FERNANDES, J. O. ; SANTOS, H. L. G. ; ARAÚJO, N. M. S. Estilo, Autoria e Ética na Revisão Textual. In: XV Encontro de Pós-Graduação e Pesquisa da UNIFOR, 2015, Fortaleza. Anais dos Encontros Científicos - XV Encontro de Pós-graduação e Pesquisa, 2015.

June 15, 2017 | Autor: Hugo Santos | Categoria: Ética, Autoria, Revisão De Textos
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XV ENCONTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA Universidade de Fortaleza 19 a 23 de outubro de 2015

Estilo, Autoria e Ética na Revisão Textual 1

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Jessica Oliveira Fernandes * (PG), Hugo Leonardo Gomes dos Santos (PG), Nukácia Meyre Silva 3 Araújo (PQ) 1 Mestranda em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE; 2 Mestrando em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE; 3 Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE. [email protected] Palavras-chave: Revisão textual. Trabalho do Revisor. Ética. Estilo. Autoria.

Resumo A revisão textual, enquanto etapa do processo de elaboração de textos, já possui alguma atenção das pesquisas acadêmicas. Isso pode ser percebido pelo grande volume de trabalhos e manuais que abordam a escrita como processo e a revisão como uma atividade profissional. No entanto, o trabalho do revisor ainda não possui a mesma atenção. Esta profissão se caracteriza pelo tratamento do texto do outro, buscando adequá-lo ao contexto de interação e às convenções ortográfico-gramaticais daquela sociedade. Em seu trabalho, o revisor encontra uma série de questões problemáticas com as quais precisa lidar. Dessa forma, nosso trabalho aborda algumas dessas questões, especificamente, o estilo, a autoria e a ética, com o objetivo de visibilizar a discussão desses conceitos na atividade profissional de revisão e da postura do revisor

enquanto

profissional.

Para

a

realização

dessa

pesquisa

bibliográfica,

embasamo-nos

principalmente nos seguintes autores: Bahktin (1997), Flower e Hayes (1981), Possenti (2001) e Serafini (1992). Como resultado da discussão apresentada, concluímos que a atividade do revisor profissional deve seguir alguns princípios característicos de sua atividade relacionada a textos de outros, ou seja, a prática profissional de revisar textos incita a consideração de concepções particulares da atividade realizada para que a ética profissional seja estabelecida.

Introdução A revisão textual, tida como uma etapa do processo de escrita, é uma atividade exercida por autores, durante ou após a escritura da primeira versão do texto ou por leitores, após o término da versão do autor. Na condição de leitor, os profissionais que trabalham com o texto ou tratamento textual precisam, como os demais profissionais, seguir determinadas normas de conduta. Embora já existam várias pesquisas e manuais acerca da atividade de revisar sob as duas perspectivas revisor-autor e revisor-leitor - a questão que envolve o profissional e sua posição como tal diante do texto e do autor ainda se mostra insuficiente. Araújo et al (no prelo) são uns dos poucos autores que tratam da revisão até o ponto da atividade como profissão. Ainda pouco discutida, a perspectiva de trabalhar com o 1

texto do outro e os limites que circundam essa atividade se configura, portanto, um assunto indispensável para a reflexão acerca dessa prática profissional. Dentre os limites e cuidados que o revisor profissional deve ter, é conveniente tocar em pontos centrais no que diz respeito ao texto do outro: a ideia de autoria, a visão de estilo, ambas atreladas à atividade em questão e construir, assim, um elo que resulta em uma conduta ética do profissional de revisão textual. É válido ressaltar ainda que não é de nosso conhecimento a existência de pesquisas que associem os conceitos de autoria e de estilo ao trabalho do revisor. Dessa maneira, adaptamos os conceitos inicialmente apresentados sob a perspectiva da produção textual - para a atividade de revisar textos considerada como uma prática profissional. Então, com o objetivo de discutir sobre a conduta ética do revisor profissional, lançamos mão de questionamentos como: a) Qual o papel do revisor profissional? b) Que princípios o revisor profissional deve seguir perante o texto do cliente?; c) De que maneira o revisor respeita esses princípios? Para abordar esse tema, dividimos o artigo da seguinte maneira: Iniciamos abordando o que se entende por revisão textual e o papel do revisor profissional para, em seguida, discutir os conceitos de autoria e de estilo, visto que os consideramos pertinentes para a realização dessa atividade. Para finalizar, configuramos autoria e estilo como constituintes da ética profissional que deve ser exercida pelo profissional de revisão e abordamos de que maneira o revisor pode se apropriar desses conceitos para respeitar a originalidade do texto do cliente.

