FERNANDES, Luís (2015). Estratégias de utilização de e-manuais para a promoção da literacia, Lisbon, EUTIC 2014 Proceedings, pp. 299-306.

June 1, 2017 | Autor: Luis Fernandes | Categoria: Literacy, Interaction Design, E-textbooks, User interfaces
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Estratégias de utilização de e-manuais para a promoção da literacia


Luís FERNANDES
Centro de Investigação para Tecnologias Interactivas (CITI), Universidade
NOVA de Lisboa (UNL).
[email protected]

Resumo

Na tentativa de contribuir para a conceptualização de e-manuais que
possam substituir, nas salas de aula, as versões em papel e que ao mesmo
tempo enriqueçam o modo de interação dos alunos com estes meios, foram
elaborados vários estudos que reverteram para a produção de uma plataforma
de livros digitais. Os conteúdos áudio-scripto-visuais contidos nesses
livros tiveram por base manuais escolares em papel que, em certa medida,
representam uma característica singular do projeto apresentado neste
artigo.

O objetivo principal deste é o de equacionar em que medida e de que modo
este tipo de recursos podem auxiliar na aquisição de competências, mais
concretamente na melhoria dos níveis de literacia dos alunos e da população
em geral.

Palavras-chave: E-manuais, Literacia, Interfaces, Interação.


Abstract

In an attempt to contribute to e-textbooks conceptualization in order to
replace, in classrooms, the paper version and at the same time enrich the
student's interaction mode with these technologies, were developed several
studies that reverted to a digital books platform. The audio-scripto-visual
content enclosed in these books were based on paper textbooks that, in some
extent, represent a unique feature of the project presented in this
article.

The aim of this article is to equate in what way and how this kind of
resources can assist in skill's acquisition, specifically in improving
literacy levels of students and general population.

Keywords: E-textbooks, Literacy, Interfaces, Interaction.


Introdução

Em Portugal, multiplicam-se as iniciativas orientadas para a utilização
de tabletes digitais (tablets) em contexto formal de aprendizagem. No ano
letivo de 2013/2014, duas turmas de uma escola pública iniciaram o período
escolar com estes dispositivos e sem recurso aos habituais manuais
escolares impressos. Estas iniciativas, independentemente do tipo de
dispositivo, tendem a replicar parte das experiências iniciadas com os
programas e.escola e e.escolinha[1], favorecendo a utilização de recursos
educativos digitais, sobretudo em sala de aula. O ano letivo de 2014/2015
iniciou com propostas de e-manuais para todos os domínios por parte da
Porto Editora, um investimento que segundo anunciou a empresa rondou os 2
milhões de euros (Porto Editora, 2014). Para além desta editora, também a
editora LeYa apresentou uma oferta semelhante para o novo ano letivo.

Filomena Mónica (2014) atenta para a presença constante de dispositivos
eletrónicos que acompanham os alunos, mesmo em sala, onde acabam por ser
elementos perturbadores e não desejados por parte dos professores. Contudo,
ignorar esta evidência será ignorar também a elevada taxa de penetração da
Internet em banda larga (95%) e o elevado número de indivíduos (64%) que
utilizam computador (INE, 2013). Estes argumentos endereçam uma necessidade
de conceptualizar e-manuais escolares, como uma ferramenta dinâmica que
colhe a atenção dos alunos, com a qual estes dialoguem facilmente e que se
encontre acessível a partir dos diversos dispositivos eletrónicos.

Uma alavancagem da literacia a partir de uma ferramenta digital não deve
desconsiderar as limitações e desvantagens da mesma. No início dos anos 90,
altura em que começaram os estudos comparativos entre leitura em papel e
leitura em ecrã, Andrew Dillon (1992), citando vários autores e estudos,
concluiu que quanto à velocidade, precisão, fadiga e compreensão, o papel
era o suporte que mais favoravelmente respondia àqueles critérios. Todavia,
passaram mais de 20 anos, tendo as caraterísticas atuais dos dispositivos
sofrido melhorias dramáticas, ainda assim, autores como Schugar, Smith e
Schugar (2013) apontam relativas desvantagens na utilização de dispositivos
eletrónicos em contexto formal de aprendizagem, aludindo para o facto do
enriquecimento dos conteúdos resultar mais num elemento distrativo, que
impulsor da compreensão e consolidação dos conhecimentos. Ao mesmo tempo,
outros autores, como James Johnson (2013) demonstram que sob as mesmas
condições, em sala de aula, não se verificam diferenças substantivas quanto
à compreensão, nem no desempenho de tarefas, relativamente ao uso de e-
manuais comparativamente com os manuais impressos em papel.

