Filmes de Viagem de Manoel de Oliveira: deslocamentos e alegorias

July 11, 2017 | Autor: Wiliam Pianco | Categoria: Cinema, Portuguese Cinema, Road Movies, Manoel de Oliveira, Alegoria
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AVANCA | CINEMA 2014

Filmes de Viagem de Manoel de Oliveira: deslocamentos e alegorias

Wiliam Pianco Universidade do Algarve – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Centro de Investigação em Artes e Comunicação, Portugal Abstract We intend to present an analysis about recurrent thematic and formal characteristics in the corpus which we propose to call Manoel de Oliveira’s Travel Movies: O sapato de cetim (1985), Non, ou a vã glória de mandar (1990), Viagem ao princípio do mundo (1997), Palavra e utopia (2000), Um filme falado (2003) e Cristóvão Colombo – o enigma (2007). Our aim is to debate the director’s work from two perspectives: the travel narratives and the historical allegory. From existing different contexts, searches, meetings and disagreements in the plotlines in question, we will discuss the existence of a cinematic narrative that sustains itself from the relationship between characters that are in permanent displacements (travels) and the history of Portugal. In this corpus, the allegorical figures created by Oliveira indicate a critical thought about the contemporary, understood in a historical perspective. His narrative discourse proposes the understanding of an earlier moment in the history that implying in a conflicted feeling between a mythified past as glorious and a present in crisis. Thus, we propose to reflect how the so-called “travel movies” can provide some devices for the elaboration of historical allegories in the Manoel de Oliveira’s movies. Keywords: Manoel de Oliveira, Travel Movies, Historical Allegories, Portuguese Cinema

Introdução Múltiplos e diversificados são os trabalhos produzidos sobre o cineasta de língua portuguesa de maior reconhecimento internacional desde sempre: Manoel de Oliveira. Artigos jornalísticos ou acadêmicos, dissertações, teses, livros com entrevistas, reflexões, críticas e/ou apontamentos, bem como antologias dedicadas à sua vida e obra – produzidos em várias partes do mundo – são alguns dos exemplos relativos ao interesse que especialistas, cinéfilos, investigadores ou iniciantes dedicam ao decano português. Com a carreira cinematográfica iniciada ainda no tempo do cinema silencioso, com Douro, faina fluvial (1931), Oliveira atravessou o século XX e adentrou ao XXI com (igualmente impressionantes) enorme vigor físico e robustez intelectual. Tendo assinado a direção de mais de cinco dezenas de títulos, entre curtas, médias e longas-metragens – cabe lembrarmos a fascinante média de quase uma longa-metragem produzida por ano desde o princípio da década de 1980 até 20141 –, não é de estranhar o interesse de diferentes autores em propor a compreensão do cinema oliveiriano a partir da divisão de sua obra em 28

conjuntos de filmes. Acerca disso, Renata Soares Junqueira apresenta em Manoel de Oliveira: uma presença: estudos de literatura e cinema, livro por ela organizado, um olhar sobre a obra de Manoel de Oliveira a partir de categorias – sendo elas cinco ao total: “uma poética para o cinema”, “Portugal e o projeto expansionista”, “a dialética do bem e do mal”, “em busca do tempo perdido” e “os amores frustrados” (Junqueira 2010, VII-IX)2. Todavia, cabe ao crítico e historiador João Bénard da Costa divulgar amplamente o reconhecimento do grupo “amores frustrados” em trabalhos prévios, provenientes já desde a década de 1980. A Bénard da Costa é atribuída também a compreensão de um outro conjunto: o “eterno feminino” (Machado 2005). Diferentemente de Junqueira e Bénard da Costa, que apresentam suas perspectivas, sobretudo, a partir de análises temáticas e formais, nossa investigação prevê a delimitação de um corpus que se constitui por meio de aspectos também temáticos e formais, mas, fundamentalmente, conceituais. A seleção dos títulos que propomos sugere um determinado discurso elaborado por Manoel de Oliveira partindo daquilo que sua construção alegórica interessanos mais diretamente: a relação entre passado e presente da história portuguesa (e mundial) de modo a compreendermos problemáticas semelhantes que nos auxiliem a refletir sobre a contemporaneidade, lançando mão do uso de narrativas de viagens para isso. Com o intuito de vislumbrarmos a ordenação do pensamento desse realizador – por meio de seus filmes –, sugerimos a existência do grupo o qual denominamos filmes de viagem de Manoel de Oliveira. Desse modo, nossos esforços estarão orientados, nas páginas que se seguem, de maneira a analisar o corpus composto por: O sapato de cetim (1985), Non, ou a vã glória de mandar (1990), Viagem ao princípio do mundo (1997), Palavra e utopia (2000), Um filme falado (2003) e Cristóvão Colombo – o enigma (2007). Ainda em tempo – e não menos importante por isso, pelo contrário –, devemos mencionar o ensaio de Carolin Overhoff Ferreira intitulado Portugal, Europa e o Mundo: Condição Humana e Geopolítica na Filmografia de Manoel de Oliveira (Ferreira 2012). O mencionado texto, parte integrante do livro Manoel de Oliveira: novas perspectivas sobre a sua obra (Idem), indica o visionamento do cinema oliveiriano a partir de um panorama muito caro aos nossos interesses. Ferreira, no caso, tecendo valiosas considerações sobre toda a filmografia de Oliveira, argumentará a favor do entendimento de sua obra de acordo com o contexto geopolítico aquando de suas respectivas produções. Daí a sugestão de vínculo do pensamento oliveiriano com uma ordenação progressiva: o local, o nacional, o supranacional, o transnacional e o global. Conforme desenvolveremos ao longo da presente

