FILHOS DO CÁRCERE: UMA ANÁLISE MULTIDISCIPLINAR DO PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE DA PENA NA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER

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LARISSA URRUTH PEREIRA

FILHOS DO CÁRCERE: UMA ANÁLISE MULTIDISCIPLINAR DO PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE DA PENA NA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER

Canoas 2012

LARISSA URRUTH PEREIRA

FILHOS DO CÁRCERE: UMA ANÁLISE MULTIDISCIPLINAR DO PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE DA PENA NA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Noronha de Ávila

Canoas 2012

Me.

Gustavo

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LARISSA URRUTH PEREIRA

Filhos do Cárcere: Uma Análise Multidisciplinar do Princípio da Personalidade da Pena na Penitenciária Feminina Madre Pelletier Trabalho de Conclusão defendido e aprovado como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito pela banca examinadora constituída por:

______________________________________ Gustavo Noronha de Ávila ______________________________________ Professor... ______________________________________ Professor...

CANOAS 2012

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Dedico este trabalho ao meu pai, que é responsável por toda a minha formação. Sem ele nada seria possível, pois ao abrir mão dos seus sonhos pude realizar os meus. Por isso, este trabalho é apenas um dos vários frutos desse amor incondicional. Também dedico ao meu professor orientador, Gustavo Noronha de Ávila, pois sem a sua confiança, o seu auxílio e a sua amizade eu não teria sido capaz de construir nem mesmo uma página.

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Agradeço à minha mãe por todo o carinho, por todas as fichas digitadas, por todas as refeições postas à mesa e por toda a paciência. Foi o seu amor que me ensinou a ter paixão pelo que faço. Agradeço também aos meus queridos colegas de trabalho, em especial à minha chefe, Luciana Oliveira de Campos, por toda a força, pelo incentivo e pela ajuda nesta etapa. À equipe da Unidade Materno Infantil e a todas as participantes desta pesquisa, pois sem seus relatos e sua boa vontade jamais teríamos alcançado os resultados obtidos. Às minhas colegas e amigas Shayane Barcellos e Ingrid Emiliano, por todas as vezes que me emprestaram seus ouvidos para as reclamações e as histórias; juntas, enfim, conseguimos! A todos aqueles que lançaram mão da minha companhia e que contribuíram para a conclusão deste trabalho: MUITO OBRIGADA!

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“Aliás, fosse outro o animal enjaulado talvez se tornasse mais fácil perceber, nesse autêntico ‘zoológico humano’, quão evidentes são os maus-tratos a que essas pessoas/animais são submetidas por seus donos. Parece óbvio também que essa nova modalidade de tortura física e psicológica, sem finalidade educativa alguma, frustra claramente os fins a que se propõe[...]” (QUEIROZ, 2001)

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RESUMO O presente estudo objetiva, em um primeiro momento, averiguar a situação do aprisionamento feminino, apontando suas peculiaridades e as principais diferenças no cumprimento da pena restritiva de liberdade por homens e por mulheres. Para realizar os objetivos pretendidos, este trabalho conta com pesquisa de campo realizada no âmbito da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em especial no que diz respeito às apenadas alojadas na Unidade MaternoInfantil desse estabelecimento. Nessa senda, a pesquisa apresenta a problemática da maternidade no cárcere, da qual decorre a extensão da pena materna à pessoa dos filhos,extensão essa que transmite a crianças totalmente alheias ao delito a sanção imposta à mãe infratora, bem como nelas reflete as consequências da institucionalização do Ser. Entre tais consequências, apontase a estigmatização decorrente do ingresso no sistema prisional, bem como o caráter seletivo que esse sistema adota ao eleger como seus clientes aqueles oriundos das camadas mais débeis da população. Em decorrência disso, a pena restritiva de liberdade acaba caracterizando-se uma resposta totalmente inadequada, já que o que se analisa nos conflitos penais, na maior parte dos casos, são problemas de origem social. Ao optar por uma conduta agressiva como retorno ao cometimento de delitos que, na maioria das vezes, são oriundos da falta de recursos e de amparo àquele que vem a cometer o ato típico, o Estado acaba por gerar novas situações-problema. Assim, o que se observa é uma total inversão de valores. O Estado Democrático de Direito, que tem como cerne a Dignidade da Pessoa Humana, visando à Proteção Integral da Criança, ignora essa principiologia, elegendo a sanção penal como a mais absoluta prioridade, submetendo crianças e mães a um total abandono em prol do cumprimento de uma pena a qual não se justifica, uma vez que não previne a violência, dessocializa aquele que a ela é submetido e não impede que essapessoa cometa novas infrações. A análise realizada se consubstancia, principalmente, nos estudos da Criminologia Crítica e do Abolicionismo Penal, os quais nos levam a acreditar que a sanção é uma forma irracional de controle social, que só reproduz violência no lugar de preveni-la. Palavras-Chave: Aprisionamento Feminino. Personalidade da Pena. Proteção Integral da Criança. Criminologia Crítica. Abolicionismo Penal.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9 2 PRISÃO E GÊNERO ..................................................................................... 12 2.1 DO ENCARCERAMENTO FEMININO: CRIMINOLOGIA E FEMINISMO ... 13 2.2 DA PERSONALIDADE E DA EXTENSÃO DAS PENAS ............................ 20 2.3 DO LABELLING APROACH E DA ESTIGMATIZAÇÃO ............................. 27 3 INFÂNCIA E DESENVOLVIMENTO: UMA LEITURA A PARTIR DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................................................................................ 36 3.1 DOS ASPECTOS PSICOLÓGICOS ........................................................... 38 3.2 DA PROTEÇÃO INTEGRAL ....................................................................... 52 4 PESQUISA DE CAMPO ................................................................................ 61 4.1 DA METODOLOGIA DE PESQUISA .......................................................... 63 4.2 DO CAMPO: ENTREVISTAS E RELATOS................................................. 70 4.3 DAS REFLEXÕES ENTRE O CAMPO E O REFERENCIAL TEÓRICO ..... 84 5 CONCLUSÃO ................................................................................................ 94 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 97 APÊNDICE A – Entrevistas com Apenadas ................................................ 104 APÊNDICE B – Entrevistas com Funcionárias ........................................... 142

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1 INTRODUÇÃO O presente trabalho pretende analisar a problemática da extensão das penas aos filhos de apenadas, nos presídios femininos, restringindo tal análise ao âmbito da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O objetivo principal desta pesquisa será o de encontrar a situação fática e jurídica que melhor se adéque ao caso e que respeite os Princípios Constitucionais, bem como proteja o interesse dos indivíduos envolvidos. Essa busca se dará com fulcro na Proteção Integral da Criança, bem como na aplicação da Política Criminal menos danosa à sociedade e aos atores do sistema penal brasileiro. A proteção desses atores, neste trabalho, abarcará tanto os atores principais (autores de fatos delituosos) como os atores reflexos (descendentes dependentes dos indivíduos que cometeram atos considerados infrações). O interesse pelo assunto surgiu pelo fato de tal situação não estar precisamente delineada na legislação pátria. A regulamentação em âmbito nacional se restringe a alguns dispositivos da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei de Execuções Penais e, mais especificamente, da Resolução nº 3 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP1. Um dos pontos cruciais é o fato de que nenhum desses regramentos determina um período exato de permanência de crianças no cárcere. Além do mais, é de se observar que mesmo a determinação de período

máximo,

por

menor

que

seja,

poderia

ser

prejudicial

ao

desenvolvimento de qualquer criança. Dessa forma, observando-se a considerável quantidade de apenadas que vivenciam a condição da maternidade no cárcere, imperioso se faz ressaltar que os maiores prejudicados com a atual situação consistem em crianças,

indivíduos

que

gozam

de

proteção

privilegiada

em

nosso

ordenamento, tendo em vista a sua vulnerabilidade e o fato de ser a infância a fase da formação na qual o ser humano molda sua estrutura psíquica. Assim, a 1

CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA – CNPCP. Resolução n. 3/2009, publicada no Diário Oficial da União no dia 16/7/2009, na Seção 1, p. 34-35. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2012.

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partir dessa dúbia problemática criada entre a execução da pena e a proteção da criança, se concretiza a discussão aqui realizada. O que se objetiva a partir dos reflexos aqui abordados, é investigar uma possível condição que proporcione uma efetiva defesa dos interesses desses infantes, normalmente oriundos de camadas inferiores da sociedade, como a maior parte da população carcerária. Diante disso, pretende-se observar se as medidas hoje adotadas pelo sistema penal resguardam a proteção mencionada e se realmente cumprem com os objetivos a que se propõem. Destarte, o problema em questão consubstancia-se em uma ponderação entre os princípios constitucionais frente à prática executiva do controle penal. Para alcançar o entendimento almejado, nos valeremos de uma análise interdisciplinar do problema em questão, uma vez que, ao se falar em Ciências Sociais, Direitos Fundamentais, Criminologia e Direito Penal, não há como realizar análise restrita de uma única disciplina, dada a complexidade do pensamento e do agir humano. Assim, entendemos que sendo o cerne desta pesquisa a relação entre mãe e filho modificada pela intervenção estatal, imperioso se faz valer-se dos diversos campos do saber para melhor alcançar um resultado satisfatório. Desse modo, iniciaremos a explanação analisando o contexto prisional feminino a partir das teorias feministas e criminológicas. Em seguida, passaremos a observar a extensão das penas das mães aos filhos sob uma perspectiva principiológica,

a qual abarca, especialmente, o Direito Penal

Liberal. Ainda sob um enfoque criminológico, abordaremos o problema da estigmatização oriunda da passagem pelo cárcere, fazendo uso da Criminologia Crítica, em especial no que diz respeito ao Labelling Aproach (teoria do etiquetamento). A fim de compreendermos a proteção e o desenvolvimento infantil, com o auxílio da psicologia, mais precisamente da psicanálise, tentaremos averiguar os possíveis danos que o aprisionamento de crianças pode causar à sua formação. Nessa senda, analisar-se-á a proteção especial concedida pelo ordenamento pátrio e internacional e despendida a crianças. Por fim, traremos os relatos coletados em campo, contextualizando-os com um referencial predominantemente abolicionista, com a pretensão de tentar demonstrar a irracionalidade da pena de prisão, principalmente quando envolve crianças.

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Além dos referenciais acima elencados, também faremos uso, durante toda a extensão do trabalho, da Proteção da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento do Estado Democrático de Direito. Tal princípio está expresso na Constituição, situando-se como uma das principais bases de seu sistema de valores. Além disso, ao tratar-se da tutela de Direitos Fundamentais, tais como a liberdade e o desenvolvimento da personalidade, não há hipótese de nos afastarmos da compreensão de tal princípio. Para realizar o estudo a seguir sintetizado, nos valeremos, basicamente, de duas formas de pesquisa: a pesquisa social, em campo, e a pesquisa bibliográfica. Esta se fará presente nos dois primeiros capítulos do trabalho, nos quais se realizará a síntese dos principais referenciais teóricos consultados. No último capítulo, apresentaremos a pesquisa de campo, que se realizará na forma de entrevistas dirigidas a apenadas e a funcionários da Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Também realizaremos observações (parcialmente) etnográficas do ambiente em que estão alojadas crianças filhas de detentas. A pesquisa de campo se dará de forma qualitativa, por meio da aplicação de questionário previamente estruturado, de forma aberta. O método eleito terá como finalidade apreender dados subjetivos em relação aos participantes, sem o objetivo de gerar números estatísticos, mas de captar as peculiaridades do ambiente analisado. As informações obtidas serão comparadas ao material bibliográfico estudado, e nessa comparação analisarse-ão as semelhanças e as diferenças entre o modelo teórico utilizado e a realidade prática da penitenciária.

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2 PRISÃO E GÊNERO A vida institucionalizada,levada por aqueles que cumprem pena em estabelecimentos prisionais, acaba por refletir muito da realidade – em especial das desigualdades – apresentadas na sociedade da qual se origina. Frente a essa premissa,oriunda dos estudos criminológicos2,deparamo-noscom o caráter seletivo do Direito Penalque tende a reproduzira discriminaçãoque a sociedade projeta sobre as minorias, selecionando “as pessoas, quer para criminalizá-las quer para vitimizá-las [sic.], recrutando sua clientela entre os mais miseráveis”3. É da natureza humana não aceitar o outro, o diferente, excluindo-o dos grupos, marginalizando-o. Figurando nessa parcela tida como “diferente” aos olhos da sociedade podemos apontar as classes mais baixas, as crianças, as mulheres, a população negra, dentre outros grupos4. Em reflexo disso, os hipossuficientes, com menor representatividade nos grupos sociais, costumam sofrer, com maior incidência, o controle exercido pelos órgãos mantenedores da ordem social, quais sejam, a polícia, o judiciário e o governo. Dessa forma, analisando-se a população carcerária do Brasil, facilmente perceberemos uma maior presença de homens, negros e pobres. Já no que diz respeito ao encarceramento feminino, mesmo queconstituído de contingente consideravelmente menor que o masculino5, reveste-se de peculiaridades, impostas por diversos fatores, dos quais imperioso se faz salientar dois dos mais evidentes: as diferenças biológicas entre os sexos e a característica patriarcal da nossa sociedade6. 2

CAMPOS, Carmen Hein de (org.); BARATTA, Alessandro; STRECK, Lenio Luiz; ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999.p.14. 3 ESPINOZA, Olga. A Prisão Feminina desde um Olhar da Criminologia Feminista. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias. Pelotas, v.1, n.1, p.35-60, jan./dez. 2002.p.3536. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2012. 4 BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008.p.28-30. 5 A população carcerária feminina, no Rio grande do Sul, representa 7% do total de indivíduos cumprindo pena nos estabelecimentos prisionais do estado, ou seja, um total de 2.000 detentas. (BRASIL. Departamento de Planejamento. Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE). Dados Estatísticos: Sexo. Rio Grande do Sul, 2012. Relatório atualizado em 06/07/2012. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2012). 6 ESPINOZA, Olga. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. São Paulo: IBCCRIM, 2004.p.122-123.

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Por consequência dos dois fatores evidenciados, insurge a questão apontada por esta pesquisa: a maternidade durante o cumprimento de pena restritiva de liberdade.Nessa senda, há de se analisar o contexto em que essa maternidade ocorre, bem como suas consequências,análise que faremos a seguir, iniciandopelo contexto prisional feminino, passando pelas garantias que devem

ser

observadas

pelo

procedimento

penal

e

examinando

as

consequências do nascimento de crianças dentro desses instrumentos segregatíciosem que os estabelecimentos prisionais acabam se tornando. 2.1 DO ENCARCERAMENTO FEMININO: CRIMINOLOGIA E FEMINISMO Tanto o feminismo, como a criminologia não permitem um conceito fechado, ou uma análise de sua evolução histórica em que se observe a exclusão de uma teoria a partir de sua superação por outra mais atual7. Ao contrário disso, observam-se diversas teorias aplicáveis ao momento histórico que se vive, das quais faremos uso na tentativa de compreender as especificidades do encarceramento feminino. As teorias feministas, conforme classificação adotada por Carla Marrone Alimena8, podem ser divididas em três ondas: a primeira fundada no feminismo liberal, tem como principal característica a luta por igualdade entre os sexos, buscando ampliar os direitos à educação e ao trabalho ao âmbito feminino; a segunda, calcada no chamado feminismo radical, assinala-se pela diferença, procurando dirimir a disparidade de poder entre os sexos

por meio de

mecanismos, principalmente estatais, de defesa à mulher; e a terceira assentada no feminismo socialista, que considera a pluralidade das “diversas mulheres” presentes na sociedade, apontando a multiplicidade de fatores que acabam por provocar desigualdades entre os gêneros, tais como classes sociais, etnias, idade, etc9.A última onda feminista aproxima-se da teoria 7

CARVALHO, Salo de. Criminologia cultural, complexidade e as fronteiras de pesquisa nas ciências criminais. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v.17, n.81, p.294338, nov./dez. 2009.p.295. 8 Optamos por utilizar a classificação adotada por Carla Alimena, no entanto, a respeito também nos valemos dos ensinamentos de Carmen Hein de Campos. (CAMPOS, Carmen Hein de (org.); BARATTA, Alessandro; STRECK, Lenio Luiz; ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999.117 p.). 9 ALIMENA, Carla Marrone. A tentativa do (im)possível: feminismos e criminologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.p.19-21.

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queer10, a qual aduz que a diferenciação dos sexos é cultural; é a cultura que os trata de forma peculiar, fixando os papéis sociais de cada gênero11. Dessemodo, é possível estabelecer um ponto de encontro das teorias feministas com a Criminologia Crítica e Cultural, uma vez que as diferenças de gênero se dão, principalmente, a partir das criações culturais de cada sociedade. Conforme tais vertentes criminológicas, os mencionados aspectos culturais relacionam-se com a violência, com o desvio e com o controle da sociedade, fundindo as abordagens feministas com os principais objetos de estudo da Criminologia12. A criminalidade feminina vem sendo pauta dos estudos criminológicos desde o determinismo Lombrosiano, o qual defendia que as mulheres delinquiam em menor escala que os homens por fatores unicamente biológicos. Lombroso acreditava que as mulheres teriam evoluído menos que os homens, não estando aptas a realizar os desafios que o crime lhes exigiria13. Já Freud acreditava que a criminalidade feminina consistia em um complexo de masculinidade, uma vez que as atitudes agressivas e as condutas desviantes eram características da psique masculina14. Desde essas perspectivas, a sociedade já realizava um pré-julgamento de que a delinquência feminina era contrária ao próprio gênero, sendo muito mais grave um comportamento desviado partido de uma mulher que partido de um homem. Esse pré-julgamento advém das criações culturais formadas sobre cada sexo, nas quais predomina uma tradição patriarcal, em que a mulher não deveria delinquir, pois sua função principal na sociedade é a de procriar e

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A palavra queer pode significar estranho, excêntrico, fora do lugar, ridículo. Pode também ser uma expressão pejorativa para designar sexualidades não heterossexuais. Os estudos queer ressignificam a expressão pejorativa, questionando ordens de sexo, gênero e sexualidade. (ALIMENA, Carla Marrone. A tentativa do (im)possível: feminismos e criminologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.7). 11 RODRIGUES, Carla. Butler e a desconstrução do gênero. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, v.13, n.1, p.179-183, jan./abr. 2005.p.180. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2012. 12 ALIMENA, Carla Marrone. A tentativa do (im)possível: feminismos e criminologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.165-170. 13 FERRERO, Guglielmo; LOMBROSO, Cesare. La donna delinquente, la prostituta e la donna normale. Firenze: Torino, 1903, p.31-47. Disponível em: . Acesso em: 09 set. 2012 14 LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p.2.

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cuidar da prole, devendo sempre priorizar a família em detrimento de qualquer outro comportamento15. Dessa forma, ocorre que, além do estigma normalmente atribuído àquele que delínque, a mulher desviante, em face dessa cultura patriarcal, carrega o rótulo de “criminosa”, bem como o de inconsequente e irresponsável (por agir sem pensar na criação dos filhos)16, e também acaba perdendo, perante os demais, a sua feminilidade, por praticar condutas socialmente atribuídas ao gênero masculino. Acaba que, mesmo delinquindo em menor expressão, a mulher tem sua punição majorada pelos pré-conceitos da sociedade17. Além da mencionada estigmatização, que se dá após o ingresso no regime carcerário, durante a vida institucional a mulher se depara com um sistema androcentrista18, incapaz de suprir suas necessidades específicas. Ao adentrar o aparelho prisional, passa, por exemplo, a carecer de atenção médica especializada, levando-se em consideração que a maior parte das casas penitenciárias da América Latina não conta com atendimento ginecológico ou obstétrico. Não obstante tal falta de cuidado, diversos estabelecimentos prisionais não possuem recursos humanos suficientes, tendo que, por muitas vezes, valer-se de contingente masculino para exercer as funções operacionais da casa, deficiência que proporciona uma maior vulnerabilidade, por parte das detentas, à ocorrência de abusos sexuais19. Em relação às atividades laborais ofertadas, o que se vislumbra massivamente são serviços de tapeçaria, lavagem de roupas e artesanato, reforçando o papel submisso da mulher na sociedade e, ao contrário do que se espera, não dando a essas mulheres condições de manter-se, durante a vida 15

ESPINOZA, Olga. A Prisão Feminina desde um Olhar da Criminologia Feminista. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias. Pelotas, v.1, n.1, p.35-60, jan./dez. 2002.p.54-55. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2012. 16 LARRAURI, Elena. A Mujer ante el Derecho Penal. Revista de la Asociación de Ciencias Penales de Costa Rica. Año 9, n. 11, p.13-45, jul. 1996. Disponível em: < http://www.cienciaspenales.org/REVISTA%2011/larrau11.htm>. Acesso em: 09 set. 2012. 17 ANTONY, Carmen. Mujeres invisibles: las cárceres femeninas en América Latina. Nueva Sociedad. Buenos Aires, n. 208, p.73-85, mar./abr. 2007.p.76. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2012. 18 BARATTA, Alessandro. O paradigma do gênero. In: CAMPOS, Carmen Hein de (org.); BARATTA, Alessandro; STRECK, Lenio Luiz; ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. p.33. 19 ANTONY, Carmen. Mujeres invisibles: las cárceres femeninas en América Latina. Nueva Sociedad. Buenos Aires, n. 208, p.73-85, mar./abr. 2007.p.83. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2012.

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extramuros, de forma independente, com os trabalhos ensinados no cárcere20. Esse modelo acaba infantilizando as mulheres, impondo-as a uma condição de dependência e incapacidade de tomar decisões21. Considerando-se que 78,5% da população carcerária feminina do Rio Grande do Sul cumpre pena por envolvimento com tráfico de entorpecentes22, necessário se faz averiguar que, na maior parte das vezes, essas mulheres cometem tais delitos a fim de prover o sustento de sua família. Dessa forma, como durante o cumprimento da pena não são preparadas para exercerem o seu papel de arrimo de família, tendem a delinquir novamente. Frente ao problema social abordado, a institucionalização acaba se tornando uma resposta estatal inadequada no que diz respeito ao aprisionamento feminino. A mulher que, na maioria dos casos, já sofre pelo abandono

da

família,

quando

se

encontra

aprisionada,

recebendo,

estatisticamente, um número bem menor de visitas do que o registrado nos estabelecimentos prisionais masculinos, passa a vivenciar uma condição de isolamento, pela qual os homens não passam, pelo menos não com a mesma intensidade23. Somando-se ao isolamento gerado pela falta de procura por parte da família, a mulher ainda sofre restrições em relação à visita íntima. É comum que as penitenciárias femininas, ao contrário das masculinas, não disponham de local apropriado para a realização dessa visita. Além da falta de estrutura, boa parte das prisões, por meio de seus regulamentos internos, impõe uma 20

LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p.135-146. 21 Em relação a essa institucionalização, importante salientar o pensamento de Goffman a respeito das consequências causadas pelo confinamento em instituições totais, tais quais as prisões: “Se ocorre mudança cultural, talvez se refira ao afastamento de algumas oportunidades de comportamento e ao fracasso para acompanhar mudanças sociais recentes no mundo externo. Por isso, se a estada do internado é muito longa, pode ocorrer, caso ele volte para o mundo, o que já foi denominado desculturamento ou destreinamento que o torna temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida diária”. (GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 23.) 22 BRASIL. Ministério da Justiça. Relatórios Estatístico-Analíticos do sistema prisional de cada Estado da Federação. Estatística gerada pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias - InfoPen (versão dez 2011). Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2012. 23 ESPINOZA, Olga. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. São Paulo: IBCCRIM, 2004. p. 152-154.

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série de restrições à entrada de parceiros das apenadas, fazendo-os passar por procedimentos que não são observados em estabelecimentos prisionais masculinos. Em certas instituições, a presa somente pode receber visita íntima se for casada, o que se aplica á minoria da população carcerária24. Assim, as apenadas carecem de um conforto que o contato com seus entes queridos poderia lhes proporcionar. Tal situação agrava-se em relação à questão da maternidade durante o cumprimento da pena, circunstância que apresenta uma série de fragilidades ignoradas pelo ordenamento penal. Entre elas, podemos ressaltar que, quando essas mães adentram as penitenciárias possuindo filhos de menor idade, acabam afastadas deles, muitas vezes pelo preconceito de suas famílias, que hesitam em levá-los para visitação e, não raras vezes, por falta de condições para recebê-los, por parte dos estabelecimentos prisionais25. Por estarem afastadas dos filhos, as detentas acabam submetendo-se a diversas privações ocasionadas pela arbitrariedade da administração e do corpo funcional das penitenciárias, cedendo a tais abusos a fim de não terem obstaculizado o seu direito de receber visitas e informações a respeito dos filhos. Em várias situações, além de afastarem-se das mães, tais crianças acabam não tendo para onde ir, muitas vezes sendo direcionadas a abrigos ou casas de parentes distantes e, em outras, até mesmo tornando-se moradores de rua26. Quando a gestação se dá no ambiente prisional, a situação agrava-se ainda mais. As enfermarias responsáveis pelos atendimentos médicos das penitenciárias não suportam os cuidados especiais que uma gestante necessita,

restringindo

o

atendimento

pré-natal

a

meras

consultas

ambulatoriais. Não é difícil encontrar uma gestante que, no quinto mês de 24

ESPINOZA, Olga. A Prisão Feminina desde um Olhar da Criminologia Feminista. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias. Pelotas, v.1, n. 1, p.35-60, jan./dez. 2002.p.53, Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2012. 25 OLIVEIRA, Odete Maria de. A mulher e o fenômeno da criminalidade. In:ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e Reverso do controle penal (des) aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiuteux, 2003. v.1.p. 159171,p.165. 26 SOARES, Bárbara Musumeci; ILGENFRITZ, Iara. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.p.27.

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gravidez, ainda não tenha realizado uma ecografia sequer, procedimento que, quando a gestante encontra-se em liberdade, normalmente se dá nas primeiras semanas subsequentes à descoberta do estado gravídico. Em casos de complicações durante a gestação que necessitem de cuidados mais especializados, muitas vezes a presa não consegue ser encaminhada para o atendimento externo, ora por falta de efetivo para realizar a escolta, ora pelo descrédito por parte dos agentes penitenciários, os quais tendem a não acreditar nos problemas alegados pelas detentas. Dessemodo, infortúnios que poderiam ser solucionados com procedimentos simples acabam agravando-se demasiadamentepelo tardar da prestação de serviços médicos. A Constituição Federal prevê, em seu art. 5º, inciso L27, que após o nascimentodos filhos, as apenadas poderão permanecer com eles durante o período de amamentação.Também o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 9º28, dispõe sobre o tema, afirmando que o Poder Público deverá propiciar condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade. Já a Lei de Execuções Penais, em seu art. 8929, faz menção a um período que compreende a idade de seis meses a sete anos, no qual os filhos das apenadas poderiam manter-se em berçários ou creches dentro dos estabelecimentos prisionais. No entanto, a legislação não determina um período exato de permanência dos filhos junto às mães.

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). 28 Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade. (BRASIL. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências). 29 Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo: I – atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável. (BRASIL. Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal).

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Com a finalidade de regulamentar tal situação, a Resolução nº 3 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP30 define que os filhos de apenadas devem permanecer junto às mães pelo período mínimo de um ano e seis meses. Passado esse período, deve-se iniciar o procedimento gradual de separação e adaptação da criança à família que a acolherá durante o cumprimento de pena da mãe, processo que deverá levar mais seis meses. Assim, as crianças deverão permanecer com as mães até os dois anos de idade, havendo a possibilidade de permanecerem até os sete anos, desde que o estabelecimento prisional cumpra com as exigências estruturais previstas no artigo 6º31 da referida resolução. Tendo em vista que, nessa primeira fase da vida, essas crianças compartilham o cárcere com as mães, vislumbra-se mais uma debilidade do aprisionamento feminino: Nessa faceta, além do sofrimento da apenada em gerar um filho em um ambiente violento e deveras inadequado, passamos a nos deparar com a extensão de sua pena para a pessoa do filho. O “encarceramento” desses menores justifica-se pela manutenção do vínculo materno, bem como como pela efetivação do aleitamento, tão necessário para o sadio desenvolvimento de uma criança32:contudo, os submete ao ambiente prisional, sem o convívio com os demais parentes, em locais de estrutura precária, geralmente inapropriados para alojarem até mesmo adultos, quanto mais crianças. Considerando-se a decadência do sistema penitenciário brasileiro, o que se observa é uma total falta de estrutura dos estabelecimentos prisionais para abrigar indivíduos em estado de peculiar desenvolvimento, tais quais crianças 30

CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA – CNPCP. Resolução n. 3/2009, publicada no Diário Oficial da União no dia 16/7/2009, na Seção 1, p.34-35. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2012. 31 Art. 6º Deve ser garantida a possibilidade de crianças com mais de dois e até sete anos de idade permanecer junto às mães na unidade prisional desde que seja em unidades maternoinfantis, equipadas com dormitório para as mães e crianças, brinquedoteca, área de lazer, abertura para área descoberta e participação em creche externa. (CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA – CNPCP. Resolução n. 3/2009, publicada no Diário Oficial da União no dia 16/7/2009, na Seção 1, p. 34-35. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2012). 32 VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da criança e do adolescente comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Conceito, 2011.p.48.

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que vivem a chamada primeira infância. Dessa maneira, assim como as gestantes, esses infantes carecem de atendimento médico especializado, bem além de permanecerem aprisionados, como se condenados fossem. Tal condenação extensiva infringe um dos mais importantes princípios penais constitucionais, o Princípio da Personalidade da Pena, o qual, nas palavras de Nilo Batista, dispõe que“a responsabilidade penal é sempre pessoal. Não há, no direito penal, responsabilidade coletiva, subsidiária, solidária ou sucessiva. Nada pode, hoje, evocar a infâmia do réu que se transmitia a seus sucessores”33. Uma vez que crianças – sujeitos com aparelho psíquico em formação34– são submetidas a um sistema opressivo, de medidas aplicadas em ultima ratio, como se trata o Direito Penal, vislumbra-se a aplicação de uma política criminal confrontante à principiologia cerne de nosso ordenamento jurídico. Afastar o infante da presença materna, sem dúvida, acarreta-lhe danos; no entanto, fazer-lhe cumprir uma pena que não merece, em um estabelecimento de condições precárias (como são os estabelecimentos prisionais brasileiros), parece-nos tão danoso quanto. 2.2 DA PERSONALIDADE E DA EXTENSÃO DAS PENAS Como visto anteriormente, a extensão da pena das mães à pessoa dos filhos vai contra o regramento constitucional vigente. Por esse motivo, passaremos a analisar tal principiologia a fim de averiguar as disparidades entre as disposições legais e a situação fática das penitenciárias femininas. Faremos isso a partir de análise constitucional, bem como infraconstitucional, abordando os princípios gerais e também as normas específicas que disciplinam tal matéria. A maior parte das constituições modernas incorporaram em seu texto os princípios do Estado Liberal e do Estado Social, trazendo para si os ideais iluministas das garantias individuais, assim como a previsão de uma série de direitos sociais. Tais ideais têm reflexo direto no ordenamento constitucional 33

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.p.104. 34 ZIMERMAN, David E.; COLTRO, Antonio Carlos Mathias (Org.). Aspectos psicológicos da atividade jurídica. Campinas: Millennium, 2002.p.87-101.

