Fernando Pessoa – Da República (1910 - 1935) - “O Sentido do Sidonismo”

July 22, 2017 | Autor: Cláudia Maié | Categoria: History, Fernando Pessoa, Historia Contemporánea, História de Portugal
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FACULDADE DE LETRAS UNIVERSIDADE DE LISBOA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Trabalho prático apresentado no âmbito da Unidade Curricular de História Contemporânea de Portugal, regida pelo Professor Doutor Ernesto Castro Leal

Fernando Pessoa – Da República (1910 - 1935) “O Sentido do Sidonismo”

Cláudia Maié Pires Vaz Nº 43971

14 de Novembro de 2014

Índice Introdução ……………………………………………………………………………… 3 Conjuntura Histórica……………………………………………………………………. 4 Tópico 101 – “A República Velha nada alterou das tradições”………………….….…. 7 Tópico 105 – “Sidonismo”….……………………………………………………….... 10 Conclusão …………….……………………………………………………………..... 13 Bibliografia ………………..…………………………………………………………...14

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Introdução Sidónio Pais foi uma experiência política pioneira, não só para Portugal como para a Europa do Sul. No sidonismo estão os elementos que vamos reencontrar em dezenas de regimes autoritários ou ditatoriais da Europa e América entre 1919 e 1945. O sidonismo é uma resposta à longa crise do Estado liberal. Em termos simples, as razões desta são as dificuldades da transição entre as democracias liberais e elitistas do século XIX para as democracias de massas do século XX. Em 1979, um cuidadoso levantamento de documentos do espólio de Fernando Pessoa, associados ao tema da nacionalidade portuguesa, realizado por Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão, adquiriu a forma de livro sob a coordenação de Joel Serrão. Este livro, intitulado Fernando Pessoa – Da República 1910 – 1935 (1978), publicado pela Ática, trouxe ao conhecimento do público uma noção mais ampla da escrita pessoana dedicada a Portugal, no âmbito da qual são tratados assuntos políticos, históricos e religiosos. Pessoa manifestava a vontade de estudo da nação à qual pertencia por nascimento, da que foi afastado por casualidade e à qual regressara com um sentimento de responsabilidade e pertença. Fernando Pessoa, de maneira arguta, no ensaio sobre o Sentido do Sidonismo, exprimiu o desejo presidencialista republicano de crescentes sectores sociais da vida pública nacional – a República Presidencialista, com inteira separação do Executivo e do Legislativo. Sidónio Pais é caracterizado como o “concentrador das forças”, o indivíduo que materializa a vontade de um povo e encarna o mistério que lhe subjaz. O regime sidonista era necessariamente presidencialista, mas não se tratava de um presidencialismo normal. Sidónio Pais era, como muito bem disse Fernando Pessoa, o Presidente-Rei. Era “rei”, não por escolha do sangue, mas pelo seu sentido messiânico e místico, como emanação da vontade nacional que procurava um salvador num momento de grande crise. “Quem ele foi sabe-o a Sorte, Sabe-o o Mistério e a sua lei. A Vida fê-lo herói, e a Morte O sagrou Rei!” Fernando Pessoa

