de-construir, saberes locais, fazem parte dos discursos contemporâneos sobre o feminismo, género e mulher de uma forma geral têm sido amplamente disseminados em Moçambique por diversos tipos de actores e instituições sociais, tais como, Samora Machel, as agências das nações unidas, as ONG, instituições bilaterais, escolas de pensamento (ainda por fortificar), bens materiais e produtos globalmente produzidos, mas que são localmente propostos como sistemas cosmológicos de parâmetros de estruturação da sociedade. Este não é um movimento exclusivo a Moçambique, diversos países de mundo embarcam pela mesma senda mesclando perspectivas e realidades discursivas que buscam instituir novas formas de ser e expressar a existência do indivíduo e firmar representações sobre o feminismo. Os discursos e narrativas sobre feminismo e género que perpassam o imaginário moçambicano, estão amplamente carregados de abordagens pré-critivas centradas em aspirações transformistas. Aspirações de transformar a sociedade, de converter valores e dar novos sentidos as relações entre mulheres e homens. Em nome do projecto ‘unidade nacional’ surgem práticas quotidianas ligadas a falta de coesão e união entre ao diversificado campo de saberes locais, conhecimentos locais, línguas locais e posturas identitárias locais. Com base na visão samoriana sobre as mulheres, esta palestra irá analisar os discursos feministas hegemónicos que promovem a ideia de direitos/ igualdades de género, rastrear e compreender as práticas quotidianas que concorrem para legitimação de certas práticas, estereótipos e representações, que definem e caracterizam o papel das mulheres no espaço e quotidiano académico. Não vou entrar nos cânones taxionómicos do feminismo, mas permitam-me referir que este movimento surge num contexto de lutas pelo direito a salário digno, horas de trabalho iguais

para mulheres e homens, o direito ao voto, direitos sobre o seu corpo e, sobretudo, sobre a sexualidade. O feminismo não é mulher, o feminismo não é uma agenda exclusiva das mulheres, o feminismo está para as mulheres na mesma dimensão que está para os homens. Hoje, queremos campeões do feminismo, quer sejam mulheres, quer sejam homens. Faço aqui menção, como muito gosto, de um moçambicano feminista, ou seja, Samora Moisés Machel, na sua célebre frase proferida na I conferência da OMM, em 1973, em Tunduru, Tanzânia “A libertação (mental, social, espiritual, educacional, política, académica…) da Mulher é uma necessidade fundamental da revolução, garantia da sua continuidade, continuação do seu triunfo…. A emancipação da mulher não é um acto de caridade, não resulta de um acto de caridade e de compaixão, A revolução tem por objectivo essencial a destruição do sistema de exploração a construção duma sociedade libertadora….. É neste contexto que surge a questão da emancipação da mulher Duma maneira geral, no seio da sociedade, ela aparece como o ser mais oprimido, mais humilhado, mais humilhado…..ela é explorada até pelo explorado, batida pelo homem rasgado…. Humilhada pelo homem esmagado pela bota do patrão e do colono”

Esta citação é e será sempre oportuna, não só pelo facto das comemorações do ano Samora Machel na Universidade Pedagógica, não pelo só passagem dos 30 anos do desaparecimento físico e não o desaparecimento ideológico do Presidente Samora Machel, mas pelo facto dela ter sido feita a 44 anos, e continuar virgem, por lapidar, por indagar, usando uma linguagem mais estrutural no espírito académico. Permitam-me estabelecer o paralelismo entre dois conceitos: o feminismo e o género. No que se refere ao conceito de feminismo, é um movimento ideológico social, cultural, científico, espiritual, académico e sobretudo, político que visa a igualdade e a equidade entre as mulheres e os homens, ou seja, um feminismo virado para os direitos humanos das mulheres e dos homens. No que respeita ao conceito de género, é um produto de construção social, que são os aspectos que socialmente fazem um homem e uma mulher, que normalmente trabalham com categorias como re-significação, de-construção, desnaturalização do conceito de género, pois a ideologia filosófica existencialista da Simone du Beauvoir não deve ser assumida na totalidade no contexto moçambicano, visto que o processo de construção social e cultural do sexo social deve ser contextualizado, sem deixar de lado a abordagem glocal. “Não se nasce mulher, torna-se mulher ou seja sexo social” Porque o pano de fundo é o feminismo local forjei os conceito de etnofeminismos e etnogéneros aqui evocados, onde etnofeminismo estaria mais próximo a ideologia social, cultural, política, académica e espiritual na igualdade e equidade entre as mulheres e homens dentro de um determinado evento e contexto social, que é caracterizado pelo falas, narrativas, discurso,

preconceitos, formas de pensamentos e formas de comunicação sobre o que é ser mulher e o que é ser homens, ou seja, um conjunto de representações sociais e culturas sobre a cidadania, a identidade, os valores das mulheres e dos homens. Enquanto que o conceito de etnogénero vem como uma forma de desconstrução e resignificação do papel da mulher e do homem na realidade social, ou seja, o feminismo ocidental pode não ter enquadramento no feminismo e sobretudo no quotidiano das mulheres e dos homens do sul global. Aqui, forjo o conceito de etnogénero no qual género é a construção (bio)social da identidade comportamental das mulheres e dos homens no quotidiano social nos espaços privados e públicos. Evoca o campo da Psicologia Social, particularmente a Teoria das Representações Sociais (culturais), para o campo de reflexão de feminismo e género. Destacando o papel de Samora na luta pela emancipação da mulher, importa frisar que o estadista destacou-se internacionalmente e que o seu engajamento na valorização da mulher foi um deles, ou seja, ‘existem duas bandeiras que naturalmente são relacionadas a Samora Machel: educação e saúde, defendo que a bandeira das mulheres deveria ser agregada ao terceiro elemento que caracteriza a ideologia samoriana’.