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penal, no qual as garantias individuais se traduzem na esfera de atuação mínima do Estado, visando preservar a liberdade dos indivíduos, devendo as sanções ser aplicadas apenas quando forem extremamente necessárias, bem como restringindo o âmbito de ação estatal com o objetivo de assegurar os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos35. A Constituição de 1988 não é diferente. Dela depreendem-se os princípios da legalidade, da humanidade, da lesividade, da igualdade, da personalidade da pena, entre outros que tendem a criar limites ao jus puniendi, evitando abusos de poder por parte do Estado. Tendo em vista a posição hierárquica do texto constitucional36, o qual emana às demais normas do ordenamento os princípios basilares para a sua feitura, os fundamentos por ele apontados devem ser observados por toda a espécie normativa. Nesse sentido, [...] sendo o Direito Penal o instrumento de controle (social) mais drástico, mais violento (precisamente porque conta com os meios coativos mais intensos – penas e medidas de segurança, ou seja, 37 mais ameaçadores aos direitos fundamentais da pessoa[...] ,

Deve ele pautar-se pelo estrito acatamento dos preceitos fundamentais constitucionais38. Com isso, podemos vislumbrar a amplitude desses princípios básicos norteadores que, nas palavras de Nilo Batista39, devem comprometer tanto o legislador, transitando pela política criminal, quanto os aplicadores da lei – do juiz da Corte Suprema ao mais humilde guarda de presídio. Sendo assim, tanto na produção legislativa, como no julgamento e na execução das penas, os operadores do direito devem, acima de qualquer diretriz, pautar-se pelas garantias

constitucionalmente

previstas.Aplicando-se

a

principiologia

constitucional à situação recorrente da maternidade concomitante ao 35

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed.rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p.11-15. 36 Nesse sentido: BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 4964 e KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.168-171. 37 BIANCHINI, Alice; GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo R. dos Tribunais, 2009. p.47. 38 QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001. XXI, p.17. 39 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.63.

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cumprimento da pena restritiva de liberdade, necessária se faz a análise criteriosa do princípio da personalidade da pena, o qual, como já dito, integra a gama das garantias individuais penais recepcionadas por nossa Constituição. A referida análise se presta uma vez que, quando uma mãe é condenada a cumprir pena restritiva de liberdade, seus filhos acabam recebendo os efeitos da condenação a ela destinada. Tal extensão da pena se dá tanto nas situações em que a apenada se vê separada dos filhos, circunstância em que expõe essas crianças à falta de cuidado materno40, quanto nos casos de gestação durante a execução da pena, na qual o filho divide o cárcere com a mãe, tendo sua primeira etapa de vida cumprida dentro de um estabelecimento prisional.Sendo assim, em decorrência dessa extensão indevida da sanção, temos violado um direito que figura como uma das principais garantias individuais penais previstas em nosso ordenamento: a garantia da não transcendência

das

penas.

Essa

premissa

trata-se

de

um

princípio

constitucional penal explícito por vir expresso no texto maior e, além dessa formalização escolhida pelo legislador, tal preceito tem origem no princípio da humanidade, fundamento do Estado Democrático de Direito, que traz o ser humano como centro e fim do ordenamento, sendo a diretriz maior para a aplicação e a efetividade das normas41. Violar tal preceito, então, é estender a um inocente o castigo que visa repreender ato cometido por terceiro, atitude inconcebível desde as primeiras ideias de cunho liberal já trazidas por Beccaria, em sua obra marco da evolução do Direto Penal, Dos Delitos e das Penas, na qual o autor dispunha claramente que “se a pena é aplicada à família inocente, é odiosa e tirânica, porque já não há liberdade quando as penas não são puramente pessoais”42. Nosso ordenamento recepcionou tal concepção trazendo-a como direito fundamental resguardado pela Carta Magna em seu art. 5º, inciso XLV43. Por

40

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral : arts. 1º a 120 do CP. 12. ed. Niterói: Impetus, 2010. v.1, p.77. 41 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed., rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.63-68. 42 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.81. 43 Art. 5º, XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

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tratar-se de direito fundamental, portanto indisponível, não observá-lo é ferir o bem jurídico tutelado mais precioso, a Dignidade da Pessoa Humana. Com fulcro nas ideias liberais, bem como a partir da interpretação dos dispositivos constitucionais, podemos entender que as penas possuem caráter personalíssimo, não podendo, em hipótese alguma, ultrapassar a pessoa do condenado. Nesse aspecto, a responsabilidade penal, diferentemente da civil que pode dar-se de forma objetiva -, deve recair exclusivamente sobre a pessoa que praticou o ato (fato delituoso)44, sendo inaceitável que qualquer estranho ao delito sofra pelos efeitos da pena imposta ao infrator. Esse conceito de personalidade da pena advém de uma construção histórica do que boa parte dos doutrinadores define como princípio da culpabilidade45, o qual, em uma análise englobante, se subdivide em responsabilidade subjetiva do agente, reprovabilidade da conduta exercida e caráter personalíssimo da pena. Desse conceito mais amplo, se extrai o que podemos definir como princípio da responsabilidade pessoal, também conhecido como princípio da pessoalidade ou da intranscendência da pena. Nesse sentido, salientamos a posição de Rogério Greco46, que entende tal princípio como um limitador ao poder punitivo do Estado, o qual tem como finalidade inibir a submissão de terceiros à pena aplicada àquele que infringe a normativa penal. Já Zaffaroni47 leciona que a pena deve ser estritamente pessoal, uma vez que consiste em uma ingerência ressocializadora sobre a pessoa do apenado, desvirtuando-se do seu objetivo quando estendida a terceiro alheio ao delito. Desse conceito podemos extrair que, além de infringir direitos fundamentais da pessoa humana, a transcendência da pena acaba por esgotar o sentido da sanção. Quando a repreensão a um delito é aplicada a quem não o cometeu, perdem-se as funções da pena, pois o castigo aplicado ao inocente 44

QUEIROZ, Paulo. Para além da filosofia do castigo. Disponível em: . Acesso em 09 set. 2012. 45 Nesse sentido: BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.102-103; LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed.rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p.37; BIANCHINI, Alice; GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo R. dos Tribunais, 2009. p.48. 46 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral :arts. 1º a 120 do CP. 12. ed. Niterói: Impetus, 2010. v.1.p.75. 47 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2011. v. 1.p.160.

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causa revolta, no lugar de ressocializar, e causa insegurança, em vez de inspirar confiabilidade ao ordenamento. Por conseguinte, a extensão da pena vai contra toda e qualquer finalidade que ela possa ter, levando ao fracasso as teorias retributiva, prevencionista e ressocializadora48, que de forma mista ou unificada49 se fazem presentes em nosso ordenamento. Vai contra a teoria retribucionista por não devolver à pena o mal da pena, uma vez que, para essa teoria, a sanção é uma retribuição moral paraa realização da ideia de justiça; no entanto, não há como se falar em justiça quando alguém responde por crime que não cometeu. Também não serve à teoria prevencionista, já que, para essa escola, a pena tem fim educativo, servindo como exemplo para evitar que os demais pendam à desviança, o que não ocorre quando a sociedade vê condenado um inocente. Por fim, não corresponde à teoria ressocializadora,pois causa sofrimento a quem não infringiu a norma, marginalizando-o por meio de um castigo que não merece. Mesmo realizando uma análise das teorias tradicionais da pena mais aceitas pela doutrina como escolha do ordenamento brasileiro, o fizemos afim de ilustrar o desrespeito à normativa vigente. Todavia, mesmo tendo sido opção de nosso legislador valer-se dessa concepção de que a pena cumpre determinadas funções, acreditamos que a segregação do indivíduo a partir doaprisionamento não cumpre nenhum papel positivo. Mesmo quando dirigida à pessoa que cometeu o delito, não a educa e nem protege a sociedade50. A pena restritiva de liberdade apenas reproduz uma “limpeza social”, retirando do convívio aqueles que não representam interesse à sociedade: os pobres que,

48

REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.p.41-56. 49 Denomina-se teoria mista ou unificada aquela que comporta as funções da pena em um único contexto, trazendo todas em conjunto para aplicação em determinado ordenamento. Diz-se que o Brasil se filia a essa teoria, trazendo-a no art. 1º da Lei de Execuções Penais e no art. 59 do Código Penal, as ideias de prevenção e retribuição. (BOSCHI, José Antonio Paganella. Individualização da pena. Porto Alegre: TRF 4ª Região, 2008 (Currículo Permanente. Caderno de Direito Penal: módulo 4). Disponível em: . Acesso em: 07 set. 2012). 50 MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI – abolição, um sonho impossível? VERVE Revista semestral autogestionária do Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP). São Paulo, n.4, p.80-111,2003.p.90. Disponível em: . Acesso em: 03 nov. 2012).

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sem poder aquisitivo, não têm vez no sistema capitalista tardio vivido pelo Brasil. Assim, acreditamos que a Teoria Agnóstica da Pena, trazida por Tobias Barreto, é a que melhor define a (des)função da pena restritiva de liberdade. Tal teoria aduz que o ordenamento constitucional brasileiro não traz nenhuma justificativa à aplicação das sanções, regulando apenas sua execução, visando dirimir os possíveis abusos cometidos durante o seu cumprimento. Portanto, a pena, assim como a guerra, não tem nenhuma finalidade; é, em verdade, uma escolha política. Com isso, tal punição somente se justifica pela proteção do réu a fim de que não sofra as dores de uma vingança ou de uma ação estatal exagerada, sendo uma mera regularização do castigo, que tem como função aplicar o menor grau de dor possível àqueles que a ela se submetem51. Entretanto, mesmo com esse sentido garantidor que Barreto traz como a única plausível justificante da pena, entendemos que tal garantia não se concretiza faticamente, uma vez que o sistema carcerário não protege o indivíduo; pelo contrário, lhe expõe ao abuso da Administração, servindo apenas como um aparelho intensificador de sofrimentos52. Isso se vislumbra, de melhor forma, quando voltamos os olhos aos estabelecimentos penais brasileiros, os quais consistem em instituições desumanas, que não garantem a mínima condição de higiene e salubridade aos apenados. Como já vimos, além de não cumprir função alguma, a pena costuma, com certa frequência, afetar a família do apenado, principalmente a pessoa dofilho, em especial nos casos de aprisionamento feminino. Isso acaba ocorrendo porque o sistema penal despreza, por completo, o ambiente ou o sistema social em que se insere. Ao condenar uma mãe, o sistema ignora seus filhos, culpa os indivíduos, ignorando as estruturas sociais das quais eles são oriundos53. De acordo com Christie54, para o sistema penal, o fato decisivo é o delito, não as características individuais do culpado, não as circunstâncias particulares da sociedade local, sendo que, ao excluir todos esses fatores, o

51

CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. XXV, p.147-153. 52 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984, p.20. 53 QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.p.367-368. 54 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984, p.60.

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sistema se converte em uma negação de toda uma série de opções e possibilidades que deveriam ser tomadas em consideração. Com essa não observância das situações sociais, o direito penal acaba por ferir a dignidade dos indivíduos, em especial quando limita o desenvolvimento dos filhos das apenadas a um local restrito e sem o devido acompanhamento familiar, o que ocorre quando esses infantes veem-se aprisionados junto às mães. Ao gerar essa transmissão da pena da mãe à pessoa do filho, ignora-se o principal objetivo do Estado – o de propiciar o bem comum –, desconsiderando-se o sadio desenvolvimento dessas crianças, indo contra a principal base do sistema de valoresconstitucional, o qual traz a pessoa humana como eixo central da proteção jurídica. Dessa forma, o sistema penal, assim como as penas em si, não encontra justificativa, pois em vez de propiciar melhor qualidade de vida àqueles que a ele se submetem, a partir da segurança que se propõe a garantir instaura uma situação de degradação, na qual expõe indivíduos em situação peculiar de desenvolvimento (portanto objeto de maior proteção) a um ambiente violento e inadequado.Um sistema penal, conforme a perspectiva garantista de Ferrajoli55, apenas estará justificado se a soma das violências que pretende prevenir for superior às violências por ele instituídas por meio das penas estabelecidas, o que dificilmente ocorrerá, uma vez que, mesmo a pena sendo cumprida em ambientes bem estruturados, sempre segregará aquele que já foi segregado. Entendemos mais coerentes, portanto,as tendências abolicionistas trazidas por Christie56 e Huslman57, as quais alegam queo sistema penal não encontra justificativa. Não se justifica, de um lado, por ocasião da imensa cifra oculta de criminalidade que passa despercebida pelo seu domínio, fazendo com que a sociedade componha a maior parte de seus delitos, deslegitimando o controle penal, bem como demonstrando que os crimes são criações legislativas e não institutos de proteção social58;por outro lado, pelos níveis de 55

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. 4. ed. Madrid: Trotta, 2000.p.336-338. 56 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984, 175 p. 57 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: O sistema penal em questão. Rio de Janeiro: Luam, 1993, 180 p. 58 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: O sistema penal em questão. Rio de Janeiro: Luam, 1993, p.55-70.

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dor e de sofrimento que o encarceramento despende àqueles que a ele se submetem59, perdendo toda e qualquer função preventiva ou socializadora, agindo apenas de forma a degradar os indivíduos a ele submetidos. Por consequência, tanto a partir de uma perspectiva garantista, que tende a projetar no ordenamento regras que possam impor o menor índice de sofrimento aos que a elas se submetem, bem como sob a ótica abolicionista, somentevislumbraremos proteção à dignidade dos filhos das apenadas quando eles não vivenciarem seu desenvolvimento dentro do sistema prisional. Apenas assim as penas não ultrapassarão a pessoa do infrator, bem como o sistema não operará com mais violência do que é capaz de prevenir. 2.3 DO LABELLING APROACH E DA ESTIGMATIZAÇÃO Em decorrência da extensão indevida da sanção, tratada na seção anterior, quando a gestação se dá durante o cumprimento de pena restritiva de liberdade, os filhos das apenadas acabam passando por um processo de estigmatização e de institucionalização ao iniciarem sua vida dentro da rotina carcerária, na qual acabam não conhecendo relações sociais diversas, sendo socializados para viver na prisão. Além disso, já nascem rotulados como “filhos de apenadas”, carregando tal marca durante sua vida extramuros60. Para explicar esse fenômeno da estigmatização, nos valeremos do paradigma do labelling aproach61, oriundo dos estudos sociológicos americanos também conhecidos como teorias da rotulação social ou etiquetagem, ou, ainda, teorias interacionistas ou da reação social. Tais perspectivas surgem como uma revolução frente aos estudos criminológicos tradicionais, trazendo um novo paradigma a respeito da criminalidade, mudando o objeto de pesquisa da criminologia,abandonando ainvestigação das causas da criminalidade e passando a observar as condições da criminalização.

59

CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984,p.9596. 60 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 3. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2011.p.303326. 61 Expressão americana traduzida por alguns autores como teoria do etiquetamento (BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002 e SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 3. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2011).

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A partir dessa mudança de paradigma, deixa-se de indagar “por que se delinque?”,passando-se a considerara seguinte questão como cerne dos estudos criminológicos: “por que se atribui a determinados indivíduos o rótulo de criminoso?”Assim, os autores que têm esse novo foco passam a preocuparse com a reação social atribuída aos delitos, considerando-a a principal causa da aplicação das sanções, bem como da incidência do controle social tanto formal como informal. Nesse contexto, também se analisa a criminalidade secundária, para a qual se define como principal fator de reincidência a atribuição do rótulo de marginal àquele que comete um delito62. Conforme já abordado sumariamente na seção 2.1 deste trabalho, a antropologia criminal e a criminologia positivista, a partir das obras de Lombroso e Ferri, ocupavam-se em estudar os motivos da criminalidade, deduzindo que os indivíduos vinham a delinquir por motivos psíquicos e biológicos e em resposta ao meio do qual eram oriundos, estando as causas da delinquência contidas na pessoa do desviante. Inovando em relação a esse modelo, as teorias do labelling passam a tratar o desvio não como uma qualidade intrínseca da conduta ou do autor dessa conduta, mas sim como um rótulo atribuído a determinados indivíduos por meio de processos de interação social, ou seja, de definição e de seleção daqueles a quem a sociedade impõe o estigma de criminoso63. Esse entendimento de que o desvio estava no indivíduo enraizou-se por mais de um século no Direito Penal, bem como no senso comum, criando, na sociedade, uma cultura que seleciona e determina aqueles que, por fatores biológicos, psíquicos e sociais, julga aptos a cometer comportamentos desviantes. Dessa ideologia oriunda do pensamento positivista foram-se criando os rótulos e os estigmas que hoje, naturalmente, a sociedade aplica àqueles que tem interesse em excluir, e é dessa forma que passa a operar tanto o controle social informal (escola, mercado de trabalho, família, mídia, etc.)quanto o o controle social formal, exercido pelo sistema penal. A palavra “estigma” tem origem na cultura grega, na qual seu significado era atribuído a sinais corporais feitos com ferro ou fogo, a fim de identificar um 62 63

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 3. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2011.p.304. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.p.39-41.

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escravo, um criminoso ou um traidor. Desde essa tradição, a sociedade tende a categorizar seus membros, separando-os em indivíduos considerados normais e em indivíduos considerados, por algum motivo, diferentes ou até mesmo inferiores. Assim, o que o grande grupo costuma fazer é eleger um determinado atributo ou uma determinada característica como principal distinção para certas pessoas, tratando-as, a partir daí, como se todos os seus predicados fossem oriundos desse estigma mais evidente. Por consequência, aquele que foi rotulado a partir de uma determinada perspectiva assim será considerado pelo todo, sendo ignoradas suas demais qualidades em detrimento ao estigma a ele conferido64. Conforme Becker65, um dos sociólogos percursores desse pensamento, tal processo de etiquetagem inicia com a publicidade do cometimento de um ato desviante por parte de um indivíduo– que pode ser o cometimento de um delito ou mesmo de um comportamento julgado “anormal” pela sociedade em que se insere –, momento em que passa a ser reconhecido pelos demais como aquele que infringiu determinada norma, carregando consigo um rótulo de marginal. A partir desse descobrimento da conduta delituosa, a sociedade passa a esperar que essa pessoa venha cometer novos delitos, despendendo a ela um tratamento diferenciado. Em resposta a essa reação social decorrente do cometimento do desvio, criam-se importantes consequências que acabam por diminuir a participação social desse indivíduo, bem comoacabam por alterar inclusive a imagem que ele faz de si, ocasionando, então, uma drástica mudança de sua identidade pública. Não obstante expor esse processo de rotulação, Becker salienta que o desvio, além de ser fruto de uma reação social, é um empreendimento, uma vez que, para se cometer um ato desviante, antes disso alguém necessita ter criado uma regra. Observa que as regras são criadas, em geral, por motivações oriundas dos interesses de quem as cria, inclusive no caso dos 64

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação de identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988.p.11-27. 65 BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008.p.42-44.

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“cruzados morais”66, que mesmo visando à criação das normas em prol de um bem comum –o que não necessariamente se traduz em um efetivo bem–, agem em prol de um interesse alheio, porémobjetivando impor valores que são seus.Por conseguinte, as normas são consequências de um processo de interação entre pessoas:aquelas que as criam, em função de seu próprio interesse, e aquelas que são por elas rotuladas67. Assim, o desvio não está nas normas, nas regras ou nas convenções sociais, mas no modo como a sociedade reage quando percebe a realização da conduta desviante, assim classificada pelo grupo dominante que criou a regra que a proíbe. A partir desse momento se vislumbra o surgimento de duas diferentes identidades para aqueles que têm exposto seucomportamento ou alguma peculiaridade que os diferencie dos demais. Tais identidades podem ser definidas como identidade social virtual e identidade social real, sendoaquelauma

projeção

que

a

sociedade

realiza

a

respeito

das

características ou da conduta exercida pelos indivíduos e, esta, as verdadeiras características da pessoa. Após a cisão dessa identidade social, a coletividade passa a considerar o sujeito apenas por conta da identidade virtual gerada, ignorando as suas verdadeiras atribuições68. Desse

modo,

por

mais

que

se

estabeleça

que

determinado

comportamento seja indesejável, se ele não interferir na vida alheia ou não for delatado ou descoberto pelo grupo, não será reprovado. Portanto, os desvios são aquelas condutas elencadas, normalmente pelas camadas superiores da sociedade, com o intuito de inibir comportamentos das camadas inferiores e imunizar os seus, rotulando aqueles que já integram uma estratificação mais baixa de desviantes propriamente ditos ou de potenciais desviantes69.

66

Pessoas que almejam a criação de normas e de regras a fim de proporcionar o bem-estar de pessoas que exercem condutas que os cruzados julgam prejudiciais, tentando, dessa forma, impor seus valores morais por considerar que somente a vida seguida dentro de tais valores é boa. Esse tipo de criador de regra não está preocupado, diretamente, com interesses seus, mas com aquilo que acredita ser bom para os demais. (BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008.p.154-155). 67 BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008.p.168. 68 GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação de identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988.p.12. 69 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.p.95.

31

Como resultado desse processo de estigmatização, além dos rótulos socialmente atribuídos, quando o indivíduo é identificado como infrator as possibilidades legítimas de manter suas rotinas convencionais vão se esgotando, conduzindo o desviante primário a uma carreira criminosapor meio de uma espiral que o leva a cometer novas infrações, pois o cometimento da primeira lhe restringe as chances de manter-se respeitando o regramento imposto. Isso se dá porque a sociedade já não mais o vislumbra como um indivíduo “normal”,e ele próprio já construiu uma perspectiva diversa sobre a sua pessoa. É por todo esse desencadeamento oriundo da descoberta do cometimento da infração que podemos chamar o labelling de teoria da reação social, uma vez que se baseia nos efeitos proporcionados pela resposta social em relação àquele que comete um delito e em relação ao próprio delito. Reforçando a ideia de que o desvio se faz presente apenas pelo estigma dado a indivíduos selecionados pela sociedade, importante se faz ressaltar que, conforme bem salienta Vera Andrade, “a impunidade, e não a criminalização, é a regra no funcionamento do sistema penal”70, uma vez que se estima que apenas 10% das infrações cometidas integram as estatísticas oficiais71, resultando que a maior parte dos delitos não se submete ao controle do Estado. Em consequência dessa cifra oculta da criminalidade, resta nítido que somente sofrem a incidência do sistema penalaqueles que a sociedade assim elege, indo contra a dogmática penal vigente, que tem como escopo a igualdade de tratamento, objetivando sancionar todas as infrações cometidas com a mesma intensidade, conforme sua previsão legal72. Logo, o que se pode perceber é que a criminalidade real é muito maior que a registrada, ou seja, o comportamento desviante é comum a maioria dos indivíduos, não se tratando de uma característica restrita a uma pequena parcela da população. Portanto, o que realmente faz de uma pessoa um delinquente, um infrator ou um desviante é o rótulo a ela atribuído, e não o efetivo cometimento da conduta socialmente reprimida. Sendo assim, o 70

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora Ltda - Livros, 2003.p.51. 71 BARATTA, Alessandro. Direitos Humanos: entre a violência estrutural e a violência penal (1). Fascículos de Ciências Penais, v.6, n.2, p.15-99, abr./jun. 1993, p.49. 72 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: O sistema penal em questão. Rio de Janeiro: Luam, 1993, p.65-66.

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desviante, como leciona Sérgio Salomão Shecaira, “é alguém a quem o rótulo social de criminoso foi aplicado com sucesso”73, e não simplesmente aquele indivíduo que cometeu um ato reprovável. Todo esse processo de seleção, estigmatização e rotulação ocorre na sociedade como um todo, tendo reflexo direto no sistema penal, o qual age de forma a reproduzir o controle informal exercido pela sociedade no controle formal exercido pelo Estado. Assim, o sistema penal passa a incriminar aqueles já rotulados pela sociedade como desviantes ou potenciais desviantes, o que explica vislumbrarmos maior incidência de controle a crimes contra o patrimônio (furtos, roubos, etc) – mesmo sendo menos danosos à sociedade – que a delitos econômicos, desvios dos órgãos estatais, entre outros, habitualmente cometidos por parcelas mais elevadas da população. A partir de tão nítida seleção realizada pelo Direito Penal, evidente fica o fundamento prático das lições do labelling, uma vez que o próprio Estado permeia-se por estereótipos, valendo-se das chamadas “teorias de todos os dias”74 para exercer o seu poder de criminalização e punição àqueles que desrespeitarem as normas impostas. Assim, o sistema penal reproduz as relações de poder e de propriedade existentes na sociedade, servindo como um instrumento de tutela de interesses e direitos particulares, em detrimento da proposta de segurança pública que deveria legitimá-lo75. Nessa senda, ao cometer uma única ofensa criminal descoberta pela sociedade, o indivíduo passa a ser rotulado como criminoso76, transformandose essa identificação desviante em sua identidade dominante. Tal rotulação é associada, de forma muito agravada, àqueles que ingressam no sistema penitenciário, acompanhando-os mesmo depois de cumprida a pena, estigmatização essa que acaba estendendo-se aos filhos de apenadas, que mesmo sem cometer nenhum tipo de delito já recebem a “etiqueta” de 73

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 3. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2011.p.308. As “teorias de todos os dias” são as predisposições dos julgadores, dos legisladores e da sociedade em geral de esperar daqueles que costumam cometer certas condutas que as venham cometer sempre, realizando um pré-julgamento em relação a determinados indivíduos apenas com base em suas posições sociais ou suas características psicológicas ou biológicas. (BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p.176-177). 75 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.p.4953. 76 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 3. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2011.p.311. 74

33

egressos do sistema penal, ou, pelo menos, de descendentes de quem por lá passou.Com isso, a identidade social virtual desses infantes passa a ser de “criminosos” ou “filhos de criminosos”, dominando seus demais predicados, dificultando, desde muito cedo, sua interação social. Dessa rotulação a eles atribuída, surgem os mais diversos efeitos, acomeçar pelo tratamento recebido nos estabelecimentos escolares. Conforme Juarez Cirino dos Santos77, o sistema escolar trata-se do primeiro segmento do aparelho de seleção, discriminação e marginalização da sociedade, o qual reproduz a estrutura social por intermédio de seus métodos de avaliação. Nesse contexto, quando um aluno é oriundo das camadas mais débeis da população, fazendo uso de uma linguagem específica pertinente a tal grupo social, bem como se vestindo e se comportando de maneira diversa daqueles que ocupam estratos superiores, acaba sofrendo discriminações caracterizadas por preconceitos e estereótipos projetados pelos professores e pelos demais alunos. Quando tais pré-conceitos são concretizados, o “mau” aluno passa a ser isolado pelos demais, além de o próprio professor passar a esperar que elecometa mais erros por ser próprio do seu estereótipo78. Da mesma forma que um indivíduo que pratica um ato desviante, o aluno oriundo de camadas sociais mais baixas é estigmatizado como “mau” aluno, tendo suas chances reduzidas pelo desenvolvimento baixo que se espera de seu estrato social. No momento em que um desses alunos, além de ser oriundo de classes inferiores, ainda é também egresso do sistema prisional ou filho de egressos, tal procedimento de etiquetamento é mais severo. A criança, que já possui características de debilidade econômica, passa a carregar uma “bagagem carcerária”, trazendo consigo particularidades que o aprisionamento indevido que sofreu conjuntamente com sua genitora trouxe à sua personalidade. A essa “bagagem”, a sociedade responde com uma parcela maior de segregação, rotulando esse indivíduo como cliente do sistema penal, atribuindo-lhe a mesma carga que despende àqueles que praticaram um delito. 77

SANTOS, Juarez Cirino dos. PREFÁCIO, in:BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal.3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.p.16. 78 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.p.171-175.

34

Assim, desde o convívio escolar, esse infante já está fadado a sofrer os efeitos da reação social ao desvio cometido por sua mãe, enquadrando-se na espiral que, na maioria das vezes, leva esses sujeitos estigmatizados a uma carreira desviante. Dessa institucionalização, depreende-se uma trajetória circular que leva os indivíduos a um retorno forçoso ao sistema penal, uma vez que, não conhecendo essas crianças outra forma de vida se não a da criminalidade, acabam por tornar-se freguesia potencial desse sistema que os “capturou” de forma extensiva desde tão cedo. Estigmatizados como clientes do sistema penal e sem perspectivas maiores, dificilmente conseguirão superar essa primeira

interação

social,

sendo

facilmente

levados

a

repetir

os

comportamentos desviantes realizados pelas detentas, que fromaram a sociedade com a qual tiveram um primeiro contato. Assim sendo, as crianças submetidas ao regramento penal estabelecido para os casos de aprisionamento de mães ou gestantes também passam a submeter-se a todos os efeitos estigmatizantes aqui abordados, sofrendo todo o tipo de segregação naturalmente exercido pela sociedade, em vista a dessa cultura rotuladora predominante nas mais diversas civilizações. Com isso, o encarceramento feminino, em especial no que diz respeito à peculiar condição da maternidade, além de infringir a principiologia penal constitucional, estendendo a pena das mães aos filhos quando “aprisiona” essas crianças, bem como, concede a elas um estigma que as acompanhará, trazendo-lhes as mais diversas restrições no que tange ao convívio social. Nesse contexto, imprescindível se faz observar que,por meio dessa atribuição de etiquetas e de rótulos sociais que todos nós conferimos àqueles os quais julgamos diferentes – em especial àqueles que acabam tendo passagem pelo sistema prisional –, a partir de um pré-julgamento natural que a cultura punitivista faz presente em nosso subconsciente, resultamos como partícipes da construção do sistema penal79. Assim, por mais que o ordenamento venha a prever o mais humano dos tratamentos, enquanto não houver uma mudança cultural em nossas sociedades, o sistema penal continuará sendo apenas uma máquina segregatícia, que acaba atribuindo aos 79

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.p.23.

35

seus clientes um estigma definitivoque os mantém em uma espiral que os leva cada vez mais para a margem da sociedade.

36

3 INFÂNCIA E DESENVOLVIMENTO: UMA LEITURA A PARTIR DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Após discutirmosalguns dos principais problemas do aprisionamento feminino, bem como abordarmos o inadequado tratamento despendido aos filhos

de

apenadas,

passaremos

a

analisar

as

mais

significativas

consequências de tal tratamento ao desenvolvimento desses infantes. O presente capítulo terá como escopo demonstrar, de forma interdisciplinar, os principais efeitos da realização da primeira infância80 dentro de casas prisionais.Quando falamos em interdisciplinaridade, falamos na aproximação das ciências psicológicas com as ciências jurídicas, a partir de uma compreensão – mesmo que não tão aprofundada – da Psicologia do Desenvolvimento e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal interdisciplinaridade é indispensável ao presente trabalho, uma vez que o próprio Direito da Criança e do Adolescente envolve a intervenção de várias matérias para formar a disciplina original. Partindo dessa perspectiva, buscaremos elementos comuns entre diferentes ciências que nos permitam a aproximação de princípios. Por conseguinte, para melhor falarmos de proteção à criança, nos valeremos, especialmente, de noções psicológicas; no entanto, não ignoramos que uma compreensão satisfatória somente se concretizaria por intermédio da análise conjunta de matérias diversas, como a Pedagogia, a Medicina, a Sociologia, entre outras ciências81. Mesmo não realizando uma interdisciplinaridade plena, a partir dos conceitos trazidos tentaremos fazer uma aproximação entre ciências criminológicas anteriormente abordadas e um referencial psicológico – marcado principalmente pela presença da psicanálise e da psicologia do desenvolvimento – considerando, contudo, uma análise que não se reduzirá à simplificação dos vínculos casuais definidos em patologias individuais. Pelo 80

Período compreendido entre o nascimento e o terceiro ano de idade. O recém-nascido é dependente, porém competente. Todos os sentidos funcionam a partir do nascimento, sendo rápidos o crescimento físico e o desenvolvimento das habilidades motoras. (TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2004,p.66-67). 81 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.32-38.

