Fichamento - Comportamento em Lugares Públicos, de Erving Goffman

June 14, 2017 | Autor: Rogério Makino | Categoria: Sociologia, Interacionismo Simbólico
Share Embed


Descrição do Produto

Na Psiquiatria, comumente se identificam distúrbios mentais quando o indivíduo não se comporta de maneira adequada à situação, mas o foco dessa ciência fica sobre o paciente e não sobre as regras e os círculos sociais que são ofendidos. A proposta de Goffman nesse livro é estudar esse segundo.
O ponto de partida é a classificação binária entre comportamento adequado e inadequado. Essa classificação depende da ordem social, isto é, das consequências de um conjunto de normas daquela sociedade naquele período histórico. O cumprimento de determinadas normas pode ser interpretado como um ato heroico ou simplesmente passar despercebido. De forma semelhante, o descumprimento de determinada norma pode não implicar nenhuma sanção ou pode até implicar a morte daquele que a infringe.
Alguns conceitos definidos por Goffman são: ajuntamento (gathering) – quando mais de uma pessoa interage; situação – quando as pessoas estão em um ambiente espacial monitorado; e ocasião social – que são eventos com características específicas como velórios, festas, casamento, aula, etc. A regra de ouro de pessoas em ajuntamentos em situações em ocasiões sociais é que elas devem se encaixar.
A comunicação é parte importante da interação social. Pode haver mensagens linguísticas (verbalizadas) ou expressivas (não verbalizadas) e mensagens incorporadas (diretamente transmitidas pelo corpo do indivíduo por meio de voz, mímica, gesto, postura corporal ou vestimentos) e desincorporadas (transmitidas indiretamente por outros meios, como cartas, por exemplo). Nas interações face a face, as duas características distintivas são a riqueza do fluxo de informações (linguísticas, expressivas e incorporadas) e a possibilidade de retroalimentação.
A interação entre as pessoas pode ser desfocada (sem uma atenção concentrada ou direcionada especificamente para ela) ou focada. A maioria das pessoas, mesmo desfocadas, está ou deveria estar potencialmente preparadas para interações focadas (tônus de interação).
Nas interações desfocadas.
Envolvimento refere-se à capacidade do indivíduo de concentrar sua atenção em determinada atividade, pode ser classificada em principal – que recebe a maior parte da atenção – ou lateral – que recebe menos atenção. Ainda o envolvimento pode ser classificado em dominante – cujas reivindicações devem ser atendidas prontamente - ou subordinado – que só pode ser mantido quando a atenção sobre o envolvimento dominante não é requisitado. Pode haver envolvimentos dominantes tanto principais quanto laterais e, da mesma forma, envolvimentos secundários tanto dominantes quanto laterais. Por exemplo, uma faxineira que dança empolgadamente enquanto limpa pode ter a limpeza como envolvimento primário e a dança como dominante. O autor chama de escudo de envolvimento os subterfúgios para camuflar envolvimentos laterais ou secundários que não deveriam estar sendo executados. A pessoa tende a sentir-se envergonhado quando é flagrado em excesso de empolgação em um envolvimento lateral ou subordinado.
Em alguns ambientes da classe média estadunidense, faz-se necessário um envolvimento principal mínimo, porque, caso contrário, o indivíduo se sente deslocado. É por isso que em ambientes em que as pessoas devem esperar, como em consultórios, há revistas ou jornais. A indolência em ambientes públicos abertos (falta de envolvimento), como ruas e praças, às vezes, não é tolerado.
Sobre os objetos de envolvimento, o autor faz algumas considerações sobre casos específicos. Autoenvolvimento é quando o objeto de envolvimento é o próprio corpo da pessoa. Uma pessoa com o rosto cheio de creme é um tipo de autoenvolvimento não adequado na presença de outras pessoas. Goffman destaca que provavelmente o tipo mais extremo de autoenvolvimento seja a masturbação. Distante é quando o objeto de envolvimento da pessoa é um pensamento que a faz esquecer ou ignorar os seus arredores, como quando alguém fala sozinho. Mas esse também é um estratagema de ignorar um ambiente no qual o seu entrosamento não é fácil ou interessante, como quando uma mãe fica brincando com o bebê ou um adulto masculino concentra sua atenção em algo diante de presença apenas feminina. Envolvimento oculto, muito comum como comportamento inadequado ou desajustado, ocorre quando o indivíduo não toma consciência desse desajuste mesmo descoberto, ao contrário do que acontece no distante.
Nas interações focadas
A desatenção civil refere-se ao "fingir que não viu"; ou seja, mesmo diante de uma ou mais pessoas conhecida, por falta de motivação e interesse ou preguiça de interagir com ela(s), a estratégia é ignorá-las. O uso dos óculos escuros é um dos subterfúgios mais comuns nesses casos.
O início de uma interação focada na sociedade analisada pelo autor demanda uma série de rituais. Não são todas as pessoas, mesmo que conhecidas entre si, que têm o direito de dar início a uma interação. Grau de intimidade, posição social, contexto e justificativa condicionam essa possibilidade.