Capítulo I – Cinema – Cinema

escrita, nossas considerações em muito coincidem com as de Carolin Overhoff Ferreira, contudo, atentas aos panoramas sociopolíticos relativos à época das relizações/produções como também sobre os contextos históricos elaborados dentro dos enredos de cada filme, sem perder de vista o aspecto unificador do corpus: as viagens dos protagonistas e as suas personificações alegóricas. Esta proposta de visionamento diferencia-se, portanto, de outras abordagens existentes sobre a produção do diretor português – especificamente daquelas mais debruçadas sobre a relação entre a vida e a obra do realizador; ou sobre as dedicadas à relação entre o cinema oliveiriano e outras artes. Ao trabalharmos com os filmes de viagem de Manoel de Oliveira, tomamos como norte a pressuposição de que o interesse de seu cinema (nesse corpus específico, pelo menos) consiste em problematizar a História, contribuindo, dessa maneira, com debates políticos e sociais que permeiam reflexões que dizem respeito à Europa e ao mundo na contemporaneidade. Assim, está em causa a pertinência do Cinema como experiência de conhecimento; está em pauta desvelar um pensamento crítico que possa contribuir para intervenções em debates culturais, políticos e sociais, inclusive no que diz respeito a países do chamado Terceiro Mundo que têm em comum um passado colonial vinculado a Portugal, os quais hoje constituem uma comunidade internacional orientada pelo esforço de uma colaboração solidária.

Deslocamentos descentralização

e

Alegorias:

a

Certamente foram inúmeros e complexos os episódios que consolidaram as civilizações ao longo da História. Entretanto, há uma certa predominância da chamada civilização ocidental sobre as demais, percebendo-se em tal ponto de vista uma dimensão de eurocentrismo, que diferentes autores interessados na questão da globalização passam a criticar, defendendo em contrapartida a perspectiva de um “multiculturalismo policêntrico” (Stam, Shohat 2006). No âmbito da modernidade e da pós-modernidade, quando os contatos entre diversas culturas, povos e nações intensificam-se, tal perspectiva torna-se mais complexa. Como afirma Octavio Ianni, por exemplo, “a história do mundo moderno e contemporâneo pode ser lida como a história de um vasto e intricado processo de transculturação, caminhando de par com a ocidentalização, a orientalização, a africanização e a indigenização” (Ianni 2000a, 95). Vários aspectos relacionados a essas problemáticas estão presentes nas longas-metragens O sapato de cetim, Non, ou a vã glória de mandar, Viagem ao princípio do mundo, Palavra e utopia, Um filme falado e Cristóvão Colombo – o enigma. São filmes que podem ser pensados como “alegorias históricas” (Xavier 2005a), na medida em que se constituem como discursos cujas enunciações nem sempre apontam para significados evidentes, aparentes, trabalhando em contrapartida com sentidos ocultos,