37

contrário, o estudo aqui realizado tentará buscar a interdisciplinaridade dos saberes, tentando traçar um elo entre os conceitos psicanalíticos e a análise criminológica, uma vez que tanto a criminologia crítica quanto a psicanálise buscam uma compreensão crítica do mal-estar contemporâneo82. Ao falarmos sobre ciências psicológicas, restringimo-nos a uma análise superficial das teorias psicanalíticas e desenvolvimentistas. Optamos por adotar essas vertentes tendo em vista que o que se pretende demonstrar com tal exame é a influência do aprisionamento no desenvolvimento humano, em especial no desenvolvimento infantil. Dessa forma, esse viés psicológico nos pareceu o mais pertinente no que tange a possíveis patologias decorrentes de uma institucionalização. O que se pretende não é valer-se de diagnósticos para explicar pessoas ou comportamentos, mas salientar possíveis prejuízos que o aprisionamento causa às crianças, aproximando-se do que pretende a teoria da reação social. Assim, mesmo sendo a psicanálise uma ciência empírica, que se vale majoritariamente de teses oriundas da observação, acreditamos ser possível sua inserção nesta pesquisa, a fim de elucidar pontos críticos do objeto aqui trabalhado. Formalizamos tal ressalva tendo em vista que a criminologia crítica considera as teorias psicanalíticas como teorias que traçam um antagonismo entre indivíduo e sociedade. Desse modo, afasta os resultados psicanalíticos de seus fundamentos, já vez que os considera estruturas conceituais meramente subjetivas e psicológicas quando utilizadas como possível explicação para os fenômenos criminológicos83. Entretanto, a seguir não se tentará explicar tais fenômenos, tampouco os motivos da sua existência, mas demonstrar que a execução penal, quando submetida a crianças, pode acarretar significativos prejuízos, os quais também podem ser exemplificados por meio das patologias e dos distúrbios estudados pela psicanálise. Com isso,buscar-se-á averiguar os possíveis danos que o cárcere pode acarretar à formação dos sistemas psíquico, motor e neurológicode crianças a ele submetidas, demonstrando a ignorância do Direito Penal em relação a 82

CARVALHO, Salo de. Criminologia e psicanálise: possibilidades de aproximação. Revista de Estudos Criminais, Sapucaia do Sul, v.8, n.29 , p.87-94, abr./jun. 2008.p.89 83 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.p.53-55.

38

esses fatores no momento em que, lançando mão do controle por ele exercido, submete crianças a essas situações. Após essa etapa, passaremos a analisar a legislação pertinente, realizando umexame conjunto dos dispositivos referentes à proteção da criança nas mais variadas áreas do ordenamento, salientando, com maior ênfase, o que dispõem o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal. 3.1 DOS ASPECTOS PSICOLÓGICOS Ao se falar em ciências psicológicas, não erramos ao dizer que inúmeras vertentes teóricas atuam nesse campo do saber; no entanto, imperioso se faz ressaltar que, independentemente do referencial teórico a que nos filiemos, é pacífico, nessa área do conhecimento, afirmar que a formação do aparelho psíquico, o qual norteará as estruturas biológica, física e mental dos seres humanos, ocorre, essencialmente, durante os primeiros anos de vida84. Partindo dessas concepções, tentaremos, de modo superficial, apresentar algumas teorias que podem auxiliarna demonstração da maneira como tal formação do aparelho psíquico pode ser prejudicada quando restrita a um ambiente inadequado, como são os ambientes prisionais. Para realizar essa análise faremos uso, principalmente, das teorias do desenvolvimento defendidas por Zimmerman85, Trindade86, Spitz87 eBowlby88, bem como das definições de função paterna trazidas por Ramires89,

84

Nesse sentido, ver: ZIMERMAN, David E. Uma resenha simplificada de como funciona o psiquismo. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p. 113-124; MELLO, Cláudia Berlim de, MIRANDA, Mônica C., MUSZKAT, Mauro. (Org.). Neuropsicologia do Desenvolvimento. 1. ed. São Paulo: Memnon, 2005. 247 p.; TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2004. 309 p.; SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. xix, 390 p.; BOWLBY, John. Apego. 3. ed. São Paulo: M. Fontes, 2002. 493 p.; WINNICOTT, D. W.; SHEPHERD, Ray; JOHNS, Jennifer; ROBINSON, Helen Taylor (Org.). Pensando sobre crianças. Porto Alegre: Artmed, 1997. 292 p. 85 COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p.629. 86 TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2004. 309 p. 87 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. xix, 390 p. 88 BOWLBY, John. Apego. 3. ed. São Paulo: M. Fontes, 2002. 493 p. e BOWLBY, John. Separação: angústia e raiva. 2 ed São Paulo: Martins Fontes, 1999. 451 p. 89 RAMIRES, Vera Regina. O Exercício da Paternidade Hoje. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997. 121 p.

39

Guimarães90 e Groeninga91. Primeiramente, faremos um breve apanhado da leitura de Zimmerman no que diz respeitos às fases do desenvolvimento apresentadas pela psicanálise freudiana.Sobre a percepção de Trindade, abordaremos algumas noções básicas a respeito da formação da psique. A propósito da obra de Spitz, trabalharemos, principalmente, como sua percepção acerca das síndromes desenvolvidas pelas falhas oriundas do comportamento materno no primeiro ano de vida da criança Em relação a Bowlby, trataremos a chamada teoria do apego e a sua repercussão quando ocorre a separação entre mãe e filho. Ao se falar em função paterna, tentaremos elucidar a importância de figuras distintas da mãe no desenvolvimento de bebês, apontando as principais consequências que a ausência dessas figuras pode causar no procedimento de formação da personalidade humana.Salientamos que o exposto aqui não tem o intuito de esgotar o assunto a que se propõe; muito pelo contrário: nas linhas a seguir, pretende-se realizar uma composição simplificada, a fim de apontar, de maneiranão

tão

aprofundada,

possíveis

danos

que

a

extensão

do

aprisionamento materno pode causar aos filhos de internas. Apresentado o referencial utilizado para compor nosso entendimento, iniciaremos por definir as fases ou os estágios do desenvolvimento psíquico. Partindo-se da leitura da obra de Freud realizada por Zimmerman92 podemos descrever a formação do aparelho psíquico humanopor meio da chamada “Equação Etiológica” (ou “série complementar”), aqual consiste em delimitar três fatores que essencialmente formarão o psiquismo: os “heredoconstitucionais”, as antigas experiências emocionais e as experiências traumáticas da vida adulta. 90

GUIMARÃES, Ana Cristina Silveira; GUIMARÃES, Merilene Silveira. Guarda – Um Olhar Interdisciplinar sobre Casos Judiciais Complexos.In:COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p.421-439. 91 GROENINGA, Giselle Câmara. Os Direitos da Personalidade e o Direito a ter uma Personalidade. In:COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p. 50-76. 92 O autor também traz as concepções de ID, EGO e SUPEREGO concebidas por Freud; no entanto, consideramos mais didática a composição a partir da “equação etiológica”apresentada. Por esse motivo, nos valemos dela a fim de definir a formação do aparelho psíquico neste momento do trabalho. (ZIMERMAN, David E. Uma resenha simplificada de como funciona o psiquismo. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010,p.113- 114).

40

Nessa concepção, o psiquismo seria constituído de “pulsões”inatas do Ser,

que

consistem

nosfatores

“heredo-constitucionais”

das

primeiras

experiências emocionais, oriundas, principalmente, do trato com os pais durante os primeiros meses de vida e das experiências traumáticas que consistem nas influências causadas pelo meio ambiente que circunda a criança e o adulto, com todas as respectivas implicações sócio-cultural-políticoeconômicas.Dentro desses fatores evidenciados, o autor salienta que,por conta de o bebê nascer em um estado de completa dependência, dispondo de uma prolongada deficiência de maturação neurológica e motora, nesse período os cuidados dos pais serão a única fonte de suprimento das suas necessidades, sendo o primeiro e mais relevante fator de desenvolvimento psíquico da criança93. Em relação à presença dos pais e à sua relevância na formação do Ser, o autor também ressalta o fenômeno da “transgeracionalidade”,o qual consiste nos padrões de identificação que a criança cria, desde o seu nascimento, e que resultarão nos modelos de repetição por ela adotados durante toda a vida adulta. Com fulcro nesse modelo de desenvolvimento, podemos destacar duas situações importantes. A primeira delas é que,durante os primeiros anos da vida,ocorrerá a maturação das funções motoras e neurológicas nos seres humanos, devendo ter suas necessidades primordiais adequadamente supridas (alimentação, cuidado, afeto, etc.), a fim de que possam desenvolver plenamente as referidas funções94.A segunda situação relevante consiste nos modelos de identificação projetados, ou seja, as crianças, durante sua primeira etapa de desenvolvimento, formularão, em seu inconsciente, modelos de relações sociais e integrações que se formam conforme o trato com pais, irmãos, avós e todos aqueles que participam no processo de suprimento de suas primeiras necessidades. Dessa maneira, quando submetidas ao ambiente prisional, as crianças perdem o contato com os demais entes da família, tendo todas as suas necessidades providas exclusivamente pela figura da mãe, não

93

ZIMERMAN, David E. Uma resenha simplificada de como funciona o psiquismo. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010,p.113-120. 94 ZIMERMAN, David E. Uma resenha simplificada de como funciona o psiquismo. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p.116.

41

conseguindo

criar

em

seu

aparelho

psíquico

relações

sociais

mais

95

complexas . Ao contrário de Zimmerman, que nitidamente se filia ao modelo psicanalítico freudiano, Trindade traz diversas teorias para tentar expor uma abordagem mais ampla em relação a conceitos psicológicos. Defineo desenvolvimento humano como o conjunto biopsicossocial dinâmico resultante da soma de fatores hereditários e vivenciais. Assim, além de trazer percepções freudianas, faz menção ao modelo comportamental de Pavlov, que define o funcionamento da mente humana por meio de estímulos, ou seja, para essa concepção, o comportamento pode ser moldadoa partir de esforços repetitivos.Também

menciona

Maslow,

quando

define

que

nenhum

comportamento humano é gratuito, sendo cada atitude uma resposta à busca de satisfação de alguma necessidade96. Após fazer um pequeno aparato entre algumas das mais importantes teorias psicológicas, o autor retorna ao modelo freudiano, trazendo algumas características das principais fases do desenvolvimento, a saber: fase oral, fase anal e fase fálica97.Para não nos afastarmos demasiadamente do cerne desta pesquisa, nos deteremos à chamada fase oral, compreendida pelo primeiro ano de vida da criança. Trata-se de um período em que os estímulos estão diretamente ligados à boca, em especial ao ato de mamar, o qual supre as necessidades primordiais do bebê. Nessa fase, a mãe é considerada a principal fonte de prazer da criança. Por isso, será a partir dessa figura que a concepção de mundo se fará presente no psiquismo em formação e norteará as atitudes básicas da pessoa pelo resto da vida98, ainda mais em um ambiente prisional, no qual a mãe despende mais tempo com a criança; tal ambiente acaba sendo, não apenas psiquicamente, 95

ZIMERMAN, David E. Normalidade e patologia na dinâmica psicológica de grupos e instituições. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p.137-138. 96 TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2004.p.60-61. 97 O desenvolvimento psicossexual de Freud também conta com a fase da latência, que engloba a idade entre 5 e 12 anos, em média, e a fase genital, que inicia, aproximadamente aos 13 anos, perdurando até a idade adulta. Optamos por salientar somente as fases iniciais do desenvolvimento, por terem maior contato com o tema ora abordado. (TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2004.p.62-63). 98 TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2004.p.74-75.

42

mas faticamente, o universo do bebê.Portanto, como veremos a respeito da obra de Spitz, nesse período o bem-estar da mãe se refletirá no bem-estar da criança, o que fica evidentemente prejudicado no âmbito institucional. Assim, sob a ótica das teorias explicitadas pelo autor, a formação psíquica resta prejudicada quando realizada em um ambiente desfavorável, seja pela falta de recursos materiais a bem de reforçar os estímulos, seja pela condição desfavorável em que se encontra a mãe. Nesse sentido, Trindade alerta que a atmosfera social e psicológica a qual rodeia a criança terá influência direta no seu comportamento posterior. Logo, se o ambiente é violento, inadequado ou conta com poucos recursos– como costumam ser as penitenciárias –, a criança tende a ter um desenvolvimento incompleto, podendo resultar em dificuldades,principalmente na fase escolar99. Especificando mais detalhadamente o desenvolvimento psíquico, faremos uso da análise de Spitz, em sua obra O primeiro ano de vida, na qual o autor parte de uma concepção freudianapara desenvolver sua teoria sobre os períodos do processo de formação do aparelho psíquico em crianças, ressaltando a importância dos primeiros doze meses subsequentes ao nascimento. Partindo doentendimento freudiano de que o recém-nascido possui um organismo psicologicamente indiferenciado, contando apenas com um equipamento congênito e certas tendências, sem a presença de consciência,

percepção,

sensação

e

todos

os

outros

processos

psicológicos100,ele passa a demonstrar a importância do relacionamento mãe e filho no desenvolvimento de tais processos. O autor adverte que o primeiro ano consiste no período mais plástico do desenvolvimento humano, durante o qual se aprenderá, em um espaço muito curto de tempo, uma quantidade imensurável de habilidades, deforma que jamais ocorrerá novamente durante o resto da vida. Ressalta, também, que nessa etapa o bebê não conta com uma estrutura psíquica bem estabelecida e bem diferenciada101; assim, nesse primeiro e tão importante período, a mãe será o parceiro humano do filho que mediará sua percepção e seu conhecimento. 99

TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2004.p.69. 100 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.4. 101 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, passim.

43

Dessemodo, o que se observa é que o bebê não é comparável ao adulto, portanto, em decorrência de sua peculiar condição de formação psíquica. Modificações no ambiente, que para o adulto são pouco importantes, podem exercer sérias influências na personalidade do bebê, inclusive podendo vir a ocasionar patologias. O desenvolvimento humano, durante a primeira infância, passa pelos chamados estágios críticos, que consistem em momentos de transição, no qual a criança passa de um estágio do desenvolvimento para outro. Quando alterações significativas ocorrem durante esses estágios, o bebê encontra um empecilho para progredir para o estágio seguinte, registrando um trauma na formação de seu aparelho psíquico102. Podemos

exemplificar a

ocorrênciadesses

estágios

críticos

nos

períodoscompreendidos ao completar-se três meses de vida, quando o bebê começa a constituir o que Spitz chama de ego rudimentar103;aos seis meses, quando passa a identificar sua figura de apego; e, aos doze meses, quando define, decisivamente, seu objeto libidinal104. Assim, qualquer mudança no estado habitual do bebê que ocorra durante as fases apontadas poderá ocasionar-lhe um desenvolvimento inapropriado. Salientamos esses momentos uma vez que, tanto nos seis como nos dozes meses de idade, em decorrência do aprisionamento, esses bebês acabam sofrendo drásticas mudanças em seus padrões ambientais, bem como se afastam da figura materna, a qual constituía seu referencial de apego.Tais mudanças ocorrem porque, como vimos anteriormente, essas são as idades determinadas pela regulamentação atual para o afastamento do bebê da mãe, com o seu direcionamento para a família que irá substituí-la. Por consequência dessa situação, esses bebês restam vulneráveis ao trauma mencionado pelo autor, já que encontram um forte empecilho para prosseguir o seu normal

102

SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.117118. 103 O autor define como ego rudimentar a organização primária da personalidade, que inicia um processo formativo por meio de estímulos externos. (SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.121). 104 Ressalva-se que as idades aqui apresentadas tratam-se de um referencial aproximado, extraído das pesquisas realizas por Spitz, podendo variar de criança para criança. Salientamos também que parte da pesquisa realizada por Spitz foi efetivada na “creche” de uma instituição penal, o que aproxima seu trabalho ao objeto de pesquisa aqui abordado. (SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004,passim).

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desenvolvimento em decorrência da mudança de lar e da perda do referencial de apego105. No que tange às mudanças ocorridas pelo afastamento da criança, é importante salientar que, durante os primeiros meses de vida, o ser humano cria uma díade com a figura materna, ao passo que passa a identificar nela o suprimento de todas as suas necessidades.Dessa forma, cria-se o que o autor chama de estágio de simbiose106, que se manterá até aproximadamente os três meses de vida.Assim, o relacionamento que percebemos nos ambientes prisionais estende o estágio de simbiose, já que a mãe acaba sendo o universo do filho por muito mais tempo do que o considerado normal, pois, na rotina institucional, passa um período muito mais longo com o bebê do que passaria se estivesse em casa. Vislumbramos essa acentuação da díade em decorrência de que, nas “creches” prisionais, as mães cuidam de seus filhos em tempo integral, não dividindo essa tarefa com outras pessoas, como pais, babás e parentes, o que costuma ocorrer na vida extramuros107.Com isso, pode-se observar mais um momento de fragilidade na construção do estado psíquico, uma vez que, na formação da personalidade, tanto excessos como insuficiências podem ocasionar distúrbios. No caso da extensão do período de simbiose, temos um excesso de universalização da mãe108, o que, provavelmente, ocasionará um retrocesso no desenvolvimento das relações sociais do filho109. Importante também ressaltar que “a atitude emocional da mãe e seus afetos servirão para orientar os afetos do bebê e conferir qualidade de vida à experiência do bebê”110, por isso tão significativo esse relacionamento e tão importante que a mãe encontre-se em condições psicológicas adequadas, a fim de não transferir ao filho os seus transtornos. No caso das penitenciárias, muitas vezes as mães são portadoras de uma série de distúrbios, dos quais

105

SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 116120. 106 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.11. 107 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.276. 108 Entende-se como universalização da figura materna a situação em que o bebê compreende o mundo e a si mesmo a partir da pessoa da mãe. (SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.87). 109 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.100. 110 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.100.

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podemos destacar o estado depressivo como um comum exemplo111. Nessas situações, poderão os distúrbios da personalidade da mãe refletir-se em perturbações na criança, atuando como um agente provocador da doença, como uma toxina psicológica112. Entre as situações patológicas possíveis, decorrentes de distúrbios da personalidade

materna,

salientaremos

algumas

mais

corriqueiras

nos

ambientes institucionais. Para tanto, iniciaremos pelo comportamento de balanço113,o qual conforme Spitz, mostra-se comum nos berçários penais em decorrência de que nesses ambientes os bebês acabam se tornando a principal válvula de escape para as emoções instáveis de suas mães, ficando expostos, alternadamente, a explosões intensas de carinho e a explosões igualmente intensas de hostilidade, comportamento dúbio e irregular que, quando adotado pela mãe, tende a originar essa patologia. Outra patologia identificada nas crianças presentes no ambiente institucional é a coprofagia114, distúrbio que é raramente observado em crianças não submetidas ao cárcere115. Essa prática é relacionada ao estado psicótico da mãe, o que, na pesquisa de Spitz, foi demonstrado pela condição depressiva. Assim, no primeiro ano de vida, a coprofragia é covariante da

111

No ano de 2007, 48,7% da população carcerária da penitenciária feminina Madre Pelletier apresentava sintomas depressivos. (CANAZARO, Daniela; ARGIMON, Irani Iracema de Lima. Características,sintomas depressivos e fatores associados em mulheres encarceradas no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 26, n. 7, jul. 2010. Disponível em: Acesso em: 07 out. 2012). 112 A própria perfeição de uma relação entre dois seres tão intimamente sintonizados um com outro – e unidos por tantas coisas tangíveis e intangíveis – acarreta a possibilidade de sérios distúrbios, caso haja uma quebra de sintonia. Eles nem precisam estar em desarmonia um com o outro. É suficiente que um dos parceiros da díade – e na maioria das vezes será a mãe – esteja em desarmonia com seu ambiente. Sua influência modeladora torna inevitável que seu próprio desacordo se reflita no desenvolvimento da criança, e se reflita como se fosse um espelho amplificador. Portanto, os distúrbios em relação entre mãe e filho nos fornecerão muitas informações a respeito da patologia e de sua etiologia, bem como a respeito do desenvolvimento normal. (SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.209-211). 113 Distúrbio de motilidade, muito comum em bebês. (SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 245). 114 A coprofagia é uma tendência patológica para comer excrementos. (COPROFAGIA In.: FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, E. Marques. Dicionário Brasileiro Globo. 43. ed. São Paulo: Globo, 1996.p.181). 115 O autor deixa claro que, no total de 366 crianças observadas, somente naquelas presentes em instituições penais o comportamento coprofágico foi identificado, resultando na presença de 16 casos. (SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 252).

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depressão materna116.Tanto a coprofagiaquanto o comportamento de balanço são patologias psicóticas, ou seja, que derivam da personalidade da mãe. Contudo, também podemos observar em bebês algumas patologias afetivas, as quais derivam da ausência da mãe. Entre essas, salientamos a depressão anaclítica e o hospitalismo, que consistem em estados depressivos apresentados em crianças que foram afastadas de suas mães durante o primeiro ano de vida117. Em relação a essa separação da figura materna, quando decorrente de uma situação prisional, acaba tornando-se mais intensa, uma vez que, como dito anteriormente, na rotina institucional a mãe passa mais tempo com o filho, sendo essa separação muito mais difícil e dolorosa, o que, provavelmente, potencializa o surgimento de tal estado depressivo nessas crianças118. A consequência mais preocupante do aparecimento de distúrbios como os aqui exemplificados é o surgimento de cicatrizes na estrutura e no funcionamento psíquico, as quais serão levadas durante toda a extensão da vida, gerando uma predisposição ao desenvolvimento subsequente de patologias119. Assim, o relacionamento com a mãe, bem como suas condições de sanidade e equilíbrio devem ser preservados a fim de proteger o desenvolvimento do bebê, o que não ocorre nas instituições penais. Como visto no primeiro capítulo deste trabalho, mulheres, quando aprisionadas, passam por diversas situações de privação, o que, na maioria das vezes, resulta em um significativo abalo psicológico. Desse modo, quando essas mulheres possuem filhos, transferem essas fragilidades a eles, deixando-os expostos às situações aqui descritas. Encerrada a análise da teoria de Spitz, passaremos a observar a concepção de Bowlby. No entanto, por já termos abordado o referencial freudiano tanto de Zimmerman como de Spitz, não o repetiremos nesse momento, uma vez que as teorias do desenvolvimento consideradas pelos três autores têm base freudiana, e, por isso, aproximam-se em demasia. Nas linhas 116

SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 267. A sintomatologia das crianças separadas de suas mães é extraordinariamente similar aos sintomas que conhecemos da depressão em adultos. Além disso, na etiologia do distúrbio, destaca-se a perda do objeto de amor tanto no adulto como na criança, de forma que se é levado a considerá-la fator determinante. (SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.279). 118 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004,p.272-276. 119 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 300. 117

47

a seguir, tentaremos demonstrar como a figura de apego – em especial a que consiste na pessoa da mãe –, quando afastada do filho durante a formação de sua personalidade, pode acarretar-lhe sérios prejuízos. Bolwby, distanciando-se daquilo que Freud definia como impulso primário120, o qual regeria a ligação entre mãe e filho, apresenta aquilo que denomina comportamento de apego, salientando que ele é tão instintivo quanto o suprimento das necessidades básicas, podendo ser observado, inclusive, em animais. O autor define esse comportamento como o desejo recíproco entre mãe e filho de manterem-se próximos um do outro: a primeira visando ao cuidado da prole, e o segundobuscando proteção e aconchego121. Os comportamentos de apego se referem-se a um conjunto de condutas realizadas pelo bebê que tendem a repetir-se com maior regularidade ao passar dos primeiros meses de vida. Tais condutas demonstram o estabelecimento de uma proximidade com a pessoa que lhe despende um maior número de cuidados, o que, no ambiente prisional, se vislumbra exclusivamente na mãe. As ações mais comuns em que podemos observar esse comportamento são o choro, o contato visual, a ação de agarrar-se ou de aconchegar-se e o próprio ato de sorrir122. Bowlby relaciona esse comportamento de apego com o desenvolvimento da personalidade humana, defendendo que a experiência de uma criança que conta com uma mãe estimulante e que lhe dá apoio refletirá em um modelo favorável para formação de futuros relacionamentos123. Em contraponto a isso, uma criança que se vê afastada dessa figura de apegopode desenvolver estados de angústia e de depressão, assim como condições psicopáticas que se manifestarão na vida adulta124.A falta de um referencial de apego seguro durante a infância, além dos reflexos na vida adulta, também causa reações significativas no período em que ocorre. Em sequência à separação, podemos salientar três estágios do trauma causado: protesto intenso, desespero e desapego. 120

Entende-se como impulso primário o anseio da presença materna para o suprimento de necessidades a partir da descarga de tensões. (BOWLBY, John. Apego. 3. ed. São Paulo: M. Fontes, 2002,p.22). 121 BOWLBY, John. Apego. 3. ed. São Paulo: M. Fontes, 2002, p. 21-26. 122 BOWLBY, John. Apego. 3. ed. São Paulo: M. Fontes, 2002, p. 248. 123 BOWLBY, John. Apego. 3. ed. São Paulo: M. Fontes, 2002, p. 469. 124 BOWLBY, John. Separação: angústia e raiva. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.5.

48

O estágio do protesto caracteriza-se pelos instantes imediatos após a separação, durando em torno de dois a três dias, fase em que a criança chora, agita-se e procura os pais, mostrando-se inconsolável. Em seguida, surge o desespero, que se caracteriza pela recusa a alimentar-se, vestir-se ou comunicar-se, assemelhando-se a um estado de luto. Por fim, inicia-se o que Bowlby chamou de desapego, estágio em que a criança passa a aceitar novos cuidadores, por vezes passando a rejeitar a figura materna originária, gritando e chorando quando se depara com ela125. Por conseguinte, o que vislumbramos nas penitenciárias femininas é uma retirada brusca do referencial de apego durante o primeiro ano de vida, período de intensa formação psíquica, conforme já abordado. Assim, é interrompido o comportamento de apego, desencadeando nessas crianças os três estágios da separação acima descritos. Daremos especial destaque à figura do desapego, uma vez que esse estágio afeta tanto mãe quanto filho. Quando a pena restritiva de liberdade acaba com um relacionamento praticamente bilateral, no qual a criança tem apenas um referencial de apego – sua mãe –, certamente a constituição de um novo comportamento com um substituto será mais lenta e dolorosa. Além disso, ao constituir-se a nova figura de apego, as probabilidades de essa criança rejeitar a figura anterior são grandes. Assim, além de o bebê passar por um trauma que restará registrado em seu aparelho psíquico, a mãe ainda perde o afeto do filho, passando a ser um objeto de raiva ou de desconsideração para a criança. Afastando-nos, temporariamente, das consequências na formação da personalidade infantil, faz-se imperioso destacar que, em decorrência desse estágio de desapego, vislumbra-se mais uma intensificação de sofrimento à pena aplicada a mulheres que possuem ou geram filhos no cárcere. Além de sofrerem com a separação dos filhos, após cumprida a pena, dificilmente restituirão a relação que tinham com eles. Assim, acabam perdendo, definitivamente, a condição de mães, operando como figura secundária na criação dos seus próprios filhos. Após esse breve adendo, retornamos às consequências psicológicas impostas aos filhos de apenadas.Indo além do relacionamento mãe-filho, 125

BOWLBY, John. Separação: angústia e raiva. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.240-246.

49

passaremos a abordar a importância da presença de outras figuras na formação do aparelho psíquico humano, em especial a figura paterna. Partindose de uma concepção mais ampla das figuras que compõem a psiquehumana, iniciaremos pela função da família como um todo. Essa estrutura, seja qual for sua composição (pais, avós, irmãos, etc.), tem significativa relevância para a constituição dos vínculos afetivos, tão necessários, inclusive, para a própria sobrevivência

de

recém-nascidos,

bem

como

para

a

formação

da

126

personalidade

.

Cada ente que mantém contato com a criança durante sua formação será um exemplo, mais ou menos significativo, das identificações que ela fará para desenvolver e formar seu modelo próprio. Assim, quanto menor o contato com esses entes, menos modelos de identificação terá essa criança, não desenvolvendo plenamente suas potencialidades. Além disso, é no seio da família que serão aprendidos os valores e as capacidades intelectuais e emocionais do Ser, uma vez que a personalidade “desenvolve-se sobre uma base corporal e apoia-se nas relações com os cuidadores”127. Nesse sentido, importante salientar o conceito de parentalidade, que consiste em um conjunto de atribuições de papéis que se compõe, essencialmente, de duas funções-chave que irão estruturar o psiquismo: a função materna e a função paterna. A função materna como sendo a capacidade de poder reconhecer, acolher, conter, decodificar, nomear as necessidades tanto físicas quanto emocionais da criança. A função paterna como sendo a capacidade de poder interditar, dar limites a uma relação mais próxima com a figura de apego, usualmente a mãe, mas não 128 necessariamente, instituindo limites, a lei, o simbólico .

Dessa maneira, no ambiente prisional, a função paterna não tem correspondência, o que poderá ocasionar transtornos emocionais, já que não 126

GROENINGA, Giselle Câmara. Os Direitos da Personalidade e o Direito a ter uma Personalidade. In:COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p.64. 127 GROENINGA, Giselle Câmara. Os Direitos da Personalidade e o Direito a ter uma Personalidade. In:COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p.71. 128 GUIMARÃES, Ana Cristina Silveira; GUIMARÃES, Merilene Silveira. Guarda – Um Olhar Interdisciplinar sobre Casos Judiciais Complexos. In:COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p.421-439.

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há uma ruptura da simbiose materna, bem como não existe uma figura externa à díadeque simbolize os limites no psiquismo da criança. Essa falta de ruptura da simbiose pode, inclusive, acarretar o surgimento de psicoses, bem como dificultar o processo de individualização da criança129. O pai opera tanto como apoio emocional à mãequanto como a figura que sustenta a lei e a ordem na concepção do filho, podendo essa figura ser exercida pelo pai biológico ou por um substituto que represente um terceiro na relação mãe-filho. Isso não ocorre durante o cumprimento das medidas restritivas de liberdade, uma vez que, nessas situações, somente a mãe exerce a função de cuidadora. Além disso, é impossível que a mãesatisfaça, sozinha e integralmente, as necessidades dos filhos, o que faz com que a disponibilidade de outras pessoas torne-se significante como escolha e complemento que permite à criança aflorar todo o seu potencial130. Consequentemente, essa primeira etapa da vida vivenciada em uma condição de isolamento social, na qual esses bebês possuem muito pouco ou nenhum contato com outros familiares que não sejam a mãe, não lhes possibilita uma integração de seu casal parental, instituto da vida psíquica que lhes permitirá desenvolver as capacidades de amar, de criar e de pensar131. Portanto, a ausência de figuras normais à vida em liberdade é mais uma debilidade que causa diversos prejuízos aos filhos de apenadas. Além de todas as possíveis lesões apontadas pela psicanálise, o desenvolvimento restrito ao cárcere também interfere no desenvolvimento neuropsicológico dessas crianças. A neuropsicologia trata da relação entre cognição, comportamento e atividade do sistema nervoso, ou seja, trata do desenvolvimento das áreas do cérebro que serão responsáveis pelas mais importantes funções do corpo humano, como a linguagem e a motricidade, por exemplo132.

129

RAMIRES, Vera Regina. O Exercício da Paternidade Hoje. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997, p.62. 130 RAMIRES, Vera Regina. O Exercício da Paternidade Hoje. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997, passim. 131 RAMIRES, Vera Regina. O Exercício da Paternidade Hoje. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997, p.69. 132 CIASCA, Sylvia Maria;GUIMARÃES, Inês Elcione; TABAQUIM, Maria de Lourdes M. Neuropsicologia do Desenvolvimento: Aspectos Teóricos e Clínicos. MELLO, Cláudia Berlim de, MIRANDA, Mônica C., MUSZKAT, Mauro. (Org.). Neuropsicologia do Desenvolvimento. 1. ed. São Paulo: Memnon, 2005, p.14.

