FIGUEIREDO Paulo Augusto. O Estado Novo e o Homem Novo. Revista Cultura Política, ed. 1. 1941, p.133-138.

May 27, 2017 | Autor: Fabiano Garcia | Categoria: Brazilian Estado Novo, Estado Novo Brasileiro
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FIGUEIREDO, Paulo Augusto. O Estado Novo e o Homem Novo. Revista Cultura Política, ed. 1, 1941, p.133-138.1 Escritor e jornalista bastante conhecido no interior do Brasil, colaborar de vários jornais dos Estados de Minas gerais, Espírito Santo E goiás, estudioso assíduo das questões sociais - o autor esboça, neste artigo, a crise da civilização moderna e do homem moderno à procura de novas formas de vida. Apreciando, em seguida, a paisagem humana do Brasil no Estado Novo, encontra ele aqui o ambiente propício para a revelação do homem novo que há de sair das lutas da civilização. Acentua que o atual regime político brasileiro busca a humanização do Estado e a expressão completa da verdadeira alma nacional. E é nessa imensa significação humana que reside, na sua opinião, o maior valor do Estado Novo e da obra criador de Getúlio Vargas.

A civilização moderna é um paradoxo. A máquina parece ter dado tudo ao homem. Mas este é ainda infeliz. Todos sentem grande tragédia; porém poucos, muito poucos a compreendem. São raros os que tentam resolvê-la. Alguns há, que chegam a distinguir résteas de luz dentro da noite enorme, e por isso, anteveem o fim dos caminhos. Eles vêem além e mais alto. Com eles queremos crer que o mal de origem da grande crise da civilização moderna está no esquecimento, ou antes, na desintegração do homem do todo universal. O homem moderno e a máquina O século XX destacou bem os planos: os homem criou a máquina e a máquina tomou o lugar dele. O homem desprendeu-se do cosmos, renunciou à sua condição, fugiu de si próprio, da natureza. Nos alicerces da civilização moderna há quase que só abstrações. Falta sangue ao mundo contemporâneo – ao mundo liberal e capitalista, formalista e oco, materialista, sem rumos e sem fins. Falta-lhe o sangue forte da verdadeira realidade humana, que não pode ser expressa nos termos políticos em que se reflete uma filosofia dissociada da vida, uma filosofia que já morreu... O homem moderno, fruto da demagogia liberal-democrata de 1779 e do utilitarismo que o advento da máquina espalhou pela terra, é uma criação fictícia. Atende apenas às manifestações do “cidadão”, do “camarada”; é um “homem-classe”, um “homem-partido”. Não traduz as necessidades reais e totais do homem. Daí o desequilíbrio. O homem, muitas vezes, não tem coragem para começar de novo o que sente que fez errado. As coisas parecem ir além de suas previsões. O efeito é esse mal-estar contemporâneo. Antes de se estudar a si, o homem estudou o mundo. Preocupe-se com as formas da vida, antes de se preocupar com a própria vida. Todo o seu esforço se resumiu em conseguir um lugar ao sol; em se situar, de qualquer modo, nos quadros da vida criados arbitrariamente; em se incorporar no curso de uma corrente

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Transcrição do conteúdo da Revista Cultura Política, a partir de arquivo disponibilizado pela hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. O documento está compartilhado com finalidades acadêmicas, sem fins lucrativos. A transcrição está atualizada, em grande parte, conforme novo acordo ortográfico (2016) para maior comodidade do leitor. Fabiano Garcia – [email protected]

qualquer, fosse qual fosse; em se deixar levar de olhos fechados pela grandeza das coisas que tudo sufocavam... Objetivou-se o destino de uma classe, de um partido, de uma política; nunca, porém, o destino do homem. Apenas fragmentos deste – mais ponderáveis e efêmeros – integraram-se no curso de suas realizações. O seu substratum básico e profundo ficou esquecido. Esquecido e incompreendido. A crise atual do mundo Por causa de tudo isso, vivemos hoje num mundo caótico e sofredor. Tudo avança com a tecnologia – menos o homem. Este continua a ver as coisas correrem, não sabe para onde... As atuais formas de existência ainda não correspondem a todas as aspirações da natureza humana. “Para mim – escreve o saudoso Ronald de Carvalho – o homem de após-guerra, seja ele Morand ou Cocteau, distingue-se pelo horror da unidade ou construção. O filho da trincheira é um ser em desagregação permanente. O espetáculo da hecatombe desmoraliza o sentimento da morte, como fator individual, como aspiração à eternidade. O espectador da hecatombe perde o respeito ao homem, como alma livre e, ao mesmo tempo, elo sensível que nos prende ao Criador. Apossa-se dele uma angústia irremediável: a angústia do efêmero. O ritmo da matéria domina-lhe a inteligência. O contato com o primado da força transforma-o num puro instintivo. A ideia de continuidade, geradora do aperfeiçoamento moral, a noção de profundez, que é dom singular da criatura, em suma, os fermentos mais ativos da comunhão humana desparecem do campo de sua consciência. Em lugar do homem, do semelhante que se prolonga em nós por um sem número de raízes e afinidades, reponta o autômato cruel, que a disciplina converte num resíduo, num corpo dominado pelas reações nervosas e musculares. Todos os sentidos desse corpo se reduzem, afinal, a uma contração atenta dos ouvidos e dos olhos. É um instrumento sujeito às vibrações de um diapasão de sinos sonoros e luminosos. Sua vida ajusta-se à cadência intermitente de apitos e clarões. A técnica do maquinismo acaba por deformar a sua volição. Seus membros aderem ao volume mecânico. O fuzil completa lhe o braço. A mão articula-se à bomba. O rosto aplica-se à máscara. O filho da trincheira é um enxerto de carnes e metais. Sua finalidade, em síntese, é a da própria máquina: o movimento”. Vimos da guerra. Da guerra vieram nossos avós. Na guerra estamos. A máquina impulsionou o materialismo, o estatismo. Daí a falência do espiritual, da unidade, do fim superior. O resultado foi o crescimento das coisas e a diminuição do homem. Submersos os valores eternos, na onda de um utilitarismo vitorioso, surgiram, com a desorganização oriunda da quebra de uma hierarquia natural e indispensável, os grandes males. E aquele que deveria estar à frente dos acontecimentos, buscando-lhes rumos certos, metas definidas – o homem – lá ficou para trás, afogado em sua sombra... Waldo Frank compreende bem, ao nosso ver, a razão profunda da dolorida realidade contemporânea, quando escreveu: “Sentimo-nos desesperados, porquê perdemos o domínio que vem da experiência da unidade e da totalidade. Sentimo-nos