disfarçados e enigmáticos. O texto fílmico de Manoel de Oliveira, em tal conjunto, pressupõe uma cadeia polissêmica ambígua, a qual indica o questionamento da nação – em especial, de Portugal – no âmbito de um contexto transnacional pautado a partir da inserção desse país na Comunidade Econômica Europeia, no ano de 19863, e que prossegue até pelo menos as consequências dos atentados às Torres Gêmeas do World Trade Center em 2001, nos EUA. Vejamos uma breve apresentação dos filmes mencionados: O sapato de cetim é uma adaptação da peça homônima de Paul Claudel. A narrativa, situada no século XVI, conta a história de dom Rodrigue, vicerei espanhol da América do Sul, e dona Prouhèze, casada com um conselheiro do rei espanhol. Além do amor impossível, irrealizável fisicamente entre os protagonistas, o título aborda o momento da história em que Portugal encontrava-se sob o jugo do reino da Espanha, quando nações europeias divididas disputavam o domínio mundial. Non, ou a vã glória de mandar acompanha a viagem de um grupo de soldados portugueses, em direção a uma ex-colônia africana de Portugal, para que possam guerrear defendendo os interesses dos colonizadores. A narrativa do filme se dá nos dias que antecedem a Revolução de 25 de abril de 1974, a Revolução dos Cravos, que determina o fim da ditadura salazarista/ marcelista. O filme aborda passagens históricas que dizem respeito aos feitos portugueses para assumir uma posição de império mundial e às tentativas também frustradas de união entre Portugal e Espanha na Península Ibérica. Viagem ao princípio do mundo conta a história de Afonso, um ator francês de descendência portuguesa, que deseja conhecer a terra natal de seu pai. Para isso ele conta com a ajuda de um grupo de amigos portugueses que aceitam conduzi-lo até o pequeno povoado onde vivera seu pai durante a infância e a juventude. Entre os seus acompanhantes está um diretor de cinema, de nome Manoel. Palavra e utopia trata da vida e da obra de Padre António Vieira, que, ao longo do século XVII, dedicouse à luta por melhores condições de sobrevivência para escravos índios e negros no Brasil, influenciou na política mercantil de Portugal e pregou famosos sermões para escravos, soldados, reis e rainhas. Sua história é marcada por conflitos com a Inquisição, a perda de sua voz ativa e passiva como orador, a admiração e o sucesso obtidos em Roma, pelo desprezo em Portugal e a solidão e a doença no Brasil. Um filme falado narra a viagem de navio realizada por mãe e filha portuguesas, de Lisboa em direção a Bombaim, na Índia, aonde devem encontrar com o pai da menina. Durante o trajeto, que se dá majoritariamente pelo Mar Mediterrâneo, Rosa Maria, que é professora de História, pode explicar à sua filha a relevância das cidades que vão conhecendo para a constituição das civilizações ocidentais e orientais. Outros personagens ganham importância ao longo do filme: uma empresária francesa, uma ex-modelo italiana, uma cantora grega e o comandante do navio, um estadunidense. 29