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Com base nos estudos neuropsíquicos, podemos afirmar que cada zona do cérebro, que é responsável por determinada função, se desenvolve em um estágio específico da vida. Assim como na psicanálise, a maior parte do neurodesenvolvimento ocorre durante a infância133; portanto, é durante essa etapa que prepararemos nosso cérebro para executar as funções que precisaremos durante toda a vida adulta.Tal desenvolvimento se dá por meio da “troca e comunicação intensa entre o organismo e meio ambiente no qual este mesmo organismo vive e para o qual se direciona”134. São os estímulos que o ambiente proporciona à criança que ativarão as áreas do cérebro para que elas possam se desenvolver plenamente. Desse modo,

quanto

mais

estimulada

a

criançafor,

melhor

será

o

seu

desenvolvimento neuropsíquico. No entanto, nas creches prisionais,os estímulos são muito limitados, uma vez que as crianças contam com pouco espaço para explorar o ambiente, não podendo, muitas vezes, nem mesmo engatinhar. Assim, ao contrário de uma criança que se encontra em liberdade, a qual tem contato com diversos brinquedos e ambientes distintos, uma criança que se desenvolve em uma penitenciária não recebe estímulos diversos, ficando sujeita a um desenvolvimento cerebral mais lento que o normal. Isso ocorre porque as mudanças anatômicas e bioquímicas do cérebro estão intimamente ligadas aos diferentes padrões de conexões entre os neurônios, as quais ocorrem conforme as variações dos estímulos135. Logo, tanto a partir de uma perspectiva psicanalíticaquanto por meio de um

entendimento

neuropsicológico,

os

filhos

de

apenadas

têm

um

desenvolvimento prejudicado se comparados a crianças criadas em liberdade. Convivem em um ambiente violento – tendo como modelos de identificação pessoas que, em sua maioria, encontram-se depressivas –, perdem o contato

133

CIASCA, Sylvia Maria; GUIMARÃES, Inês Elcione; TABAQUIM, Maria de Lourdes M. Neuropsicologia do Desenvolvimento: Aspectos Teóricos e Clínicos. In:MELLO, Cláudia Berlim de, MIRANDA, Mônica C., MUSZKAT, Mauro. (Org.). Neuropsicologia do Desenvolvimento. 1. ed. São Paulo: Memnon, 2005, p.16. 134 MUSZKAT, Mauro. Desenvolvimento e Neuroplasticidade. In:MELLO, Cláudia Berlim de, MIRANDA, Mônica C., MUSZKAT, Mauro. (Org.). Neuropsicologia do Desenvolvimento. 1. ed. São Paulo: Memnon, 2005, p.28. 135 MUSZKAT, Mauro. Desenvolvimento e Neuroplasticidade. In:MELLO, Cláudia Berlim de, MIRANDA, Mônica C., MUSZKAT, Mauro. (Org.). Neuropsicologia do Desenvolvimento. 1. ed. São Paulo: Memnon, 2005, p.30.

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com seu referencial de apego e não têm proximidade com a família durante a primeira etapa da vida. 3.2 DA PROTEÇÃO INTEGRAL Na seção anterior verificamos que, durante a infância, as crianças moldam sua personalidade e enfrentam um processo de desenvolvimento que lhes concede uma peculiar condição de seres humanos em formação, nos mais variados sentidos. Tendo em vista essa vulnerabilidade decorrente do processo de maturação que os infantes vivenciam, tem-se hoje instituído um sistema especial de proteção à criança, o qual tem como principal finalidade concederlhes prioridade absoluta no ordenamento, criando uma situação de igualdade não apenas formal, mas também material, no que diz respeito a crianças quando comparadas a adultos136. Essa tentativa de efetivar-se uma igualdade real é dada da forma definida por Bobbio como “processo de especificação do genérico”137;assim, quando recebem tratamento diferenciado por sua condição peculiar, se igualam aos demais por serem desigualmente tratadas. A formação de tal proteção tem origem no contexto histórico de desconsideração pelo qual os infantes, em geral, passaram desde as sociedades mais remotas até os dias de hoje.Na Grécia Antiga, o jovem era considerado um projeto de guerreiro que, ao mesmo tempo em que se preparava para a vida adulta, servia como meio de satisfação dos desejos mais sórdidos

de

seu

mestre.

Durante

a

Idade

Média,

a

infância

fora

desconsiderada, sendo as crianças tratadas ou criadas pelos empregados até que se encontrassem aptos ao casamento, quando seriam objeto de dotes. A situação se modificou durante a Idade Moderna, momento em que a criança passou a ocupar o papel central nas famílias; no entanto, com o advento da Idade Contemporânea, passaram a ser alvo da exploração industrial, servindo como mão de obra barata nas fábricas138.

136

DUPRET, Cristiane. Curso de direito da criança e do adolescente. Belo Horizonte: Ius, 2010.p.29. 137 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.p.35. 138 RODRIGUES, Walkiria Machado; VERONESE, Josiane Rose Petry. Papel da criança e do adolescente no contexto social: uma reflexão necessária. Sequência, Florianópolis, UFSC n.34, jul./1997, p.28-34.

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Frente a esse contexto, com origem no Direito Internacional, os Direitos das Crianças e dos Adolescentes foram consolidando-se no cenário mundial. Podemos destacar como principal marco dessa positivação a Convenção Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente de 1959, a qual foi ratificada pelo Brasil em 1990. Tal convenção solidificou os princípios da Prioridade Absoluta, do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, bem como consagrou a Doutrina da Proteção Integral139, diretrizes fundamentais para

o

tratamento

diferenciado

aplicado

a

infantes.Dessa

maneira,

necessáriose faz tecermos algumas – mesmo que breves – importantes considerações a respeito de tais diretrizes. A prioridade absoluta introduzida pela Convenção de 1959trata-se de norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, que preconiza garantir a entrega de políticas públicas básicas, de maneira preferencial, a crianças e a adolescentes140. Ou seja, institui aos governantes que, antes de obras de concreto, as quais ficam para demonstrar o seu poder, devem ser mobilizados recursos para a criação de creches, escolas, postos de saúde e demais meios de atendimento que venhamsuprir as necessidades primordiais de crianças, uma vez que a vida, o lar e a prevenção de doenças são mais importantes que a pavimentação de estradas, por exemplo141. Sobre o Maior/Melhor142 Interesse da Criança e do Adolescente, pode-se entendê-lo como o princípio que eleva os interesses das crianças a uma condição de superioridade em relação a quaisquer outros interesses, quando confrontados. Tal princípio tem força constitucional e, quando comparado a outros, deve se sobrepor, tratando-se, assim, de uma das bases do Direito da Criança e do Adolescente. Tem origem no Direito Privado, em especial nas ações de separação, nas quais a guarda do filho deveria ser concedida àquele que tivesse melhores condições de criá-lo, não somenteeconômica, mas 139

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.passim. 140 GONÇALVES, Maria Dinair Acosta. Proteção Integral: Paradigma multidisciplinar do direitos pós-moderno. Porto Alegre: Alcance, 2003.p.29. 141 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.p.45. 142 Aqui utilizamos duas expressões para definir o princípio: maior e melhor interesse. Agimos dessa forma uma vez que, na versão original da Convenção da ONU, temos um conceito qualitativo, the best interest; no entanto, na versão brasileira, temos um conceito quantitativo, interesse maior da criança. (PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.46).

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também psicologicamente143.Todavia, salientamos que o Maior Interesse presente no ordenamento pátrio deve ser aplicado aos casos de conflito de interesses, sem dar margem a um retrocesso à Doutrina Menorista, na qual era aplicado como fundamento para a institucionalização de menores considerados em situação irregular144. A Doutrina da Proteção Integral toma o lugar da Doutrina da Situação Irregular, colocando crianças e adolescentes na posição de sujeitos de direitos, reconhecendo uma cidadania infantojuvenil145. Essa posição surge como direito fundamental de crianças e adolescentes, em harmonia axiológica com o valor da dignidade da pessoa humana, sendo concebida proteção especial em decorrência da especificidade de seres humanos ainda em desenvolvimento físico, psíquico e emocional.Com isso, a Proteção Integral tenta resguardar a vulnerabilidade presente em crianças e adolescentes, a fim de que possam construir suas potencialidades humanas em sua plenitude146. Podemos dizer que essa importante doutrina, que constitui a essência do Estatuto da Criança e do Adolescente, está ancorada na tríade liberdade, respeito e dignidade147, a qual garante a esses seres em peculiar situação de desenvolvimento o gozo de todos os direitos fundamentais resguardados aos adultos, bem como aqueles inerentes à sua singular condição.Nesse sentido, Afonso Konzen já esclarece que o ordenamento jurídico brasileiro, ao positivar tal proteção, estabeleceu um cenário principiológico afirmativo da condição de crianças e adolescentes como sujeitos, sujeitos de direitos, sujeitos com direitos especiais na condição peculiar de pessoas em 148 desenvolvimento e sujeitos de direito com prioridade absoluta . 143

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.42-43. 144 DUPRET, Cristiane. Curso de direito da criança e do adolescente. Belo Horizonte: Ius, 2010.p.30. 145 VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da criança e do adolescente comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Conceito, 2011.p.33. 146 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003.p.105. 147 Nesse sentido: PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.137; VERONESE, Josiane Rose Petry. Sistema de justiça da infância e da juventude: construindo a cidadania e não a punição. Sequência, Florianópolis, Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC n.50, jul. 2005, p.111. 148 KONZEN, Afonso Armando. Pertinência socioeducativa: reflexões sobre a natureza jurídica das medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora Ltda. ., 2005.p.15.

55

Ao internalizar esse sistema protetivo, o Brasil também aderiu à ampla responsabilização da manutenção dos Direitos da Criança e do Adolescente, definindo, como norma constitucional, a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado para a promoção do seu desenvolvimento integral. Dessa forma, cada qual deverá desempenhar o seu papel a fim de assegurar a efetividade e o respeito aos Direitos da Criança e do Adolescente149, fazendo com que produzam “essencialmente obrigações de natureza comissiva, e não meramente omissiva”150. Em decorrência desse sistema diferenciado de asseguração de direitos, visando preservar o melhor desenvolvimento psíquico, motor e social das crianças, foi estabelecido o direito à convivência familiar e comunitária151, uma vez que é na família que nos estruturamos “como sujeitos e é nela que encontramos algum amparo para o nosso desamparo estrutural”152. Assim, o Estatuto, com o advento da Lei nº 12.010 de 2009, ressalta a importância da vida em família como ambiente natural para o desenvolvimento de crianças e adolescentes153. O convívio familiar, além de propiciar o ambiente natural para a formação do indivíduo, proporciona um maior cuidado para com a criança, gerado pelo conjunto de entes que compõem a célula familiar. Somente a partir desse cuidado, que se concretiza por meio do amor, é que o ser adquire plena consciência de sua vida, do seu papel no planeta, na sociedade e na família154. Por esses motivos, podemos dizer que o cuidado é a base dos direitos fundamentais da criança e do adolescente e que é na família que esse cuidado se desenvolve de forma plena. 149

VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da criança e do adolescente comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Conceito, 2011.p.34. 150 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003.p.136. 151 Tal direito está previsto no âmbito constitucional, nos artigos 226, 227 e 228 da Carta Magna, bem como na legislação estatutária, nos artigos 4º e 19, do Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outros que tendem a preservar o convívio familiar, determinando-o como medida preferencial. 152 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família, direitos humanos, psicanálise e inclusão social. In:GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003.p.157. 153 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.273. 154 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.74.

56

Essa

convivência

familiar

e

comunitária

é

munida

de

essencialidade,tendo em vista que a família é oalicerce da sociedade, local em que a criança receberá a primeira educação, formando seu caráter e sua personalidade155. É na família que se constrói a realidade a partir da história compartilhada de seus membros e das trocas afetivas que irão definir o modo de agir e de se relacionar de cada um dos seus integrantes, principalmente de sujeitos em desenvolvimento, como crianças156. Por toda essa significância que a entidade familiar carrega, está elencada como Direito Fundamental e também foi trazida pela Convenção Universal de Direitos da Criança, tratando-se do mais importante direito de personalidade: o direito a ter uma personalidade sadia e desenvolvida em todas as suas potencialidades157. No entanto, ressalvamos que a proteção à formação da personalidade da criança não pode ser considerada apenas ummeio de se atingir a personalidade adulta. A vida humana tem dignidade em si mesma158, devendo assim ser considerada. A criança não se trata de um projeto, ou de um empreendimento, mas de um sujeito que deve ter seus direitos garantidos. Assim, esses direitos devem ser validados, para que possam servir como fundamento do desenvolvimento pessoal dessas crianças159. Quando crianças – sujeitos de direito com prioridade absoluta – são submetidas ao ambiente prisional, temos um desrespeito a Doutrina de Proteção aqui abordada. Em um primeiro momento, visualizamos a falta de políticas públicas que garantam a integridade e a dignidade dos filhos de apenadas, o que pode ser claramente vislumbrado na falta de berçários ou de creches dentro das penitenciárias, bem como na sua falta de manutenção. O estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, conta com apenas dois

155

VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da criança e do adolescente comentado: doutrina e jurisprudência . São Paulo: Conceito, 2011.p.34. 156 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.278-279. 157 GONÇALVES, Maria Dinair Acosta. Proteção Integral: Paradigma multidisciplar do direitos pós-moderno. Porto Alegre: Alcance, 2003.p.103. 158 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003.p.118. 159 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.21.

57

berçários160, um na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, na Capital, e outro na cidade de Guaíba, região metropolitana, o que deixa o interior do Estado desamparado. Além de contarem com poucas vagas distribuídas de maneira aleatória, os berçários mencionados tratam-se de galeria dentro das instituições prisionais e sofrem com a mesma falta de investimento estrutural a que se submete todo o sistema carcerário no Brasil, privando as crianças de condições mínimas de higiene e saúde, tanto pela falta de atendimento médico quanto em decorrência das estruturas úmidas e mal ventiladas. Além disso, o ambiente não é propício ao desenvolvimento das funções motoras das crianças, uma vez que possui piso irregular que não conta com nenhuma forma de assepsia. Além do desrespeito à prioridade absoluta,dado pela falta de investimento, o “aprisionamento” infantil vai contra o que dispõe o Princípio do Melhor Interesse. Ao optar pelo aprisionamento dessas mães, o Estado não considera a situação de seus filhos, colocando a pena acima do interesse do infante, articulando sua administração de forma a não entregar a essas crianças os direitos fundamentais específicos contidos no artigo 227 da Constituição Federal. Assim, o Estado não opta pela situação mais favorável às crianças, o que deveria fazer em toda e qualquer circunstância e não apenas apenas em casos limites e emergenciais, como vem fazendo161. Ademais, o parágrafo único do artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente não é exaustivo ao elencar os casos em que deve prevalecer a garantia de prioridade absoluta162. Com isso, parece-nos que, quando confrontado um interesse incerto de segurança pública – do qual demanda a pena restritiva de liberdade – com o direito a um sadio desenvolvimento de uma criança, erra o Estado ao dar prioridade à punição, infringindo o disposto 160

BRASIL. Ministério Da Justiça. Relatórios Estatísticos - Analíticos do sistema prisional de cada Estado da Federação. Estatística gerada pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias - InfoPen (versão dez 2011). Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2012. 161 VERONESE, Josiane Rose Petry. Sistema de justiça da infância e da juventude: construindo a cidadania e não a punição. Sequência, Florianópolis, Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC n.50, jul. 2005, p.107. 162 VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da criança e do adolescente comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Conceito, 2011.p.35.

58

no artigo acima referido. Nesse contexto, deveria a Administração priorizar pelo convívio familiar, investindo em políticas que atendessem os interesses da criança, antes de suprir as necessidades de um sistema penal que, de forma notória, encontra-se falido. Além da falta de investimento e da desconsideração do interesse das crianças, o Estado torna-se negligente quando,por meio de sua intervenção, priva os filhos das apenadas da satisfação dos cuidados básicos de higiene, alimentação, afeto e saúde163. Essa negligência estatal ocorre uma vez que, dentro dos estabelecimentos prisionais, o que podemos vislumbrar é uma forte carência de recursos e um afastamento familiar, o que expõe essas crianças a um ambiente violento e não propício ao um desenvolvimento pleno, indo contra o regramento constitucional. Não apenas a escassez de recursos e aexposição ao ambiente prisional; os filhos das apenadas sofrem pela privação da convivência familiar, já explicada anteriormente como direito fundamental. Nesse ponto, esses infantes perdem seu principal fator socializador, o contato com outros entes familiares que não a mãe; assim, a vida institucionalizada lhes impede de criar uma identidade social, o que se constitui no seio da família164. Além disso, a história já nos demonstrou que a personalidade humana não se desenvolve, nas suas potencialidades mínimas e básicas, nas instituições totais, basicamente porque a criança não cresce sadiamente sem a constituição de um vínculo afetivo estreito e verdadeiro com um 165 adulto, o que é impossível de se dar em tais instituições .

As

consequências

do

desrespeito

à

condição

especial

de

desenvolvimento de que gozam essas crianças ultrapassa a esfera dos direitos individuais, atingindo, mais que uma coletividade (a população infantil), a

163

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.65. 164 Nesse sentido: VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da criança e do adolescente comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Conceito, 2011.p.69 e PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p.51. 165 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003.p.154.

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totalidade da sociedade, arrentando a infringência de direitos difusos166. Esse caráter difuso se dá uma vez que,além da vulnerabilidade intrínseca presente em crianças, não se pode ignorar o aspecto da utilidade social que a sua proteção carrega, tendo em vista que a infância e a juventude representam uma força potencial para toda a nação167. Mesmo estando o Brasil munido de avançada legislação no que tange às garantias de crianças e adolescentes, pouco se faz nessa seara, pois, como bem salienta Veronese, “[...] não basta a lei. Ela por si só é incapaz de demolir concepções pré-estabelecidas”168. Dizemos isso tendo em vista que, como já abordado no capítulo anterior, a parcela da população que se submete ao sistema carcerário retrata as camadas sociais mais débeis; assim, excluir aqueles que não interessam à sociedade de consumo, mesmo que crianças, é cômodo e pertinente a uma sociedade que não tem lugar para aqueles que não estão aptos a ocupar a posição de sujeitos, sujeitos de consumo169. Essas crianças acabam se tornando, portanto, alvo das formas de violência que a legislação pretende extinguir, pois como bem preconiza o art. 5º do Estatuto, a criança deveria ser protegida de qualquer forma de abuso que possa ser realizado pela família, pela sociedade e inclusive pelo Estado170. Isoladas da família e da comunidade, com recursos escassos, tanto para alimentação e vestuárioquanto em relação à atenção pedagógica e médica, resta caracterizada uma nítida agressão a esses infantes, pois passam a carecer da devida atenção merecida, incidindo o Estado nas condutas proibidas pelo legislador171. Tanto a Constituição como o Estatuto preconizam a proteção a toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e 166

VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da criança e do adolescente comentado: doutrina e jurisprudência .São Paulo: Conceito, 2011.p.18. 167 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003.p.134-135. 168 VERONESE, Josiane Rose Petry. Sistema de justiça da infância e da juventude: construindo a cidadania e não a punição. Sequência, Florianópolis, Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC n.50, jul. 2005, p.104. 169 ROSA, Alexandre. Aplicando o ECA: felicidade e perversão sem limites. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Revista dos Tribunais; IBCCRIM v.14, n.58, jan./fev. 2006.p.18-22. 170 VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da criança e do adolescente comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Conceito, 2011.p.36. 171 RODRIGUES, Walkiria Machado; VERONESE, Josiane Rose Petry. Papel da criança e do adolescente no contexto social: uma reflexão necessária. Sequência, Florianópolis, UFSC n.34, jul./1997, p.42.

60

opressão dirigida a crianças. Contudo, o que ocorre na situação da aplicação de medida restritiva de liberdade a mães e gestantes é uma discriminação evidente às crianças oriundas de camadas inferiores, uma vez que são elas quem

se

submetem

ao

tratamento

inadequado

despendido

pelas

penitenciárias.O resultado dessa discriminação é que, mesmo contando com avançada legislação, ainda agimos de modo muito semelhante ao que se percebia nas práticas oriundas da Doutrina da Situação Irregular, na qual se fazia nítida distinção entre dois grupos de crianças e adolescentes: aqueles que dispunham de condições materiais e aqueles menos favorecidos de riquezas172. Os maiores prejudicados com a atual situação da maternidade durante o cumprimento de pena restritiva de liberdade consistem em crianças, indivíduos que, como já vimos, gozam de proteção privilegiada em nosso ordenamento, tendo em vista a sua vulnerabilidade e o fato de ser nessa fase da formação que o ser humano molda sua estrutura psíquica, molde que irá nortear as decisões que tomará durante toda a sua vida173. Por conseguinte, somente estará amplamente resguardada a dignidade prevista no art. 227, caput da Constituição quando os desenvolvimentos físico, cognitivo e psicossocial dessas crianças estiverem preservados e não submetidos a um ambiente repreensor e isolado como o dos estabelecimentos prisionais.

172

MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003.p.147. 173 PEREIRA, Tânia da Silva. O Princípio do “melhor interesse da criança” no âmbito das relações familiares. In: GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p.207-217.

61

4 PESQUISA DE CAMPO A fim de se averiguar a situação específica da maternidade no âmbito da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, localizada na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, realizamos pesquisa de campo voltada à Unidade materno infantil de tal estabelecimento. Estamos falando de espaço destinado à acomodação de gestantes e de apenadas que possuem filhos concebidos no cárcere, atualmente com no máximo um ano de idade. Tal espaço consiste em galeria específica que, ao contrário das demais, não conta com celas, mas alojamentos nos quais as mães ficam em tempo integral junto aos filhos, prestando todos os cuidados de que eles necessitam. Ao contrário do que disciplina a Resolução nº3/2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP174, o período de permanência de dois anos dos bebês junto às mães não é atendido pela penitenciária, por falta de acomodações suficientes para atender as crianças por um período tão extenso. Dessa forma,apenas permanecem na unidade criançascom até seis meses de idade, podendo a mãe optar por ficar com o bebê até um ano, desde que aceite a sua transferência para a penitenciária de Guaíba/RS. Somente permanecem no Madre Pelletier as crianças com mais de seis meses que tenham alguma complicação médica que necessite de tratamento específico, realizável apenas em Porto Alegre/RS. Nesses casos, o período máximo de permanência passa para um ano. Também em cumprimento à referida resolução, a equipe técnica providencia a adaptação das crianças às famílias que irão recebê-las ao término

do

prazo

de

permanência

na

unidade,

realizando

visitas

supervisionadas e possibilitando a saída de tais crianças para estimular o convívio com os novos cuidadores. Esses familiares normalmente são indicados pela apenada, indicação que dá início ao trabalho social e psicológico de adaptação e integração da criança à família, de acordo com os assistentes sociais. 174

CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA – CNPCP. Resolução n. 3/2009, publicada no Diário Oficial da União no dia 16/7/2009, na Seção 1, p.34-35. Disponível em: . Acesso em: 11 nov.2012.

62

Quando a apenada não possui familiares aptos a permanecerem com a criança, seguindo-se a ordem definida no Estatuto da Criança e do Adolescente – que privilegia a família natural como prioridade para o crescimento de crianças, sendo seguida da família extensa e, somente na falta destas, a direção à família substituta ou a instituições de acolhimento –, o serviço social busca na rede pública lar que possa abrigar o bebê durante o cumprimento de pena da mãe. Conforme informações prestadas pela assistente social da unidade, na maioria dos casos se consegue direcionar as crianças a algum familiar ou amigo da apenada, sendo exceção os casos de institucionalização dos bebês. Ao programarmos a pesquisa, obtivemos a informação de que a Unidade Materno Infantil da penitenciária teria capacidade para abrigar 23 crianças e, à época (02 de maio de 2012), contava com o número de 16 (dezesseis)175, situação que se manteve durante a pesquisa. Desses dados, extrai-se que aproximadamente 5,65% das apenadas mantêm os filhos abrigados no regime fechado, considerando-se que a penitenciária conta hoje com o número de 283 detentas176.Tais dados têm finalidade meramente ilustrativa, com o intuito de demonstrar o campo de abrangência de nossa pesquisa. Por considerarmos esse número significativo, e por entendermos que a pena restritiva de liberdade trata-se de medida extrema que não cumpre nenhuma função positiva, nem mesmo àqueles a quem é aplicada, entendemos que tal situação é extremamente danosa a essas crianças. Com base nisso e no pouco interesse da sociedade, da Academia e do Estado quanto ao problema aqui evidenciado, surgiu-nos a motivação para elaborar este trabalho, que além de findar o curso de Direito tem como objetivo deixar em evidência o que não se faz questão de enxergar: crianças pobres e filhas de apenadas. 175

Dados obtidos por intermédio de correio eletrônico, informados pela psicóloga responsável pela Unidade Materno-Infantil, a partir de autorização da Diretora Administrativa da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, Sra. Claudia Renata Lau Conte, por meio do seguinte endereço de e-mail: [email protected]. CONTE, Claudia Renata Lau. Trabalho de Conclusão de Curso. Mensagem recebida por em 02 mai. 2012. 176 BRASIL. Superintendência de Serviços Penitenciários (SUSEPE). Relatórios Estatísticos Analíticos do sistema prisional de cada Estado da Federação. Estatística gerada pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias - InfoPen (versão mar. 2012). Disponível em: . Acesso em: 07 mai. 2012.

63

4.1 DA METODOLOGIA DE PESQUISA A presente pesquisa deu-se entre os dias 10 e 20 de julho de 2012, realizando-se por meio de entrevistas com as detentas alojadas na unidade e com as funcionárias que exerciam suas funções nesse local, bem como foi realizada análise (parcialmente) etnográfica das rotinas e do ambiente. Foram entrevistadas três gestantes, nove mães, a agente penitenciária responsável pela Unidade Materno Infantil, a psicóloga e a assistente social da unidade. A íntegra das entrevistas faz parte deste trabalho, constando como apêndica. A pesquisa foi realizada de forma qualitativa, a partir de amostragem, abrangendo um pequeno grupo de atores, a fim de que, por meio de suas falas e rotinas, pudéssemos trabalhar com seus valores, hábitos, suas crenças, representações, atitudes e opiniões. Tal método foi eleito porque “os resultados de uma pesquisa em ciências sociais constituem-se sempre numa aproximação da realidade social, que não pode ser reduzida a nenhum dado de pesquisa”177. Dessemodo, o que se pretende aqui é contextualizar o referencial teórico à vivência prática por intermédio da análise da subjetividade dos depoimentos, bem como das situações observadas. Assim, imperioso definirmos o conceito de pesquisa qualitativa por nós adotado. Conforme a leitura de Minayo178, a abordagem qualitativa tem como objetivo aproximar sujeito e objeto, aprofundando a “complexidade de fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos mais ou menos

delimitados

em

extensão

e

capazes

de

serem

abrangidos

179

intensamente”

.Com isso, o que se pretende é, a partir das falas mais

significativas, exemplificar situações peculiares que marcam sujeitos e rotinas na Unidade Materno Infantil, a fim de criar um comparativo entre a doutrina 177

GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In:MINAYO, Maria Cecilia de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.p.77. 178 MINAYO, Maria Cecilia de S. SANCHES, Odécio. Quantitativo-Qualitativo: Oposição ou Complementaridade? Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, v.9, n.3, p.239-262, jul/set, 1993.Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2012.p.244. 179 MINAYO, Maria Cecilia de S. SANCHES, Odécio. Quantitativo-Qualitativo: Oposição ou Complementaridade? Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, v.9, n.3, p.239-262, jul/set, 1993.Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2012.p.247.

64

utilizada para consubstanciar nosso conhecimento e o que se passa na Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Para a obtenção dos dados,utilizamos entrevistas semiestruturadasa partir de um roteiro prévio que, apesar de preestabelecido, dava espaço para o debate do tema. Por meio das entrevistas, também tentamos averiguar o que Otávio Cruz Neto180 chama de experiências de vida tópica, por tentarmos extrair relatos de momentos ou de etapas significativas da vida dos atores que pudessem ter relevância ao assunto em deslinde.Também nos valemos da observação participante181, pois, durante os dez dias de trabalho de campo, vivenciamos a rotina da unidade, acompanhando as detentas em suas habituais atividades. Tivemos a oportunidade de observar a lavagem das roupas, a confecção de trabalhos manuais, o cuidado para com os bebês, a ida às aulas, etc., sempre participando e conversando com as presas que realizavam tais tarefas. O primeiro contato com a administração da penitenciária foi feito porcorreio eletrônico, pelo qual se obteve autorização para a realização do trabalho mediante envio do Projeto e de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Desde a primeira visita, todos os funcionários foram atenciosos, demonstrando interesse em contribuir, deixando-nos à vontade para realizar a pesquisa da forma que considerássemos mais adequada. A seleção das apenadas que seriam entrevistas foi realizada a partir de indicação da assistente social, na tentativa de que se pudessem ser analisados casos distintos uns dos outros, podendo-se extrair dados tanto de gestantesquanto de mães, bem como de presas com condenações definitivas e provisórias.Também se possibilitou conversar com apenadas que tivessem, além dos filhos alojados na unidade, filhos fora dali. Todas as entrevistadas participaram voluntariamente da pesquisa, recebendo cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e assinando a via pertencente à pesquisadora. Também se garantiu às participantes o sigilo quanto à

180

NETO, Otávio Cruz. O Trabalho de Campo como Descoberta e Criação. In:MINAYO, Maria Cecilia de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.p.57. 181 NETO, Otávio Cruz. O Trabalho de Campo como Descoberta e Criação. In:MINAYO, Maria Cecilia de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.p.59.

65

divulgação de seus nomes, visando de se preservar sua identidade.Assim, adotamos números como padrão para a identificação das entrevistadas. Após definidas as participantes, reunimo-nos em uma sala – chamada sala de lazer –, na qual explicamos a todas como ocorreria a pesquisa e a salientamos a importância da sua participação. Logo em seguida, fomos apresentados ao andar térreo da galeria que abriga a “creche” (denominação utilizada pelas detentas e funcionárias para se referirem à Unidade Materno Infantil), momento em que pudemos constatar a precariedade do prédio, a qual detalharemos com maior consistência no decorrer da próxima seção deste capítulo. As entrevistas iniciaram naquele mesmo dia, levando em torno de uma hora para cada entrevistada, motivo pelo qual se estenderam durante dez dias, já que a visita à casa penitenciária ocorria apenas no turno da tarde, no qual a rotina institucional deixava maior lapso temporal para a realização da pesquisa. Foram realizados os questionamentos de modo individual, em sala isolada dos demais ambientes do estabelecimento, estando nela presentes apenas a pesquisadora e a entrevistada. Utilizamos entrevista no sentido referido por Minayo: “conversa a dois, feita por iniciativa do entrevistador, destinada a fornecer informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador) em temas igualmente pertinentes com vistas a esse objetivo182”. Conforme mencionado anteriormente, foi elaborado roteiro prévio, que serviu como direção aos questionamentos.Todavia, salienta-se que, mesmo realizando os questionamentos predeterminados, a pesquisadora deixava que as entrevistadas fizessem as colocações que julgassem pertinentes. A pesquisa foi pensada dessa forma para que se obtivesse certa simetria entre as abordagens, aplicando-se sempre as mesmas questões a fim de se obter respostas diversas, conforme a percepção específica de cada sujeito. O questionário aplicado tratava-se apenas de um roteiro, não tendo, em momento algum, o escopo de avaliar dados quantitativos, mas de obter as informações necessárias para consubstanciar a pesquisa.

182

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: HUCITEC, 2010, p.11.

66

Tal instrumento foi elaborado conforme a ideia de Pedro Demo183, o qual leciona que esse roteiro comum é essencial para que se possam analisar universos disparatados. Assim, sem a pretensão de realizar-se a “soma” das informações,

o

roteiro

intensidades

para

que

estruturado a

teve

pesquisa

como finalidade potencializar

qualitativa

pudesse

generalizar

intensivamenteem vez de generalizar extensivamente, como a pesquisa quantitativa costuma fazer. Por conseguinte, as entrevistas realizadas podem ser consideradas entrevistas orientadas por roteiro comum, nas quais a entrevistadora, além de questionar, observou e participou ativamente da conversa a fim de sentir a subjetividade e fazer aparecer a emoção. As entrevistas foram realizadas de acordo com as diretivas da administração, ou seja, em função das apenadas previamente selecionadas e alocadas pela direção para esse fim. As perguntas formalizadas tinham como objetivo averiguar as características individuais das presas, a qualidade e a periodicidade da prestação de atendimento médico na unidade, a frequência do recebimento de visitas externas, os motivos e os tipos de condenação, os aspectos psicológicos das apenadas e das crianças, além das condições estruturais da “creche”. O instrumento estava estruturado da seguinte forma: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): 3. Idade: 4. Naturalidade: 5. Estado civil: ( ) casada ( ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 6. Cor: ( ) branca ( ) negra ( ) parda 7. Escolaridade: 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade: ( ) mercado informal Atividade: ( ) nenhuma 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( ) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de 5 salários 10. Possuía residência fixa? ( ) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 12. Recebe visitas? ( ) sim ( ) não 13. Frequência: 14. Quem costuma vir? 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( ) não 183

DEMO, Pedro. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000.p.156.