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Conjuntura Histórica – Sidónio e o Sidonismo Face ao cenário em que Portugal se encontrava mergulhado, é sempre bom recordar que a conjuntura era propícia ao surgimento de «Messias» ou de «salvadores da pátria». Em Portugal, a crise do Estado fez-se sentir desde o ultimatum de 1890 e agravou em muito com a proclamação da República, em 1910. A instabilidade política e a violência social contrastam com o passado e atingem um ponto especialmente grave em 1914-1917, com as condições da guerra europeia e com o Partido Democrático no poder. Embora o consulado de Sidónio Pais caiba inteiramente no período dominado pela conjuntura de guerra e a própria queda do seu regime possa ser considerada, até certo ponto, uma consequência do fim da guerra, achou-se que aquela experiência política merecia ser tratada à parte, como o exacerbamento que foi de uma série de enfrentamentos que oporiam, quase ininterruptamente até ao 28 de Maio de 1926, as forças sociais mais conservadoras do País às forças do liberalismo tradicional, fiéis ao regime parlamentar. Não convém que nos alonguemos aqui sobre a instabilidade política dos primeiros anos da República, que não era mais do que a continuação da instabilidade dos últimos anos da Monarquia – ambas sintoma da crescente inadequação do sistema político, enquanto sistema de representação das forças sociais e arbitragem entre elas, às transformações que a difusão das relações de produção capitalistas tinham vindo a introduzir em Portugal. O desencadeamento da guerra surpreendeu as forças políticas do País quando estas haviam conseguido dotar-se de um governo que, embora precário, parecia representar uma relativa apaziguação, como então se chamou efectivamente ao Gabinete Bernardino Machado, que sucedera, em Fevereiro de 1914, ao primeiro Gabinete democrático homogéneo (Afonso Costa); tal apaziguação não diziam respeito apenas aos partidos republicanos, aos quais o golpe de 5 de Outubro conferira o monopólio político, como parecia até alargar-se, de algum modo, à forças excluídas do sistema político: católicos e fiéis da Monarquia, do lado do País mais tradicional, e o movimento operário, do lado do País moderno. A inadequação do sistema político, baseado num sufrágio limitadíssimo, manipuladíssimo e, além do mais, consciente ou inconscientemente boicotado nos grandes centros urbanos, onde precisamente se concentrava a população politicamente mais activa, a inadequação do sistema político ao “país real”, quer o dos camponeses analfabetos, quer o dos operários abstencionistas, era de algum modo patente aos seus próprios beneficiários. 4

A contra-revolução em Lisboa anunciava-se como pretendendo instaurar uma «república nova, mas na realidade, extinguiu de imediato a República parlamentar, a sua Constituição, o Presidente eleito (Bernardino Machado), o Governo (Afonso Costa), as autoridades centrais e locais. E iniciou um novo poder assente no domínio dos agrários, com rosto inicialmente marcado pela demagogia, e logo transformado, em poucos meses, num regime de terror, que ao fim de um ano acabaria em sangue. É certo que o golpe militar do major Sidónio Pais não foi o primeiro desferido contra a República parlamentar. Além das tentativas monárquicas de 1911 e 1912, ambas frustradas, já em 1915 o «movimento das espadas» encabeçado pelo general Pimenta de Castro tinha ousado encerrar o Parlamento, cercado pela GNR, que impediu os deputados e o seu presidente (Manuel Monteiro) de lá entrar. Mas essa situação anómala, que figurava uma tentativa de ditadura militar, foi anulada ao cabo de algumas semanas pelo levantamento popular e burguês democrático do 14 de Maio. Não chegou a ter o carácter demagógico nem repressivo que viria a caracterizar o Sidonismo. A 5 de Dezembro de 1917 o major da cavalaria, Sidónio Pais, encabeçou um golpe militar a partir da província, que levou três dias a consolidar, tendo tomado o governo do país pela força. Foi um golpe extraordinariamente sangrento. Contou com a adesão de quase todo o exército. Opôs-se-lhe o quartel de fuzileiros, a Guarda-fiscal e a PSP, forças estas, apoiantes do governo do Partido Democrático de Afonso Costa. A revolução sidonista é prenunciadora dos messianismos. Vem na sequência do milagre de Fátima e do descalabro social, político e económico de que Portugal era protagonista nesse ano e que se traduziu no triunfo da corrente germanófila, manifestamente contrária à intervenção portuguesa na 1ª Grande Guerra ao lado dos aliados. Em 1917, o golpe sidonista era mais subtil e revestia-se de novas características. Tinha começado por ganhar as massas descontentes com a Guerra e as suas consequências: a falta de géneros, o açambarcamento e a subida em flecha do custo de vida. Cativara mesmo o apoio da classe operária, ao aceitar libertar as centenas de trabalhadores presos pela República por razões sociais. Este golpe acenava com a ideia de uma República Nova, quando o país dava mostras de estar cansado da outra. O saldo mais desastroso do consulado sidonista revelou-se pelo abandono do corpo expedicionário português à sua sorte, que culminou em Abril de 1918 no desastre da batalha de La Lys, na Flandres. Embora declarasse apoiar os aliados, Sidónio não substituiu o CEP quer quanto a homens quer quanto a apoio logístico, culminado com a insubordinação das tropas portuguesas, numa altura em que os alemães empreendem 5

