FERNANDES, J. O. ; SANTOS, H. L. G. Análise do Letramento Digital de professores: uma proposta de procedimentos. In: IV Colóquio Nacional de Hipertexto, 2015, Fortaleza. IV CHIP - Tecnologias digitais aplicadas ao ensino e aprendizagem: desafios da atualidade. Fortaleza, 2015.

June 15, 2017 | Autor: Hugo Santos | Categoria: Formação De Professores, Metodologia, Letramento Digital
Share Embed


Descrição do Produto

ANÁLISE DO LETRAMENTO DIGITAL DE PROFESSORES: UMA PROPOSTA DE PROCEDIMENTOS

Jessica Oliveira Fernandes, graduada, PosLA/UECE, [email protected] Hugo Leonardo Gomes dos Santos, graduado, PosLA/UECE, [email protected]

Resumo As reflexões em torno do conceito de Letramento e suas implicações têm enfrentado reformulações e redirecionamentos graças às mudanças sociais e tecnológicas da atualidade. Nosso trabalho parte da importância do uso da tecnologia em ambiente educacional e chega numa sugestão de avaliação do Letramento Digital dos docentes. O Letramento Digital dos professores deixou de ser uma escolha ou um diferencial para se tornar uma necessidade, tendo em vista que as escolas e os alunos estão acompanhando os avanços tecnológicos e exigindo essa mesma postura dos professores. Nosso objetivo é pensar uma metodologia que permita avaliar ou descrever o Letramento Digital dos professores. Para tanto, baseamos nossas reflexões nos estudos sobre Letramento de Soares (2009), Kleiman (1995), Cassany (2005) e Vieira (2012) e sobre Letramento Digital de Prensky (2009) e Macedo (2010). A metodologia proposta considera aspectos do Letramento Digital que envolvem o planejamento, a execução e a avaliação de uma aula com recursos digitais. Como ressalta Soares (2009), estabelecer parâmetros e níveis de Letramento é uma tarefa muito complexa e quase inviável, portanto, é necessário compreender a metodologia apresentada como uma possibilidade, estando aberta a modificações e adaptações dada a natureza do próprio Letramento. Palavras-chave: Tecnologias Digitais. Letramento Digital Docente. Metodologia. Abstract The reflections on the Literacy concept and its implications have faced reformulations and redirects because of the social and technological changes nowadays. Our work beggins on the importance of using technology in educational environment and arrives in a sugestion of evaluation of teacher's Digital Literacy. The teacher's Digital Literacy leaves to be a choice or a differential to become a necessity, because the schools and the students are already following technological advances and demanding the same attitude of teachers. Our goal is to think of a methodology to evaluate or describe the teacher's Digital Literacy. Therefore, we base our reflections in studies about Literacy like Soares (2009), Kleiman (1995), Cassany (2005) and Vieira (2012) and about Digital Literacy like Prensky (2009) and Macedo (2010). The proposed methodology considers aspects of Digital Literacy involving the planning, execution and evaluation of a lesson with digital resources. As emphasized by Soares (2009), establishing parameters and literacy levels is a very complex and almost impractical task, therefore, is necessary to understand the methodology presented as a possibility, being open to modifications and adaptations regarding the nature of literacy itself. Keywords: Digital technologies. Teacher's Digital Literacy. Methodology. 1

