Fenômeno Marco Feliciano e suas controvérsias na política brasileira.

July 28, 2017 | Autor: Mariana Lima | Categoria: Political Philosophy, Comunicação Social
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Trecho retirado da reportagem "Quem tem medo de Feliciano", da Revista Rolling Stone, de maio de 2013, ed. nº 80.
Fenômeno Marco Feliciano e suas controvérsias na política brasileira.

Mariana Marques de Lima

Mestranda em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade de São Paulo, SP – Brasil. E-mail: [email protected]
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Resumo: O artigo tem por finalidade utilizar o conceito desenvolvido pelo filosofo francês Michel Foucault, denominado de Poder Pastoral para enquadrar o personagem Marco Feliciano e sua repercussão nas mídias. Um diálogo sobre a maneira como o discurso religioso está sendo transformado em um discurso político, por meio da ascensão das bancadas religiosas no Congresso brasileiro e as falas polêmicas do atual presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara.
Palavras-chave: poder pastoral, religião, mídia, Marco Feliciano.

Autor de frases como: "A união homossexual não é normal", "Sem apoio dos membros da Comissão, perderemos a única chance de derrubar as intenções da Ditadura Gay que esta sendo imposta ao Brasil", e até a "Depois da união civil virá a adoção de crianças por parceiros gays, a extinção das palavras pai e mãe, a destruição da família"; Marco Feliciano (PSC-SP), atual presidente da Comissão dos Direitos Humano e Minorias (CDHM) da Câmara, virou sinônimo de controvérsia. Seus discursos polêmicos minam a imprensa nacional, dividindo opiniões e gerando, especialmente, no contexto atual, um levante da população que se cansou das peripécias do Estado e de seus personagens esdrúxulos.
Anterior a seu mandato como deputado federal, Feliciano já era conhecido por uma parcela do público. Parcela essa, composta por evangélicos, principalmente os frequentadores da igreja Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, da qual é pastor e cantor gospel. O sucesso do parlamentar vai além de seu púlpito. Há quem acredita que ele realmente veio para tirar a Comissão das mãos do Inimigo e até certo ponto colocar um fim aos avanços dos homossexuais. No entanto, as controvérsias em sua permanência em uma comissão voltada para os direitos das minorias, homossexuais inclusos, evidencia um paradigma, que, por conseguinte, nos expõem a diferentes formas de expressão, em que de um lado temos os evangélicos, favoráveis ao pensamento do pastor; e de outro temos indivíduos, que se opõem aos absurdos proferidos pelo parlamentar. Presenciamos, então, a sociedade civil, que apela às redes sociais, como a fanpage do Facebook "Feliciano não me representa" e as ruas, munidos de cartazes e gritos de guerra.
Em meio a essa atmosfera de movimentos sociais que se desenvolveram em várias cidades brasileiras, o projeto apelidado de "Cura Gay" emerge como mais uma pauta dos vigentes protestos nacionais. A frente dessa aprovação, Feliciano acredita estar lutando pelo livre exercício das atividades de psicólogos e terapeutas, e não aprovando mais um retrocesso em nossa legislação. A "cura" da homossexualidade foi banida do Conselho Federal de Psicologia em 1999, desde então fica proibido a qualquer profissional da área o tratamento ou até mesmo a eventos que tem o intuito de tratar ou erradicar a homossexualidade. A proposta, de autoria do também pastor e deputado federal João Campos (PSDB-GO) aprovado pela CDHM, tem por finalidade suspender dois trechos que visam o não tratamento de práticas homossexuais. Até o momento, Feliciano tem tido êxito, todavia ainda faltam a aprovação das Comissões de Seguridade Social e Constituição e Justiça.
Além do discurso racista, homofóbico e misógino, Marco Feliciano também tem seu nome atrelado a vários escândalos na justiça, entre elas denúncias de desvio de dinheiro público para suas empresas e até mesmo sua igreja. Há também o processo no Supremo Tribunal de Federal (STF) por homofobia e estelionato; o último devido ao recebimento de R$ 13 mil para a realização de um culto, no Rio Grande do Sul, ao qual não compareceu.
O discurso relatado e os fatos narrados acima só evidenciam uma situação que vem se alastrando pelo território brasileiro. Um fenômeno que tem por base a abolição de ideias progressistas, como também a abertura para uma política voltada aos símbolos da cultura evangélica, do qual podemos denominá-lo de expansão das bancadas evangélicas do Congresso. Esse alastramento do pensamento protestante neo pentencostal se faz cada dia mais evidente. A defesa da família está entre as pautas mais defendida desse grupo, que tenta levar às esfera políticas uma ideologia cristã conservadora re retrógrada. Entretanto, com a desculpa de defesa da instituição família, tais grupos se distanciam de seu claro objetivo para se jogarem em um complexo jogo político, apenas com conjecturas e sem previsão de resultados.
