Festas e crises (artigo para jornal de Taboão)

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Festas e crises
O ramo da comunicação vive uma crise poucas vezes vista.
Os jornais vendem cada vez menos, há jornalistas demais fazendo a mesma coisa, muitos outros competem tentando se diferenciar, qualquer um acha que pode ser jornalista e as remunerações caem de forma inapelável. Por outro lado, há uma grande demanda por jornalismo de qualidade – embora os poderes constituídos quase nunca (há quem diga que nunca) queiram que esse tipo de jornalismo exista. Porque jornalismo de qualidade incomoda. Sempre.
Fato é que qualquer atividade de qualidade absorve totalmente o profissional envolvido. E com o jornalismo não poderia ser diferente. Jornalista de boa cepa está sempre conversando, apurando, questionando, debatendo, polemizando. E isso toma tempo. Muito tempo.
No teatro, outra atividade que eu desenvolvo, acontece algo muito similar.
As plateias minúsculas – há exceções –, as remunerações pífias, os espetáculos de má qualidade – há exceções –, as temporadas cada vez mais curtas e os critérios morais discutíveis prevalecentes em pequenas e grandes companhias não me fazem mentir. Muitos inclusive acham que teatro não é profissão, pois sempre perguntam, mas além do teatro você trabalha com alguma coisa? É triste.
Com minha pequena bagagem nas coisas, eu sei que isso nunca irá mudar, seja com o jornalismo ou com o teatro.
Lembro-me bem da época em que eu queria tudo (jornalismo) online. Sessões do STF online, documentos online, coberturas em tempo real, multiplicação desmesurada de fontes e de formadores de opinião. E o que aconteceu, em consequência? Os veículos tradicionais entraram em crise, os jornalistas começaram a disputar entre si com base em jornalismo apelativo e de má qualidade, qualquer um passou a se arrogar o métier, etc.
Leio por outro lado nos livros sobre como era o teatro na época áurea. Sessões lotadas de peças que marcaram época, seja em termos de qualidade ou de impacto social, passeatas após as peças que fizeram presença em épocas (mais) autoritárias, interpretações marcantes que hoje são reproduzidas em fotos em livros caros, mudanças de paradigmas de interpretação, etc. Para quem começa a trabalhar com teatro hoje, parece que tudo o que poderia haver de bom já aconteceu antes mesmo de um novo ator nascer.
Ser um bom jornalista é algo quase anacrônico – fora do tempo. Pois, numa época em que os interesses econômicos parecem compor o cerne de qualquer atividade, ser um cidadão crítico parece ser quase um sintoma de falta de educação. O mesmo com o teatro. Fazer um teatro de boa qualidade, dispensando esforços enormes em texto, interpretação e encenação parece ser algo quase despropositado, que não compensa o esforço. Melhor fazer o que o pessoal gosta, simplesmente, motivando a plateia a rir, sabe-se lá com qual recurso à mão.
Parece que eu sempre cumpri a sina de apostar em atividades anacrônicas, jornalismo e teatro incluídos. Algo fez com que eu sempre depositasse esperança em posturas contrárias a qualquer bom senso – principalmente sob o prisma econômico. Como se eu estivesse em busca de uma guilhotina que estivesse a toda hora ameaçando minha existência. Fato é que, enquanto repórter, eu corri várias vezes risco de morte.
Acontece que eu sei que a sociedade sempre se desenvolveu e se desenvolve dessa forma. Em outras palavras, quanto piores as condições de trabalho e de sobrevivência, mais, maiores e melhores as oportunidades para atividades que aparentemente são inviáveis e anacrônicas. Como o jornalismo de boa qualidade e o teatro crítico. E assim vamos vivendo. Pensem nisso. Boas festas.
Rodrigo Contrera é jornalista e dramaturgo, além de conselheiro em um conjunto de prédios de Taboão da Serra.

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