desesperados porquê estamos num caos. Vivemos de atos, desejos e pensamentos fragmentários. Literalmente, a forma da nossa vida está se decompondo. E isso significa a morte”. Tristão de Ataíde, comentando o trecho de Frank, com quem não concorda, admite, contudo, que no século XX “se domina a diversidade, é que ela é que possui a superioridade em forças sociais, e, portanto, faz calar, por mil meios, as vozes da unidade”. É preciso, pois, voltar ao homem, reconduzi-lo à unidade e à totalidade de si mesmo. Parece que aí está a nossa magna tarefa. Os fins humanos do Estado Novo no Brasil E é possível que essa tarefa se complete no Brasil. Temos hoje um Estado Novo – novo, realmente, em suas formas, em sua estrutura, em seus fins. Um estado que, fora do liberalismo caduco, visa a objetivos certos, através de métodos de governo definidos; mas que, também, longe de certos tipos de Estados modernos, não quer de modo algum a estatização do homem, a subordinação da pessoa humana a fins meramente políticos. Muito pelo contrário. Os fins do Estado Novo são fins de humanização. O atual regime político do Brasil busca a humanização do Estado. O Estado Brasileiro existe para o homem – objeto último de suas cogitações. Ele é um meio de organização nacional, é a expressão jurídica e política de um povo que, finalmente, se encontrou a si próprio. O Estado Novo Brasileiro existe como expressão objetiva de uma filosofia. Não de uma filosofia bizantina, acadêmica, formalística; porém de uma filosofia sadia e construtora, que é vida; de uma filosofia de caminhos certos, de rumos definidos. Filosofia integral, compreendendo a multiplicidade das manifestações vitais de uma nação, a filosofia de que nasceu do Estado Novo – e que o integra e dirige – é toda uma concepção ousada, mas firme, substanciosa e profunda, de um povo que se descobriu, que afinal se compreendeu a si mesmo e que caminha agora, metódica e seguramente, para um fim pré-estabelecido. As raízes dessa filosofia estão na nossa história. A compreensão do Brasil, a explicação de sua vida, a procura de sua alma, a determinação do seu destino – eis os fundamentos da filosofia que orientado o Estado Novo. A obra criadora de Getúlio Vargas O milagre de Getúlio Vargas foi ter levantado, no Brasil, esse mundo novo, que adquire consciência de si mesmo. Já possuímos hoje uma política, que tem os seus planos, os seus métodos, os seus objetivos próprios. Forças latentes e poderosas da nacionalidade foram reveladas. Forças antigas, que se dispersavam sem direção, perdendo-se – encontraram agora o seu curso natural. Nossa história adquiriu sentido mais nítido. O Estado integrou-se na vida popular, humanizou-se, fortaleceu-se no seu verdadeiro papel de organização diretora dos destinos dos povos. A administração pública deixou de ser simples motivo de