67

16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( ) sim ( ) não Se sim, qual? Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? 18. Motivo da condenação: 19. Pena total: 20. Pena cumprida: 21. Teme ser discriminada quando sair? ( ) sim ( ) não 22. Frequenta o serviço médico? ( ) sim ( ) não 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( ) sim ( ) não 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? ( ) sim ( ) não Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? ( ) sim ( ) não 25. Possui filhos? ( ) sim ( ) não 26. Número de filhos: 27. Idade dos filhos: 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( ) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim ( ) não Têm contato com outros membros da família? ( ) sim ( ) não 30. Frequência com que vê os filhos: 31. Você acha que o atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? 34. Qual procedimento você julga adequado ser tomado em relação aos filhos das apenadas? 35. Se não estão na Unidade Materno Infantil, com quem estão os filhos? 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? 37. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse:

Outro roteiro foi aplicado aos funcionários entrevistados, contando com perguntas diferentes das acima referenciadas, mas aproximando-se do objetivo do primeiro questionário. As entrevistas com o corpo funcional foram realizadas da mesma maneira que aquelas feitas com as detentas. Fizemos os questionamentos em sala isolada, na presença apenas da pesquisadora e do entrevistado, valendo-se dos métodos de pesquisa já expostos. Tais questionamentos estavam estruturados do seguinte modo: 1. Nome: 2. Idade: 3. Estado Civil: ( ) casada ( ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 4. Escolaridade: 5. Cargo/Função: 6. Há quanto tempo trabalha na penitenciária? 7. Já trabalhou em outros estabelecimentos prisionais?

68

( ) sim ( ) não 8. Há quanto tempo trabalha na Unidade Materno Infantil? 9. Quais são os dias e horários em que as apenadas recebem visitas externas? 10. A penitenciária possui local próprio para a realização de visita íntima? ( ) sim ( ) não 11. Se sim, as visitas íntimas ocorrem com frequência? 12. O quadro operacional, que tem contato direto com as apenadas, é composto apenas por mulheres? ( ) sim ( ) não 13. A penitenciária oferece opções de trabalho para as detentas? ( ) sim ( ) não Se sim, quais? 14. A penitenciária oferece serviço médico para as apenadas? ( ) sim ( ) não 15. A penitenciária oferece atendimento ginecológico ou obstétrico para as apenadas? ( ) sim ( ) não 16. Qual a percentagem de apenas que possuem filhos? 17. A penitenciária oferece acompanhamento pré-natal no caso de as apenadas estarem grávidas? ( ) sim ( ) não 18. A penitenciária possui local apropriado para abrigar os filhos das apenadas? ( ) sim ( ) não 19. Quantas crianças comporta a Unidade Materno Infantil? 20. Qual idade e período permitidos de permanência das crianças na unidade? 21. As crianças presentes na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( ) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim ( ) não Têm contato com outros membros da família? ( ) sim ( ) não 22. Existe algum programa pedagógico executado com as crianças da unidade? 23. As crianças possuem brinquedos ou horário específico para recreação? 24. Quando encerrado o período de permanência na unidade, qual o procedimento tomado em relação a essas crianças? 25. Quais são os critérios para a alocação das crianças na unidade? 26. Quando no período da amamentação, como se dá o aleitamento materno? 27. Com que frequência as mães podem permanecer com os filhos alocados na unidade? O contato se dá diariamente? Em que horários? 28. Quem é responsável pelos cuidados dessas crianças? 29. Como costuma ser a rotina diária da Unidade Materno Infantil? 30. Quais as principais características das crianças presentes na Unidade Materno Infantil? São alegres? ( ) sim ( ) não Possuem desenvolvimento motor dentro da normalidade? ( ) sim ( ) não Possuem boas condições de saúde? ( ) sim ( ) não Possuem peso e tamanho adequados à sua idade?

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( ) sim ( ) não 31. O que você salientaria como maiores dificuldades encontradas pela Unidade Materno Infantil? 32. Você acha que o atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? 33. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? 34. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? 35. Qual procedimento você julga adequado ser tomado em relação aos filhos das apenadas? 36. Quando questionada se queria registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse:

Os questionamentos elaborados foram aplicados na íntegra a todos os participantes, sendo realizadas todas as questões. Apenas na entrevista efetuada com a psicóloga não se pôde aplicar o questionário por completo, tendo em vista a falta de tempo para fazê-lo. Nesse caso, aplicamos o instrumento voltado aos funcionários apenas até a questão de número 25, não sendo respondidas as questões de número 26 a 31 e a questão de número 35, retomando os questionamentos nas questões 32, 33, 34 e 36. Por consequência de não termos aplicado um roteiro fechado e por nos permitirmos um contato mais estreito com os sujeitos objeto desta pesquisa, obtivemos

muitas

informações

para

além

do

esperado.

Entre

cada

questionamento realizado, e durante os momentos de aguardo entre uma entrevista e outra – tempo em que aproveitamos para interagir com as demais detentas

–,

obtivemos

muitas

informações

inesperadas.

Enquanto

acompanhávamos agentes e presas pelos corredores da unidade, muitos dados foram coletados, o que sem dúvida auxiliou na formação da análise adiante trabalhada. Ao

optarmos

por

uma

metodologia

qualitativa,

ressalvamos

a

importância de que nossas observações de campo sejam conhecidas em conjunto ao referencial teórico do qual nos valemos. Firmamos tal ressalva uma vez que, durante o desenvolver do trabalho, não tivemos a pretensão de nos despir de nossos valores e concepções, pois, como bem lembra Salo de Carvalho [...]as ciências sociais foram exitosas em evidenciar as ilusões e os efeitos perversos decorrentes das pretensões de neutralidade. Além disso, as ciências sociais demonstraram à exaustão a impossibilidade

70

de o investigador despir-se dos seus juízos prévios de valor e realizar 184 uma análise asséptica do objeto de investigação .

Portanto, a pesquisa que aqui se apresenta traz os dados do campo e a subjetividade dos depoimentos, além de demonstrar a percepção do pesquisador frente aos fenômenos observados. É dessa forma que, sem se desvincular de nossas concepções, deve ser entendido o presente trabalho. Em relação à análise e à compreensão dos dados coletados, nos valemos de uma metodologia predominantemente interpretativa, baseada em uma análise descritiva dos depoimentos. Ou seja, as conclusões da pesquisa foram divididas em interpretação e descrição dos relatos, depoimentos e observações e aproximação (ou não) com o referencial teórico. Na primeira etapa da análise, tentamos explorar o conjunto de opiniões e de representações sociais investigadasa partir do estudo das similaridades e das diferenças entre as perspectivas coletadas. Na segunda etapa, realizamos uma reflexão entre os dados coletados e o estudo teórico, com o objetivo de responder aos problemas de pesquisa inicialmente formulados. Fizemos isso por intermédioda transcrição de algumas falas associadas à nossa percepção a respeito da realidade analisada. Conforme Gomes185, esse tipo de análise mescla a metodologia descritiva com a interpretativa, tornando-as etapas não sequenciais para as conclusões finais. Elegemos tal técnica a fim de buscar, além dos depoimentos, os sentidos das falas e das ações, almejando uma compreensão maior do conteúdo analisado. 4.2 DO CAMPO: ENTREVISTAS E RELATOS Após expormos muito brevemente a metodologia utilizada para a realização do estudo de campo, passaremos a relatar o observado. No primeiro dia de trabalho, ao conhecermos o andar térreo da unidade, pudemos averiguar a presença de diversos vidros quebrados, situação que resulta emum

184

CARVALHO, Salo de. Como (não) se faz um trabalho de conclusão: provocações úteis para orientadores e estudantes de direito (especialmente das ciências criminais). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.p.127. 185 GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In:MINAYO, Maria Cecilia de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 30. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.p.80.

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ambiente frio e úmido. Além das péssimas condições das vidraças, a construção possui arquitetura antiga, edificada para abrigar um convento, sendo, dessemodo, muito alta, o que propicia corrente de vento, deixando o local ainda mais gelado. O chão de concreto,já deteriorado pelo tempo, apresenta muitas rachaduras e um aspecto de sujo, impressão que se tem, principalmente, por se tratar de alvenaria muito antiga, que poucas vezes se sujeitou a reformas. Fria, úmida, suja e com piso irregular é a área de convivência, nada propícia para crianças, que sequer podem engatinhar nesse espaço. Existem grades que delimitam o ambiente da unidade, o que ressalta a ideia de encarceramento. O pouco mobiliário presente é muito antigo, não havendo lugar próprio para o armazenamento de materiais como leite em pó, cigarros, fraldas e chupetas, os quais dividem espaço em caixas alocadas no sofá da sala da assistente social. Esse andar térreo é composto por: um banheiro; uma sala dedicada ao atendimento psicossocial; uma sala para atendimento pediátrico; um amplo espaço destinado à feitura das refeições; uma sala com televisão e alguns livros, chamada de sala de lazer; uma sala específica para a administração; uma pequena “lavanderia”, com uma máquina de lavar roupas e um tanque; um espaço não coberto destinado ao “banho de sol” e à secagem de roupas. A entrada na unidade se dá através de uma pequena porta gradeada, para a qual se tem acesso por meio de um pátionão muito utilizado. Do corredor central, pode-se avistar uma escada com dois lances de degraus, dando acesso ao segundo andar, local em que se encontram os alojamentos. Nessa primeira visita,apenas conhecemos o andar térreo ora descrito. Somente no último dia de nosso trabalho fomos apresentados aos demais ambientas que compõem a unidade. Acompanhados da agente que coordena os serviços na “creche”, subimos os dois lances de escadas edeparamo-nos com os quartos – alojamentos divididos conforme a idade dos bebês, nos quais as apenadas e as crianças passam a maior parte do tempo. Os alojamentos são compostos por camas e colchões, e cada “família” guarda seus pertences,tentando criar uma atmosfera que lembra um quarto infantil. O que mais se pode observar nesses locais é a presença de muitas roupinhas dobradas pelos cantos ealguns (poucos)brinquedos.

72

Outro local ao qual fomos apresentados é a sala de brinquedos, espaço patrocinado pelos cursos de Pedagogia e Letras do Centro Universitário Ritter dos Reis. Tal sala é composta por vários brinquedos, desenhos, várias almofadas e fotos dos bebês. Nesse local, os estagiários dos mencionados cursos realizam um trabalho voluntário de estimulação dos bebês, o que ocorre apenas duas vezes por semana. A sala é utilizada apenas nesses dias, logo os bebês somente engatinham e brincam quando os estagiários estão presentes. As mães e os bebês passam o dia inteiro juntos, boa parte dele nos quartos, descendo apenas para o banho, a lavagem de roupas e a feitura das refeições. Quando uma mãe precisa ir à enfermaria, ou a qualquer outro local da penitenciária que não seja a Unidade Materno Infantil, tem de deixar o bebê com outra detenta, o que nem sempre é fácil, uma vez que nem todas possuem relações de amizade.Do mesmo modo ocorre para a realização de visita íntima: a presa somente pode usufruir desse recurso se seu companheiro vier acompanhado de outro familiar que possa ficar com a criança durante a visita. Entre as entrevistadas, observamos que a maioria é muito jovem, situando-se na faixa etária compreendida entre os 22 e os32 anos, apesar de contarmos com uma participante de 19 e outra de 42 anos; no entanto, são as únicas que destoam da faixa etária destacada. Apenas uma era oficialmente casada, enquanto as demais oscilavam entre convivência marital e solteiras. Somente três das 12 participantes percebiam renda igual ou superior a um salário-mínimo mensal, sendo que o restante, em sua maioria, sequer possuía fonte de renda. Apesar de a pesquisa não ter se valido de um referencial quantitativo, por meio dessa singela amostragem dos dados pudemos observar que, entre o grupo composto por 16 mulheres alojadas na Unidade Materno Infantil, a maior parcela pertencia a extratos sociais inferiores, não possuindo renda significativa que lhes proporcionasse condições de sustento. Desse modo, mesmo dentro do microcosmo analisado, podemos observar a nítida seleção realizada pelo Direito Penal, que elege como seus clientes aqueles já estigmatizados pela sociedade186.

186

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.p.176-177.

73

Em relação à seletividade do sistema, julgamos importante salientar queonze

das

doze

entrevistadas

estavampresas

em

decorrência

de

envolvimento com tráfico de drogas,e a única que foi processada por outro crime (roubo) alegou já ter passado pelo sistema em resposta a uma acusação relativa a tráfico de entorpecentes. A maior parte delas alega ter se envolvido com esse tipo de prática para prover o sustento da família. Assim, com o intuito de aproximar os dados apontados no primeiro capítulo deste trabalho das informações específicas obtidas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, passaremos a analisar alguns diálogos que julgamos mais expressivos a fim de averiguar a realidade local comparada à realidade apontada pelos demais pesquisadores, os quais foram fonte do referencial teórico aqui utilizado. Os depoimentos ora destacados vieram fazer parte de nosso texto por demonstrarem, de forma mais clara, divergências ou convergências com o mencionado referencial. Assim, elegemos as falas que nos pareceram mais marcantes e que melhor compilavam as ideias compreendidas nas respostas obtidas como um todo. No entanto, esclarecemos que esse foi um critério adotado em decorrência da nossa percepção; destarte, a íntegra dos depoimentos encontra-se disponível nosApêndices A e B, deste trabalho. Em relação ao envolvimento com o tráfico, anteriormente relatado, ressaltamos o seguinte diálogo, o qualdemonstraa associação dessa prática ao sustento e àmantença das famílias: Pesquisadora: Motivo da condenação: Mãe 9: Tráfico, no sistema. Eu caí de gaiato, me enxertam a droga. Eu estava indo visitar meu namorado e ele enxertou a droga.Fui pega na revista. Eu não uso drogas e hoje faz sete dias que tô sem cigarro. A gente morava de favor, sabe? Aí obrigavam a gente a se envolver com tráfico pra ficar na casa. Eles maltratavam a minha mãe, ela até 187 adoeceu. Tá com enfisema.

Sobre a situação jurídica das apenadas, destacamos que cinco das entrevistadas não possuem condenação definitiva, transitada em julgado. Assim, além de não saberem por quanto tempo permanecerão reclusas, a administração também não consegue executar os programas disponíveis em decorrência dessa imprecisão. Tanto as apenadas como o corpo funcional

187

Os diálogos foram dispostos neste trabalho do mesmo modo como foram transcritos, sem revisão ortográfica, preservando-se a informalidade de língua falada.

74

alegam que o fator mais débil do aprisionamento na unidade é a demora dos processos judiciais, que causam incerteza quanto à situação dos envolvidos e uma maior permanência no cárcere em casos que, se analisados, provavelmente não seriam objeto de prisões provisórias ou preventivas. Nesse sentido, importante salientar os seguintes relatos: Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de fazer algum comentário ou deixar algum registro, a entrevistada relatou o que segue: Mãe 4: [...] Já era pra eu ter ido embora, o meu PEC nunca vem de Vacaria.[...] Eles deviam dar oportunidade pras pessoas. A gente espera, espera, ninguém olha por nós, algumas merecem.Que deem uma domiciliar, a Brigada que passe nas casas pra cuidar. A gente devia se fixar, se organizar, deixar o filho bem. Ter acesso a um defensor. O seu Roberto [Roberto era assessor do juiz da Vara de Execuções de Porto Alegre que costumava realizar fiscalizações nos estabelecimentos penais].é minha última esperança, ele vai conseguir minha domiciliar. Eu não sei nada que tá acontecendo, ninguém olha meus papel. A maioria aqui não sabe nada e não tem advogado. Tinham que dar mais bola pra nós. Pesquisadora: Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Gestante 3: Provisória. Estava esperando despachar a precatória, fui presa em Alvorada. Tenho um habbeas corpus concluso que teve a liminar negada. Pesquisadora: Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Gestante 1: Provisória, era 155 mas me enxertaram uma faca, eles não têm prova. Me pegaram bem depois. Eu era “isca”, fingia que ia fazer programa para os guris assaltar. Não teve flagrante, só enxertaram a faca. Inventaram o flagrante, os papel não tão andando, faz quatro meses que tá tudo parado. Eu não tive atendimento jurídico. Dessa vez não tenho advogado, da outra vez paguei R$ 8.000,00 pro advogado e aí saí rapidinho. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse: Gestante 1: O pessoal de fora, assim que nem tu, tinha que vir mais para ajudar quem não tem advogado.Quem tem condição pega o lugar.O Estado não tá nem aí pra gente, ou então demora muito. [...] eu já podia ter tido audiência, se eu tivesse advogado particular eu já tava na rua. Pesquisadora: O que você salienta como maiores dificuldades encontradas pela Unidade Materno Infantil? Assistente Social: A demora da situação jurídica. Sem definição da situação jurídica elas não sabem o que vai acontecer com elas e a gente não consegue trabalhar. A presa provisória dá mais problemas.

Aprisionadas, muitas vezes sem sólido motivo, por meio de prisões provisórias ou preventivas, sem terem certeza do período de permanência no cárcere, as detentas realizam seu ingresso na esfera penal, ingresso esse que traça uma trajetória fadada à reincidência, em decorrência dos pré-conceitos

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formados pela sociedade em relação aos egressos do sistema prisional. A respeito dessa estigmatização, transcrevemos alguns depoimentos que demonstram a percepção das apenadas a respeitoda discriminação que a sociedade projeta sobre aqueles que têm passagem pelo cárcere: Pesquisadora: Teme ser discriminada quando sair? Mãe 1: ( x ) sim ( ) não Em relação ao trabalho. Meu companheiro dirige táxi e não consegue o “carteirão” porque já teve “condena”. Ele mudou de vida e está incorreto porque não consegue o “carteirão”. Pesquisadora: Teme ser discriminada quando sair? Mãe 4: ( x ) sim ( ) não Já fui, quando saí. No posto de gasolina todo mundo ficava olhando, cidade pequena, sabe. Mesmo sem algema, na rua um fala pro outro, se afastam. Tentei achar serviço, mas não consegui, quando estava no semiaberto. Não aguentei e foragi, fui pega em um passeio de sete dias. Pesquisadora: Teme ser discriminada quando sair? Mãe 5: ( x ) sim ( ) não A gente já é, né. Pesquisadora: Teme ser discriminada quando sair? Mãe 9: ( x ) sim ( ) não Com serviço, principalmente para começar do zero [...]. Pesquisadora: Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Mãe 6: Fazer Enfermagem, quero cuidar das pessoas. Abrir uma lancheria. Não posso mais ser professora por causa da “condena”. Pesquisadora: Teme ser discriminada quando sair? Gestante 2: ( x ) sim ( ) não Sempre vai ter.

Já no que tange ao atendimento ginecológico/obstétrico, as respostas apresentaram dados preocupantes, como o caso da Gestante 3, que havia sido atendida apenas uma vez em sete meses e meio de gravidez. Dessa forma, imperioso se faz destacar os seguintes relatos: Pesquisadora: Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? Gestante 1: ( x ) sim ( ) não Sim, só “gineco”, já estou com 38 semanas e não sei o sexo do bebê. Pesquisadora: Recebeu/recebe acompanhamento pré-natal? Gestante 1: ( x ) sim ( ) não Vou a um médico por mês, não fico incomodando. Pesquisadora: Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? Gestante 3: ( x ) sim ( ) não

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Sim, ginecológico, só uma vez (grávida de sete meses e duas semanas). Pesquisadora: Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? Mãe 9: ( x ) sim ( ) não Uma vez e outra, quase não chama e é na corrida. Desde que eu tive o bebê não fui na “gineco” [...].

Em relação ao atendimento médico-pediátrico prestado pela casa, a maior parte salientou ser inadequado ou insuficiente, sendo feito seletivamente por meio de um pré-exame realizado pelas funcionárias. Nesse sentido, vejamos os seguintes depoimentos: Pesquisadora: Você acha que o atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Mãe 1: É bom. O problema não é o atendimento médico, são as funcionárias. Quarta chamei a supervisora porque minha filha estava ruim, mas eles disseram que o bebê estava bem, aí quando consegui convencer elas de levar no médico ela já tinha feito pneumonia. Pesquisadora: Você acha que o atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Mãe 2:Não porque avisam que a criança está doente e elas nem dão bola, nos finais de semana ninguém dá importância. Vão para o hospital tarde demais. Pesquisadora: Você acha que o atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Mãe 3: Fraldas dão, roupa não é sempre, depende de doação, e comida é normalmente horrível. As funcionárias daqui são legais, mas no fim de semana não tem pátio, não tem médico, eles só levam quando tem febre. Pesquisadora: Quando questionada se queria registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse? Mãe 3: [...]O pediatra nem sabe o que é pediatria. Só sabe dizer Sorine e muito “mamá”. Esses dias minha bebê estava mal, eu pedi várias vezes pra levar no médico e elas não queriam, aí levaram e me disseram: “Se não tiver quando, voltar vai para o castigo”. Nesse dia a bebê ficou baixada. [...] Aqui não tem despertador para dar remédio, tem que ficar acordada a noite toda para não perder a hora [...]. Pesquisadora: Em relação aos filhos alojados na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? Mãe 9: ( x ) sim ( ) não É a mesma coisa que nada, ele não examina, só manda dar Sorine e peito. Mal examina, manda dá Sorine e depois a gente leva no hospital e vê que a criança está com bronqueolite. Ele só olha se a gente fala. O meu bebê ficou com o ouvido infeccionado vários dias e o pediatra nem viu, disse que não tinha nada.

Além do atendimento médico pediátrico e ginecológico, a penitenciária conta com uma enfermaria onde podem ser atendidas as presas que

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apresentarem algum desconforto ou sintoma doentio.Entretanto, como já mencionado anteriormente, para afastar-se da Unidade as detentas precisam deixar seus filhos aos cuidados de um responsável, o que muitas vezes faz com que percam o atendimento médico. Quando existe a necessidade de realizar-se procedimento mais específico, que requeira atendimento hospitalar, a penitenciária escolta presas ou crianças até o local da prestação do serviço. Nesse sentido, a maior parte das entrevistadas relata que também é realizado um pré-exame pelas funcionárias, que julgam necessário ou não o atendimento externo. Além disso, para que esse atendimento se concretize, há a necessidade de efetivo suficiente para a realização da escolta, o que nem sempre existe. Por isso notamos que, em boa parte dos relatos, as detentas salientam os finais de semanas como momentos críticos, nos quais não têm suas demandas atendidas, já que nesses dias o efetivo se reduz. Os atendimentos, no mais das vezes, são gerados em decorrência de patologias

que

acometem

frequentemente

as

crianças

da

unidade,

acontecendo tanto por meio de atendimento internoquanto com o auxílio da rede externa. Conforme narrado pelas participantes da pesquisa, a maior parte das crianças apresenta sintomas asmáticos e problemas respiratórios. Outras enfermidades que ocorremcom frequência são o HIV, a Sífilis, a Toxoplasmose, as viroses e os resfriados. Tais condições são encontradas tanto nas mães como nos bebês. A assistente social relaciona boa parte desses problemas ao uso de drogas durante a gestação; já as apenadas aduzem que os problemas respiratórios são causados pelo frio e pela umidade do local. Sobre o quadro funcional, fomos informados pela agente penitenciária que coordena a unidade que na penitenciária, no que diz respeito ao atendimento direto às detentas, trabalham apenas mulheres.Já para realização de escoltas, serviços de motorista e outros cargos que realizam menor contato com as apenadas existem funcionários do sexo masculino. Uma das dificuldades salientadas pelas participantes integrantes do quadro da penitenciária é a falta de efetivo, o que se percebe na fala da agente: “Se a funcionária que está na galeria precisa ir ao banheiro, o corredor fica sozinho. Não podia ser assim, tinham que ficar três em cada corredor”. Em

relação

às

atividades

laborais

exercidas

na

penitenciária,

salientamos que, na Unidade Materno Infantil, elas são bem limitadas em

78

decorrência do cuidado que as apenadas precisam despender às crianças. Nesse sentido, transcrevemos a fala da assistente social: Pesquisadora: A penitenciária oferece opções de trabalho para as detentas? Assistente Social: ( x ) sim ( ) não Pesquisadora: Se sim, quais? Assistente Social: Limpeza e conservação do local. Isso ocorre em uma estrutura paralela, por causa dos bebês. Cuidar do bebê e trabalhar é difícil. A gente tem licença maternidade, aqui não dá pra ser muito diferente [...].

Já quanto às demais galerias da instituição, o depoimento da agente penitenciária entrevistada pode ilustrar melhor: Pesquisadora: A penitenciária oferece opções de trabalho para as detentas? Agente Penitenciária: ( x ) sim ( ) não Pesquisadora: Se sim, quais? Agente Penitenciária: Cozinha, faxina e o trabalho das firmas. Nas firmas tem a Tampa-Tudo, que elas fazem embalagens para cobrir potes, tem a Lua-Nua, que é confecção de “bijus” e a ECO, onde elas fazem a montagem de vários relógios. Elas também fazem artesanato, confecção de roupas e um serviço de digitação para a PROCERGS.

Quanto ao contato com demais membros da família, a situação relatada se dá conforme segue: Pesquisadora: Frequência com que vê os filhos: Mãe 1: De 15 em 15 dias, quando dá, por causa da família, que é parte de Novo Hamburgo e parte de Canoas, aí fica longe. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de fazer algum comentário ou deixar algum registro, a entrevistada relatou o que segue: Mãe 1: [...] a maioria não tem visita, o povo é meio que abandonado. A família não vem muito [...]. Pesquisadora: Em relação aos filhos alojados na Unidade Materno Infantil: Têm contato com outros membros da família? Mãe 4: ( ) sim ( x ) não Só com a minha mãe, a família mora muito longe. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de fazer algum comentário ou deixar algum registro, a entrevistada relatou o que segue: Mãe 6:A gente passa a gravidez sozinha [...].Tive uma gravidez de alto risco. Tive o bebê aqui, fui para o hospital só pra ter ela. Vim pra cá e fiquei sozinha, longe da minha família, pra poder ficar com ela. [...] Pesquisadora: Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere?

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Gestante 3: Seguir em frente. Estou arrependida, minha filha tá sofrendo lá fora. Eu quero trabalhar direito. Aqui o pior é a dor da saudade, deixei minha filha e meus irmãos.

Apesar de a penitenciária prever em seu regulamento interno que as visitas podem ser realizadas todos os sábados, em turno integral, bem como é possível realizar visita assistida quando filhos menores de idade desejem visitar as mães, no período de 15 em 15 dias, essa periodicidade não se concretiza como demonstrado acima. As famílias acabando se afastando, muitas vezes por falta de recursos para deslocar-se até penitenciária, e não raras vezes, por vergonha ou raiva do familiar recluso. Ao se analisar essa situação, verificamos que cinco das entrevistadas não recebe nenhum tipo de visita, vivenciando uma situação de isolamento e desamparo. Percebemos, no decorrer da pesquisa, que a maior parte das detentas que não recebe visitas vivencia essa situação por estar aprisionada na Capital e ter seus familiares no interior. Exemplo disso é o fato de que quatro das participantes residiam no interior e vieram cumprir a pena na Capital com o intuito de permanecerem com os bebês.Além disso, somente quatro delas residiam em Porto Alegre, sendo que as demais eram oriundas da região metropolitana, o que certamente dificulta a realização das visitas. Desse modo, acaba ocorrendo um distanciamento da família em decorrência da gestação, uma vez que, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, só a Penitenciária Madre Pelletier e a Penitenciária de Guaíba possuem estrutura para receber gestantes e bebês. Por esse motivo, essas mães abrem mão de cumprirem a pena em sua comarca de origem, submetendo-se a transferências para a Capital ou para Guaíba. Sobre a realização de visita íntima, conforme já abordado anteriormente, no âmbito da Unidade Materno ela dificilmente ocorre, tendo em vista que as apenadas acabam não tendo com quem deixar os bebês durante a visita.No período em que efetuamos a pesquisa, as visitas não estavam ocorrendo por falta de interesse das detentas conforme relato da psicóloga. Nas demais galerias, conforme informado pela agente penitenciária entrevistada, as visitas íntimas ocorrem quinzenalmente, de acordo com a procura das apenadas e a disponibilidade de estrutura. O estabelecimento conta com apenas dois quartos

80

destinados a esse fim;assim, deve-se realizar agendamento prévio para que se possa “reservar” o espaço. Além do sofrimento causado pelo afastamento da família, outra circunstância que gera tormento às apenadas é a situação em que se encontram os filhos deixados fora do cárcere. Algumas carecem de informação, enquanto outras padecem ao saber que seus filhos passam por diversas necessidades, não podendo contar com o amparo materno. Não são poucos os relatos nesse sentido: Pesquisadora: Frequência com que vê os filhos: Mãe 2: Visita assistida de dois em dois meses. Pesquisadora: Frequência com que vê os filhos: Mãe 4: Não vejo. A de dez anos faz quatro anos que eu não vejo. Pesquisadora: Se não estão na Unidade Materno Infantil, com quem estão os filhos? Mãe 4: Uma com o pai e uma com a avó em Vacaria. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Mãe 4: Tenho uma filha de oito anos que, quando eu fui condenada, o pai veio de Brasília, aí ela ficou com o pai. Ela mora em Brasília, com ele. Eu falava com ela por telefone. Ela sofre muito, passa até por psicólogo. Ela teve convulsão emocional. O pai não quer que eu fale com ela porque ela fica mal. Pra ela não adoecer eu não quis mais ligar. Eu sinto bastante falta, por isso eu escolhi vir pra cá, pra não perder o meu bebê. A outra tá com a vó, ela levava pra me visitar, a vó tem auxílioreclusão. Agora ela nem me reconhece mais, chama a avó de mãe. Agora a avó tem a guarda provisória dela. Aqui é muito longe. [...] A gente devia se fixar, se organizar, deixar o filho bem [...]. Pesquisadora: Quando questionada se queria registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Mãe 7:[...] O de um ano é uma barra, quando eu vim pra cá foi uma barra para o meu esposo. A minha cunhada até ajuda. Teve uma vez que ele ficou doente e meu esposo teve que ficar três dias sem trabalhar. Eu sempre cuidei do meu filho, agora estou aqui e não posso cuidar [...]. Pesquisadora: O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Mãe 7: Se pudesse deixar em casa deixaria, mas fico com o bebê pra amamentar e porque não tem ninguém pra cuidar dele. Pesquisadora: Idade dos filhos: Mãe 5: 20 anos, 18 anos (ele é deficiente, tem atrofiamento), 14 anos, 11 anos, 8 anos, 6 anos, 4 anos (essa de quatro nasceu da outra vez que eu estava aqui), 8 meses. Pesquisadora: Frequência com que vê os filhos: Mãe 5: Eu não vejo eles. Pesquisadora: Se não estão na Unidade Materno Infantil, com quem estão os filhos? Mãe 5:Com a avó. Pesquisadora: Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere?

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Mãe 5:Cuidar dos meus filhos. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de fazer algum comentário ou deixar algum registro, a entrevistada relatou o que segue: Mãe 5:[...] Minha mãe tem 65 anos, os meus filhos precisam de mim [...]. (Obs.: A assistente social informou que essa detenta já perdeu a guarda de quase todos os filhos, os quais estão em abrigos.) Pesquisadora: Frequência com que vê os filhos: Gestante 1: Aqui eu não vejo, a minha filha acha que estou viajando, ela não sabe que eu estou aqui. Ela está com a avó materna. Pesquisadora: Frequência com que vê os filhos: Mãe 8: Não vejo, eles tão num abrigo. Pesquisadora: Se não estão na Unidade Materno Infantil, com quem estão os filhos? Mãe 1: Avó paterna. Estou bem porque minha filha tá comigo, tive tempo para refletir. Eu sei que meu filho tá bem, aí a gente fica bem.