uma ofensiva em larga escala nessa frente de batalha. Após o desastre, a representação portuguesa na Flandres ficou reduzida a menos de uma divisão, perdendo autonomia e comandos próprios. A 8 de Dezembro é constituída uma Junta Revolucionária onde pontificará Machado dos Santos do Partido Regenerador. Com a colaboração do Partido Unionista, do qual Sidónio Pais era membro, é instaurada uma ditadura militar. Sidónio dissolve o Congresso, decreta alterações à Constituição e introduz um regime presidencialista à maneira americana. A 8 de Abril de 1918, faz-se eleger Presidente da República, por eleições directas, numa altura em que os membros do seu partido lhe haviam já retirado o apoio e passado à oposição. Mas, na realidade, com o sidonismo foi a grande burguesia quem subiu ao poder. Sabe-se que foi ela quem inspirou e até financiou o golpe. Os seus representantes instalaram-se no Governo e ocuparam os mais altos cargos da administração à sombra da figura de Sidónio Pais. Um tal governo de classe pretendeu inicialmente atrair a si o apoio popular e dos trabalhadores, a demagogia servia de isco para atrair um certo apoio. Ao aceitar pôr em liberdade os presos por motivos sociais, deu a aparência de reconhecer aos trabalhadores uma cidadania que a República lhes tinha recusado. Depois foi o «sufrágio universal», tão prometido nos tempos da Propaganda republicana, mas que, uma vez instaurada, a República nunca ousara pôr em prática. Se os homens da Primeira República não tivessem votado os trabalhadores contra o Governo, pelas mobilizações sucessivas de soldados e pelo agravamento constante do nível de vida, se a política governamental não tivesse sido de sistemática hostilidade aos sindicatos e às reivindicações dos operários, quer das fábricas quer dos campos, não se teria certamente verificado o sucesso fácil, se bem que efémero, da ditadura de Sidónio Pais. Com Sidónio Pais, pela primeira vez em Portugal e na Europa, surge um regime ditatorial sui generis que virá a ser retomado pelos movimentos fascistas europeus, como por exemplo Mussolini em Itália. A República Nova sidonista foi prenunciadora do «Estado Novo», que mais de uma década depois se irá instalar progressivamente em Portugal pela mão férrea de Oliveira Salazar. Em 14 de Dezembro de 1918, Sidónio Pais é assassinado na Estação do Rossio por Júlio da Costa, antigo sargento que havia participado, em 1910, na Implantação da República. Após a morte do “Presidente-Rei”, o país mergulha numa das mais graves crises políticas da sua história contemporânea. 6

Tópico 101 – “A República Velha nada alterou das tradições” 92 D – 36 [dact]

Quando se deu o golpe-de-estado maçónico de 1910, Fernando Pessoa era muito jovem, e, dentro do seu espírito jovem e inexperiente, imediatamente aderiu ao ideal revolucionário da República. Porém, os últimos textos de Pessoa acerca da República são a expressão da total e completa desilusão, a ponto de comparar negativamente a república instaurada à monarquia derrubada. “ (…) A República Velha nada alterou das tradições desonrosas da Monarquia. Mudou apenas a maneira de cometer os erros; os erros continuaram sendo os mesmos. (…) ”