Metodologia Esta pesquisa se caracteriza como uma pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo, tendo em vista que nosso objetivo é discutir, no plano teórico, as implicações do conceito de autoria e de ética para o trabalho do revisor. Dessa forma, nossas fontes de pesquisa são artigos científicos e trabalhos acadêmicos que abordam os conceitos em questão para a discussão de suas relações. O caráter qualitativo se manifesta na discussão aqui empreendida sobre as implicações teóricas dos conceitos discutidos para a prática profissional da revisão de textos.

Resultados e Discussão A atividade de revisar textos está, geralmente, associada à “limpeza” do texto, isto é, à adequação à normal culta com base em materiais de consulta como dicionários e gramáticas normativas. Porém, a revisão textual é uma atividade bastante complexa e essencial para a adequação do texto ao propósito comunicativo. Vista como uma etapa importante do processo de escrita, a revisão é tida, por Flower e Hayes (1981), como uma etapa recursiva do processo de escrita, da qual dois subprocessos fazem parte: leitura e editoração. Os autores afirmam que na revisão o autor do texto pode realizar a leitura e editoração do texto em qualquer momento do processo de escrita e quantas vezes achar preciso. O autor tanto pode, por exemplo, escrever um parágrafo e já ler e editorar o que ele julgar necessário, como pode fazer a leitura e editoração depois da primeira versão do texto. Já Serafini (1992) observa a etapa da revisão sob uma ótima 2

mais operacional, mais voltada para que aspectos devem ser considerados no momento da tarefa. Para a autora, a revisão é feita observando tanto os aspectos formais – convenções de escrita e gramática – quanto aspectos globais, que envolvem uma compreensão ampla do texto todo e do seu entorno. Apoiados nos autores acima, acreditamos e adotamos, nesta pesquisa, que a revisão textual se dá em âmbito intra e extratextual, envolvendo desde aspectos linguísticos até fatores contextuais relacionados ao gênero, ao suporte e à circulação do texto, por exemplo. A revisão pode ser realizada sob duas perspectivas diferentes: revisor-autor e revisor-leitor. A revisão realizada pelo próprio autor é realizada durante o processo de escrita e propicia uma liberdade total para a editoração do texto, já a revisão realizada por um leitor é feita após o autor ter “finalizado” seu texto e deve ter um nível menor de liberdade no que diz respeito a alterações no texto. Em outras palavras, sendo o revisor do escrito o próprio autor, ele mesmo encontra inadequações e as resolve com total liberdade de escolha para solucionar, podendo excluir, reescrever, dentre outras possíveis atitudes. Enquanto o revisorautor não se preocupa com a manutenção do original, o revisor-leitor tem suas intervenções restritas. O revisor-leitor trabalha com o texto de outrem e, portanto, precisa ter um cuidado maior com as intervenções feitas para que o sentido pretendido pelo autor seja preservado. Neste artigo, trabalhamos com a perspectiva do revisor-leitor, assumindo que esse revisor seja um profissional que fica limitado às pretensões específicas do autor que está contratando o serviço. Profissional e cliente, nesse contexto, inicialmente estabelecem acordos e limites que devem ser seguidos. De acordo com o “contrato” realizado entre as partes, o revisor pode apenas indicar as inadequações encontradas ou pode já solucioná-las. Porém, segundo Araújo et al (no prelo), “Dependendo da natureza das inadequações identificadas pelo revisor-leitor no texto a ser revisado, ele poderá ou não, de imediato, resolver os problemas” [grifos do autor]. Sob essa perspectiva da revisão profissional, é válido destacar a questão da preservação do texto do outro. A resolução de uma inadequação pode, por exemplo, ser operada com a reescrita de um período, porém, é necessário que até mesmo as escolhas do autor sejam preservadas; a ordem das estruturas na construção dos períodos, a escolha das palavras, por exemplo. O que podemos concluir com esse cuidado que o revisor profissional deve ter é que as questões de autoria e estilo estão sempre permeando as decisões do revisor no que tange à solução dos problemas encontrados, no sentido de manutenção do texto original do autor do texto, o máximo possível. As escolhas lexicais, a estruturação sintática e a elaboração dos tópicos desenvolvidos no texto são elementos que apontam para a construção do estilo do autor. O estilo esteve, durante muito tempo, ligado ao campo dos estudos literários, inserido no âmbito da Estilística. Na perspectiva literária, o estilo poderia ser percebido como “um mero fantasma a flutuar entre o estritamente linguístico (sic), o particularmente literário e o vagamente artístico” (CHOCIAY, 1983, p. 67). Como é possível perceber, a definição de estilo é um problema teórico, mas, como ressalta Possenti (2001), a partir de uma visão romântica, o estilo era definido como expressão da subjetividade, unitária e psicológica do autor. Exemplo de aspectos estilísticos, podemos citar alguns autores renomados no campo literário. José Saramago, escritor português, é conhecido por escrever textos sem pontuações, o que não configura, neste caso, como uma inadequação textual. Outro exemplo bastante conhecido é o do escrito brasileiro Guimarães Rosa, que se utiliza de neologismos para construir o sentido de seus textos. Sob outra perspectiva, no campo da Linguística, o estilo tem sido definido a partir do que postula Bakhtin (1997) sobre a constituição dos gêneros discursivos. Para o autor, o estilo pode ser percebido “[...] pela 3