Em relação à permanência dos filhos no cárcere, além da submissão dessas crianças ao ambiente prisional, as apenadas acabam devendo se sujeitar a um comportamento ainda mais submisso, tendo que, por vezes, aceitar situações que lhes desagradam sob pena de, quando proferirem reclamações, serem privadas dos filhos. A administração aduz que age com tal rigor a fim de proteger as crianças, evitando brigas e maus comportamentos dentro do ambiente da “creche”. Ilustrando tal situação, salientamos os seguintes diálogos: Pesquisadora: O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Gestante 2: O bebê nasceu aqui, quando ele estava com três meses elas queriam dar o berço, mas eu não quis, aí elas me tiraram ele. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Em relação ao filho que foi embora: Gestante 2: [...]Acho ruim, sofri muito quando ele foi embora. O nenê era novinho, não ficava no berço. A creche é para as crianças, ele não dormia longe de mim. Ele já pegava mamadeira, foi para um abrigo e depois minha irmã pegou ele com sete meses. [...] Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Mãe 1: [...]Se tu tem três registros no livro, perde o bebê [...]. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Mãe 8: [...] Aqui qualquer briguinha perde os filhos [...].

Por fim, destacamos a opinião das detentas em relação à presença das

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crianças em uma unidade prisional, e ao abalo psicológico que sofrem quando o bebê precisa ir embora: Pesquisadora: O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Mãe 1: Terrível, devia ter uma domiciliar. Aqui é úmido, a gente precisava de acompanhamento, tinham que nos dar oportunidade. Pesquisadora: Qual procedimento você julga adequado ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Mãe 1: Domiciliar com acompanhamento para cuidar dos filhos.Quem não é acompanhada volta para o crime. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Mãe 1: [...] As presas fumam muito, o que prejudica os bebês, esse é um dos maiores problemas. [...]As janelas não têm vidro. As detentas fumam nos alojamentos, deveria ser proibido. Tem brigas frequentes por picuinhas, bem difícil[...]. Pesquisadora: O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Gestante 3: É bom, só o lugar que é muito frio, eles tão sempre doentes. Para o psicológico da mãe é maravilhoso, mas a vontade é de ter o bebê lá fora. Pesquisadora: O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Mãe 4: Penso em mandar pra casa, não é lugar pra ninguém aqui, eu errei, ele não tem que estar preso, não tenho com quem deixar ele, se não ele não estaria aqui. Pesquisadora: Qual procedimento você julga adequado ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Mãe 4: Aqui não tem caso gravíssimo, é só fuga e nada, devia ter domiciliar. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Mãe 4: [...] Decidi ficar com ele, mesmo que ele me culpe. Desde pequeno eles já carregam que foram preso, eles pagam pelos nossos erros. Eles deviam dar oportunidade pras pessoas. A gente espera, espera, ninguém olha por nós, algumas merecem. Que deem uma domiciliar, a brigada que passe nas casas pra cuidar. A gente devia se fixar, se organizar, deixar o filho bem [...]. Pesquisadora: O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Mãe 7: Se pudesse deixar em casa deixaria, mas fico com ela pra amamentar e porque não teria ninguém para cuidar dela. Pesquisadora: Qual procedimento você julga adequado ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Mãe 7: Domiciliar rígida. Aqui é triste sem ter a família. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Mãe 7: Não queria estar com ela aqui, se tivesse quem cuidasse não gostaria de ver ela aqui dentro. Eu acho que pra ficar com os filhos eles podiam botar aquelas tornozeleiras, sabe? Pesquisadora: O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional?

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Mãe 6: Ela tem asma. Aqui é assim: estrutura pouca, vontade bastante. Não é o mesmo desenvolvimento que ela teria na rua. Pesquisadora: Qual procedimento você julga adequado ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Mãe 6: Prisão domiciliar até um ano, aqui não tem remédio nem psicológico. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Mãe 6: (Chorando)Não tinha que separar a gente, eu lutei pra ficar com ela, vim pra cá pra ficar com ela até o fim. Eu ia até o fim do mundo pra ficar com ela. Tem mãe que manda o filho embora, eu não. Faltam quatro meses. Vai ser uma eternidade longe dela. Fim do mês ela faz um ano, vai ter festinha aqui [na festinha poderão vir pessoas não ligadas à unidade]. Não é motivo de festa porque ela vai ter que ir embora, mas precisa registrar. Não podia ser separada do filho, arranca um pedaço. Parece que ela tá sentindo, sabe? Depois que ela for embora eu só vou ver ela duas vezes por mês. A criança vai embora e que se vire. Não tem atendimento psicológico pra gente. Pesquisadora: O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Gestante 1: Por um lado é bom, por outro é ruim. É bom pra a mãe, é ruim pra a criança. Já vai nascer preso. Pesquisadora: Qual procedimento você julga adequado ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Gestante 1: Prisão domiciliar, porque aqui não é ambiente pra criança, é muito frio, não tem condição. Pesquisadora: Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Mãe 8: Aqui tem muitabrigas, não é bom para criança. [...] Guaíba é bom pras crianças, mas ruim pras apenadas. É frio e fica longe da família. Pesquisadora: Qual procedimento você julga adequado ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Gestante 2: A cadeia não é bom para a criança, mas tem a FASE, podia ter algo parecido, por um tempo, mas o nenê ficaria mais à vontade. Pesquisadora: O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Mãe 3: Não é ambiente para criança, mas o bom é que elas tão com a gente. Passa os dias mais rápido e é a única alegria de estar presa.

Assim, encerramos a transcrição dos relatos que julgamos mais significativos. No entanto, salientamos que, por maior que tenha sido nosso esforço, essas singelas páginas demonstram apenas uma pequena parcela de tudo o que foi observado no campo. Além da falta de estrutura, do sofrimento, do tédio e da dor da separação, os dias passados na penitenciária nos deixaram clara a ideia de que um novo sistema se faz necessário e de que a mudança deve partir de cada um de nós. Talvez esse tenha sido o momento de

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nosso “salto mortal”, conforme bem salienta Marco Scapini188, na leitura de Louk Husman. 4.3 DAS REFLEXÕES ENTRE O CAMPO E O REFERENCIAL TEÓRICO Daqui em diante faremos a análise, propriamente dita, dos dados coletados no decorrerda pesquisa. Conforme expomos durante a abordagem metodológica, neste momento nosso principal objetivo será demonstrar a aproximação, ou o distanciamento, da realidade analisada com o referencial utilizado. Sobre a precariedade estrutural da penitenciária, é fácil perceber que fere as garantias constitucionais mínimas de dignidade. Tanto para as crianças quanto para as mães, a situação da “creche”, da forma que se dá hoje, é extremamente inadequada. As crianças encontram-se em um local úmido, sujeitas às brigas que ocorrem entre as detentas e a um ambiente totalmente hostil que, apesar de ser diferenciado do restante da penitenciária, não perde seu caráter institucional e seu perfil prisional. As mães e os bebês carecem de atendimento especializado, alimentação adequada e amparo familiar, o que vai contra toda e qualquer percepção de humanidade, maculando, drasticamente, a Dignidade da Pessoa Humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, que é a diretriz maior para a aplicação e a efetividade das normas189. Dessemodo, as crianças, cumprindo um castigo por ato que não realizaram, passam por todas as intempéries a que estão sujeitas suas mães, no entanto majoradas, por valerem-se de peculiar condição de desenvolvimento190. Logo, os castigos corporais que tanto nos orgulhamos de termos extinguido de nossos sistemas de controlefazem-se presentes. A pena de

188

O autor entende o “salto mortal” definido por Hulsman como a conversão para o novo a partir da compreensão de uma realidade existente. (SCAPINI, Marco Antonio de Abreu. O salto mortal de Louk Hulsman e a desinstitucionalização do ser. Cadernos IHU ideias. São Leopoldo: UNISSINOS – Instituto Humanitas, n.170, ano 10, p.03-13, 2012.p.08. Disponível em: . Acesso em: 03 nov. 2012). 189 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2008.p.63-68. 190 VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da criança e do adolescente comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Conceito, 2011.p.34.

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prisão, com a privação de ar, de sol, de luz, de espaço; o odor, a cor da prisão; as refeições sempre frias; a falta de atendimento médico; a proliferação das doenças: todos esses são fatores que degradam o corpo191. Assim, mães e crianças são sujeitas a essa modalidade de tortura física que, mascarada por detrás de um processo no qual o acusado, devidamente julgado, merece a pena que recebeu, faz essa degradação corpórea aceitável. Os esforços para infligir apenas uma pena justa criam esses sistemas rígidos, insensíveis às necessidades individuais192, permitindo que situações como essas se concretizem sem causar estranheza. Assim sendo, nosso sistema de valores, que orbita em torno da pessoa humana, permite que ela se degrade ao cumprir a pena restritiva de liberdade, e mais: permite que, em nome do cumprimento dessa pena, crianças totalmente alheias a essa relação crime-punição compartilhem do mesmo sofrimento. Assim, o direito penal se torna uma espada de duplo fio, lesiona bens jurídicos tutelados para proteger outros, e gera violência para controlar violência193. Quando falamos de estrutura imprópria, falamos de estrutura que não propicia estímulos mínimos para que uma criança se desenvolva psíquica e motoramente dentro da normalidade esperada.O que vislumbramos no âmbito do Madre Pelletier é que, além das privações físicas, as mães, em sua maioria, sentem-se deprimidas, desamparadas e carentes de atenção. Assim, seus filhos

absorvem

essa

atmosfera,

tomando

para

si

os

reflexos

do

aprisionamento materno. Como já vimos anteriormente, características depressivas em mães podem gerar patologias psíquicas nos filhos194; ademais, os poucos brinquedos disponíveis e a pouca frequência com que essas crianças têm contato com estímulos ambientais podem lhes acarretar um desenvolvimento neuropsicológico menor e mais lento195.

191

HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: O sistema penal em questão. Rio de Janeiro: Luam, 1993.p.62. 192 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984, p.7. 193 QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.p.368. 194 SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.211. 195 MUSZKAT, Mauro. Desenvolvimento e Neuroplasticidade. In:MELLO, Cláudia Berlim de, MIRANDA, Mônica C., MUSZKAT, Mauro. (Org.). Neuropsicologia do Desenvolvimento. 1. ed. São Paulo: Memnon, 2005, p.27-29.

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A gestação, período de maior fragilidade emocional, é vivida dentro do cárcere, longe do apoio da família e sem os devidos cuidados, o que contribui para a situação de sensibilidade emocional acima descrita. Somando-se a isso, essas crianças não criam exemplos de transgeracionalidade196, uma vez que não têm contato com outros membros da família, criando uma relação muito estreita com a mãe, a qual é rompida de forma abrupta ao completarem idade suficiente para deixar a Unidade Materno Infantil. As mães, que já estão com seu sistema psíquico abalado, acabam sofrendo mais um trauma quando se separam prematuramente dos filhos, perdendo o último contato familiar que mantinham dentro do cárcere restando ferida, também nesse sentido, a sua dignidade, causando-lhes desnecessário sofrimento (se é que se pode dizer que algum sofrimento imposto seja necessário).Com isso, o aprisionamento acaba se tornando, como bem sustenta Christie197, um aparelho intensificador da dor, que não possui funcionalidade alguma a não ser a de causar sofrimento. Fora a situação gerada dentro do cárcere, de acordo com o que extraímos dos depoimentos, o aprisionamento feminino gera uma problemática para além da penitenciária. Os filhos que, por ventura, já eram nascidos antes do início do cumprimento da pena da mãe, são dela afastados. Esse afastamento faz com que outros familiares tenham de arcar com o cuidado dessas crianças e, na falta deles, pode ocorrer até mesmo o encaminhamento ao serviço de acolhimento (expressão adotada pelo ECA para denominar a institucionalização de crianças e de adolescentes). Por conseguinte, a pena restritiva de liberdade acaba estendendo seus efeitos à família das condenadas, em especial à pessoa dos filhos. Na composição atual das famílias que integram nossa sociedade, o papel da mulher vai além do papel de mãe. Nessa nova organização familiar, a mulher, além de cuidar dos filhos, provê o sustento e administra a família. Quando o Estado a retira desse núcleo, causa um problema estrutural, deixando essas 196

A transgeracionalidade aqui mencionada trata-se dos modelos de identificação que a criança cria durante a infância a fim de formar o seu aparelho psíquico. (ZIMERMAN, David E. Uma resenha simplificada de como funciona o psiquismo. In:COLTRO, Antônio Carlos Mathias; ZIMERMAN, David E. (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Milennium, 2010, p.115). 197 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica,1984,p.3940.

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crianças sem recursos e sem cuidados, onerando, por muitas vezes, pessoas alheias à relação familiar. Essas mães, que acabaram delinquindo no mais das vezes por serem oriundas de estratos mais baixos da população, tendo suas chances de desenvolvimento econômico-social reduzidas, além de sofrerem por esse primeiro “descaso” estatal, acabam sofrendo novamente uma intervenção impensada, que desmorona suas famílias e traz seus filhos ao encontro de um sistema opressor e segregatício. Dessa maneira, ao impor a pena restritiva de liberdade, o Estado “cria” um novo problema: a institucionalização das crianças, bem como a falta de suporte para que elas se mantenham longe das mães. Assim, como se pode observar a partir dos relatos, os problemas que chegam à penitenciária, antes de serem penais, são sociais.Nesse sentido, toda a seleção realizada pelo sistema penal, aludida pelos autores que embasam este trabalho, concretiza-se na Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Resta muito claro que a população ali encarcerada é oriunda dos estratos mais débeis da sociedade, os quais são eleitos pela coletividade como indesejáveis, podendo ser “eliminados”por meio do cárcere. O que ocorre é uma nítida “higienização” da população, na qual se faz uma “faxina”e se excluiaqueles que veem, pela televisão, um mundo o qual não existe e que lhes resta conquistar, mesmo que pela violência, fazendo incidir sobre eles o controle penal, tirando-os da sociedadeporque, por não fazerem parte da lógica do consumo, não lhe servem.Assim, “em sociedades loucas por higiene, quem representa a sujeira não pode ter outro destino que não a eliminação”198. No entanto, muitos delitos consistem apenas na tentativa de se dizer algo assim. Em vez de isolar essas pessoaspor meio da pena restritiva de liberdade, deveríamos entender suas ações violentas como oportunidade para o início de um diálogo,não as submetendo a uma resposta igualmente torpe às ações desaprováveis que cometeram199. Além

dos

baixos

salários

averiguados

nas

respostas

aos

questionamentos, o próprio envolvimento com tráfico de pequeno porte evidencia que essa desigualdade social é o maior dos problemas vivenciados 198

ROSA, Alexandre. Aplicando o ECA: felicidade e perversão sem limites. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Revista dos Tribunais; IBCCRIM v.14, n.58, jan./fev. 2006.p.22. 199 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.p.15.

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pela população carcerária analisada.Por estar tão clara essa problemática em nossa vivência, faz-se imperioso destacarmos o pensamento de Mathiesen, o qual afirma que ao descriminalizarmos os crimes de drogas, além de diminuirmos significativamente os outros delitos decorrentes de seu comércio ilegal, esvaziando consideravelmente as prisões, efetivamente ameaçaríamos e liquidaríamos“o poder dos figurões que hoje em dia não terminam na prisão, porque ela está sistematicamente reservada para os pobres”200. O que Mathiesen quer dizer é o mesmo que averiguamos em nossa pesquisa: as grandes figuras do tráfico de drogas, os grandes “patrões” desse comércio, não acabam nas penitenciárias, pois possuem recursos suficientes para não se submeterem ao sistema penal. O tráfico que é punido é o tráfico da subsistência; é o tráfico da mãe que, para sustentar os filhos, se submete à lei paralela das drogas; é o tráfico da esposa que leva entorpecentes ao presídio para manter a dignidade do marido recluso. São os pequenos que figuram no banco dos réus enquanto o problema que a sociedade tanto quer combater, por escolha dessa mesma sociedade, permanece em liberdade. Os recursos que mantém os estratos sociais mais elevados e as grandes figuras do tráfico longe das grades trazem-nos uma reflexão importante sobre a situação jurídica em que se encontram as detentas da Unidade Materno Infantil. Boa parte das entrevistadas está cumprindo a pena em caráter provisório ou preventivo, pela denúncia do cometimento de crimes de baixo potencial ofensivo. Quase que a totalidade delas depende do serviço da Defensoria Pública como meio de defesa, serviço esse que, como bem sabemos, não dá conta da grande demanda que se faz presente. Assim, boa parte dessas condenações em trânsito poderia ser respondida em liberdade, como bem salienta a Gestante 1 no seguinte depoimento: “Se eu tivesse advogado particular eu já tava na rua”. Assim, afastadas de seus filhos, abandonando suas famílias e passando por todo o sofrimento que o cárcere lhes acarreta, essas mães adentram a espiral estigmatizadora que o aprisionamento cria. Esse rótulo e as suas 200

MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI – abolição, um sonho impossível? VERVE Revista semestral autogestionária do Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP). São Paulo, n.4, p.80-111,2003.p.97. Disponível em: . Acesso em: 03 nov. 2012).

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consequências já foram delineados anteriormente, mas também foram observados no universo analisado em campo. Entre as 12 entrevistadas, nove temem ser ou já foram discriminadas em decorrência do ingresso no sistema prisional. Nota-se que a preocupação maior dessas apenadas é a dificuldade de inserirem-se no mercado formal de trabalho, ideia essa que vai ao encontro das teorias do labelling approach,principalmente no que diz respeito às consequências oriundas à reação social projetada pela sociedade frente àqueles indivíduos egressos do cárcere. Ao obterem a liberdade, além da discriminação naturalmente projetada sobre elas, essas mulheres não estão preparadas para o mercado que as aguarda, uma vez que as opções de trabalho ofertadas pela instituição constituem, em sua maioria, trabalhos artesanais, o que, como já abordado anteriormente, reforça o caráter submisso da mulher na sociedade e não a prepara para o mercado de trabalho atual, que cada vez mais requer mão de obra especializada e qualificada. Dessa forma, essas mulheres, que já não tinham uma fonte sólida de sustento por não haverem conseguido um lugar no mercado formal, continuam sem preparação alguma, o que, somado ao estigma a elas atribuído pela passagem no sistema prisional, acaba por dificultar ainda mais a sua reinserção na sociedade. A própria dinâmica da vida prisional causa o que Goffman chamou de desculturamento ou destreinamento, processo de dessocialização e de infantilização que a vida dentro de instituições totais201 acarreta aos seus internos. As regras seguidas dentro dos estabelecimentos prisionais fazem prevalecer as relações de passividade-agressividade e de dependênciadominação, alimentando em quem está recluso o desprezo pela pessoa. Todo esse clima opressivo desvaloriza a autoestima, faz desaprender a comunicação com o outro, despersonalizando e dessocializando aqueles que passam pelo cárcere202.

201

Seu “fechamento” ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico – por exemplo: portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. A tais estabelecimentos dou o nome de instituições totais [...] (GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.p.16). 202 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: O sistema penal em questão. Rio de Janeiro: Luam, 1993.p.63.

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Por não reabilitar, não proteger e não ressocializar, o aprisionamento não passa de uma medida irracional que insistimos em utilizar com a finalidade de causar um senso de justiça, o qual não se concretiza. E mantemos esse sistema, que cada vez mais ganha força nas vozes dos políticos e nos apelos populares, porque essa irracionalidade verdadeira da prisão é um dos segredos melhor guardados em nossa sociedade. [...] A informação fornecida pelo sistema carcerário, é sistematicamente filtrada e distorcida pelos 203 meios de comunicação de massa .

Exemplo disso são os programas investigativo-policiais, os quais apontam suspeitos como bandidos, como responsáveis por toda a desgraça da sociedade, e que, nessa ótica, deveriam “apodrecer em prisões”. O conteúdo de tais programas afasta o foco real dos verdadeiros problemas sociais, quais sejam: as bases da desigualdade social, a falta de investimento e de atenção do governo aos necessitados e a falta de solidariedade presente em nossassociedades. A partir dessa encenação policial, retira-se qualquer responsabilidade da política de consumo tão difundida pela televisão, da qual quem não possui potencial para consumir é excluído, e caso tente, por meios ilícitos, alcançá-la, é novamente segregado, virando ator principal desse “infotretenimento”

que

conhecemos

como

jornalismo

policial.

Consequentemente,aquele que não pode comprar o que a televisão vende, ou aquele que comercializa a felicidade plena que a droga oferece em um mundo no qual, se não formos felizes em tempo integral, não teremos uma vida digna, deve ser esquecido nas masmorras de nossos presídios. A punição dessas mulheres/mães alojadas na penitenciária analisada, portanto, ocorre de forma majorada em decorrência dos preconceitos da sociedade, os quais afetam de modo mais significativo mulheres infratoras do que homens. Por todas as fragilidades aqui apontadas, não há como sustentarse uma justificativa para a maneira em que se dá o cumprimento de pena por

203

MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI – abolição, um sonho impossível? VERVE Revista semestral autogestionária do Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP). São Paulo, n.4, p.80-111,2003.p.98-100. Disponível em: . Acesso em: 03 nov. 2012).

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mulheres que passam pela experiência da maternidade.Na verdade, pode-se dizer que a pena de prisão não se sustenta em suas justificativas, o que nos faz acreditar ser ainda mais inadequada quando envolve crianças. São várias as justificantes que se dão a fim de sustentar o sistema que há tantos anos temos adotado como resposta às situações problemáticas de nossa sociedade. Por vezes se fala em reabilitação, intimidação, prevenção geral, interdição dos transgressores e uma justa distribuição de punição para aqueles que causaram dano a outrem. Todavia, estudos após estudos temos visto que nenhum desses fundamentos se concretiza e que o aprisionamento não contribui em nada para a nossa sociedade204. Assim, o que realmente se efetiva é uma política penal que não reflete os valores básicos do sistema democrático em que vivemos. Construímos uma estrutura que concede tal importância aos delitos que eles se sobressaem, com prioridade absoluta, sobre todos os demais valores205, prioridade que resta evidentemente clara na problemática aqui abordada. Quando um Estado que se permeia pela Proteção Integral da Criança como objetivo fundamental do desenvolvimento da nação a submete a um indevido e inexplicável aprisionamento, passa por cima de todos os seus princípios em nome da execuçãode um castigo. Evidente a inversão de valores realizada. As constituições, os governos e a população como um todo clamam por proteção às crianças e por auxílio aos necessitados. No entanto, quando um membro dessa sociedade tão igual aos demais comete ato desaprovável pelo todo, não merece mais gozar dos direitos a ele concedidos quando se tratava de um “cidadão de bem”. Mesmo que tenha sido, anteriormente de tudo um desfavorecido, que antes de cometer o delito já tenha sido expurgado da sociedade por fazer parte dos estratos sociais inferiores, nem mesmo quando esse cidadão tem filhos e o seu castigo a eles se estende, a necessidade de sua punição pode ser diminuída; o

204

MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI – abolição, um sonho impossível? VERVE Revista semestral autogestionária do Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP). São Paulo, n.4, p.80-111,2003.p.89-95. Disponível em: . Acesso em: 03 nov. 2012) 205 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984, p.60.

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contrário, esse mesmo Estado “protetor” lhe inflige dor por meio da pena, sem se preocupar se essa medida é realmente útil ou necessária. Tudo isso ocorre porque nos afastamos dessa imposição de dor ocasionada pelo sistema penal; nem mesmo os que a executam permitem-se assim considerá-la. Não a chamamos de dor, mas a denominamos como pena; não conhecemos os culpados, apenas julgamos que a eles deva ser delegado um castigo, uma vez que o fato gerador da sanção foi uma ação por eles cometida. Dessa forma, através de uma névoa produzida pelos mecanismos regulatórios, não enxergamos o sofrimento imposto, podendo aceitá-lo com maior facilidade206. Acontece que, mesmo quando o indivíduo delinque por não ter emprego, impomos um castigo tão severo quanto as circunstâncias que o levaram a delinquir, já que não conhecemos a realidade do outro e aplicamos as penas baseados em uma racionalidade científica que delega um “proporcional” grau de dor a cada tipo de infração. É como se demandássemos um ano por olho e três meses por dente, fazendo menção à lei de Talião207. Por esses motivos, acreditamos que somente uma mudança cultural radical, que demonstre a irracionalidade da pena de prisão, afastando-a o máximo possível de nossos conflitos, seria capaz de proporcionar um menor nível de sofrimento a essas mães e a esses bebês. Conforme já dito, temos muitos estudos sugerindo que o efeito preventivo da prisão é muito modesto208, então por que insistirmos nela? Seguindo os valores que estampamos em nossas constituições, por que não perseguir situações em que reinam a bondade e as ideias humanitárias, buscando opções aos castigos e não castigos opcionais209? Pois bem, apoderando-nos das conclusões de Christie210, acreditamos que, ao se empreender uma ação econômica e social que trate dos problemas 206

CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.p.6266. 207 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.p.70. 208 MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI – abolição, um sonho impossível? VERVE Revista semestral autogestionária do Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP). São Paulo, n.4, p.80-111,2003.p.91. Disponível em: . Acesso em: 03 nov. 2012). 209 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.p.8-14. 210 CHRISTIE, Nils. Los Límites del Dolor. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.p.33.

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não penais que levam, na maior parte das vezes, ao aprisionamento, poderemos diminuir consideravelmente os problemas aqui destacados. Essas mães, como vimos, precisam muito mais de assistência que de punição. Os recursos despendidos para a sua mantença no cárcere com certeza surtiriam maiores efeitos se aplicados em uma rede de assistência que lhes oferecesse oportunidades legítimas de manterem-se e manterem suas famílias. O que se pode concluir, de modo muito sucinto, é que os ambientes prisionais não estão preparados para receber crianças e que, mesmo que contassem com boa estrutura para abrigá-las, ainda assim não seriam a resposta mais adequada para a solução da maternidade no cárcere. Pensamos que, diante de uma condenação dirigida a uma mãe, imprescindível se faz que o sistema penal conheça seus diversos efeitos e que o julgador conheça a realidade de quem está julgando e a realidade dos locais aos quais a condenação exporá as apenadas, bem como seus filhos211. Somente assim, crianças não seriam submetidas a um processo de institucionalização e de exposição ao cárcere, bem como não se formariam novos problemas sociais, oriundos dos primeiros que levaram essas mães a uma carreira desviante.Apenas dessa forma tais problemas sociais teriam a oportunidade de serem cuidados em vez de serem desconsiderados a fim de que se possa executar um castigo irracional, que se sustenta sobre a “correção” de um “erro”, cometido exclusivamente por essa mãe, como se todos nós não tivéssemos contribuído para a situação que se formou.

211

HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: O sistema penal em questão. Rio de Janeiro: Luam, 1993, p.77.

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5 CONCLUSÃO Ao projetarmos este trabalho, acreditávamos que nos basearíamos sobremaneira no garantismo penal de Ferrajoli.No entanto, ao conhecermos a realidade prisional e termos contato com as ideias abolicionistas, o foco de nossos estudos se distanciou de tal referencial teórico. Passamos a perceber que o sistema prisional, por mais humano que possa vir a ser um dia (se é que isso é possível), não se trata de uma resposta adequada aos problemas sociais que encontramos hoje. Afirmamos isso porque o sistema carcerário elege, entre os mais miseráveis, aqueles que não lhe interessam e que deseja excluir ou isolar. Tal afirmação se solidifica quando averiguamos a chamada “cifra oculta” da criminalidade, que demonstra, de forma clara, que a maior parte dos atos considerados crimes pela lei penal não são alvo da incidência de seu controle, acabando nas prisões somente aqueles que não têm recursos suficientes para escapar do poder punitivo. Com isso, o cárcere estigmatiza aqueles que por ele têm passagem, os quais já eram oriundos de um processo de exclusão, negando-lhes, mais uma vez, um lugar ao sol quando os põe em liberdade rotulados como egressos do sistema criminal. Dessemodo, o aprisionamento não cumpre com função alguma. Não inibe o cometimento de novos delitos, uma vez que a maior parte deles acaba impune; não ressocializa o infrator, pois o institucionaliza e o “etiqueta” como indesejável ou criminoso; e não o impede de realizar novos crimes, já que, como bem sabemos, muitos presos continuam a exercer suas condutas ilícitas mesmo dentro das prisões. Assim, a pena restritiva de liberdade cumpre somente um papel: o de infligir dor àqueles que a sociedade de consumo não pode utilizar como potenciais compradores. Toda essa irracionalidade se mantém, e se mantém de maneira sólida, passando por cima até mesmo da dignidade de crianças totalmente alheias a esses castigos impostos, pois a sociedade não consegue enxergá-la:não a vê porque não é agradável dizer que distribuímos dor, então distribuímos sanções; não a vê porque aquele a quem se pune não está próximo daquele que está sendo punindo;não a vê porque os meios de comunicação em massa não a mostram, apenas divulgam em seus outdoors os nãosujeitos de consumo como

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os grandes vilões, os quais devem ser castigados a fim de proteger os cidadãos de bem que, no fim do mês, têm condições de adquirir os produtos de suas patrocinadoras. Uma cultura punitivista, portanto, se solidifica, e mesmo quando deflagrada a desumanidade dos ambientes prisionais, a população esmorece apenas no sentido de que deveriam ser reformados os presídios. Não há reflexãosobre esse investimento, se ele não seria mais bem utilizado para tratar dos problemas sociais que inundam as prisões. Não se fala que, mesmo em países com penitenciárias exemplares, a reincidência e a criminalidade se dão em números muito semelhantes aos nossos. A sociedade não se permite aceitar que existem outros métodos para a resoluçãodos conflitos sem dispor da violência da institucionalização. Dentro da micro realidade analisada, pudemos averiguar uma alta incidência de delitos oriundos do tráfico de drogas (isso para não dizer que constatamos apenas esse tipo de delito). Mas com que tipo de tráfico nos deparamos?

Fomos

apresentados

ao

“tráfico

social”,

ao

“tráfico

da

subsistência”. Como punir esse tipo de crime, que se origina na vontade de manter-se vivo, no intuito de sustento? Como aprisionar mães por tentarem sustentar seus filhos? Somente a partir de uma irracionalidade cega é que podemos considerar a pena restritiva de liberdade como meio idôneo de resolver esse tipo de situação. A conclusão aque chegamos não foi uma resposta, mas um questionamento: por que não investimos em uma rede social sólida em vez de causar mais problemas sociais com o encarceramento de mães que, além de mães/mulheres/pobres, são arrimos de família?Em busca dessa resposta, somente pudemos concluir que a mudança deve ser total e não parcial, e que uma reforma não é suficiente;apenas a exclusão de um sistema que unicamente causa problemas,em lugar de solucioná-los é capaz de diminuir a imposição de tantos sofrimentos. Assim, filiarmo-nos a uma ideologia que oferece a mudança por meio da da adaptação do sistema existente não nos parece suficiente. Reformar o que se tem é, para nós, reforçar a legitimidade de um Direito Penal que seleciona, estigmatiza e isola seus clientes – as camadas inferiores da sociedade.

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Acreditamos, então, que apenas negando o modelo atual e tentando formas totalmente diversas, é que alcançaremos a verdadeira mudança. Há quem diga que essa perspectiva é utópica, inalcançável e que ignora os problemas imediatos. Contudo, as mudanças concretas apenas ocorrem quando dadas de forma radical, desprendidas dos antigos paradigmas. Logo, se não acreditarmos na utopia, estaremos estanques a um reformismo limitado, que provavelmente nunca ataque o cerne do problema.Não vislumbramos, portanto, impedimentos que obstaculizem uma solução humana quando ela é possível. Não há motivos para fazer dos casos insolúveis a regra quando se pode resolver boa parte das situações de maneira mais branda e mais eficiente. Acreditamos que essa forma, como bem sustentam Mathiesen, Christie e Hulsman, é realizável a partir da aproximação das partes, em um cenário público alternativo “onde a argumentação e o pensar escrupuloso sejam valores dominantes; um espaço público com uma cultura diferente que no final possa competir com o espaço público superficial dos meios de comunicação de massa”.212 Por fim, entendemos que a extensão das penas aos filhos de apenadas vai contra todos os valores predominantes em nossa sociedade e em nosso ordenamento, mas somente se concretiza porque se dá prioridade a um castigo irracional em detrimento da dignidade dos seres.