Fernando Pessoa comparou o abuso das ditaduras, por parte da monarquia, com o uso das ditaduras por parte da república. Podemos dizer que um abuso significa que não é um uso normal, mas antes esporádico; um uso significa algo que entrou na normalidade. A monarquia abusou das ditaduras, mas na sua história, as decisões políticas e administrativas em Cortes, apesar de tudo, duraram até ao século XVIII, sendo interrompidas pelo Absolutismo; em contraponto, a república transformou a ditadura no seu modo de operação contínuo. A República representou, não só para Fernando Pessoa, a continuação do liberalismo oligárquico da monarquia constitucional, dada a predominância da mesma elite liberal e a persistência de uma estrutura económica e social arcaica que pouco ou nada mudou durante a nova ordem política. “ (…) Como podia deixar de ser assim? Os homens do Partido Republicano tinham a mesma hereditariedade nacional, tinham vivido no mesmo meio que os da Monarquia; porque milagre teriam uma mentalidade diferente? (…) ”

Segundo Fernando Pessoa, a monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo, em ditadura, as suas leis mais importantes e nunca as submeteu a cortes constituintes ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis de família, a lei da separação da Igreja do Estado – todas foram decretos ditatoriais. Para Pessoa a monarquia havia desperdiçado, imoralmente, os 7

dinheiros públicos, mas a república que veio implantar-se multiplicou os escândalos financeiros da monarquia. A monarquia, desagradando à Nação, e não saindo espontaneamente, criou um estado revolucionário; por outro lado, a república veio e criou “dois ou três” estados revolucionários. A monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a república instituiu a desordem múltipla. Podemos até dizer que não existiram melhorias na administração financeira nem na administração geral e que toda a situação anterior se manteve. “Se Portugal tivesse regiões diferentes, nitidamente diferentes, se a Revolução de 5 de Outubro tivesse trazido para o poder homens de uma região diferente daquela de onde soessem provir os homens da Monarquia, então haveria homens diferentes no poder. Mas eram os mesmos políticos profissionais, os mesmos advogados da mesma Coimbra, os mesmos copistas da França – como podiam ter mentalidade diferente? (…) ” Podemos reconhecer que a vinda da República teve a vantagem de anarquizar o país, de o encher de intranquilidade permanente, e estas coisas podem designar-se como vantagens porque, quebrando a estagnação, podem preparar qualquer reacção que produza uma causa mais alta e melhor. Mas nem os republicanos pretendiam este resultado nem ele pôde surgir senão como reacção contra eles. Será importante também referir a temática da religião abordada no texto, apesar de Fernando Pessoa abordar o assunto em apenas um parágrafo. “(…)Em vez de um regímen católico, um regímen anticatólico, isto é, um regímen que logo arregimentava como inimigos os católicos.(…)”

A instauração da República, a 5 de Outubro de 1910, reacendeu a questão religiosa aberta no século XVIII pelo Marquês de Pombal e retomada pelos liberais que levaram a efeito uma política seculizadora concretizada numa diminuição da influência social da Igreja Católica. A partir de 1880 assistiu-se, no País, a uma intensa propaganda republicana, socialista e anarquista que visava a laicidade do Estado, da cultura e das consciências. Com a abertura do ciclo republicano assistiu-se à publicação de um vasto conjunto de leis em matéria religiosa que eram a concretização das ideias republicanas. Como vértice desta actividade legisladora do Governo Provisório surge a lei da Separação do 8