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Cristóvão Colombo – o enigma conta a história de Manuel Luciano que, nascido em Portugal, vive e torna-se médico nos Estados Unidos, mas retorna à sua terra natal para casar-se e dar sequência à investigação que é tema de uma pesquisa que ele empreende ao longo da vida: comprovar que Cristovão Colombo era português. Em tais títulos, as figuras alegóricas elaboradas por Manoel de Oliveira indicam um pensamento crítico sobre a contemporaneidade, compreendida em perspectiva histórica. Sua construção discursiva propõe o entendimento de um momento anterior da história que acaba por implicar um sentimento conflituoso entre um passado de glórias e um presente em crise. Além disso, é destacável a recorrência de viagens em tais filmes. Acreditamos que o sentido maior dessa opção – o uso de viagens, deslocamentos, trânsitos – é justificado pela alegoria histórica elaborada a partir das personificações de seus protagonistas. Não é o caso de desprezamos a existência de enredos outros em que ocorram trânsitos ou viagens na obra oliveiriana. No entanto, defendemos que somente nesse corpus os respectivos protagonistas consolidam-se como personificações alegóricas da nação portuguesa – personificações nacionais reforçadas, justamente, pelas implicações que as rotas e os rumos dos personagens propiciam. Trata-se, portanto, da existência de um discurso cinematográfico que se sustenta a partir da relação entre personagens que se encontram em permanentes deslocamentos (viagens) e a história de Portugal em perspectiva alegórica. Desse modo, a hipótese que levantamos é a de que o cineasta Manoel de Oliveira lança mão do uso da alegoria histórica para sustentar perspectivas que indicam um ponto de vista crítico acerca da contemporaneidade (fundamentalmente nacional, mas mundial também). Parte de nossos desafios consiste em investigar a complexa relação existente no processo intençãoenunciação-interpretação dos títulos supracitados, procurando compreender como ocorre a utilização da alegoria como apresentação de fenômenos históricos que discutem elementos e questões do passado e do presente. Vislumbrando um arcabouço teórico que possa sustentear a empreitada metodológica descrita acima, três nomes servirão de base para o prosseguimento de nossas considerações: Ismail Xavier, Flávio Kothe e João Adolfo Hansen. Evitando, de todo modo, uma explanação por demais extensa, discorreremos a seguir alguns apontamentos sobre as proposições destes autores4. Pensada como um código que respeita a tradição clássica, a alegoria apresenta-se como um tipo de enunciação em que alguém afirma algo, mas com o propósito de dizer uma coisa diferente. É a partir da década de 1970, com a relevância dada às ideias propostas por Walter Benjamin, que é estabelecida uma “relação essencial entre a alegoria e as vicissitudes da experiência no tempo” (Xavier 2005, 339). Ou seja, é a partir desse período que a percepção e proposta de uma história como processo 30

ininterrupto acabaram por desautorizar antigas concepções de práticas discursivas, que respeitavam noções de “verdades essenciais” na compreensão e interpretação do mundo ao longo dos séculos da sua existência. O que fica em jogo nesta abordagem é o fato de os significados, na cultura moderna, poderem ser alterados, mediante o seu caráter de instabilidade contraposto às forças e sistemas de poder dominantes. Assim, é possível vislumbrarmos um momento privilegiado para a elaboração de linguagens relacionadas com a noção de opacidade no contexto contemporâneo da cultura. É nesse âmbito que a alegoria fica em evidência, uma vez que o seu processo de significação mais facilmente se identifica com a “presença da mediação, ou seja, com a ideia de um artefato cultural que requer sistemas de referências específicos para ser lido, estando, portanto, distante de qualquer sentido do ‘natural’.” (Xavier 2005, 340). No âmbito deste processo, dentro do contexto contemporâneo, quando a ideia de nação se encontra em crise5, cabe notarmos a permanência de alegorias que se constituem pautadas nesse conceito. Assim, podemos verificar, nas mais variadas cinematografias, a presença de narrativas alegóricas que lançam mão do uso de determinados protagonistas, ou grupos de personagens, como figurações do momento fundador ou contemporâneo das suas origens nacionais, ou mesmo da relação passado-presente sustentada por essa noção, dentro de uma estrutura em que os eventos anteriores da história visam comunicar sentidos implicados na contemporaneidade, dada a semelhança entre eles. Pensando nas questões acerca da dinâmica intenção-enunciação-interpretação, é oportuno termos em mente, conforme observa Xavier, que, como “vivemos dentro da história, as condições sob as quais praticamos o ato de leitura variam no tempo e no espaço” (Xavier 2005, 346). Tal afirmação encontra eco em Flávio Kothe (1986). Este autor nota que, ao comparar dois termos de uma determinada relação alegórica, o que se busca são atributos comuns entre eles. Nesse processo, os dois elementos comparados propiciam o surgimento de uma nova identidade a partir do seu contato, da sua união. Trata-se de uma dialética criadora de novos significados. Porém, “a significação de todas as alegorias, de todas as linguagens cifradas, encontra-se em algo que não é privilégio de ninguém em particular: a realidade. E esta pode alterar o significado que qualquer grupo possa querer atribuir a alguma alegoria” (Kothe 1986, 20). Assim, “a linguagem da alegoria é marcadamente convencional” (Kothe 1986, 16), sendo necessário reconhecer determinados códigos de valores definidos num tempo e num espaço, pautados por uma ideologia, para se relacionar uma enunciação com a sua interpretação. E a associação entre enunciação e interpretação só seria possível mediante o esforço de posicionamento e/ ou reconhecimento do investigador acerca do contexto cultural e ideológico do realizador, no caso, questionando os atributos comuns aos dois polos: o do posicionamento histórico e o da representação diegética.