1. INTRODUÇÃO As práticas escolares caminham para se adaptar às demandas sociais, assim, surge a preocupação com o Letramento Digital. No campo teórico, as pesquisas ainda priorizam a figura do aluno. No campo prático, é possível observar que as escolas começam a se preocupar a estrutura em termos de recursos tecnológicos. Porém, será que os profissionais que trabalharão com a tecnologia e com os alunos estão preparados para essa nova realidade? Existe uma maneira de “medir” o Letramento Digital de professores? Os professores possuem condições de, através do uso da tecnologia, fornecer subsídios para o desenvolvimento dos Letramentos dos alunos? É a partir de inquietações como essas que este trabalho busca uma possível metodologia para a realização de pesquisas que pretendem analisar o nível do Letramento Digital dos professores. O trabalho está dividido em cinco tópicos, sendo esta Introdução o primeiro deles. No segundo tópico, com base em discussões trazidas por Kleiman (1995), Vieira (2012) e Cassany (2005) sobre os Letramentos, apresentamos o conceito de Letramento com que desenvolvemos nossa pesquisa, os modelos de Letramento de Street (1984 apud KLEIMAN, 1995) e alguns tipos de Letramentos discutidos na atualidade, dentre eles, o foco de nosso estudo: o Letramento Digital. No terceiro tópico, por meio das reflexões de Prensky (2001), discutimos a verdadeira problemática da pesquisa: o Letramento Digital dos professores, a importância desse Letramento, as implicações para o ensino e a dificuldade de se analisar os níveis de Letramento sem recair na ideia de que existe um modelo a ser seguido. Discutimos também as implicações de Letramento Autônomo e de Letramento Ideológico (STREET, 1984 apud KLEIMAN, 1995) para elaborar uma possível metodologia de análise do Letramento Digital. No quarto tópico, apresentamos o conceito de Letramento Digital (MARTIN, 2006b apud MACEDO, 2010) em que nos apoiamos para, assim, desenvolver alguns critérios a serem observados e descrever uma possível metodologia para a realização de pesquisas que visam à análise do Letramento Digital com suas particularidades e exigências do contexto em aplicação. Por fim, apresentamos nossas considerações finais e as referências do trabalho. 2. DO LETRAMENTO AOS MULTILETRAMENTOS Assim como Kleiman (1995, p. 18-19), percebemos o Letramento como “[...] um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos.”. É importante destacar que, inicialmente, os estudos sobre Letramento pensavam questões relacionadas basicamente ao uso da escrita, o que podemos observar na definição de Kleiman (1995). No entanto, ao lermos um texto, em qualquer suporte, estamos interagindo com a escrita, enquanto sistema simbólico, e ativamos um conjunto de saberes e habilidades que compõem os Letramentos. Assim, a nosso ver, os Letramentos envolvem habilidades de escrita e de leitura em vários suportes e de diferentes modos semióticos. Com relação aos modelos de Letramento, Street (1984 apud KLEIMAN, 1995) postula a existência de dois modelos de Letramento, a saber, o modelo autônomo e o modelo ideológico. O primeiro, tido como o dominante em nossa sociedade, consiste na crença de que há apenas uma maneira de desenvolver o Letramento e relaciona esse desenvolvimento com o desenvolvimento pessoal e com a ascensão social do “indivíduo letrado”. Como afirma Kleiman (1995), a autonomia desse modelo está 2

ligada ao pensamento de que a escrita não está conectada aos contextos sociais em que é utilizada, isto é, seria um “produto completo em si”. Em decorrência dessa percepção, o texto poderia ser compreendido apenas por suas relações internas, sem que se estabeleça conexões com o contexto e das estratégias argumentativas de elaboração e re-elaboração do discurso. O outro modelo de Letramento apontado por Street (1984 apud KLEIMAN, 1995), o modelo ideológico, é marcado pela percepção de que todas as práticas sociais que envolvem a escrita estão inseridas em um contexto cultural e se relacionam com as estruturas sociais de poder. Dessa forma, a escrita não deve ser encarada como um produto completo em si e dotado de poderes inerentes a sua constituição, mas como tecnologia usada em contextos de interação no meio social. Essa concepção aponta para uma abordagem do Letramento como um processo complexo de desenvolvimento de habilidades de uso da escrita que não é único e universal, mas plural e específico a determinados contextos sociais e culturais. Sob essa perspectiva, a avaliação do Letramento é potencialmente problemática, pois é necessário avaliar o indivíduo tendo em vista as pluralidades de condições de uso das tecnologias. Devido à pluralidade de práticas sociais que envolvem a escrita e à diversidade de maneiras de resolver os problemas sociais de uso da escrita, hoje, diversos autores postulam a existência de diferentes Letramentos. Vieira (2012) aponta a existência de dois novos Letramentos, a saber, os Letramentos Digitais e os Multiletramentos. Os Letramentos Digitais estão relacionados a “habilidades de leitura/escrita em ambiente virtual, [...] combinados a aspectos de diversidade cultural e linguística, presentes nas apropriações da tecnologia pelos usuários.” (VIEIRA, 2012, p. 86). Assim, as demandas de interação em um ambiente virtual caracterizariam um novo tipo de Letramento. Os Multiletramentos, por sua vez, [...] referem-se às práticas sociais de letramentos multimodais, realizadas através de diferentes modos de representação, tais como texto verbal (escrito de forma linear ou hipertextual), imagem, som, gestos etc., realizadas em situações comunicativas e contextos de uso variados, envolvendo tecnologias, diferentes gêneros e mídias. (VIEIRA, 2012, p. 86)