Estado das Igrejas de Afonso Costa que encontrou fortes resistências no episcopado e na maioria do clero. Por outro lado, não podemos esquecer a lei do registo civil obrigatório que laicizava os principais actos da vida (o nascimento, o casamento e a morte). Estas transformações, que levaram a uma refundação do Estado, traduziam o projecto elitista dos livres-pensadores que não deixava de colidir com o sentimento religioso das comunidades muito marcadas pelo ruralismo e analfabetismo e bem enquadradas por um clero numeroso e reaccionário. Daí o surgimento de uma guerra religiosa em todo o território nacional que se manteve acesa até ao Sidonismo. De 8 de Outubro a 25 de Dezembro de 1910, logo após à Implementação da República, foram publicados vários decretos que causaram uma ruptura política, pois o Estado dispensava qualquer legitimação religiosa. Neste quadro reformador seria publicada, em 20 de Abril de 1911, a lei de Separação do Estado das Igrejas, texto radical de Afonso Costa, ministro da Justiça e Cultos do Governo Provisório. Este diploma punha fim ao catolicismo como religião de Estado, afirmava a plena liberdade de consciência para todos os cidadãos portugueses e para os estrangeiros residentes em Portugal, autorizava as confissões minoritárias, deixava de subsidiar o catolicismo, abolia as côngruas paroquiais, autorizava a prática religiosa nos edifícios com aspecto exterior de templo, previa uma punição para os que injuriassem ou ofendessem os padres, mantinha o beneplácito e remetia a religião para a esfera da vida privada, entre outros. A Constituição de 1911 veio legitimar a Separação rompendo com os textos constitucionais anteriores, mas havia, fundamentalmente, três questões que a Igreja Católica não aceitava: a expropriação da propriedade eclesiástica, as associações que entregavam a gestão do culto aos maçons e ateus e as pensões ao baixo clero. Estes três aspectos seriam objecto de combate do episcopado português e contra a República. Enquanto o episcopado deu mostras de coesão contra a política laicizadora da República, o baixo clero cindiu-se. Em Maio e Outubro de 1917 surgiram fenómenos de índole teofânica designados pelo juízo popular e pela imprensa como aparições, ou milagres de Fátima. Após a revisão da Lei de Separação pelo ministro da Justiça, Moura Pinto, durante o consulado Sidonista, assistiu-se a uma aproximação entre Portugal e a Santa Sé que culminou no restabelecimento das relações diplomáticas entre ambas as soberanias.

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Tópico 105 – “Sidonismo” 111 – 29 [ms]

Com a mais ampla base de apoio desde a instauração da República, o primeiro governo sidonista incluiu os sectores republicanos mais moderados e conservadores, com elementos do Partido Unionista, do Partido Centrista, do grupo de Machado Santos, um dos fundadores da República, e por independentes republicanos ligados às associações patronais. Mas recolherá ainda o apoio de católicos e monárquicos (dos partidários da restauração da monarquia constitucional aos Integralistas) e até, ainda que de forma condicional e temporária, do movimento sindical da União Operária Nacional, para além das principais associações económicas e comerciais nacionais. Forças fortemente antagónicas, apenas sintonizadas no ódio ao Partido Democrático de Afonso Costa, e que rapidamente vão entrar em choque. “A não se apoiar nos mon[árquicos], em quem se apoiaria Sidónio? O seu grande partido era os não políticos, a opinião que estava com ele opinião maior, politicamente inorganizada.”

A política de atracção aos sectores mais conservadores passou igualmente por aliviar a pressão sobre a Igreja Católica, alvo das perseguições dos radicais democráticos desde a implantação da República. Recebido com grande expectativa, Sidónio Pais foi encarado como um “milagre político”, um “messias” antecipado pelas aparições de Fátima, escassos meses antes. O governo sidonista vai corresponder com medidas que visavam a pacificação religiosa, que culminarão com a revisão da Lei de Separação da Igreja do Estado, de Afonso Costa, viabilizando o reatamento das relações diplomáticas com o Vaticano. O poder político voltava a reconhecer a importância do papel da Igreja na sociedade portuguesa, procurando atrair os católicos para o interior do regime e alargando desta forma a sua base social de apoio. Em caminho contrário, seguiram as relações com o operariado. Se ainda no Parque Eduardo VII, durante o golpe, Sidónio aceita o apoio de trabalhadores sindicalizados (e a neutralidade de muitos outros), em troca da libertação de companheiros detidos por questões sociais pelo governo afonsista, depressa a União Operária Nacional (UON) se desilude com o novo regime, face à falta de respostas às