Outros personagens nos moldes de Feliciano já foram abordados pela mídia, como o deputado federal Jair Bolsonaro do PP-RJ e Silas Malafaia, Pastor-presidente da Assembleia de Deus Vitoria em Cristo. Porém, indubitavelmente, Feliciano tem se permanecido único. No sentido, de ainda desconhecermos seus desdobramentos e suas ações; mas principalmente em não sabermos quais as consequências delas para a sociedade.
As ações do pastor e parlamentar cria uma espécie de polarização alimentada pela mídia. Nos campos midiáticos pululam opiniões e discussão sobre o Feliciano, dessa forma a tríade política-mídia-religião é absurdamente explorada. O fenômeno em si, aos moldes da sociedade do espetáculo de Guy Debord, primeiramente se desenvolveu a partir do impacto na sociedade sobre as falas polêmicas do parlamentar difundidas inicialmente nas redes sociais, de maneira a construir uma opinião sobre a postura do pastor. Em seguida, a perplexidade mediante seu discurso, nesse momento já constantemente abordado pela mídia, foi logo alavancada, no sentido de que não havia um indivíduo que não possuísse uma opinião, a favor ou contrária a nomeação do parlamentar a direção da CDHM.
Com as ações do parlamentar se distanciando dos propósitos da Comissão, observamos um intricado enfrentamento de ideologias e opiniões. De um lado os oprimidos e de outro os opressores. Em um país como o Brasil, orgulhoso de saber conviver com a diversidade, mostra que na verdade, a aceitação do diferente é bem mais complexa quando sai do campo das ideias e passa ao cotidiano.
A defesa dos valores familiares e de toda uma cultura evangélica com seus símbolos e rituais permitem uma perfeita argumentação para a interferência da igreja na política. A discussão, dessa forma, vai além da preservação de valores. Os fiéis passam a ser encarados de outra maneira além da de um rebanho a ser zelado. Eles são vistos como um potente eleitorado. Essa relação que se estabeleceu está centrada no que Michel Foucault (2008) denominou na sua obra "Segurança, Território e População", de "poder pastoral". Um poder exercido sobre uma multiplicidade em movimento, que visa a salvação do rebanho, por meio de sua dedicação e devoção infinita. Essa forma de poder, descrito pelo filósofo francês se desenvolveu no Oriente, mas sua aplicação de forma concreta só foi possível ser observada no Ocidente, manifestada pela igreja cristã.
Esse modelo de pastoreio, como explica Foucault está presente desde o início de nossa civilização e vem sofrendo mudanças ao longo dos séculos, tendo em vista a alteração de contextos. Tal mecanismo de poder vem sendo utilizado em todas as camadas da sociedade, mas especialmente no âmbito religioso. Pastores de igrejas evangélicas tendem a usufruir de tal mecanismo de forma até mesmo a deturpá-lo, já que de acordo com o filósofo "poder pastoral é definido inteiramente por seu fazer bem, ele não tem outra razão de ser senão fazer o bem".
Um esboço de como o poder pastoral opera está em uma de suas principais características aqui já mencionadas, todavia o executor desse poder, o pastor, como pontua Foucault, pode ser descrito como um doutor que trabalha na alma do indivíduo. Um homem que estabelece uma relação complexa e ao mesmo tempo paradoxal, lidando diariamente com problemas particulares concernentes a cada uma de suas ovelhas. Tal poder também não apresenta uma validade, periodicidade, ele apenas está presente àquele indivíduo e cabe a ele exercer tal papel.
A lógica da inserção de Feliciano em uma Comissão voltada para o direito das minorias se vê deturpada ao nos depararmos com um gestor extremamente polêmico em seu discurso nas mídias, e que não se difere em seus papéis sociais. O que será que vem primeiro: pastor ou político? Como já menciona Foucault "o homem político não é um pastor, ele é um tecelão".
Vemos que trazer a prática da política para o contexto do pastorado é o que explica a ascensão dessa bancada. Maurizio Lazzarato (2010), sociólogo italiano, em sua interpretação de poder pastoral já descreve: "Poder pastoral não é exercido na luz, transparência e visibilidade do espaço público, mas na opacidade das relações 'privadas' (entre indivíduos, entre instituição e o indivíduo), na escura vida diária das fábricas, escolas, hospitais e serviços sociais."
Com o crescimento de grupos ultra conservadores , ficamos sem saber ao certo o futuro da política no País. Seus desdobramentos são desconhecidos. Personalidades políticas como a deputada federal Erika Kokay pelo PT-SP diz não se surpreender com a notoriedade que Feliciano vem alcançando na mídia, ela enfatiza:
Com suas declarações e atitudes parafascistas, o pastor está conseguindo aglutinar em torno de si uma corrente de opinião ainda bem forte em nossa sociedade. Esse cortejos partidários à Feliciano são motivos de grande preocupação. E não pelo que possam representar em termos de ganhos eleitorais. Essas articulações significam que começam a girar as engrenagens de uma ascensão política de tipo fascista.