Capítulo I – Cinema – Cinema

O desafio colocado a partir de então, ou seja, a metodologia de interpretação alegórica dos filmes de viagem de Manoel de Oliveira passa pela dialética entre o “significado oculto” e a necessidade de decifrar a verdade, provocada pela alegoria a partir da noção de um “texto a ser decifrado” (Xavier 2005). Portanto, “uma concepção que transforma a produção e recepção da alegoria num movimento circular composto de dois impulsos complementares, um que esconde a verdade sob a superfície, outro que faz a verdade emergir novamente” (Xavier 2005, 354). Com a instabilidade dos significados, explorada pelos discursos alegóricos na cultura moderna, conceitos que propõem verdades absolutas, ideologias inquestionáveis como modos de interpretação da realidade, bem como os seus correlatos, são postos em xeque. Por exemplo, a categoria “nação”, pensada como uma “comunidade política imaginada – e imaginada como implicitamente limitada e soberana” (Anderson 1989, 14) –, encontra contraposições à sua afirmação dentro de um panorama em que autonomias políticas, económicas e culturais já não vislumbram contornos determinados exclusivamente pelas fronteiras territoriais. Há nesse embate movimentos que se afirmam tanto do global para o local como inversamente. João Adolfo Hansen (2006), no seu Alegoria – construção e interpretação da metáfora, defende que, de maneira simplificada, podemos afirmar que: a alegoria diz A para significar B. No entanto, devemos observar que estes dois polos (A, como designação concretizante, elemento do concreto; e B, como elemento de significação abstrata) são mantidos dentro de uma relação virtualmente aberta, que admite a inclusão de novos significados entre eles. Por este motivo é que a alegoria não pode ser analisada simplesmente, por exemplo, como a metáfora. Ao passo que a metáfora substitui termos isolados, de forma mais imediata, a alegoria equivale a um enunciado, a uma reflexão mais complexa, carregada de abstrações. Chegamos, portanto, a três palavras-chave neste processo: convenção, verosimilhança e analogia. Somente ao aceitarmos as convenções propostas por Manoel de Oliveira nas narrativas de seus filmes de viagem – passando pelas verosimilhanças que somos capazes de reconhecer a partir do nosso próprio repertório pessoal (como espectadores) –, é que podemos ultrapassar a narrativa por ela mesma, estabelecer analogias, atingindo um outro discurso implícito, subtexto que vai sendo produzido à medida que visionamos os filmes. Com a dimensão contemporânea do debate envolvendo os filmes de viagem de Manoel de Oliveira, aproveitamos, como parâmetro conceitual, o “multiculturalismo policêntrico” proposto por Ella Shohat e Robert Stam, que partem “do princípio de que uma consciência dos efeitos intelectualmente debilitantes do legado eurocêntrico é indispensável para compreender não apenas as representações contemporâneas nos meios de comunicação, mas também as subjetividades contemporâneas” (Shohat,