Dessa maneira, os Multiletramentos, além dos conhecimentos relacionados ao sistema da escrita e seus usos e das habilidades de leitura, envolvem saberes ligados ao suporte e aos diferentes modos semióticos que contribuem para a significação dos textos. No entanto, essa distinção não é um ponto pacífico, tendo em vista que os Multiletramentos parecem abranger os Letramentos Digitais, tanto que a autora aponta a existência do Letramento Tecnológico, as habilidades necessárias ao uso de computadores e das novas tecnologias, dentre os Multiletramentos. Ao nosso ver, sob esta ótica, o conceito de Multiletramentos engloba tanto o Letramento Tecnológico (hardware) quanto os Letramentos Digitais (software), portanto, essa distinção não é tão eficiente. Sob outra perspectiva, Cassany (2005) aponta três das novas formas de Letramento: o Multiletramento, o Biletramento e o Letramento Eletrônico, todos no singular. O Multiletramento, para o autor, deve-se ao fato de lermos uma grande quantidade de textos em um curto espaço de tempo. Nas palavras do autor, “ao saltar de um texto a outro, mudamos de gênero, de idioma, de tema, de propósito etc. E tudo em um breve espaço de tempo. Trata-se de um autêntico zapping de leitura.”1 “Al saltar de un texto a otro, cambiamos de género, de idioma, de tema, de propósito, etc. Y todo em un breve lapso de tiempo. Se trata de un auténtico zapping de la lectura.” (CASSANY, 2005, p. 3). 1

3

(CASSANY, 2005, p. 3). O Biletramento, ainda segundo Cassany (2005), está relacionado ao desenvolvimento de habilidades de interação em uma língua estrangeira. Por fim, o Letramento Eletrônico é compreendido como as práticas de uso da escrita em rede. Dessa maneira, o conceito de Multiletramento de Cassany (2005) está mais relacionado aos gêneros através dos quais interagimos do que aos diferentes saberes e habilidades que são mobilizados na interação. Sob essa ótica, novamente, a distinção entre Multiletramento (no singular) e Letramento Eletrônico (também no singular) não parece ser muito eficiente tendo em vista que a multiplicidade de gêneros com que interagimos atualmente está presente tanto no ambiente virtual quanto fora dele e, novamente, as práticas de escrita na rede são tão plurais quanto fora dela. No entanto, é importante ressaltar que, embora sob pontos de vista diferentes, tanto Vieira (2012) quanto Cassany (2005) parecem concordar que os Letramentos Digitais/Eletrônicos são diferentes dos Multiletramentos. Nesse cenário, os Multiletramentos, por sua abrangência e complexidade, apresentam uma maior dificuldade de abordagem no âmbito escolar, principalmente no tocante à avaliação, tendo em vista que, sob essa ótica, deve levar em consideração as diferenças individuais do processo de ensino-aprendizagem de cada aluno. No próximo tópico, abordaremos a questão do professor em contato com os recursos tecnológicos. 3. ESCOLA E TECNOLOGIA: A FIGURA DO PROFESSOR Junto com a necessidade de desenvolver as habilidades dos usos sociais da leitura e da escrita, outros Letramentos, não só por parte dos alunos, mas também por parte dos professores, surgiram; é o caso do Letramento Digital 2. Com destaque para o ensino, ambiente em que nos deteremos neste artigo, Prensky (2001) traz uma discussão acerca dos problemas encontrados no ambiente escolar. O autor diz que os estudantes mudaram e que a educação precisa acompanhar essa mudança, isto é, a escola precisa unir as tecnologias ao ensino. A questão, portanto, gira em torno da otimização da interação entre aluno e professor. O uso dessas novas tecnologias na educação está vinculado à formação continuada de professores, pois estes precisam manter-se atualizados para caminhar ao lado da realidade de seus alunos. Sampaio e Leite (1999 apud ARAGÃO, 2007) apontam que as novas tecnologias chegam às escolas, mas por imposição dos governos (ou da própria sociedade) sem o oferecimento de condições que propiciem sua utilização adequada através de programas de formação de professores. Esse “desajuste” entre aluno e professor, no que diz respeito ao uso dos recursos tecnológicos, se dá, segundo Prensky (2001), aos dois grupos em que as gerações que convivem atualmente se dividem: os Digital Natives (Nativos Digitais) e os Digital Immigrants (Imigrantes Digitais). Prensky (2001) utiliza essa nomenclatura para diferenciar os indivíduos que pertencem à “geração digital” (Digital Native), no caso os alunos, dos que chegaram depois nesse novo mundo; os que vieram de fora dessa realidade tecnológica (Digital Immigrant), no caso os professores. A partir da discussão feita pelo autor, a “avaliação” do Letramento Digital dos professores foi posta em questão. Soares (2009), analisando a questão das pesquisas 2

Optamos por trabalhar com o conceito de Letramento Digital porque iremos trabalhar questões relativas à interação dos professores com as ferramentas digitais. A nosso ver, a utilização de diferentes suportes e aparelhos tecnológicos não interfere significativamente nas habilidades necessárias para que o indivíduo seja considerado letrado.