Feminismo Académico O quotidiano das Instituições de Ensino Superior (IES) no campo da gestão em Moçambique é espelhado não só pela cientificidade, como também pelas etno-práticas ligadas ao feminismo cultural (etno-género). Assim, o feminismo cultural é caracterizado pelas representações sociais, pelos provérbios, mitos, e tradições, que trazem consigo algumas conotações da feminidade e da masculinidade, que por sua vez são irrompidas perante as relações de género no campo da gestão do ensino superior. No processo da legitimação das lideranças femininas, as etno-práticas, muitas vezes, funcionam como barreiras para que a liderança se torne efectiva e pragmática, ou seja, aceita-se a chefia das gestoras, mas não se reconhece a liderança feminina. Deste modo, no âmbito da gestão surge dinâmicas internas levam a provérbios como: "aquela IES agora usa "capulana", "esta Directora trabalha muito nem parece mulher"', "se ela é uma profissional competente é porque não é uma boa esposa".

Por outro lado, os mitos que consideram o homem produtor e a mulher reprodutora das ideologias e práticas do homem, fazem com que haja um desafio enorme na contemplação e integração das mulheres em várias esferas de aplicação profissional. Desta feita, as ideias e práticas espelham alguns desafios que as gestoras encontram e encontrarão na “marcha” da liderança institucional nas IES. As realidades de etno-género e de etno-práticas na gestão e poder da liderança feminina hoje, no mundo e em Moçambique, em particular, envolvem várias directrizes de aplicação e desafios constantes, daí que antes de se abordar com “substância” esta temática, é importante saber que ser mulher (capulanas) e ser homem (calças) é muito mais do que um reducionismo biológico (sexo), estes dois actores e sujeitos sociais são construídos num conjunto de etno-práticas quotidianas tipicamente contextualizadas nas normas culturais, nas tradições, nos rituais, na esfera social, política, histórica e económica. O espaço público é um dos locais onde se verifica o monopólio de certos espaços pela identidade das calças, como nas IES e organizações que tradicionalmente obedecem a um ritual de espaços ocupados pelas calças, e quando as capulanas chegam de forma natural e a partir das suas capacidades, habilidades e, sobretudo, das competências, surge um conflito de sobreocupação de espaços (capulanas e calças). É importante recordar que, fisicamente, um espaço não é ocupado por dois corpos simultaneamente. É preciso frisar que a categoria de identidade das calças e que a construção da masculinidade e da feminilidade neste este campo de disputa é secular e milenar. As posturas (bio)sociais dessa a masculinidade e da feminilidade foram-se consolidando nesse processo de construção. Ilustrando com uma das frases ou lamentações dos alunos da UP-Quelimane: “professora, o problema aqui é que as mulheres de hoje querem usar as calças, e as calças são para homens (dos maiúsculos), e as saías, estudos e sobretudo as capulanas são para as mulheres (minúsculas)2”. Acredita-se, também, como algumas referências acima frisadas, que o problema não devia ser calças ou capulanas, visto que as capulanas e as calças podem ser modelos que comunicam, ou seja, podem ser modelos híbridos. Tradicionalmente as capulanas representam um pano, que identifica as mulheres e as calças representam e identificam os homens. Mas a questão de calças e capulanas é muito mais do que isso, pois, hoje existe muita dinâmica, inter-acção e diálogos entre 2

A teoria maiúscula e minúscula é bastante conhecida na UP-Quelimane, proferida pelas calças, pois, a UP- Quelimane tem o projecto de ciclo de palestras de género, e neste âmbito toda a comunidade universitária é chamada a participar. As calças dizem o seguinte ‘doutora, vocês querem nos feminizar com estas palestras? Nós somos maiúsculos’

estes actores e sujeitos: a capulana das mulheres é muito querida e convidada ao guarda-fato dos homens, assim como as calças também o são pelas mulheres. O conflito aqui não é o de demarcar território, mas sim de como se pode coabitar no mesmo espaço, olhando para os objectivos e metas da organização. Desafios Neste contexto, serão as capulanas as melhores líderes do que as calças? Que modelo de gestão seria mais adequado para as IES? Como ter IES inclusivas, equitativas e, sobretudo, justas para as capulanas e para as calças? Será o (bio)social mais forte que o desempenho, a capacidade e a inteligência das capulanas? Nota-se que o maior desafio que aparece no binómio capulanas - calças, é o campo do etnogénero, etno-práticas e a visão (bio)social do género. As epistemologias históricas, culturais, sociais e políticas no campo do género criaram uma identidade “fixa” para as capulanas e para as calças, que não se circunscrevem simplesmente no âmbito familiar e social, como também no campo das relações dentro das organizações. Porquê não nas IES onde as capulanas e as calças tenham as mesmas oportunidades de mostrar o seu potencial? Finalmente, esta abordagem interrogativa nesta parte do trabalho propõe um enorme enfoque e desafio reflexivo do assunto tratado nesta pesquisa, o que pode traduzir e propor vários outros estudos da mesma temática em perspectivas diferentes. E/ou reflexões Existência de um plano de igualdade nas IES Paralelismo entre a cultura e a política Precisamos falar sobre igualdade entre mulheres e homens nas IES Chega da comunicação silenciosa quando o assunto é mulheres e homens Existencia de gendermianstream nas IES Chega de sexismos nas IES

Minhas senhoras e meus senhores, o meu muito obrigada

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