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suas reclamações e à acção da máquina repressiva do Estado, num crescente antagonismo que culminará com uma greve geral, a 18 de Novembro de 1918. Na mente do novo líder e dos seus colaboradores mais próximos surge o esboço de um novo regime. Uma “Ideia Nova” que ultrapassasse os obstáculos dos partidos republicanos tradicionais e do sistema parlamentar, considerado esgotado. Mantinha-se a República e o sistema bicamarário (Senado e Câmara dos Deputados), mas seriam revistos os fundamentos constitucionais do regime parlamentar estabelecidos pela Constituição de 1911, que atribuía ao parlamento a primazia legislativa e de regulação institucional do sistema. “Ou Sidónio havia de arriscar-se a fracassar politicamente, por falta de apoio político (por forte que fosse o seu apoio nacional), ou havia de ligar-se àquele partido político que, como os apolíticos, era antidemagógico, embora o fosse por outras razões do que as dos apolíticos. Esse partido era o monárquico.”

Após a subida ao poder de Sidónio Pais, como Presidente da República, vai-se degradando o bloco de apoio ao sidonismo, nomeadamente com as insanáveis fracturas entre republicanos e monárquicos e entre os defensores do presidencialismo e do parlamentarismo. A ordem encarnada e protagonizada por Sidónio esfumou-se com o líder dezembrista e rapidamente pairou o espectro da guerra civil, com a proliferação de “juntas militares” por diversas cidades do país. “Uma demagogia é um governo apoiado em forças (ou classes) populares e sistematicamente dirigido contra as opiniões, as tradições e os interesses das classes médias. Ora, como as classes médias, por estarem entre o instinto popular e a inteligência dos dirigentes (das aristocracias), são a média do valor nacional, e os depositários da força do país, segue que tudo quanto seja feito sistematicamente contra as classes médias é feito sistematicamente contra a Pátria.”

Podemos interpretar Sidónio Pais como uma tentativa de responder a esta crise, de repor a autoridade do Estado. A sua acção política pode ser resumida em sete pilares, mas vamos aqui abordar apenas os aspectos mais importantes e referidos por Fernando Pessoa. 11

O Sidonismo é a valorização da Pátria, que surge como uma resposta à crise do Estado. Sidónio sublinha sempre que tudo o que faz sempre que tudo o que faz é para “salvar a Pátria”. É certo que o republicanismo, de onde Sidónio saiu, exaltava o patriotismo, mas há duas grandes diferenças entre ambos. O patriotismo dos republicanos era o sentimento típico do Estado-nação maduro, a exaltação da Pátria que era a "melhor do mundo", que estava ameaçada pelos grandes do exterior e que tinha de ser engrandecida e regenerada, de modo a regressar à grandeza de outrora. O patriotismo de Sidónio é diferente, na medida em que está intimamente associado a uma noção de crise, de grave perigo para a nacionalidade que exige medidas extraordinárias para obter a salvação - pois de salvação se trata, de conseguir resgatar a Pátria que está à beira do abismo. Há ainda uma outra grande diferença entre o patriotismo de Sidónio e o dos republicanos: para o primeiro, o perigo para a Pátria é essencialmente interno e não externo. O inimigo principal para Sidónio é o que chama "a demagogia", o elemento que divide, que abala, que quer arrastar todos à força para o caminho que diz ser da salvação, mas é o da perdição. Será importante também referir a valorização do papel Estado como a única instituição que, apoiada nas Forças Armadas, pode salvar a nação em perigo. O Estado em Sidónio adquire novas funções na sociedade, alarga a sua acção e afirma-se como o elemento de arbitragem dos conflitos e divergências. Sidónio valorizava imensamente as forças armadas e de segurança como as únicas instituições com legitimidade para exercer a violência Outros dois pilares importantes da acção de Sidónio são a valorização do papel do “chefe”, como Presidente, a cabeça de Estado, com autoridade e carisma, que suscita respeito e obediência; e a diferente função dos partidos. O sexto pilar da acção de Sidónio era a tendência de ultrapassar as diferenças tradicionais da sociedade liberal portuguesa, a começar na dicotomia entre República e Monarquia. O que realmente interessava não era se o Estado era uma monarquia ou uma república, mas sim qual a sua função social e autoridade. Sidónio Pais preocupa-se também com a recuperação dos valores tradicionais da sociedade. A “ordem” é, no Sidonismo, o mais importante dos valores tradicionais, aquele que o Estado se deve emprenhar em assegurar como “a menina dos seus olhos”.