4

sobre a medição dos Letramentos e a busca dos critérios para a avaliação dos níveis de Letramento, explica a dificuldade da realização de uma análise que mostre de maneira satisfatória a realidade, a avaliação do grau de Letramento na perspectiva do Letramento Ideológico, em outras palavras, uma avaliação que considere os “usos heterogêneos de leitura e escrita com diferentes finalidades” (Idem, Ibidem). Dessa maneira, é considerável a dificuldade enfrentada por pesquisadores que pretendem “medir” o nível de Letramento de determinados grupos, em contextos particulares. Para analisar o grau ou nível de Letramento Digital de professores, é corrente a existência de um modelo ideal para que, a partir deste, os professores se enquadrem ou não nos requisitos do modelo ideal preestabelecido e, assim, sejam categorizados de acordo com os níveis também previamente estabelecidos. Ao realizar uma análise dessa maneira, a perspectiva de Letramento utilizada é a do Letramento Autônomo, pois pressupõe um processo mais individual, analisa as habilidades de cada indivíduo diante do uso social da leitura e da escrita. A autora ainda destaca a própria conceituação de Letramento que, desde seu surgimento, passou por diversas reformulações e se constitui como um termo em processo de amadurecimento. Para refletir sobre o Letramento Digital, parâmetros gerais não representam a realidade, cada caso deve ser “medido” de acordo com suas particularidades e exigências. A partir da problemática metodológica para a avaliação dos Letramentos, apresentamos, na seção que segue, o conceito de Letramento Digital que embasa nossa reflexão e descrevemos uma possível metodologia para a “medição” do Letramento Digital de professores. 4. LETRAMENTO DIGITAL: UMA POSSÍVEL METODOLOGIA Soares (2009) discute os vários vieses que o conceito do Letramento vem assumindo na perspectiva de vários autores que se ocupam da temática. O Letramento, no seu percurso de amadurecimento conceitual, pode assumir definições que privilegiam determinados aspectos da linguagem, a saber: a leitura, a escrita, o individual, o social, o cultural, dentre outros. Dessa forma, o conceito de Letramento adotado em nossa pesquisa, baseado em Kleiman (1995), engloba tanto os usos sociais da escrita quanto os da leitura em contextos específicos e para determinados fins. Essa especificidade de contexto e de objetivos dos usos da escrita e da leitura implica na necessidade de definir também o conceito de Letramento Digital com que trabalhamos. Assim, escolhemos trabalhar com o conceito apresentado por Martin (2006b) citado por Macedo (2010) que afirma: Letramento Digital é consciência, atitude e capacidade dos indivíduos de apropriadamente usar ferramentas digitais e facilidades para identificar, acessar, gerenciar, integrar, avaliar, analisar e sintetizar os recursos digitais, construir novo conhecimento, criar expressões de mídia e se comunicar com outros, no contexto específico de situações da vida, a fim de permitir a ação social construtiva, e para refletir sobre o processo. (MARTIN, 2006b apud MACEDO, 2010)

É possível perceber que esse conceito abrange as habilidades de leitura, de seleção de informações e de análise crítica, além de apontar para uma postura responsiva do leitor, através da interação com ferramentas digitais no ambiente virtual. Foi com base nessa definição de Letramento Digital que pensamos e elaboramos duas tabelas de aspectos a serem considerados no momento da análise de caso. Apoiados na ideia do Letramento Ideológico, é necessário lembrar que as 5