Na tentativa de contribuir para a conceptualização de e-manuais que
possam substituir nas salas de aula as versões em papel, e que ao mesmo
tempo, enriqueçam o modo de interação dos alunos com estes meios, foram
elaborados vários estudos (Fernandes, 2012; Fernandes, 2013) que reverteram
para a produção de uma plataforma de livros digitais. Os conteúdos áudio-
scripto-visuais contidos nesses livros tiveram por base manuais escolares
em papel, que em certa medida representa uma característica singular no
projeto a discutir no presente artigo.

O contributo que se espera oferecer, decorrente desta análise, será o de
equacionar: em que medida e de que modo, este tipo de recursos podem
auxiliar na aquisição de competências, mais concretamente na melhoria dos
níveis de literacia dos alunos e da população em geral? Espera-se ainda
que, deste, resultem conclusões e recomendações que conduzam à
implementação de metodologias que permitam aferir e inferir dados
relevantes para a comunidade.


E-manuais e Literacia

De acordo com Maria Cristina Lourenço (2012), o termo literacia terá
surgido em Portugal no final de 1995 através da publicação do relatório
preliminar do Estudo Nacional de Literacia, coordenado por Ana Benavente.
Neste domínio, a OCDE promove um programa de avaliação internacional (PISA
— Programme for International Student Assessment), a cada três anos, tendo
o primeiro ocorrido no ano 2000 e último no ano de 2012. O relatório define
literacia como a «Capacidade que os indivíduos têm para formularem,
aplicarem e interpretarem em contextos variados. Implica raciocinar, usar
conceitos e ferramentas para descrever, explicar e prever fenómenos.
Contribui para que os indivíduos reconheçam o papel que o saber desempenha
no mundo.» (OCDE, 2012).

Para um enquadramento mais focado no objeto de estudo, os e-manuais,
convém aludir para um dos subdomínios da literacia: as novas literacias (do
inglês, new literacies). A este propósito importa expor a síntese elaborada
por Lourenço (2012): «Por conseguinte, sendo o conceito de literacia, hoje
em dia, afetado pela mudança imposta pelas novas tecnologias, estas exigem
outras literacias para explorar eficazmente as suas potencialidades (Leu et
al., 2004.) […] Lankshear e Knobel (2006) chamam-lhes "new literacies" e
consideram que, apesar de terem alguns aspetos comuns às formas
convencionais de literacia, distinguem-se delas em aspetos importantes. O
termo "new" é dinâmico, quando relacionado com as tecnologias digitais e
com as práticas que lhe estão associadas (Kalantzis et al., 2010)».

Marc Prensky (2008) reforça a relação das chamadas novas literacias com a
tecnologia e a programação em particular, ao referir que a tecnologia
digital deve ser colocada ao serviço da comunidade e ser dominada como as
literacias que a precederam. Altos níveis de proficiência neste género de
literacia procedimental, diretamente relacionada com a interação pessoa-
máquina, implicam o domínio das ferramentas digitais e os códigos de
comunicação que lhes são inerentes. Como atenta Howard Gardner (2011) «o
computador pode ser um facilitador vital no atual processo de instrução,
ajudando os indivíduos a aprender ao seu ritmo preferido, recorrendo a uma
variedade de técnicas de ensino».

Os e-manuais podem, neste contexto, representar um coadjuvante ajustado
às exigências atuais e àquelas que se acercam. Se estes recursos forem
dotados de funcionalidades que acrescentem valor à experiência de
utilização por professores e alunos, ao mesmo tempo que facilitem a
consolidação, a validação e a construção de novos saberes, então, estaremos
perante um recurso que servirá os requisitos fundamentais da literacia em
geral.

«O acto de ler, à luz das mudanças de um mundo cada vez mais global, pode
agora ter lugar fora dos limites tradicionais da página escrita, com o
auxílio da tecnologia, a qual permite desenvolver competências que
extravasam as fronteiras da palavra, aliando-lhe sons e imagens em
movimento que instalam universos imaginários de forma porventura mais
profícua.» (Melão, 2010).