compensações partidárias, para transformar-se em órgãos impessoal de renovação nacional. A economia brasileira passou a assentar num plano geral de aperfeiçoamento de todos os valores, dirigindo-se para garantir a prosperidade real e definitiva da nação. E as Forças Armadas, já convenientemente equipadas, disciplinas e moralizadas, com o senso das responsabilidades bem delineado, são penhores seguros da efetivação desse Ideal-em-marcha, que é o Brasil Novo. O pensamento moderno procura ser mais realista “Os princípios da Revolução Francesa – escreve Alexis Carrel – as visões de Marx e Lenine, só se aplicam a homens abstratos. É preciso reconhecer com clareza que as leis das relações humanas permanecem desconhecidas. A sociologia e a economia não são mais do que ciências conjecturais”. Observa, por sua vez, Oswald Spengler que, para compreender o homem e o seu destino “é preciso considerar comparativamente todas as esferas da sua atuação ao mesmo tempo e não cometer o erro de partir exclusivamente da política, da religião ou da arte, para iluminar aspectos particulares da sua existência, pensando-se que, com isso, se descobre o homem todo”. Ao nosso ver, são lapidares e profundas estas palavras do admirável Unamuno “Ni lo humano, ni la humanidade, ni el adjetivo simple, ni el advjetivo sustantivado, sino el substantivo concreto: el hombre. El hombre de carne e hueso, el que nace, sufre e muere – sobre todo muere – el que come y bebe y juega y piensa y quiere, el hombre que se vè y a quien se oye, el Hermano, el verdadero Hermano. Porque hay outra cosa, que llaman tambien hombre, y es sujeto de no pocas divagaciones más o menos cientifificas. Y es el bípede implume de la leyenda, el animal político de Aristosteles, el contratante social de Rousseau, el homo economicus de los manchesterianos, el homo sapiens de Lineo, o, si se quiere, el mamífero vertical. Um hombre no es de aqui de ali, ni de esta época o de la outra, que no tiene ni sexo, ni pátria, uma ideia, enfin. Es decir, um no hombre”. Essas palavras do pensador espanhol mostram a atitude falsa do homem, diante de sua imagem deformada e da deformada imagem do mundo que ele próprio criou. E, ao mesmo tempo, sugerem uma direção. Com efeito, ainda não se tentou, até hoje, objetivar as necessidades totais do homem. Do homem que precisa, para ser homem, desenvolver plenamente todas as suas faculdades; do homem que precisa, ao mesmo tempo, da lei, do pão, da higiene, do trabalho, do esporte, da religião, da arte, do amor, de Deus. Felizmente, porém, a filosofia moderna já vai procurando ser mais realista, integrar-se na vida. Heinz Heimsoeth, em A filosofia no Século XX, vê no pensamento dos filósofos contemporâneos tendências capazes de levar as coisas a bom termo – posto que eles falam, promissoramente, de uma integração do homem em seu verdadeiro destino. “A reflexão transcendental da consciência procura, assim, o seu aprofundmaneto e fundamentação, cada vez mais, numa filosofia da vida” – desde Dilthey até Heiddeger. AS preocupações humanas em torno do Cogito cartesiano

voltam-se radicalmente, de todos os lados, para o vivo. O esquadrinhamento dos modos possíveis da nossa conduta e da organização fundamental que deve ser dada à vida humana – domina decisivamente a reflexão filosófica, observa Heinz Heimsoeth. Essa observação vale, ao menos, por uma grande esperança ... O Estado Novo e o Homem Novo Da crise do mundo, dessa nova filosofia da vida, vai nascer o homem novo. No Brasil, especialmente, há hoje condições propícias ao seu advento. Temos um Estado Novo, criação natural e profunda – se o encararmos em suas relações com esse homem novo que Keyserling e Jinarajadasa entreviram majestoso, nos horizontes futuros desta parte do planeta. Voltemo-nos, pois, para nós mesmos, procuremos compreender-nos. Demos à vida um sentido heroico. Encaminhemo-nos em todas as direções e incluamos todos os rumos num só sentido. Essa a grande tarefa. Ajudam-nos os traços constitutivos do nosso caráter: temos linhas de todos os povos e não nos confundimos com nenhum. É possível que surja, no Brasil, o homem novo, e, com ele, uma idade nova. Os acontecimentos, entre nós, tem acompanhado a marcha do sol; e este, agora, já começa a iluminar-nos ... O Estado Novo Brasileiro vale mais pelo que significa do que pelo que é na engenhosidade de suas fórmulas jurídicas. Procuremos ir além da superfície; a eternidade está naquilo que é, e não na temporariedade de suas manifestações políticas e sociais. O atual regime político brasileiro tem um conteúdo vasto e profundo, que só alguns raros espíritos tem percebido. Através das fórmulas políticas o que se quer é atingir a própria alma nacional. Há algo de formidável a se formar nas entranhas do organismo político nacional vigente. Tentemos descer até o abismo, integrar-nos nesse mundo soberbo, dirigir a riqueza imensa de que está ele impregnado. É o homem novo, que vai surgir com o Estado Novoi.

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NOTA DO AUTOR:Obras consultadas para a elaboração deste artigo: HEINZ HEMSOETH, A filosofia no século XX, - M. UNAMUNO, Del sentimento trágico de la vida; - ALEXIS CARREL, O homem, esse Desconhecido; - OSWALD SPENGLER, El hombre y la técnica; - TRISTÃO DE ATAÍDE, Estudos, NICOLAU BARDIAEFF, Uma nova Idade Média; - RONALD DE CARVALHO, Caderno de imagens da Europa; - J. ORTEGA Y GASSET, La rebelión de las masas; - J. MARITAIN, Reflexions sur l’inteliggence; - TRISTÃO DE ATAÍDE, Problemas da Burguezia; - VIANA MOOG, Heróis da decadência; e outras.

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