particularidades de cada caso em que essa metodologia for aplicada devem ser consideradas. Isso implica, então, em uma análise que terá os aspectos seguintes apenas como base, mas que no decorrer do experimento, tanto novos aspectos poderão surgir quanto os aspectos-base propostos aqui poderão não se aplicar adequadamente ao contexto. A primeira etapa, que antecede o momento da aula, o Planejamento, deverá ser acompanhada e as observações deverão ter como pontos de apoio os três aspectos que seguem: Quadro 1. Critérios para avaliação do planejamento. Planejamento: Identificar o conteúdo a ser pesquisado visando ao objetivo da aula e das necessidades (recursos e/ou textos) para alcançá-lo; Acessar o conteúdo, a procura em si, onde procurar; Gerenciar (selecionar, integrar, sintetizar...) os conteúdos encontrados, fazer escolhas de acordo com as prioridades. Ao elaborarmos as categorias de análise, observamos que a preocupação atual do conceito de Letramento - não só o conceito utilizado para essa metodologia parece se voltar para a seleção crítica diante da quantidade enorme de informações disponíveis na rede em decorrência da facilidade de acesso que a internet e as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC's) podem nos proporcionar. Já para observação do momento da aula, podemos considerar os seguintes aspectos: Quadro 2. Critérios para avaliação da aula. Aula: Construir novo conhecimento (conteúdo da aula); Criar expressões de mídia (vídeo, slides...); Se comunicar com outros (interação com os alunos, interação texto-texto3). No momento da Aula, em que a interação seria mais evidente, as categorias de análise se tornam mais subjetivas e sujeitas a adaptações no decorrer do experimento. É, nesse ponto, que reside a dificuldade de se avaliar o Letramento, seja ele qual for. As práticas sociais são tão fluídas e dinâmicas que estabelecer parâmetros universais que deem conta de todas essas realidades se torna uma atividade complexa e inviável. Além disso, ainda temos que ressaltar a pluralidade de recursos tecnológicos e de mudanças no campo da informática que potencializam essa dinamicidade. Novamente, sob a perspectiva de Letramento Ideológico, estabelecemos que a pesquisa em questão não deve estabelecer um modelo ideal para que, com base neste, o professor seja “julgado” letrado digitalmente ou não. A partir desse posicionamento, pensamos em um modelo mínimo, em que observaremos as habilidades mínimas para que possamos considerar um indivíduo letrado, isto é, as competências necessárias para que, neste caso, o professor, guiado por seus objetivos educacionais, se utilize de recursos tecnológicos para exercer a prática social - o planejamento e a execução da aula com o uso das tecnologias escolhidas - sem 3

Essa interação texto-texto está relacionada ao gerenciamento dos conhecimentos, sejam eles os disponíveis na rede, os presentes no livro didático adotado, ou ainda o conhecimento de mundo do professor. Assim, esse aspecto pode ocorrer tanto na etapa de planejamento quanto na execução da aula.

6

grandes problemas. Também consideramos pertinente não utilizar números para “julgar” cada aspecto, entendemos que, assim como o conceito de Letramento, de Letramento Ideológico e de Letramento Digital são subjetivos, a análise deles deve seguir o mesmo caminho. Assim, na tentativa de observar o caso nos distanciando ao máximo da perspectiva de Letramento Autônomo, escolhemos analisar os aspectos como Satisfatório ou Não satisfatório. A última etapa da metodologia proposta seria a Avaliação. Vale lembrar que, aqui, julgamos que, na perspectiva do Planejamento, não seria conveniente acrescentar, como citado no conceito de Letramento Digital adotado neste trabalho, o quesito “analisar e avaliar”, pois acreditamos que somente após a aula, é que o professor teria subsídios suficientes para avaliar e analisar o material de mídia utilizado/criado. Juntamente com a avaliação do material, seria interessante uma autoavaliação do professor, que diz respeito ao quesito “reflexão sobre o processo” presente na definição de Letramento Digital adotada. Para a avaliação do material, sugerimos convidar o professor a refletir acerca do material e do feedback dos alunos no momento da aula. Para tal, uma conversa e algumas anotações documentarão essa reflexão. Desde a avaliação do material e da aula, o professor já realiza, de certa forma, uma autoavaliação. Porém, um momento reservado para essa autoavaliação seria uma entrevista em que o contato cotidiano com a tecnologia e seu uso em sala de aula seriam alvos principais das perguntas. Dada a complexidade da análise, visto à subjetividade da própria definição de Letramento, acreditamos que a maneira de nos aproximarmos mais da realidade do fenômeno é por meio da triangulação de dados, isto é, através do uso de diversas formas de coleta de dados. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das discussões acima, observamos a existência de algumas "desfinições" em nosso estudo. Utilizamos o neologismo "desfinições", pois nos deparamos com conceitos em aberto, com definições que caminham para a indefinição, ou seja, se direcionam para a subjetividade, dificultando o fechamento de conceitos e parâmetros para a realização de análises que, portanto, se apresentaram como dificuldades na avaliação pretendida. A primeira dificuldade emerge do conceito de Letramento. Sendo a base da ideia de Letramento e tendo como característica as especificidades do contexto, as práticas sociais se mostram um aspecto difícil de se avaliar na sua complexidade e dinamicidade. Elaborar uma metodologia de estudo para contemplar as particularidades inerentes aos usos sociais da língua exige uma maior atenção às especificidades do contexto de interação, dificultando sua replicação sem adaptações. A segunda dificuldade vem de um conceito mais específico, o Letramento Digital. A internet, as tecnologias e os componentes do que é considerado digital carregam consigo as características da dinamicidade e da velocidade. Sendo assim, as mudanças tanto sociais quanto tecnológicas implicam na necessidade de uma metodologia "mutante" que dê conta das novas características e que desconsidere as que, muito rapidamente, são tidas como ultrapassadas. A terceira dificuldade diz respeito à subjetividade do título de letrado e nãoletrado. A questão central dessa dificuldade vem calcada nas duas primeiras e está relacionada à ideia de que, se as necessidades mudam de acordo com contexto sóciohistórico, se a tecnologia dinamiza e acelera essas mudanças, como estabelecer que habilidades um indivíduo deve possuir para que seja visto como letrado ou não 7