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Conclusão Os líderes “históricos” da “República Velha” desaparecem quase todos de cena e o Partido Democrático sofreu várias cisões, assistindo-se à emergência de pequenas formações políticas fortemente marcados pela ideologia. Tudo contribui para uma crescente fragmentação do sistema partidário. O Partido Democrático irá, mesmo assim, sobreviver como partido dominante, até ao golpe militar de 28 de Maio de 1926. O sidonismo foi uma consequência da Grande Guerra, que aprofundou as deficiências dos regimes políticos liberais, sustentados por partidos políticos oligárquicos, eleitos por sufrágio restrito. As profundas clivagens sociais decorrentes do conflito, reforçaram as contradições da sociedade portuguesa, tornando o país ingovernável para a tradicional estrutura política nacional. É a isto que Sidónio Pais procura responder, institucionalizando uma ditadura presidencialista e plebiscitária, autoritária, conservadora e com traços inovadores, que anteciparia algumas das características das modernas ditaduras do pós-guerra. Sidónio não teria a arte de equilibrar todas as correntes e tendências que convergiram para o sidonismo, como mais tarde o conseguiria Oliveira Salazar (que contará com o apoio de alguns antigos sidonistas), que não ficou indiferente aos erros da “República Nova”. Da experiência dezembrista sairá reforçado o exército, elemento central da encenação de poder com Sidónio Pais. Apesar do desastre militar na frente europeia da Grande Guerra, simbolizada na derrota de La Lys, sairá do conflito e da “República Nova” com peso político reforçado, ainda que dividido internamente. Nos governos que se vão seguir, será um factor de pressão constante, promovendo inúmeros pronunciamentos militares, até derrubar definitivamente o regime liberal republicano. O período em que esteve na presidência não ultrapassou um ano, no entanto foi o suficiente para inspirar gerações e gerações pela sua aura de salvador. Fernando Pessoa chamou-lhe o "Presidente-Rei" pelo cariz presidencialista que incutiu à política portuguesa e pela pose majestática, não obstante a sua afabilidade com o povo e o fascínio que despertava nas mulheres. De Sidónio dizia-se que seria um germanófilo e, à posteriori, alguns afirmaram que seria um percursor dos "caudilhos" europeus, à boa maneira de Mussolini e Hitler.

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Bibliografia

DUARTE, Teófilo, Sidónio Pais e o seu Consulado, Lisboa, Portugália, s.d. [1940] MATTOSO, José (direcção de), História de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993-94 MEDINA, João (direcção de), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Multilar, s.d. [1990] MEDINA, João, Morte e Transfiguração de Sidónio Pais, Lisboa, Edições Cosmos, 1994 MEDINA, João, «Oh! a República! …». Estudos sobre o Republicanismo e a Primeira República Portuguesa, Lisboa, I.N.I.C., 1990 PESSOA, Fernando, Obras Completas. Introdução e organização de Joel Serrão, vol. Da República (1910-1935), Lisboa, Àtica, 1979 ROSAS, Fernando, e ROLLO, Maria Fernanda (coordenação de), História da Primeira República Portuguesa, Lisboa, Tinta-da-China, 2009 SILVA, Armando Malheiro da, Sidónio e Sidonismo, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006

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