Estudo de Caso: Biblioteca Digital – Fundação Jorge Álvares

O estudo que aqui se apresenta foi desenvolvido no Centro de Investigação
para Tecnologias Interactivas (CITI), unidade da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade NOVA de Lisboa. Trata-se de uma
Biblioteca Digital desenvolvida para a Fundação Jorge Álvares que visou a
adaptação de manuais escolares tradicionais (em papel) para o formato
digital.[2] Os e-manuais foram estruturados e embebidos numa plataforma
digital, de acesso público, onde, mediante um registo, os utilizadores têm
acesso a um Ambiente Pessoal de Aprendizagem (APA), (do inglês, Personal
Learning Environment).




Figura 1. Arquitetura Funcional da Biblioteca Digital – Fundação Jorge
Álvares




A Figura 1 apresenta a divisão funcional da Biblioteca Digital – Fundação
Jorge Álvares (FJA) em três unidades lógicas: «Coleções Temáticas» (1), que
são as unidades temáticas dos manuais escolares distribuídas por coleções
de e-manuais; o APA constituído por um «caderno» digital (2) que pode ser
entendido como um guia de estudo onde o aluno/aprendente pode coletar,
ordenar, editar e inserir conteúdos de diversas origens e formatos, fazendo
as suas notas pessoais; por fim, contido neste APA, surge o «Livro de
Exercícios» (3) denominada na plataforma como «Fichas e Exercícios» que
permite a verificação dos conhecimentos através da validação automática por
meio de questionários (resposta fechada), ou validação diferida (resposta
aberta) através da submissão da resposta para ser avaliada posteriormente
pelo professor ou revisor responsável.




Figura 2. Ambiente de edição do «Caderno» digital




Devido à sua arquitetura e tipologia, esta Biblioteca Digital oferece
ferramentas que transcendem os limites das já tradicionais aplicações para
leitura e anotação de livros eletrónicos, de resto, tão-pouco se devem
comparar. Como ilustra a Figura 2, onde se visualiza o ambiente de edição
das «Notas», ou seja, notas sobre o conteúdo de uma unidade temática, o
aprendente pode recombinar, editar e adicionar texto e recursos, podendo
ainda imprimir texto e imagens.

Apesar dos APA serem objeto de estudo há quase 40 anos, importa que se
desenvolvam estudos e aplicações que acompanhem a constante evolução
tecnológica, mais insistentemente no domínio das tecnologias educativas.
Fernando Albuquerque Costa (2014) sintetiza desta forma a importância dos
APA no contexto educativo: «Do ponto de vista curricular, é uma proposta
que assenta principalmente no reconhecimento da importância de o estudante
assumir a organização e gestão da sua própria aprendizagem (van Harmelen,
2006; Attwell, 2007), isto é, uma aprendizagem em que os alunos escolhem e
são responsáveis pelas ferramentas que usam, as pessoas com quem interagem,
o conteúdo que querem aprofundar, enfim, pela construção, muito pessoal, do
sentido atribuído às coisas (White & Davis, 2011).».

No caso da Biblioteca Digital FJA pretende-se chamar à participação
ativa, sobretudo os alunos, mas também os professores, uma vez que estes
podem, no limite, serem produtores deste género de e-manuais, cujo
dinamismo permite atualização imediata dos conteúdos utilizados.


Conclusão

À data desta publicação terão decorrido cerca de 4 meses, desde a
apresentação pública da Biblioteca Digital FJA. Neste intervalo de tempo
contaram-se 1547 visualizações de página e uma taxa de retorno de
utilizadores na ordem dos 77,5%. Portugal (83,2%), Macau (5,9%) e Brasil
(4,7%) foram os países de origem com mais visitantes, contudo, no que
respeita à duração média por sessão, os utilizadores com origem em Macau
despenderam mais tempo (14:42m) comparativamente com os que acederam à
Biblioteca a partir de Portugal (02:41m).[3]

Importa referir que foram adotadas estratégias de promoção continuada,
avaliação e análise da Biblioteca Digital FJA. Desde a sua apresentação
pública que os docentes do ensino básico português, professores
bibliotecários e coordenadores interconcelhios das bibliotecas escolares
planeiam e desenvolvem atividades utilizando a plataforma. Em Macau, foco
principal do projeto, onde este recurso será utilizado em contexto formal
de aprendizagem pela Escola Portuguesa de Macau, diligenciam-se iniciativas
de divulgação e acompanhamento das atividades letivas.