digitalmente sem que esse parâmetro caia por terra momentos depois? Quem consegue, sem grandes dificuldades, utilizar as inúmeras ferramentas do Windows pode não dominar um outro software como o Linux, por exemplo. Então, esse indivíduo é ou não letrado digitalmente? Em suma, ser letrado ou não digitalmente, e ainda os níveis que estão entre esses polos, é também relativo e depende de fatores tanto internos quanto externos. Ao nos deparar com as dificuldades citadas, chegamos à conclusão que, mesmo com preocupações como a) não quantificar na análise dos parâmetros, b) não tratar os aspectos sugeridos para análise como absolutos, c) chamar atenção para a necessidade de eventuais adaptações, e outras que pontuamos durante a elaboração da metodologia aqui sugerida, não podemos considerar que exista uma metodologia que possa ser aplicada indistintamente a todos os trabalhos. Neste trabalho elaboramos uma possível metodologia para a análise do Letramento Digital do professor, porém, apenas o contato com o fenômeno em estudo pode nos apontar os caminhos para uma metodologia adequada, ou seja, a "resposta" para os parâmetros está na especificidade do fenômeno observado e não na subjetividade dos conceitos. Neste trabalho, ensaiamos uma metodologia a partir de aspectos teóricos e, ao considerar que não houve aplicação da metodologia proposta, podemos concluir que apenas com a observação de casos concretos encontraremos algumas respostas e, provavelmente, outras tantas perguntas. REFERÊNCIAS ARAGÃO, R. C. Desafios na formação de professores de línguas estrangeiras com novas tecnologias. In: ENCONTRO NACIONAL DO HIPERTEXTO, 2., 2007, Fortaleza. Anais... Fortaleza, 2007. Disponível em: . Acesso: 28 jun. 2015. CASSANY, D. Investigaciones y propuestas sobre literacidad actual: multiliteracidad, internet y criticidade. In: CONGRESO NACIONAL CÁTEDRA UNESCO PARA LA LECTURA Y LA ESCRITURA. Anais... Universidad de Concepción, Concepción, Chile, 24-26 ago. 2005. Disponível em: . Acesso: 28 jun. 2015. KLEIMAN, A. B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: ______ (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995, p. 15-61. LÓPEZ-BONILLA, G.; PÉREZ FRAGOSO, C. Debates actuales em torno a los conceptos “alfabetización”, “cultura escrita” y “literacidad”. In: CARRASCO ALTAMIRANO, A.; LÓPEZ-BONILLA, G. (Coord.). Lenguaje y educación: temas de investigación educativa em México. Puebla: Fundación SM, 2013, p. 23-50. MACEDO, K. T. M. Letramento digital. 01 set. 2010. [Blog]. Disponível em: . Acesso: 28 jun. 2015. PRENSKY, Marc. Digital natives, digital imigrants. On the Horizon, v. 9, n. 5, October 2001, MCB University Press. Versão online. Disponível em: . Acesso: 28 jun. 2015. SOARES, Magda B. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação (Impresso), v. 51, p. 5-17, 2004. ______. Letramento, um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. VIEIRA, I. L. Velhos, novos e multiletramentos: introduzindo conceitos. Linguagem em Foco, Fortaleza, v. 4, n. 1, p. 81-92, 2012. 8

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.