As opiniões e críticas sobre o deputado somam-se ao número de aliados que insistem em anunciar que o pastor está sendo perseguido. O próprio Feliciano profere constantemente que foi feito de bode expiatório pela mídia. Entretanto, a partir de uma análise preliminar, o personagem em si pode ser enquadrado como o fruto da instabilidade social que vivemos. Ele resulta de inúmeras políticas equivocadas, resultando em uma sociedade em tal estado de debilidade, que apela para um representante sem a mínima condição representativa em uma comissão como a de direitos humanos.
Aperfeiçoando esse poder pastoral, notamos o espetáculo do capital evangélico, onde há uma deturpação dos investimentos. Apostar no divino como maior investimento virou um princípio. O pastor, no papel de intermediário do mercado de Jesus; e o fiel, no papel de comprador, não só de suas benções terrenas, como também de seu espaço divino. Em outras palavras, o pastor além de um doutor da alma, que repassa ensinamentos de modos de existência, conduzindo suas ovelhas pelo melhor caminho; também vende esse percurso ao paraíso. Essa relação de obediência entre o pastor e o rebanho é explicada pelo filósofo ao afirmar:
O pastorado faz surgir toda uma prática de submissão do indivíduo ao indivíduo, sob o signo da lei, é claro, mas fora do seu campo, numa dependência que nunca teve nenhuma generalidade, que não garante nenhuma liberdade, que não leva a nenhum domínio, nem de si nem dos outros. É o campo da obediência generalizada, fortemente individualizado em cada uma de suas manifestações, sempre instantâneo e limitado, e tal que os mesmo pontos de domínio nele presentes ainda são efeitos de obediência. (FOUCAULT, 2008, p. 120)

Esse sincretismo entre um pastor um político só pode ser alcançado por meio da ascensão do estado laico. Porém levar a concretude do que significa um estado verdadeiramente laico é a dificuldade de nosso País. A divisão dos dois papéis parece ser impossível à medida que vemos representantes como Feliciano proferirem discursos preconceitos baseados na Bíblia. Como foi mencionado anteriormente, por meio da análise de Foucault, "o político é um tecelão. A política, como a arte do tecelão, só pode se desenvolver a partir e com ajuda de certo número de ações adjuvantes ou preparatória". Já o pastor não é um homem da lei, ele cuida de sua ovelha, amparado na ideia da economia dos méritos e dos deméritos, ou seja, cuidar e resgatar uma ovelha com a finalidade de salvar sua própria alma, e, portanto ser salvo.
É nessa questão que se apresenta o principal paradoxo do pastor. Primeiro, ele tem que prestar atenção a cada uma de suas ovelhas, sem distinção. Cada uma dela é passível de problemas. Cada uma deve ser tratada como um indivíduo diferente. Segundo, o ofício de pastor é sacrificante e exaustivo, pois determina que ele exerça o sacrifício de si próprio em prol do seu rebanho. A partir dessas características vemos as dificuldades de se exercer tal papel. As populações aumentaram e as sociedades estão mais complexas. No entanto, o poder pastoral ainda é todo um instrumento de dependência, tal como nos destaca Foucault:
O pastorado cristão é uma forma de poder que, pegando o problema da salvação em sua temática geral, vai introduzir no interior dessa relação global toda uma economia, toda uma técnica de circulação, de transferência de inversão de méritos, e é isso que é seu ponto fundamental. Ele vai instaurar um tipo de relação de obediência individual, exaustiva, total e permanente. (FOUCAULT, 2008, p. 241 – 242)

Ao lidarmos com a mídia como a polarizadora do fenômeno Marco Feliciano, observamos que ela enxerga o parlamentar como uma deformação social. Que de modo algum é descartada, mas sim aproveitada como um nicho de mercado, que por sua vez, é cansativamente explorado. Daí se desencadeia essa gama de informação e discussão sobre a permanência do pastor na Comissão e suas iniciativas, como a "Cura gay". Esse processo de exploração midiática é horizontalizado até o momento em que já não serve aos seus propósitos.





Referências:

BASTOS, Cristiano. Quem tem medo de Feliciano. In: Rolling Stone, São Paulo, maio de 2013, nº 80, p. 42 – 43.
FOUCAULT, Michel. Segurança, Território e População. São Paulo: Martins Fontes, 2008 (Coleção Tópicos).
LAZZARATO, Maurizio. Pastoral Power: Beyond Public and Private. In: Beyond Privacy: a new perspective on the public and private domain, nº19, 2010, p. 9 – 16. Disponível em http://monoskop.org/images/c/c4/Open_19_Beyond_Privacy.pdf
VIEIRA, Willian e MARTINS, Rodrigo. De grão em grão: Além de impedir avanços progressistas no Congresso, os evangélicos replicam no varejo político local, os mesmo debates. E retrocessos. In: Carta Capital,São Paulo, abril de 2013, p. 20 – 25.




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