Da coleta de dados e análise dos casos estudados deverão surgir
indicadores que permitirão aferir a qualidade do desenho pedagógico da
plataforma.

A promoção da literacia deve ser entendida como promoção das literacias e
deve compreender as novas literacias. Para Dulce Melão (2010) «o sucesso em
literacia passará pelo reequacionar de contextos e práticas desenvolvidas
que acompanhem a evolução da tecnologia, assumindo um papel de destaque não
só a escola e os seus profissionais, como também as comunidades
envolventes, participantes activos na construção de novas vias do
conhecimento.». Neste contexto, a tecnologia pode e deve servir o propósito
da democratização do acesso ao conhecimento, como de alguma forma se crê
que tenha acontecido com o surgimento da Internet.


Bibliografia

Costa, F., 2014, «escol@21 – Um espaço pessoal de aprendizagem», Revista de
Educação a Distância, vol. 1, n.º 1, p. 21-31.

Dillon, A., 1992, «Reading from paper versus screens: a critical review of
the empirical literature», Ergonomics, vol. 35, n. 10, p. 1297-1326.

Fernandes, L., 2012, «Digital Textbooks Platforms: Trends and
Technologies», Atas do II Congresso Internacional TIC e Educação, Lisboa,
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

Fernandes, L., 2013, «Sketching the user interface of digital textbooks
applied to formal learning environments», Conference Proceedings: The Open
and Flexible Higher Education Conference (EADTU), Paris: FIED & UMPC, p.
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Development of a Digital Library Based on Formal Learning Content»,
EDULEARN14 Proceedings, p. 1896-1901.

Gardner, H., 2011, Frames of mind: The theory of multiple intelligences
(30th-year edition), New York, Basic Books.

INE, 2013, «Portugal em Números 2013», Instituto Nacional de Estatística,
Lisboa, Instituto Nacional de Estatística, I.P.

Lourenço, M., 2012, «Da narrativa à narrativa digital: o texto multimodal
no estudo da narrativa», Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação),
Universidade do Minho.

Melão, D., 2010, «Ler na era digital: os desafios da Comunicação em rede e
a (re)construção da(s) literacia(s)», EXEDRA, Revista Científica da Escola
Superior de Educação de Coimbra, n.º 3, p. 75-90.

Mónica, M., 2014, A Sala de Aula, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos
Santos.

OCDE, 2013, «PISA 2012 Results: What Students Know and Can Do – Students
Performance in Mathematics», Reading and Science, PISA OCDE Publishing.

Porto Editora, 2014, «Grupo Porto Editora disponibiliza gratuitamente
versões digitais dos manuais escolares», Consultado em 06/09/2014 em,
http://www.portoeditora.pt/imprensa/noticia/ver/grupo-porto-editora-
disponibiliza-gratuitamente-versoes-digitais-dos-manuais-
escolares?id=29522.

Prensky, M., 2008, «Programming Is the New Literacy», Edutopia. Consultado
em 06/09/2014 em, http://www.edutopia.org/literacy-computer-programming.

Schugar, H., Smith, C. e Schugar, J., 2013, «Teaching With Interactive
Picture E-Books in Grades K–6», The Reading Teacher, vol. 66, n.º 8, p.
615-624.



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[1] Projetos implementados pelo XVII Governo Constitucional de Portugal que
visavam fomentar a utilização de computadores e ligações à Internet em
banda larga aos alunos matriculados no 5º ao 12º ano e.escola e no 1º ao 4º
ano e.escolinha de escolaridade, facilitando o acesso à sociedade de
informação, de modo a promover a info-inclusão e a igualdade de
oportunidades.


[2] A Biblioteca Digital – Fundação Jorge Álvares reside no endereço:
http://www.fundacaojorgealvares-bibliotecadigital.com e foi descrita
funcionalmente num artigo apresentado na EDULEARN14, Barcelona, 6th annual
International Conference on Education and New Learning Technologies
(Fernandes, 2014). Os conteúdos abordados prendem-se mormente com a
história e cultura de Macau e da China, dado que os manuais tradicionais
que nortearam os conteúdos são da autoria e uso da Escola Portuguesa de
Macau.


[3] Os dados obtidos respeitam à análise fornecida pela ferramenta Google
Analytics, devidamente autorizada e configurada para o efeito.
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