seleção operada nos recursos da língua — recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais” (BAKHTIN, 1997, p. 280). Existe uma relação direta entre o estilo e os gêneros discursivos, entendidos como enunciados típicos das diversas esferas da atividade humana, ao ponto de o autor afirmar: “Quando há estilo, há gênero” (BAKHTIN, 1997, p. 266). É importante ressaltar que, nessa concepção, o estilo está ligado também à interação, ou seja, à presença de um interlocutor com quem interagimos em um determinado contexto. Dessa forma, o estilo e o seu estudo não estão restritos ao campo da Literatura e ao texto literário, mas estão presentes em todos os enunciados. Possenti (2001) também enfatiza a relação entre estilo e escolha. No entanto, o autor ressalta que essa escolha não é um ato de liberdade, como queriam os românticos, mas é resultado da inserção do autor no contexto enunciativo. Assim, a escolha que caracteriza o estilo responde a uma "[...] inscrição (seja genérica, seja social, seja discursiva)" (POSSENTI, 2001, p. 17) do autor, isto é, o autor a partir das múltiplas alternativas presentes na língua e de seus objetivos pessoais, sociais e discursivos, opera seleções observando o contexto enunciativo. A partir do que vimos até agora sobre a relação entre estilo, autor e texto, estamos percebendo que existe uma estrita relação entre esse conceito e a questão da autoria. Possenti (2001) apresenta algumas noções para caracterizar a autoria, dentre elas, destacamos a singularidade, que tem sido aproximada à noção de estilo pelo autor. A conceito de autor tem uma conotação romântica muito forte, ao ponto de só compreendermos esse termo como o indivíduo a quem é conferida a elaboração de algum obra. No entanto, essa suposta expressão do gênio criador também está inscrita em um contexto enunciativo e, como tal, responde a demandas que estão para além da subjetividade e da individualidade. Possenti (2001) ressalta que no lugar do sujeito-autor está uma função-autor, historicamente marcada. Sobre isso, o autor comenta três aspectos importantes para pensar a autoria nos seguintes termos: […] por um lado, deve-se reconhecer que, tipicamente, quando se fala de autoria, pensa-se em alguma manifestação peculiar relacionada à escrita; em segundo lugar, não se pode imaginar que alguém seja autor, se seus textos não se inscreverem em discursos, ou seja, em domínios de “memória” que façam sentido; por fim, creio que nem vale a pena tratar de autoria sem enfrentar o desafio de imaginar verdadeira a hipótese de uma certa pessoalidade, de alguma singularidade. (POSSENTI, 2001, p. 17) Corroborando com essa visão, Faraco e Negri (1998, p. 169) afirmam que "Autorar, nessa perspectiva, é orientar-se na atmosfera heteroglótica; é assumir uma posição estratégica no contexto da circulação das vozes sociais; é explorar o potencial da tensão criativa da heteroglossia dialógica”. Assim, a noção e autoria está intimamente relacionada ao estilo e, mais ainda, ao contexto de interação, ao cenário enunciativo. No contexto do trabalho do revisor, por sua vez, esses conceitos se tornam problemáticos, pois, ao trabalhar com o discurso do outro, o revisor precisa compreender a singularidade do trabalho de escrita empreendido pelo autor e o estilo demandado pelo contexto de interação em que aquele texto se inscreve para, assim, propor alterações e modificações na forma de elaboração do texto. É importante ressaltar que essas modificações não estão apenas no nível das convenções ortográfico-gramaticais, mas afetam as escolhas no nível sintático, no nível lexical e no nível de estruturação e progressão do texto. Nesse ponto, queremos destacar o último tópico de nosso trabalho, a questão da ética profissional, entendida como um conjunto de normas que formam a consciência do profissional e representam imperativos de sua conduta (ÉTICA, s.d.). Essa palavra tem origem no termo grego éthos, que significa