212

MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI – abolição, um sonho impossível? VERVE Revista semestral autogestionária do Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP). São Paulo, n.4, p.80111,2003.p.108. Disponível em: . Acesso em: 03 nov. 2012).

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APÊNDICE A – Entrevistas com Apenadas Mãe 1: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): xxxxxx 3. Idade: 27 anos 4. Naturalidade: Campo Bom, residia em São Leopoldo 5. Estado Civil: ( ) casada ( ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( x ) união estável 6. Cor: ( x ) branca ( ) negra ( ) parda 7. Escolaridade: 2º grau completo 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade:________ ( x ) mercado informal Atividade: Loja de roupas ( ) nenhuma 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( ) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( x ) acima de 5 salários 15 a 20 mil reais mensais. 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 2 pessoas. 12. Recebe visitas? ( x ) sim ( ) não 13. Frequência: Todos os sábados. 14. Quem costuma vir? Companheiro e mãe. 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( x ) não. Por causa da bebê.

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16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( x ) sim ( ) não Se sim, qual? Limpo a sala do médico e das técnicas, pela remissão. Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Prisão provisória, tive uma audiência ontem. 18. Motivo da condenação: Tráfico Internacional. 19. Pena total: Não sei, porque ainda não teve condenação. 20. Pena cumprida: 1 ano e 8 meses. 21. Teme ser discriminada quando sair? ( x ) sim ( ) não Em relação ao trabalho. Meu companheiro dirige táxi e não consegue o “carteirão” porque já teve “condena”. Ele mudou de vida e está incorreto porque não consegue o “carteirão”. 22. Frequenta o serviço médico? ( x ) sim ( ) não Muito pouco, tô com hemorragia e não consigo encaixar. Aqui e no hospital Presidente Vargas. No hospital é bom, a gente tem prioridade. 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( x ) sim ( ) não Só no hospital, a minha bebê nasceu prematura e ficou 15 dias internada. 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? ( x ) sim ( ) não Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? ( x ) sim ( ) não Engravidei na penitenciária de Guaíba, na visita íntima. 25. Possui filhos? ( x ) sim ( ) não Sim. 26. Número de filhos: 2, um casal. 27. Idade dos filhos: 6 anos, 1 mês e 20 dias. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Sim, 01. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( x ) sim ( ) não

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Minha filha já teve pneumonia. Costumam sair do ambiente prisional? ( x ) sim ( ) não Saiu com o pai. Tem contato com outros membros da família? ( x ) sim ( ) não 30. Frequência que vê os filhos: De 15 em 15 dias, quando dá, por causa da família, que é parte de Novo Hamburgo e parte de Canoas, aí fica longe. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? É bom. O problema não é o atendimento médico, são as funcionárias. Quarta chamei a supervisora porque minha filha estava ruim, mas eles disseram que o bebê estava bem, aí quando consegui convencer elas de levar no médico ela já tinha feito pneumonia. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? 35 fraldas por semana, dividem. Deveriam obrigar a dar o peito, porque tem mãe que não quer dar. Comida normal, igual a da galeria. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Terrível, devia ter uma domiciliar. Aqui é úmido, a gente precisava de acompanhamento, tinham que nos dar oportunidade. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Domiciliar com acompanhamento para cuidar dos filhos, quem não é acompanhada volta para o crime. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Avó paterna.Estou bem porque minha filha tá comigo, tive tempo para refletir. Eu sei que meu filho tá bem, aí a gente fica bem. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Construir a família Trabalhar Estudar Fazer vestibular para administração Cuidar dos meus filhos 37. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse: A gente quer mudar de vida, mas não consegue. Pra ir pra enfermaria tem que deixar o bebê aqui com as outras, o que é ruim porque a enfermaria é no outro pátio. A gente deixa de ser atendido porque tem que deixar o filho. Como tive prematuro, o bebê teve que ficar internado, só podia ver

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ele por 10 minutos, com a escolta, foi isso por 15 dias, ia pro hospital todo o dia com a escolta. Quero ser condenada de uma vez porque a VEC daqui conhece a minha situação e vai me dar a domiciliar. Já tenho tempo para remissão. Aqui não dão o anticoncepcional que eu preciso, porque tô amamentando. Deviam cuidar mais, eu engravidei na visita íntima. As funcionárias tratam a gente muito mal, discriminam muito a gente, as daqui, as de lá não [do hospital]. Aqui é um lugar bom, no mais é tranquilo. Se tu tem três registros no livro, perde o bebê. Quarta eu avisei que ela tava ruim, quinta ela piorou, tava com pneumonia, foi internada. Podia ter sido atendida antes. Elas preferem que o parente não leve. Vou tentar fazer uma laqueadura. [Sobre as refeições]: - Café com leite e 1 pão - Almoço - Café com pão - 17h – janta, depois nada. Quem não tem visita fica com fome. A maioria não tem visita, o povo é meio que abandonado. A família não vem muito. Eu perdi 8 quilos. As presas fumam muito, o que prejudica os bebês, esse é um dos maiores problemas. A galeria não tem assistente social e psicólogo todos os dias, mas precisava avaliar cada caso, cada pessoa para poder tá na rua com os filhos. [Em relação à Polícia Federal, que realiza suas escoltas tendo em vista o motivo de sua condenação]: Eu sou muito calma, tem um funcionário (xxxxxx), que trata todos mal algema com força, faz a gente se sentir mal, me tratam melhor porque eu sou calma. A Dona xxxxx não quis dar o atendimento, porque disse que o bebê estava bem. As janelas não tem vidro. As detentas fumam nos alojamentos, deveria ser proibido. Tem brigas frequentes por picuinhas, bem difícil. Se a gente não tiver o psicológico bom é brabo. Mãe 2: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): Xxxxxxx 3. Idade: 25 anos

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4. Naturalidade: Porto Alegre 5. Estado Civil: ( ) casada (X) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 6. Cor: (X) branca ( ) negra ( ) parda 7. Escolaridade: 1º Grau completo 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade:________ ( ) mercado informal Atividade:________ (X) nenhuma No semiaberto trabalhava como manicure e pedicure, mas foragi. 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( ) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de 5 salários 10. Possuía residência fixa? (X) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 07 (sete), com o bebê 8 (oito) 12. Recebe visitas? ( ) sim (X) não 13. Frequência: _______________ 14. Quem costuma vir? 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( ) não 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? (X) sim ( ) não Se sim, qual? Limpoessa sala Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Definitiva 18. Motivo da condenação: Tráfico 19. Pena total: 06 (seis) anos e 08 (oito) meses

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20. Pena cumprida: 03 (três) anos completados em setembro/2012 21. Teme ser descriminada quando sair? (X) sim ( ) não 22. Frequenta o serviço médico? (X) sim ( ) não 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? (X) sim ( ) não 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? (X) sim ( ) não Eu tava grávida de dias quando vim pra cá. Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? (X) sim ( ) não 25. Possui filhos? (X) sim ( ) não 26. Número de filhos: 04 (quatro) 27. Idade dos filhos: xxxx de 09 (nove) anos e xxxxx de 04 (quatro) anos. Eles moram com a minha mãe; xxxxxx de 06 anos, ele mora com a minha sogra e o xxxxxxx de 05 (cinco) meses que tá aqui na unidade materno infantil. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? 01 (um) 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? (X) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim (X) não Tem contato com outros membros da família? ( ) sim (X) não Só sai com 06 meses e vai ficar com uma amiga porque minha mãe trabalha e já cuida dos outros dois. 30. Frequência que vê os filhos: Visita assistida de dois em dois meses 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Não porque avisam que a criança está doente e elas nem dão bola, nos finais de semana ninguém dá importância. Vão para o hospital tarde demais. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? A comida é horrível (sopa pura água). Tudo aqui é ruim. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional?

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Péssimo. Aqui não tem estrutura nenhuma. É úmido e frio. Deveria ser fechado. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Regime domiciliar com direito a trabalhar. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Mãe e sogra 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? --37. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse: Dão roupas quando querem. O pediatra não examina. É tudo desorganizado. Eu parei de usar drogas sozinha, quando vim pra cadeia. Juiz deveria dar domiciliar para quem não tem com quem deixar os filhos. O juiz deveria ser mais humano com as crianças. O problema é de quem faz coisa errada. Tudo que eu quero é que passe rápido para acabar a pena, mas ao mesmo tempo devagar por causa do filho. Eu vou pro semiaberto. Mãe 3: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): xxxxxxxxx 3. Idade: 19 anos 4. Naturalidade: Montenegro 5. Estado Civil: ( ) casada (x) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 6. Cor: (x) branca( ) negra ( ) parda 7. Escolaridade: 2º grau completo 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.):

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(x) mercado formal Atividade: Mecânica Industrial ( ) mercado informal Atividade:________ ( ) nenhuma 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? (x) menos de um salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de 5 salários Eu fazia curso no SENAI, mecânica 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 2 12. Recebe visitas? (x) sim ( ) não 13. Frequência: Uma vez por mês. 14. Quem costuma vir? Mãe adotiva. 15. Recebe visita íntima? ( ) sim (x) não 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? (x) sim ( ) não Limpo o setor, a sala do médico e da social. 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Provisória. 18. Motivo da condenação: Tráfico 19. Pena total: 20. Pena cumprida: 1 ano 21. Teme ser descriminada quando sair? (x) sim ( ) não 22. Frequenta o serviço médico? (x) sim ( ) não 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? (x) sim ( ) não 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? (x) sim ( ) não Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? (x) sim ( ) não 25. Possui filhos? (x) sim ( ) não

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26. Número de filhos: 1 27. Idade dos filhos: 5 meses 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Sim, 1. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico?(x) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? (x) sim ( ) não Tem contato com outros membros da família? (x) sim ( ) não Com a minha mãe e a outra vó. 30. Frequência que vê os filhos: 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Fraldas dão, roupa não é sempre, depende de doação, e comida é normalmente horrível. As funcionárias daqui são legais, mas no fim de semana não tem pátio, não tem médico, eles só levam quando tem febre. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? O pediátrico não vale nada, psicóloga meio louca, só gosto da social. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Não é ambiente para criança, mas o bom é que elas tão com a gente. Passa os dias mais rápido e é a única alegria de estar presa. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Prisão domiciliar. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Trabalhar para cuidar da minha filha. 37. Quando questionada se queria registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Aqui a convivência é difícil, são muito diferentes umas das outras, tem muita discussão, é difícil com as que usaram drogas. A gente tem medo de perder os filhos. As funcionárias daqui são legais, mas no fim de semana não tem pátio, não tem médico, eles só levam quando tem febre.

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O pediatra nem sabe o que é pediatria. Só sabe dizer Sorine e muito “mamá”. Esses dias minha bebê estava mal, eu pedi várias vezes pra levar no médico e elas não queriam, aí levaram e me disseram: “Se não tiver quando, voltar vai para o castigo”. Nesse dia a bebê ficou baixada. Na gravidez eu não comia muito, tinha muita azia. Não conseguia levantar, só fui para o hospital quando estourou a bolsa. A xxxxxx tem refluxo, vai no médico. Aqui não tem despertador para dar remédio, tem que ficar acordada a noite toda para não perder a hora. Quando eu tava em Montenegro me perguntaram se eu queria tirar, mas eu não quis. A gente vai para Guaíba, vai ser difícil, lá é mais difícil. Só as presa terrível. Mãe 4: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): _______ 3. Idade: 23 anos 4. Naturalidade: Vacaria, vim para o Pelletier para ganhar o nenê. 5. Estado Civil: ( ) casada ( x ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 6. Cor: ( x ) branca ( ) negra ( ) parda 7. Escolaridade: 7ª Série 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade: ( ) mercado informal Atividade: ( x ) nenhuma Trabalhei na loja de flores xxxxx, agora tô há quatro anos presa. 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( x ) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de 5 salários Quando trabalhava ganhava R$ 500,00. 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não

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11. Quantas pessoas residiam com você? 4 pessoas, mãe, irmão e irmã. A minha mãe está presa. 12. Recebe visitas? ( ) sim ( x ) não 13. Frequência: 14. Quem costuma vir? 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( x ) não. 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( ) sim ( x ) não Se sim, qual? Por causa das crianças. Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Definitiva. 18. Motivo da condenação: Tráfico – 5 anos Associação – 3 anos. 19. Pena total: 8 anos, tive uma fuga. 20. Pena cumprida: Vai fazer quatro anos em agosto. 21. Teme ser discriminada quando sair? ( x ) sim ( ) não Já fui, quando saí. No posto de gasolina todo mundo ficava olhando, cidade pequena, sabe. Mesmo sem algema, na rua um fala pro outro, se afastam. Tentei achar serviço, mas não consegui, quando estava no semiaberto. Não aguentei e foragi, fui pega em um passeio de sete dias. 22. Frequenta o serviço médico? ( x ) sim ( ) não 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( x ) sim ( ) não 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? ( x ) sim ( ) não Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? ( x ) sim ( ) não Engravidei na cadeia, passei a gravidez toda na cadeia. 25. Possui filhos? ( x ) sim ( ) não 26. Número de filhos: Três.

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27. Idade dos filhos: 8 anos, 5 anos e um mês. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? 01. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( x ) sim ( ) não Hoje mesmo Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim ( x ) não Só saiu para o teste do pezinho. Tem contato com outros membros da família? ( ) sim ( x ) não Só com a minha mãe, a família mora muito longe. 30. Frequência que vê os filhos: Não vejo. A de dez anos faz quatro anos que eu não vejo. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Por partes é bom, por partes não. Demora muito pra conseguir ir num médico. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? Remédio e fralda tem, ele é alérgico, aí tão pagando fralda melhor, essa parte eles ganham, é bem distribuído. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Penso em mandar pra casa, não é lugar pra ninguém aqui, eu errei, ele não tem que estar preso, não tenho com quem deixar ele, se não ele não estaria aqui. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Aqui não tem caso gravíssimo, é só fuga e nada, devia ter domiciliar. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Uma com o pai e uma com a avó em Vacaria. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Ir para casa ajudar minha irmã que está grávida e sozinha Trabalhar, criar meu filho, ver minha filha. Mudar de vida, porque essa que eu escolhi só fez eu perder 5 anos aqui dentro. 37. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse: Tenho uma filha de oito anos que, quando eu fui condenada, o pai

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veio de Brasília, aí ela ficou com o pai. Ela mora em Brasília, com ele. Eu falava com ela por telefone. Ela sofre muito, passa até por psicólogo. Ela teve convulsão emocional. O pai não quer que eu fale com ela porque ela fica mal. Pra ela não adoecer eu não quis mais ligar. Eu sinto bastante falta, por isso eu escolhi vir pra cá, pra não perder o meu bebê. A outra tá com a vó, ela levava pra me visitar, a vó tem auxílioreclusão. Agora ela nem me reconhece mais, chama a avó de mãe. Agora a avó tem a guarda provisória dela. Aqui é muito longe.Já era pra eu ter ido embora, o meu PEC nunca vem de Vacaria. Faz um ano que eu não vejo a minha mãe, ela tava no Pelletier, mas teve uma briga na cela e ela teve que ir pra Guaíba. As cartas nunca chegam em Guaíba. A mãe se envolveu em várias brigas. Lá em Guaíba são 36 mulheres juntas. Aqui é melhor, mesmo sem visitas. Tinha um bebê que estava com pneumonia e as funcionárias disseram que tava bem. Quando a gente sai pra médico elas fazem revista íntima, com a gente sentindo dor. Daqui não vai sair com nada. Fiquei quatro dias no hospital, quase morri no hospital, esqueceram a placenta dentro. Não tive acompanhamento depois disso, perdi muito sangue, fiquei anêmica. Sofri muito, quase entrei em depressão, nem conseguia cuidar da nenê. Aqui é só pedir o que falta que a Assistente Social consegue. As funcionárias fazem descaso. Fiquei 5 dias com dor, estava com infecção na bexiga e ela reinando pra levar pro médico. Agora tá bom, mas as grávidas não. Decidi ficar com ele, mesmo que ele me culpe. Desde pequeno eles já carregam que foram preso, eles pagam pelos nossos erros. Eles deviam dar oportunidade pras pessoas. A gente espera, espera, ninguém olha por nós, algumas merecem. Que deem uma domiciliar, a brigada que passe nas casas pra cuidar. A gente devia se fixar, se organizar, deixar o filho bem. Ter acesso a um defensor. O seu Roberto é minha última esperança, ele vai conseguir minha domiciliar. Eu não sei nada que tá acontecendo, ninguém olha meus papel. A maioria não sabe nada e não tem advogado. Tinham que dar mais bola pra nós. Só tem tudo que tem por causa das crianças, só por causa das crianças. A maioria é por vício, não são casos de grande condena. Não vem advogado. Vacaria não tem jurídico. Mãe 5: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial):

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xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): ___ 3. Idade: 42 anos 4. Naturalidade: Porto Alegre 5. Estado Civil: ( ) casada ( ) solteira ( x ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável No papel, mas vivojunto. 6. Cor: ( ) branca ( ) negra ( x ) parda 7. Escolaridade: 4ª Série 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade:________ ( ) mercado informal Atividade:________ ( x ) nenhuma 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( ) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de 5 salários Não tinha. 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 6 pessoas. 12. Recebe visitas? ( x ) sim ( ) não 13. Frequência: Todos os sábados. 14. Quem costuma vir? Mãe 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( x ) não Meu marido está preso. 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( x ) sim ( ) não Se sim, qual?Tiro o lixo da galeria.

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Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Definitiva. 18. Motivo da condenação: Tráfico. 19. Pena total: 5 anos e 10 meses 20. Pena cumprida: 1 ano e 5 meses 21. Teme ser discriminada quando sair? ( x ) sim ( ) não A gente já é, né. 22. Frequenta o serviço médico? ( x ) sim ( ) não 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( x ) sim ( ) não 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? ( x ) sim ( ) não Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? ( x ) sim ( ) não 25. Possui filhos? ( x ) sim ( ) não 26. Número de filhos: 8 27. Idade dos filhos: 20 anos, 18 anos (ele é deficiente, tem atrofiamento), 14 anos, 11 anos, 8 anos, 6 anos, 4 anos (essa de quatro nasceu da outra vez que eu estava aqui), 8 meses. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Sim, 01. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( x ) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( x ) sim ( ) não Uma vez por mês Tem contato com outros membros da família? ( x ) sim ( ) não 30. Frequência que vê os filhos: Eu não vejo eles. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Sim.

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32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? Não. Eu tenho hepatite C e não posso fazer o tratamento porque o médico disse que só dá pra fazer em liberdade. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Pra eles é bom porque fica com a mãe. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Uma domiciliar, assim cumpriria a cadeia e cuidaria dos filhos. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Com a avó. Obs.: A Assistente Social informou que esta detenta já perdeu a guarda de quase todos os filhos, que estão em abrigos. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Cuidar dos meus filhos. 37. Quando questionada se gostaria de fazer algum comentário ou deixar algum registro, a entrevistada relatou o que segue: Queria ter o tratamento pra a hepatite e pra isso precisa estar fora da cadeia. Minha mãe tem 65 anos, os meus filhos precisam de mim. Já tô pagando pelo o que eu fiz. Obs.: A detenta tem problemas de audição. Mãe 6: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): ___ 3. Idade: 29 anos 4. Naturalidade: Porto Alegre, residia em Caxias do Sul 5. Estado Civil: ( x ) casada separada ( ) união estável

( ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( )

6. Cor: ( x ) branca ( ) negra ( ) parda

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7. Escolaridade: 3º semestre da faculdade de letras 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade:________ ( ) mercado informal Atividade:________ ( ) nenhuma Estudante, eu tenho magistério e estava na faculdade. 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( ) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de 5 salários Não possuía. 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 2 pessoas. 12. Recebe visitas? ( ) sim ( x ) não 13. Frequência: 14. Quem costuma vir? 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( x ) não 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( x ) sim ( ) não Se sim, qual? Cantineira. Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Definitiva. 18. Motivo da condenação: Tráfico. 19. Pena total: 10 anos. 20. Pena cumprida: 1 ano e 4 meses. 21. Teme ser discriminada quando sair? ( x ) sim ( ) não 22. Frequenta o serviço médico? ( x ) sim ( ) não 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( x ) sim ( ) não Bem fraco.

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24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? ( x ) sim ( ) não Engravideina visita íntima. Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? ( x ) sim ( ) não Fiz o pré-natal só depoisdo quinto mês, quando vim para a unidade de Porto Alegre, porque em Caxias do Sul não tinha a prestação desse serviço. 25. Possui filhos? ( x ) sim ( ) não Sim, só ela. 26. Número de filhos: 1. 27. Idade dos filhos: 11 meses. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Sim, 01. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( x ) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( x ) sim ( ) não Visita o pai, através da madrinha. Tem contato com outros membros da família? ( x ) sim ( ) não Com a Madrinha, conhece o pai e o avô que estão cumprindo pena em Caxias do Sul. 30. Frequência que vê os filhos: Só tenho ela, que está aqui comigo. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? É feito o que pode ser feito, não dá pra fazer milagre na cadeia. Preciso de óculos, mas não posso mandar fazer. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? Dentro das possibilidades eles fazem o que podem. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Ela tem asma. Aqui é assim: estrutura pouca, vontade bastante. Não é o mesmo desenvolvimento que ela teria na rua. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Prisão domiciliar até um ano, aqui não tem remédio nem psicológico.

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35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Não tenho filhos fora da Unidade. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Fazer Enfermagem, quero cuidar das pessoas. Abrir uma lancheria. Não posso mais ser professora por causa da “condena”. 37. Quando questionada se gostaria de fazer algum comentário ou deixar algum registro, a entrevistada relatou o que segue: A gente passa a gravidez sozinha, estou bem abalada porque daqui a pouco vou ficar sem o meu bebê (percebe-se que a apenada é muito apegada à filha, durante a entrevista ela brinca como bebê e fala diversas vezes que a ama). (Chorando) Não tinha que separar a gente, eu lutei pra ficar com ela, vim pra cá pra ficar com ela até o fim. Eu ia até o fim do mundo pra ficar com ela. Tem mãe que manda o filho embora, eu não. Faltam quatro meses. Vai ser uma eternidade longe dela. Fim do mês ela faz um ano, vai ter festinha aqui [na festinha poderão vir pessoas não ligadas à unidade]. Não é motivo de festa porque ela vai ter que ir embora, mas precisa registrar. Não podia ser separada do filho, arranca um pedaço. Parece que ela tá sentindo, sabe? Depois que ela for embora eu só vou ver ela duas vezes por mês. A criança vai embora e que se vire. Não tem atendimento psicológico pra gente.Meu processo foi pro TJ ano passado, ficou um ano e pouco em apelação, perdi tudo. Tive uma gravidez de alto risco. Tive o bebê aqui, fui para o hospital só pra ter ela. Vim pra cá e fiquei sozinha, longe da minha família, pra poder ficar com ela. Lá em Caxias pedi uma domiciliar, mas não deram. Cidade do interior é mais rigoroso. Mãe 7: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): xxx 3. Idade: 32 4. Naturalidade: Porto Alegre 5. Estado Civil: (x) casada ( ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável

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6. Cor: (x) branca ( ) negra ( ) parda 7. Escolaridade: 5ª série 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade:________ ( ) mercado informal Atividade:________ ( x) nenhuma 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( ) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de 5 salários 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 4 filhos 12. Recebe visitas? (x) sim ( ) não Esposo e filhos 13. Frequência: Filhos de 15 em 15 dias e esposo aos sábados. 14. Quem costuma vir? Esposo e filhos. 15. Recebe visita íntima? ( ) sim (x) não Ainda não. 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( ) sim (x) não Por causa do bebê. Se sim, qual? Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Definitiva. 18. Motivo da condenação: Tráfico 19. Pena total: 10 anos e 6 meses. Antes estive na prisão em 2008. 20. Pena cumprida: Desde abril.

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21. Teme ser descriminada quando sair? ( ) sim (x) não 22. Frequenta o serviço médico? (x) sim ( ) não Usei o pediatra uma vez quando o bebê estava com febre. 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( ) sim (x) não 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? (x) sim ( ) não Sim, ganhei dia 1º. Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? Fiz acompanhamento fora da penitenciária. 25. Possui filhos? (x) sim ( ) não 3 filhos e 1 enteado. 26. Número de filhos: 3 27. Idade dos filhos: 12, 1 ano e 4 meses e 3 meses. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Sim, 1. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? (x) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim (x) não Tem contato com outros membros da família? (x) sim ( ) não Com meu esposo e com os irmãos. 30. Frequência que vê os filhos: De 15 em 15 dias. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Não tem do que reclamar. Nem ao menos das funcionárias. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? Sim. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Se pudesse deixar em casa deixaria, mas fico com ela pra amamentar e porque não teria ninguém para cuidar dela. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Domiciliar, rígida. Aqui é triste sem ter a família.

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35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Com meu esposo. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Continuar minha vida, cuidando da minha família. 37. Quando questionada se queria registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Não queria estar com ela aqui, se tivesse quem cuidasse não gostaria de ver ela aqui dentro. Eu acho que pra ficar com os filhos eles podiam botar aquelas tornozeleiras, sabe? Aqui dentro só buscando a Deus, foi como eu mudei completamente. Não entra nada pela visita. Igreja foi onde eu consegui. Me batizei, conheci meu esposo. O pai do meu filho morreu na frente dele. Hoje a gente é dirigente da Igreja Deus é amor. Eu respondi meu processo em liberdade, refiz minha vida. Eu tava em casa no dia 11/04, quando veio a ordem pra prender. O de um ano é uma barra, quando eu vim pra cá foi uma barra para o meu esposo. A minha cunhada até ajuda. Teve uma vez que ele ficou doente e meu esposo teve que ficar três dias sem trabalhar. Eu sempre cuidei do meu filho, agora estou aqui e não posso cuidar. Eu casei depois que sai daqui. Em 2009, eu vim de novo, aí fui absolvida. Mudei de vida. Pedi domiciliar, eu tenho advogado. Eu queira ficar com os filhos, podia ser com aquelas tornozeleiras, sabe? Só Deus dá a vitória. Em Guaíba fica mais difícil ainda. Mãe 8: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): ----------3. Idade: 32 4. Naturalidade: Canoas 5. Estado Civil: ( ) casada (x) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável

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6. Cor: ( ) branca (x) negra ( ) parda 7. Escolaridade: 1ª série 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade:________ (x) mercado informal Atividade:Faxina ( ) nenhuma 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? (x) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de 5 salários R$ 100,00 por semana 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 5 pessoas (4 filhos) 12. Recebe visitas? (x) sim ( ) não Enteada 13. Frequência: 1 mês sim outro não 14. Quem costuma vir? Enteada 15. Recebe visita íntima? ( ) sim (x) não 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? (x) sim ( ) não Se sim, qual? Limpeza de corredor, pátio, sala. Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Provisória. 18. Motivo de condenação: Tráfico – Tenho Advogado 19. Pena total: -20. Pena cumprida: 9 meses 21. Teme ser descriminada quando sair? ( ) sim (x) não Já é a 2º vez que passo por aqui e nunca fui.

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22. Frequenta o serviço médico? ( ) sim ( ) não As crianças e pra gente enfermaria. 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? (x) sim ( ) não 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? (x) sim ( ) não Por 1 mês. Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? (x) sim ( ) não 25. Possui filhos? (x) sim ( ) não Mais 4 filhos 26. Número de filhos: 05 27. Idade dos filhos: 15, 9, 7, 4 e 2 meses 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Sim, 1. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? (x) sim ( ) não Com 3 meses Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim (x) não Tem contato com outros membros da família? (x) sim ( ) não Sim, com a irmã e com o pai, em visita em casa (quando o familiar pede, a criança pode realizar a visita em casa). 30. Frequência que vê os filhos: Não vejo, eles tão num abrigo. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Para as crianças, sim. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? Sim. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? O lugar não é bom, mas é melhor ficar com a mãe. O lugar é muito úmido. Osvidros estão quebrados. O bebê tem bronquite, leite foi para o pulmão. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas?

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Domiciliar para filho pequeno. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Abrigo. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Voltar para o meu marido Trabalhar Estudar Obs.: Parou sozinha com as drogas 37. Quando questionada se queria registrar mais alguma coisa ou contar algo importante, disse: Aqui tem muitas brigas, não é bom para criança. Tem um homem que ajuda. Aqui qualquer briguinha perde os filhos. Guaíba é bom para as crianças, mas ruim para as apenadas. É frio, e a gente fica longe da família. Me enxertaram 70 petecas. Eu era usuária e fiquei feliz em ser presa, porque parei de usar. Eu até gravei com o Carlão, da TV sabe? Eu ficava lá porque eu usava... Mãe 9: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): 3. Idade: 26 anos 4. Naturalidade: Osasco (vim de lá para ficar com a minha sogra) 5. Estado Civil: ( ) casada ( X ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 6. Cor: ( ) branca ( X ) negra ( ) parda 7. Escolaridade: 7 ª Série (Fundamental incompleto) 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade:________ ( x ) mercado informal Atividade: Eu fazia bicos, por último era babá. ( ) nenhuma 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal?

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( X ) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( de 5 salários R$ 250,00 a R$ 350,00.

) acima

10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 6 pessoas. 12. Recebe visitas? ( x ) sim ( ) não 13. Frequência: 15 em 15 dias. Agora a minha mãe tá baixada, desde o dia da criança, aí não tá vindo. 14. Quem costuma vir? Mãe. 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( x ) não. 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( x ) sim ( ) não Se sim, qual? Limpo o pátio externo. Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? 2008 – 2010 condicional (está em prisão definitiva) 18. Motivo da condenação: Tráfico, no sistema cai de gaiato, me enxertam droga. Eu tava indo visitar meu namorado que enxertou a droga, aí eu fui pega na revista. Eu não uso drogas e já faz 7 dias que tô sem cigarro. 19. Pena total: 6 anos. 20. Pena cumprida: 7 meses. 21. Teme ser discriminada quando sair? ( x ) sim ( ) não Com serviço, principalmente, para começar do zero. Eu tenho 3 dependentes, minha mãe e 2 filhos. A gente morava de favor, aí a gente era obrigado a se envolver com o tráfico pra não perder a casa. Eles maltratavam minha mãe, ela até adoeceu. Tá com enfisema. Meu outro filho foi pro abrigo, ele sofreu muito, ficou agressivo quando eu fui presa, ficou sem ninguém porque eu tô aqui e minha mãe tá no hospital, ele tá sofrendo bastante. 22. Frequenta o serviço médico? ( x ) sim ( ) não As vezes, por dor nas costas e dentista. Não conseguem tratar

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meus dentes, vai arrancar. 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( x ) sim ( ) não Uma vez e outra, quase não chama e é na corrida. Desde que eu tive o bebê, não foi na “gineco”. A minha gravidez foi de risco. Fiquei 5 dias perdendo líquido, comecei dia 3/2 e só fui pro hospital dia 07/02. Fiqui internada até o dia 19/02, quando ele nasceu prematuro. Eu carregava muito peso, terminei o pré-natal aqui. 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? ( x ) sim ( ) não Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? ( x ) sim ( ) não Engravidei na penitenciária de Guaíba, na visita íntima. 25. Possui filhos? ( x ) sim ( ) não Sim. 26. Número de filhos: 2 filhos. 27. Idade dos filhos: Um de 5 anos e o daqui de 5 meses. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Sim, 01. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( x ) sim ( ) não É a mesma coisa que nada, ele não examina, só manda dar Sorine e peito. Mal examina, manda dá Sorine e depois a gente leva no hospital e vê que a criança está com bronqueolite. Ele só olha se a gente fala. O meu bebê ficou com o ouvido infeccionado vários dias e o pediatra nem viu, disse que não tinha nada. Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim ( X ) não Tem contato com outros membros da família? ( x ) sim ( ) não Com a avó. 30. Frequência que vê os filhos: Vi na segunda. A assistente social trouxe, eletá muito abatido. Vai ir para o abrigo com a avó. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Assistente social é bom, ajuda a família, vai pelo certo. A psicóloga é psicopata. Quando eu fumava maconha a psicóloga atropelava muito, nota 5. Assistente social nota 10. Pediatra atendimento não é excelente, só olha se a gente fala. Ele tava com o ouvido infeccionado há vários dias e o pediatra não viu.