A questão do olhar geralmente representa o ritual preliminar de autorização ou não de início de uma interação focada entre dois indivíduos. O ethos, ou atmosfera do grupo, subsidia quais temas e como eles podem ser tratados na conversação. Vários elementos socioculturais estruturam a hierarquia e o direito de fala no ajuntamento. Outros exemplos desses elementos são o "estar junto", que dá a permissão de iniciar uma conversa de forma abrupta, e horários e lugares que podem publicamente servir para a interação. O direito de acesso à interação não pode ser usado de forma abusiva, pois pode conceder ao interpelado o direito de recusa de contato em situações futuras. Da mesma forma dos rituais de início de uma interação, há os rituais e regras de partida. A mais importante é o não direito de manter cativo aqueles com quem está engajado.
O conhecimento (conhecer alguém) envolve duas dimensões: o reconhecimento cognitivo, localização e identificação de determinada pessoa, e o reconhecimento social, o acolhimento aberto ou início de um engajamento. O primeiro não implica o segundo. Dependendo das regras sociais, o reconhecimento cognitivo não permite que uma pessoa aborde a outra. Por exemplo, na sociedade estadunidense do século XIX, não era aconselhável às mulheres desacompanhadas abordar um homem nas ruas.
No engajamento entre pessoas desconhecidas, podem influenciar a posição expostas – determinadas posições sociais expõem as pessoas ao contato com outras - e a posição de abertura – o reconhecimento de uma pessoa como pertencente a determinada categoria autoriza pessoas de determinadas categorias a interpela-la. Na abertura mútua, ocorre quando o reconhecimento como pertencentes a mesma categoria gera laços de solidariedade e informalidade, como entre negros americanos, ou entre pessoas residentes em comunidade abaixo da linha de aceno. Lugares abertos como bares, adventos como o carnaval ou catástrofes, por exemplo, também oferecem uma maior possibilidade de abertura mútua. Mas, regra geral, nas classes médias, o medo de parecer abusado, atrevido ou inconveniente funciona como uma força que mantém as pessoas em seu "lugar comunicativo".
As fronteiras de comunicação podem ser físicas, como paredes, ou não, como no fechamento do engajamento convencional - separação de ajuntamento por vários estratagemas, como "espaçamento" (distância) ou uso da desatenção civil para aqueles que estão de fora. Alguns dos motivos para não se respeitar essa fronteira é a loucura, não saber ser oportuno ou considerar o desrespeitado como "não pessoa".
Ao contrário das críticas a Goffman sob sua suposta desconsideração das regras prévias que ordenam as interações, o autor aponta quatro formas de regulação do envolvimento mútuo em engajamentos acessíveis: 1) restrições (regras culturais-morais que interditam determinado tipo de abordagem ou interação); 2) envolvimento mútuo ocasionado – quando pessoas cujo relacionamento tem uma natureza, mas a ocasião pede por outra forma de tratamento (inimigos que têm de se tratar com cordialidade ou amantes que têm de demonstrar determinada indiferença um ao outro); 3) (auto)repressão à deriva – quando o comportamento de ajuntamentos laterais começa a desviar do objetivo principal (ex.: pessoas que começam a rir em um velório); 4) proteção – ocultar determinada conversa paralela ou atividade lateral.
A participação incontida ou a deslealdade ao engajamento pode ocorrer quando um indivíduo se sente maltratado ou esnobado por alguém entre os participantes, mas que mesmo assim existe uma força coercitiva para que ele permaneça. Ela pode se manifestar sob a forma de: 1) desvio de atenção; 2) conluio de fronteiras (em engajamento com grande número de participantes, formam-se subgrupos menores infiéis ao núcleo do engajamento principal); 3) escândalo; 4) deserção.
O grau de regulação nos engajamentos pode ser determinado pelo grau de formalidade, mas o autor prefere falar em um continuum entre a firmeza (maior regulação) e frouxidão. Não se adequar a essas regulações pode implicar sanções por parte dos outros participantes do engajamento, mas isso vai depender da (não) intencionalidade do indivíduo em transgredir a regra. A transgressão sistemática das regulações pode ocorrer pelo fato do indivíduo pertencer a comunidades específicas (questão identitária) ou demonstrar seu desprezo ou insatisfação com alguma coisa. Goffman, influenciado por sua etnografia no Hospital Central de Nova Iorque (que serviu de material para seu livro "Manicômios, Prisões e Conventos"), acredita muitas das pessoas internadas como doentes mentais, na realidade, não têm em causas orgânicas o motivo de sua inadequação às situações/engajamentos.




Vendedores, policiais e sacerdotes poderiam, a priori, ser interpelados por todos; enquanto, idosos e crianças poderiam, a priori, interpelar qualquer um. Também situações como embriaguez, mal-estar, entre outros expõem a pessoa à interpelação de qualquer um.
Comunidades muito pequenas, nas quais é possível que todos os residentes se conheçam pessoalmente, ficam obrigados a oferecer direito de engajamento uns aos outros.
Nesse momento, há exemplo meio controverso e sexista para os padrões atuais. As mulheres que tentam manter a fachada diante de um assobio.
Fichamento
Autor: Erving Goffman
Livro: Comportamento em Lugares Públicos


Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.