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propriedade do caráter. Dessa forma, a ética está relacionada à interação social dentro de padrões convencionais e ao bom procedimento em sociedade, isto é, não prejudicar os membros do grupo. Quando se refere a atividades profissionais, o caráter ético é percebido quando o indivíduo atende a todas as demandas de sua profissão, guiando-se por princípios determinados pelo grupo de trabalho e sem ferir os princípios estipulados pela sociedade como um todo, grupo social maior em que o grupo de trabalho está inserido. Para cada profissão há um código de ética específico, que varia de acordo com a área de atuação dos indivíduos. No entanto, existem princípios de ética profissional que são universais e, por isso, aplicáveis a qualquer atividade profissional, por exemplo, a honestidade, a responsabilidade e a competência. No caso do revisor profissional, esses princípios se manifestam no seu compromisso com o texto do outro. Dessa forma, segundo os valores éticos da atividade de revisão, a função revisor não pode se confundir com a função autor, ou seja, o revisor não pode interferir diretamente no texto no autor, correndo o risco de ferir os princípios éticos de sua profissão.

Conclusão O que podemos concluir acerca do papel do revisor profissional, no que diz respeito às questões de autoria e de estilo, é que quando tratamos destas duas instâncias não podemos deixar de considerar um aspecto maior, a ética profissional, que engloba as duas questões anteriores. O revisor, sendo um profissional que tem como objetivo principal adequar o texto de outrem a uma série de aspetos tanto intra (como convenções de escrita, gramática) quanto extratextuais (como textualidade, gênero, suporte, audiência) precisa, necessariamente, de limites colocados pelo próprio cliente e, ainda, do bom senso que rege a ética profissional. É preciso lembrar a todo instante que o trabalho está sendo feito com o texto do outro e, portanto, não se pode tomar o texto como seu. Esses limites englobam aspectos que dizem acerca das particularidades autorais e que precisam ser mantidos o mais próximo possível da versão original do autor. Para cumprir a difícil tarefa de, ao mesmo tempo, adequar o texto às circunstâncias de produção e manter a originalidade do texto revisado, a comunicação entre revisor profissional e autor/cliente é de suma importância para que as mudanças necessárias ao texto, principalmente as inadequação que fogem às normas prescritas nos manuais, sejam executadas satisfatoriamente. Um acento, por exemplo, independe de consentimento/negociação do/com o escritor do texto e, também, não tem implicações para o estilo ou a autoria. Porém, quando se trata de uma inadequação como uma ambiguidade, por exemplo, a comunicação com o escritor do texto se faz fundamental na resolução do problema e na reescrita. Em síntese, o revisor-leitor, o profissional, tem como compromisso além da adequação textual, no que tange a aspectos internos e globais, a manutenção da originalidade, da autoria e do estilo do texto. Para a realização dessa difícil tarefa, é preciso, muitas vezes, uma estreita comunicação entre profissional e cliente. Um período truncado, por exemplo, não pode ser descartado completamente e ser reescrito pelo revisor sem respeitar a escolha lexical do autor ou ainda a ordem das estruturas sintáticas. Apesar de solucionar a inadequação, neste caso, o revisor está ferindo princípios básicos da ética na profissão e interferindo em aspectos que não devem ser alterados, na medida do possível e do negociável. O trabalho do revisor deve, por fim, resultar em uma versão final do mesmo texto e não em um novo texto.

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Referências ARAÚJO, N. et al. Revisão textual: o que é, como se faz. Fortaleza: UECE, no prelo. BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. CHOCIAY, R. Em busca do estilo. Alfa, São Paulo, v. 27, p. 65-76, 1983. ÉTICA profissional. Significados, [s.l, s.d.]. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2014. FARACO, C. A.; NEGRI, L. O falante: que bicho é esse, afinal? Revista Letras, Curitiba, n. 49, p. 159170, 1998. FLOWER, L.; HAYES, J. A cognitive process theory of writing. College Composition and Communication, v. 32, p. 365-387, 1981. OLIVEIRA, R. R. F. Revisão de textos: o ponto de vista de manuais. In: OLIVEIRA, M. B. F.; ALVES, M. P. C.; SILVA, M. P. (Orgs.). Linguagem e práticas sociais: ensaios e pesquisas. Natal: EDUFRN, 2008, p. 127-151. POSSENTI, S. Enunciação, autoria e estilo. Revista FAEEBA, Salvador, v. 10, n. 15, p. 15-21, 2001. SERAFINI, M. T. Como escrever textos. 5. ed. São Paulo: Globo, 1992.

Agradecimentos Agradecemos à CAPES pelas bolsas de mestrado concedida aos dois primeiros autores.

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