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32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? As roupas são por doações. As roupas são má-distribuídas. Eles só dão pras favoritas. Quando veio roupa, uma presa pegou todas as calças de soft. Elas escolhem a dedo quem vai ganhar as roupas. A comida é horrível, o arroz é duro, sem tempero, a sopa das crianças só água. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Estar com a mãe é bom, eles precisam de amamentação, mas o ambiente é ruim. Então é bom e ruim. Cadeia vê grade, não pode tomar um sol, é ruim, mas pelo menos está com a mãe, não dá depressão pós parto. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Domiciliar, fica com a criança por 1 ano, com o compromisso de voltar ou cumprir a pena, fazer serviço comunitário quando for cadeia pequena. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Abrigo. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Trabalhar, primeira coisa passar borracha no crime. Esquecer a cadeia. Cuidar dos meus filhos. Dar futuro e estudo para eles. Comprar uma casa para minha mãe. Terminar meus estudos. Sou culpada pelo que aconteceu com meus filhos. 37. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse: As funcionárias acham que tudo está bem, elas ficam ameaçando que vão tirar nossos filhos. Qualquer coisa querem registrar no livro. Não dão oportunidade da gente falar, se defender. Obrigam a fazer coisas que a gente não quer. Elas escolhem as favoritas, até nas doações. As fraldas boas elas levam para casa. Tem umas que tratam como ser humano, outras nos tratam que nem cachorro sarnento na calçada. Eu queria que desse mais tempo para ficar com eles, que antes podia, por que não volta essa lei? Guaíba é longe, é frio, é ruim para a família.

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Gestante 1: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): xxxx 3. Idade: 23 anos 4. Naturalidade: São Leopoldo 5. Estado Civil: ( ) casada ( x ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 6. Cor: ( x ) branca ( ) negra ( ) parda 7. Escolaridade: Técnica em Enfermagem 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade: ( ) mercado informal Atividade: ( x ) nenhuma Trabalhei durante três anos na farmácia XXXX, em Flores da Cunha. Fiz o curso técnico em Caxias do Sul. 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( ) menos de 1 salário ( x ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de 5 salários Quando trabalhava ganhava “mil e poucos” reais. 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 4 pessoas, 3 adultos e 1 criança. 12. Recebe visitas? ( x ) sim ( ) não 13. Frequência: De 15 em 15 dias. 14. Quem costuma vir? Mãe e sogra. 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( x ) não.

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16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( x ) sim ( ) não Se sim, qual? Vou começarna segunda-feira a fazer artesanato, imãs de geladeira. Acho bem legal, melhor do que não fazer nada. Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Provisória, era 155 mas me enxertaram uma faca, eles não têm prova. Me pegaram bem depois. Eu era “isca”, fingia que ia fazer programa para os guris assaltar. Não teve flagrante, só enxertaram a faca. Inventaram o flagrante, os papel não tão andando, faz quatro meses que tá tudo parado. Eu não tive atendimento jurídico. Dessa vez não tenho advogado, da outra vez paguei R$ 8.000,00 pro advogado e aí saí rapidinho. 18. Motivo da condenação: Atual – Art. 157 2010 – Tráfico, peguei 4 meses de provisória e fui absolvida. 19. Pena total: Não sei, ainda não tenho condenação definitiva. 20. Pena cumprida: 4 meses. 21. Teme ser discriminada quando sair? ( ) sim ( x ) não Já passei e não fui, não vai ser agora que vou ser. 22. Frequenta o serviço médico? ( x ) sim ( ) não Só enfermaria. 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( x ) sim ( ) não Sim, só “gineco”, já estou com 38 semanas e não sei o sexo do bebê. 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? ( x ) sim ( ) não Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? ( x ) sim ( ) não Vou a um médico por mês, não fico incomodando. 25. Possui filhos? ( x ) sim ( ) não 26. Número de filhos: 1 e tô grávida. 27. Idade dos filhos: 6 anos. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Gestante.

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29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( ) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim ( ) não Tem contato com outros membros da família? ( ) sim ( ) não 30. Frequência que vê os filhos: Aqui eu não vejo, a minha filha acha que estou viajando, ela não sabe que eu estou aqui. Ela está com a avó materna. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Aqui é bom, mas podia ser melhor, as ecografias, por exemplo. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? A comida podia ser melhor, a comida não dá para comer, a gente faz comida na cela, a gente compra na cantina e passa a base de miojo. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Por um lado é bom, por outro é ruim. É bom para a mãe, é ruim para a criança. Já vai nascer preso. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Prisão domiciliar, porque aqui não é ambiente pra criança, é muito frio, não tem condição. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Com a avó materna. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Arrumar emprego bom Ficar com os meus filhos Tô legal de cadeia, não quero fazer mais nada de errado. 37. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse: O pessoal de fora, assim que nem tu, tinha que vir mais para ajudar quem não tem advogado. Quem tem condição pega o lugar. O Estado não tá nem aí, ou demora muito. Quando vejo que tô deprimida leio a bíblia, já tô grávida, tô tentando ser forte. Queria ganhar meu filho na rua, já podia ter tido audiência, se eu tivesse advogado particular já tava na rua. Gestante 2: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial):

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XXXXXXXXXXX 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): XXXX 3. Idade: 23 anos 4. Naturalidade: Viamão, mas eu morava em Porto Alegre 5. Estado Civil: ( ) casada ( x ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 6. Cor: ( x ) branca ( ) negra ( ) parda 7. Escolaridade: 8ª série 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( ) mercado formal Atividade:________ ( ) mercado informal Atividade: ( x ) nenhuma 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( ) menos de 1 salário ( ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( x ) acima de 5 salários Não possuía renda. 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não Em Viamão, Lupicínio Rodrigues. 11. Quantas pessoas residiam com você? 3 pessoas. 12. Recebe visitas? ( ) sim ( x ) não 13. Frequência: __ 14. Quem costuma vir? ___ 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( ) não. _____ 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( ) sim ( x ) não Se sim, qual? Só estudo. Se não, gostaria de exercer?

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17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Definitiva, estava em liberdade provisória e foragi do semiaberto. Vou fazer os exames para a condicional. 18. Motivo da condenação: Tráfico. 19. Pena total: 4 anos e 2 meses. 20. Pena cumprida: 3 anos e três meses. 21. Teme ser discriminada quando sair? ( x ) sim ( ) não Sempre vai ter. 22. Frequenta o serviço médico? ( x ) sim ( ) não Pré-natal. 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( x ) sim ( ) não 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? ( x ) sim ( ) não Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? ( x ) sim ( ) não Estava grávida no período em que foi entrevistada. 25. Possui filhos? ( x ) sim ( ) não 26. Número de filhos: 2, um casal e estou grávida. 27. Idade dos filhos: Menino – 2 anos e 6 meses. Menina – 5 anos, faz 6 em novembro. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Gestante. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( ) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim ( ) não Tem contato com outros membros da família? ( ) sim ( ) não 30. Frequência que vê os filhos: Não tem período exato, mas vejo. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? As grávidas não ganham as doações, deveria ser para todas as

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mães. A XXXXX vai ter o bebê e não tem nada. Eu vou ter uma menina e não vou ter nada. Fiz 2 ecografias. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? Tentam fazer o melhor. Não levam as crianças no médico, dizem que se o nenê tá rindo é porque tá bem. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? O bebê nasceu aqui, quando ele estava com três meses elas queriam dar o berço, mas eu não quis, aí elas me tiraram ele. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? A cadeia não é bom para a criança, mas tem a FASE, podia ter algo parecido, por um tempo, mas o nenê ficaria mais à vontade. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? A minha filha está com a tia e meu filho está com a minha irmã. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Cuidar da minha filha Ninguém vai tirar minha filha Eu sempre fui preocupada com meu filho e me tiraram ele. 37. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse: Melhorar o atendimento de quem trabalha aqui. As assistentes sociais deveriam ter mais paciência. Eu não fui criada por uma família, não tenho o costume de cumprir regras. Elas deviam conversar com a gente. A gente precisa de atenção.Já tive dois bebês aqui.Na gestação da minha filha eu usei drogas, dos outros dois não. Ganhei a primeira com 17 anos. [Sobre a escola]: A aula é boa. Eu fiquei depressiva, fui proibida de estudar. Os médicos são bons. A ginecologista e o clínico. Eu tive dor, fui no médico e estava com infecção urinária. Tem risco de nascer prematuro. [Em relação ao filho que foi embora]: Acho ruim, sofri muito quando ele foi embora. O nenê era novinho, não ficava no berço. A creche é para as crianças, ele não dormia longe de mim. Ele já pegava mamadeira, foi para um abrigo e depois minha irmã pegou ele com sete meses. Eu nunca fui pra FASE. Perdi a minha mãe quando eu tinha 6 anos, até meus 9 anos eu morei com meu tio e com a mulher dele. O infectologista é bom, as enfermeiras são mais ou menos. As funcionárias tem umas boas e uma são ruins. Elas não tem o direito de fazer o que acha melhor, tratar como gente, ainda mais grávida.

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Esse dias a gente brigou e a minha pressão foi a 17, tudo porque eu pedi atendimento. Eu gostava mais das funcionárias da galeria, elas conversavam mais com a gente, aqui elas não tem tempo. Não é o certo, parece que querem se livrar da gente. Queria trocar a assistente social e a psicóloga. Elas usam os nossos filhos, a gente engole muita coisa pelos nenês. Eu não sei com quem ela vai ficar. Acho que vai acabar indo pra FEBEM. Eu vou pra Guaíba pra poder ficar mais tempo com a minha nenê, vou fazer o máximo pra ficar com minha filha. Eu já fiz dois exames psicossociais, só o do semiaberto que passou. Não foi o juiz daqui que decidiu. Eu não tenho advogado, mas já falei com a minha defensora. Foragi duas vezes, o que agravou minha pena. Me sinto tão mal, triste, nunca tive atenção, tenho dificuldade. Larguei o Trabalho, me acostumei com o errado. Gestante 3: 1. Nome (identificação que consta em documentação oficial): xxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Como é conhecida na comunidade (designação especial, apelido): ____ 3. Idade: 22 anos 4. Naturalidade: Porto Alegre, residia em Viamão 5. Estado Civil: ( ) casada ( x ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável “Juntada”, mora junto. 6. Cor: ( ) branca ( ) negra ( x ) parda 7. Escolaridade: 2º Grau completo 8. Profissão (atividade que exercia profissionalmente, ocupação, fonte de sustento, subsistência, etc.): ( x ) mercado formal Atividade: Operadora de crédito ( ) mercado informal Atividade: ( ) nenhuma 9. Caso possuísse alguma ocupação anterior, qual era sua renda mensal? ( ) menos de 1 salário ( x ) 1 a 3 salários ( ) 3 a 5 salários ( ) acima de

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5 salários R$ 720,00. 10. Possuía residência fixa? (x) sim ( ) não 11. Quantas pessoas residiam com você? 4 pessoas. 12. Recebe visitas? ( x ) sim ( ) não 13. Frequência: Todos os sábados. 14. Quem costuma vir? Sogra, filha, cunhado, irmã. 15. Recebe visita íntima? ( ) sim ( x ) não. Meu companheiro está recluso. 16. Exerce alguma atividade nessa unidade? ( x ) sim ( ) não Se sim, qual? Colo imãs de geladeira para uma firma. [A atividade é nova na unidade, achou ótimo porque se não “aqui é só depressão e chorar”]. Se não, gostaria de exercer? 17. Está em prisão provisória ou condenação definitiva? Provisória, estava esperando despachar a precatória, fui presa em Alvorada. Tenho um habbeas corpus concluso, que teve a liminar negada. 18. Motivo da condenação: Tráfico e Porte de Arma (arts. 33 e 16). 19. Pena total: ----20. Pena cumprida: 1 mês e 3 dias. 21. Teme ser discriminada quando sair? ( x ) sim ( ) não 22. Frequenta o serviço médico? ( x ) sim ( ) não 23. Realizou atendimento ginecológico ou obstétrico após o início da pena? ( x ) sim ( ) não Sim, ginecológico, só uma vez. 24. Esteve grávida durante o cumprimento da pena? ( x ) sim ( ) não Se sim, recebeu acompanhamento pré-natal? ( x ) sim ( ) não Estava grávida no período em que foi entrevistada, com gestação

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de 07 meses e duas semanas. 25. Possui filhos? ( x ) sim ( ) não 26. Número de filhos: 1 e tô grávida. 27. Idade dos filhos: 4 anos. 28. Filhos na Unidade Materno Infantil? Quantos? Gestante. 29. Se na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico? ( ) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( ) sim ( ) não Tem contato com outros membros da família? ( ) sim ( ) não 30. Frequência que vê os filhos: Vi sábado passado, vejo duas vezes por mês. 31. Você acha que atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Bom até, pelas circunstâncias, médico é médico, sabe, tem mais prioridades. 32. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? Tem porque tem bastante doação, mas é para as escolhidas. Porque tenho visita e advogado fico de canto. Não é tudo pra todas, é escolhido. 33. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? É bom, só o lugar que é muito frio, eles tão sempre doentes. Para o psicológico da mãe é maravilhoso, a vontade é de ter o bebê lá fora. 34. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Prisão domiciliar. 35. Se não estão na Unidade Materno, com quem estão os filhos? Com a sogra e com a irmã. 36. Quais as suas perspectivas para o pós-cárcere? Seguir em frente. Estou arrependida, minha filha tá sofrendo lá fora. Eu quero trabalhar direito. Aqui o pior é a dor da saudade, deixei minha filha e meus irmãos. 37. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou

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contar algo importante, disse: É horrível, horrível mesmo! O que eu mais quero é ter ele lá fora.

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APÊNDICE B – Entrevistas com Funcionárias Psicóloga: 1. Nome: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Idade: 35 3. Estado Civil: ( ) casada ( x ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 4. Escolaridade: Ensino Superior Completo 5. Cargo/Função: Psicóloga 6. Há quanto tempo trabalha na Penitenciária? Oito anos. 7. Já trabalhou em outros estabelecimentos prisionais? ( ) sim ( ) não Não, eu gosto de trabalhar com mulheres. 8. Há quanto tempo trabalha na Unidade Materno Infantil? Três anos. 9. Quais são os dias e horários que as apenadas recebem visitas externas? Sábados. 10. A penitenciária possui local próprio para realização de visita íntima? ( x ) sim ( ) não 11. Se sim, as visitas íntimas ocorrem com frequência? Sim, se elas quiserem, agora não está tendo. 12. O quadro operacional, que tem contato direto com as apenadas, é composto apenas por mulheres? ( x ) sim ( ) não 13. A penitenciária oferece opções de trabalho para as detentas? ( x ) sim ( ) não Se sim, quais? Limpeza e liga laboral. As atividades comportam montagem de peças e artesanato. Elas ganham pela produção. 14. A penitenciária oferece serviço médico para as apenadas? ( x ) sim ( ) não

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15. A penitenciária ofereceatendimento ginecológico ou obstétrico para as apenadas? ( x ) sim ( ) não 16. Qual a percentagem de apenadas que possuem filhos? Na unidade temos 16, 13 mães e três gestantes. 17. A penitenciária ofereceacompanhamento pré-natal, no caso de as apenadas estarem grávidas? ( x ) sim ( ) não Através de postos de saúde. 18. A penitenciária possui local apropriado para abrigar os filhos das apenadas? ( x ) sim ( ) não 19. Quantas crianças comporta a Unidade Materno Infantil? 23. 20. Qual idade e período permitido de permanência das crianças na unidade? Até seis meses, se tem doença crônica até um ano. Após completados os seis meses, podem ir para Guaíba. 21. As crianças presentes na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico?( x ) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( x ) sim ( ) não Tem contato com outros membros da família? ( x ) sim ( ) não A partir de seis meses, acompanhados de um familiar. O trabalho é feito em conjunto com a vara da infância e da juventude. Tentamos fazer um processo de adaptação gradual, enquanto a Vara da Infância e da Juventude providencia o processo de Guarda Provisória. 22. Existe algum programa pedagógico executado com as crianças da Unidade? Sim. Existe um programa de estimulação precoce com estagiários de pedagogia da Uniritter. 23. As crianças possuem brinquedos, ou horário específico para recriação? Sim, nesse espaço tem tv, desenho, elas podem deitar os bebês, ouvir música. 24. Quando encerrado o período de permanência na Unidade, qual o procedimento tomado em relação a essas crianças? Vai para o familiar que participou do processo de adaptação. Já fica tudo pronto. Utilizamos os critérios do ECA, somente em último caso se envia a criança para uma casa de passagem, mas desde que eu estou aqui nunca precisou. Se prioriza a manutenção do vínculo. Mesmo depois que a criança sai, as visitas continuam.

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25. Quais são os critérios para a alocação das crianças na Unidade? São divididos em três alojamentos, conforme a idade das crianças e um quarto alojamento específico para gestantes. 26. Como se dá o aleitamento materno? --27. Com que frequência as mães podem permanecer com os filhos alocados na Unidade? O contato se dá diariamente? Em que horários? --28. Quem é responsável pelos cuidados dessas crianças? --29. Como costuma ser a rotina diária da Unidade Materno Infantil? --30. Quais as principais características das crianças presentes na Unidade Materno? São alegres? ( ) sim ( ) não Possuem desenvolvimento motor dentro da normalidade? ( ) sim ( ) não Possuem boas condições de saúde? ( ) sim ( ) não Possuem peso e tamanho adequados a sua idade? ( ) sim ( ) não --31. O que você salientaria como maiores dificuldades encontradas pela Unidade Materno Infantil? --32. Você acha que o atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Não. A SUSEPE não está preparada, não tem efetivo suficiente, não tem trabalho técnico. 33. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? Sim. Aqui tem nutricionista, pediatra de duas a três vezes por semana, eles recebem todas as vacinas, tem o atendimento dos postos de saúde, todos são atendidos e ainda tem o atendimento de emergência. 34. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Muito ambíguo. É fundamental a relação sadia entre mãe e filho. A criação do vínculo é essencial, mas a estrutura não é boa. Não podem ficar mais que um ano.

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35. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? --36. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse: Aqui elas estão melhores do que se estivessem na rua. A cadeia protege essas mães. Aqui elas não usam drogas, tem suporte material e humano. Trabalham com o vínculo e com a maternagem. Não tem um trabalho específico para as crianças, precisavam de um atendimento diferenciado. Aqui na Unidade o foco é a criança. Precisava ter uma outra estrutura para as crianças ficarem mais tempo com as mães. Aqui fica tudo pela SUSEPE, que não tem condições. Agente Penitenciária: 1. Nome: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Idade: 41 anos. 3. Estado Civil: ( ) casada ( ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( x ) separada ( x ) união estável 4. Escolaridade: Ensino Superior Incompleto 5. Cargo/Função: Coordenadora da Unidade Materno Infantil 6. Há quanto tempo trabalha na Penitenciária? Nove anos. 7. Já trabalhou em outros estabelecimentos prisionais? ( x ) sim ( ) não 8. Há quanto tempo trabalha na Unidade Materno Infantil? Dois meses. 9. Quais são os dias e horários que as apenadas recebem visitas externas? Sábados. 10. A penitenciária possui local próprio para realização de visita íntima? ( x ) sim ( ) não 11. Se sim, as visitas íntimas ocorrem com frequência? As visitas precisam ser agendadas, aí depende da procura. Podem

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ocorrer de 15 em 15 dias, dependem da lotação dos quartos. A casa oferece dois quartos para visita ítima. 12. O quadro operacional, que tem contato direto com as apenadas, é composto apenas por mulheres? ( x ) sim ( ) não No contato direto só trabalham mulheres, mas nos serviços indiretos temos homens. Tem motoristas, na revista também tem homens. 13. A penitenciária oferece opções de trabalho para as detentas? ( x ) sim ( ) não Se sim, quais? Cozinha, faxina e o trabalho das firmas. Nas firmas tem a TampaTudo, que elas fazem embalagens para cobrir potes, tem a Lua-Nua, que é confecção de “bijus” e a ECO, onde elas fazem a montagem de vários relógios. Elas também fazem artesanato, confecção de roupas e um serviço de digitação para a PROCERGS. 14. A penitenciária oferece serviço médico para as apenadas? ( x ) sim ( ) não A casa tem uma unidade de saúde, que possui enfermeiras, técnicas e dentista. Também tem assistente social e psicóloga. Aqui elas têm mais assistência que na rua. 15. A penitenciária ofereceatendimento ginecológico ou obstétrico para as apenadas? ( x ) sim ( ) não 16. Qual a percentagem de apenadas que possuem filhos? Eu não sei, mas a Assistente Social da Unidade pode te dizer. 17. A penitenciária ofereceacompanhamento pré-natal, no caso de as apenadas estarem grávidas? ( x ) sim ( ) não 18. A penitenciária possui local apropriado para abrigar os filhos das apenadas? ( x ) sim ( ) não 19. Quantas crianças comporta a Unidade Materno Infantil? 23, mas já teve mais. 20. Qual idade e período permitido de permanência das crianças na unidade? Até seis meses, se tem problema de saúde pode ficar até um ano. Depoisdos seis meses, podem ir para Guaíba. 21. As crianças presentes na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico?( x ) sim ( ) não Costumam sair do ambiente prisional? ( x ) sim ( ) nãoPara criação do vínculo. Tem contato com outros membros da família? ( x ) sim ( ) não

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22. Existe algum programa pedagógico executado com as crianças da Unidade? Sim, só o da Uniritter. 23. As crianças possuem brinquedos, ou horário específico para recriação? Sim. 24. Quando encerrado o período de permanência na Unidade, qual o procedimento tomado em relação a essas crianças? Fazemos uma adaptação com a pessoa que vai ficar com a criança. Normalmente a mãe indica com que o filho vai ficar. 25. Quais são os critérios para a alocação das crianças na Unidade? A idade dos bebês. 26. Como se dá o aleitamento materno? Eles ficam juntos o tempo inteiro. 27. Com que frequência as mães podem permanecer com os filhos alocados na Unidade? O contato se dá diariamente? Em que horários? Eles ficam juntos o tempo inteiro. 28. Quem é responsável pelos cuidados dessas crianças? As próprias mães. 29. Como costuma ser a rotina diária da Unidade Materno Infantil? Conforme os horários da penitenciária. As refeições tem horário, mas o banho não. 30. Quais as principais características das crianças presentes na Unidade Materno? São alegres? ( x ) sim ( ) nãoSão alegres conforme as mães. Possuem desenvolvimento motor dentro da normalidade? ( x ) sim ( ) nãoSão crianças normais. Possuem boas condições de saúde? ( x ) sim ( ) nãoClaro, tem umas viroses, resfriados. Possuem peso e tamanho adequados a sua idade? ( x ) sim ( ) não Bem normal, tem todo o cuidado. 31. O que você salientaria como maiores dificuldades encontradas pela Unidade Materno Infantil? Falta de efetivo geral. A penitenciária trabalha no limite. Quando tem uma escolta já fica desfalcado, porque precisa de duas funcionárias para cada apenada, aí quando sai para escolta fica sem. Vem grávidas de todo o Estado pra cá e não vêm funcionárias. A gente não consegue atender os horários das consultas, às vezes, porque não tem efetivo.Se a funcionária que está na galeria precisa ir ao banheiro, o corredor fica sozinho. Não podia ser assim, tinham

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que ficar três em cada corredor. 32. Você acha que o atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Muito bom. Elas ganham fraldas, nan, roupas. O instituto Bezerra de Menezes dá um kit completo. 33. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? Sim. Tem sabonete, bico, tudo que elas precisam. 34. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Assim tá ótimo, antes ficava até os seis anos de idade. Crescer aqui é ruim, mas quando são bebês, pelo menos estão com a mãe. 35. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? Unidade separada tá bom. Aqui tem a Assistente Social. Dá uma domiciliar e elas não cuidam o bebê. Tem casos que não cabe uma domiciliar. Quando é necessário a unidade faz a solicitação. 36. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou contar algo importante, disse: --Assistente Social: 1. Nome: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 2. Idade: 48 anos. 3. Estado Civil: ( ) casada ( x ) solteira ( ) viúva ( ) divorciada ( ) separada ( ) união estável 4. Escolaridade: Ensino Superior Completo 5. Cargo/Função: Assistente Social 6. Há quanto tempo trabalha na Penitenciária? Três anos. 7. Já trabalhou em outros estabelecimentos prisionais? ( x ) sim ( ) não 8. Há quanto tempo trabalha na Unidade Materno Infantil? Dois anos e oito meses.

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9. Quais são os dias e horários que as apenadas recebem visitas externas? Aos sábados, em turno integral. Com filhos melhores de 15 em 15 dias, com qualidade. 10. A penitenciária possui local próprio para realização de visita íntima? ( x ) sim ( ) não Aos sábados, de 15 em 15 dias. 11. Se sim, as visitas íntimas ocorrem com frequência? Um familiar precisa ficar com a criança, por isso não ocorre com muita frequência. 12. O quadro operacional, que tem contato direto com as apenadas, é composto apenas por mulheres? ( x ) sim ( ) não 13. A penitenciária oferece opções de trabalho para as detentas? ( x ) sim ( ) não Se sim, quais? Limpeza e conservação do local. Isso ocorre em uma estrutura paralela, por causa dos bebês. Cuidar do bebê e trabalhar é difícil. A gente tem licença maternidade, aqui não dá pra ser muito diferente.Dentro da realidade imposta a gente tenta construir com elas a questão. 14. A penitenciária oferece serviço médico para as apenadas? ( x ) sim ( ) não Tem dentista, clínico e psiquiatra. Também contamos muito com a rede externa. 15. A penitenciária ofereceatendimento ginecológico ou obstétrico para as apenadas? ( x ) sim ( ) não As crianças nascem no Hospital Presidente Vargas. 16. Qual a percentagem de apenadas que possuem filhos? A maioria. Quando os filhos de fora vêm visitar eles ficam com ciúmes do maninho que fica aqui com a mãe. 17. A penitenciária ofereceacompanhamento pré-natal, no caso de as apenadas estarem grávidas? ( x ) sim ( ) não Desde o momento que ingressam. 18. A penitenciária possui local apropriado para abrigar os filhos das apenadas? ( x ) sim ( ) não 19. Quantas crianças comporta a Unidade Materno Infantil? 23 crianças e 10 gestantes.

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20. Qual idade e período permitido de permanência das crianças na unidade? Até os seis meses de idade, se tem alguma doença e está fazendo tratamento fica até um ano. Depois de um ano é desligado. Se não tem nenhuma doença, asma, por exemplo, depois dos seis meses vai para Guaíba. 21. As crianças presentes na Unidade Materno Infantil: Recebem atendimento pediátrico?( x ) sim ( ) nãoUma vez por semana. Costumam sair do ambiente prisional? ( x ) sim ( ) nãoPara criar o vínculo familiar, a partir dos seis meses, mas varia conforme cada caso. Tem contato com outros membros da família? ( x ) sim ( ) nãoO familiar pode levar o bebê. 22. Existe algum programa pedagógico executado com as crianças da Unidade? Sim. Da Uniritter, duas vezes por semana com o pessoal da pedagogia, a partir dos quatro meses de idade. Também tem um programa com os estagiários do curso de letras, para as mães. 23. As crianças possuem brinquedos, ou horário específico para recriação? Sim. 24. Quando encerrado o período de permanência na Unidade, qual o procedimento tomado em relação a essas crianças? Eles já saem daqui com tudo certo, quando chegam os seis meses já está tudo pronto. São encaminhados para a pessoa indicada pela mãe, depois do processo de adaptação e guarda. Todos os indicados até agora foram aceitos. Só uma criança precisou ir para abrigo, mas depois foi relocado. 25. Quais são os critérios para a alocação das crianças na Unidade? Faixa etária das crianças, a prioridade é a criança. 26. Como se dá o aleitamento materno? --27. Com que frequência as mães podem permanecer com os filhos alocados na Unidade?Em média um ano, mas pode ficar mais. O contato se dá diariamente?Sim Em que horários?Em tempo integral 28. Quem é responsável pelos cuidados dessas crianças? São as mães, quando têm condições. A gente pede avaliação, se não tem condições a criança vai para o familiar. 29. Como costuma ser a rotina diária da Unidade Materno Infantil? Inicia com o café, depois o almoço, as atividades diárias. Mas é difícil de cumprir, só funcionam pelo ganho.

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30. Quais as principais características das crianças presentes na Unidade Materno? São alegres? ( ) sim ( ) nãoDepende da mãe, tanto o emocional como o físico.Mãe depressiva, filho depressivo. Possuem desenvolvimento motor dentro da normalidade? ( x ) sim ( ) nãoRealizam trabalho de estimulação pela Uniritter. Eles evoluem, quando caminham a gente encaminha para avaliação. Possuem boas condições de saúde? ( ) sim ( ) nãoAs doenças mais comuns são a Asma, o HIV, a Sifilis, a Toxoplasmose. A maior parte das crianças desenvolve doenças respiratórias em decorrência do uso de drogas das mães. Possuem peso e tamanho adequados a sua idade? ( x ) sim ( ) não Aqui tem nutricionista. 31. O que você salientaria como maiores dificuldades encontradas pela Unidade Materno Infantil? A demora da situação jurídica. Sem definição da situação jurídica elas não sabem o que vai acontecer com elas e a gente não consegue trabalhar. A presa provisória dá mais problemas.É muito difícil de manter o vínculo familiar, a gente não consegue manter a família em ligação com as crianças e com a própria presa. 32. Você acha que o atendimento prestado pela Unidade Materno Infantil é adequado? Esse ambiente não é saudável para a criança, prevalece o direito da mãe, elas fumam aqui, por exemplo. 33. Você considera que as crianças atendidas pela Unidade Materno Infantil recebem todos os cuidados necessários? As mães não respeitam os filhos. Se tenta fazer com que esse período seja o melhor possível. 34. O que você pensa a respeito da presença de crianças no ambiente prisional? Importante que os estudos sinalizem a idade que essa primeira integração passa a prejudicar a criança. Parece que será estendido para dois anos, está sendo realizado um estudo. Esse período tem de ser o melhor possível, sem drogas, sem brigas. 35. Qual procedimento você julga adequado a ser tomado em relação aos filhos das apenadas? O uso de tornozeleiras. Quem cuida da família é a mulher. Deveriam fazer um projeto piloto do uso de tornozeleiras para mães. A rede deveria acompanha-las, sem tirar do convívio. Dar oportunidade para a mãe se organizar, ver com quem vão ficar os filhos. Quem cumpre a pena é a mãe e não os filhos. É preciso investir na educação. 36. Quando questionada se gostaria de registrar mais alguma coisa, ou

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contar algo importante, disse: A maior parte dos problemas é social. Elas nos procuram para pedir ajuda. É necessário se ter um olhar diferenciado para a mulher no cárcere. E os filhos que ficam lá fora? O que está sendo feito? O Estado retira a família dessas crianças. Aqui nós fazemos o papel de rede. O sistema prisional não cumpre o seu papel. É preciso cuidar da mãe. As crianças só são encaminhadas para adoção quando ocorre a perda do poder familiar. Todas são colocadas na vala comum, mas têm interesses diferentes. Elas precisam criar os filhos que nascem fora ---

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