Stam 2006, 19). Entretanto, como esclarecem os autores, não está em pauta uma dimensão de “eurofobia”, com a rejeição da Europa em bloco, como se entre os europeus – e os estadunidenses, que também estão incluídos na perspectiva eurocêntrica – não existisse diversidade política, étnica, religiosa, sexual, etc.. Trata-se, em contrapartida, como propõem, de descolonizar as relações de poder entre diferentes comunidades. E não por acaso os seus “estudos multiculturais dos meios de comunicação” (Shohat, Stam 2006, 27), como dizem, empreendem um mapeamento de discursos colonialistas desde 1492, considerado o ano de descobrimento da América. Interessados em reconhecer o mundo como uma formação mista, esses autores chamam a atenção para os hibridismos, os sincretismos e as mestiçagens em contraposição, por exemplo, ao etnocentrismo, ao racismo e ao sexismo que marcam as políticas imperialistas, colonialistas e neocolonialistas. Sustentando o pressuposto de que há uma expressão alegórica nos filmes de viagem de Manoel de Oliveira, revelada em suas estratégias retóricas particulares, é possível empreendermos uma análise de discurso que considere os agentes narrativos como personificações de conceitos relacionados à história de Portugal. Para tanto, estão em pauta alegorias nacionais constituídas sobre indivíduos (os protagonistas dos filmes em questão) e coletividades (os demais viajantes que, nos mesmos títulos, estão relacionados às questões internacionais da União Europeia e do mundo). Os personagens representam nações, no caso, associadas à dimensão de mundialização que, em Manoel de Oliveira, frequentemente remete à crítica ao eurocentrismo e à afirmação de uma perspectiva pertinente ao “multiculturalismo policêntrico”. A compreensão dos sentidos implicados nas alegorias históricas dentro dos filmes de viagem de Manoel de Oliveira é tomada como possibilidade que instiga a percepção de uma narrativa que se dá em âmbito globalizado, mas de acordo com as premissas de uma multiplicidade descentrada, considerando-se uma proposta de reestruturação das relações intercomunais, visando-se a descolonização das relações de poder contidas entre diferentes comunidades. Senão vejamos, em O sapato de cetim, Palavra e utopia e Cristóvão Colombo – o enigma, para além de Portugal, também está em pauta o contato entre os chamados Velho Mundo e Novo Mundo. Em suas retóricas cinematográficas encontramos a acusação direcionada aos reflexos das consequências de um pensamento consagrado pela via eurocêntrica – pensamento este que faz vítimas em nome das “mudanças históricas progressivas” (Shohat, Stam 2006). Vítimas religiosas, étnicas e históricas: para Portugal, personificado pelo protagonista dom Rodrigue, não restam opções a não ser seguir os desígnios da submissão e a entrega ao cristianismo como forma de redenção; Padre António Vieira que (no filme de Oliveira) volta-se à luta contra o trabalho escravo não só dos índios, mas dos negros também, finda sua jornada em quase completo 31

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abandono; Manuel Luciano, após uma vida dedicada à pesquisa concernente à nacionalidade de Colombo, não vê garantias de que sua busca logrará êxito finalmente. Non, ou a vã glória de mandar e Viagem ao princípio do mundo concentram as atenções no papel desempenhado por Portugal no mundo contemporâneo (Non em menor medida, obviamente, pois sua narrativa atua frequentemente na chave comparatista com o passado), mas, ao fazerem isso, por contraste, sugerem os equívocos constantes em uma lógica planetária pautada pela cobiça, pela ambição e pela ânsia dos avanços modernizantes. Com Um filme falado, a modernidade-mundo (Ianni 2000b) encontra no navio do cruzeiro a alegoria perfeita de um constructo social que navega pela História com seus dilemas, preconceitos e impertinências – não à toa, mãe e filha portuguesas, as protagonistas, as personificações de Portugal são esquecidas, abandonadas, fadadas às consequências mais desastrosas de uma dinâmica que insiste em dividir os povos entre Ocidente e Oriente. Com seus filmes de viagem, Oliveira endossa o célebre entendimento de Ella Shohat e Robert Stam: [Para o eurocentrismo] a história segue uma trajetória linear que vai da Grécia clássica (construída como “pura”, “ocidental” e “democrática”) a Roma imperial e, em seguida, às capitais metropolitanas da Europa e dos Estados Unidos. O eurocentrismo encara a história, portanto, como uma seqüência de impérios: Pax Romana, Pax Hispânica, Pax Britannica, Pax Americana. De todo modo, a Europa é vista como o “motor” das mudanças históricas progressivas: lá inventaram a democracia, a sociedade de classes, o feudalismo, o capitalismo e a revolução industrial (Shohat, Stam 2006, 22).

Por este motivo, parece-nos pertinente afirmar que Manoel de Oliveira visa reler o passado histórico das civilizações, com ênfase na história portuguesa, para expressar as problemáticas existentes no mundo contemporâneo, lançando mão da alegoria histórica nos referidos filmes, cujos discursos relacionam-se com a crítica ao eurocentrismo.

Deslocamentos e Alegorias: discurso e aspectos da globalização Apresentados os parâmetros conceituais que norteiam nossas reflexões, cabe agora observarmos qual é o trajeto percorrido pelo discurso de Manoel de Oliveira com os seus filmes de viagem. Com O sapato de cetim podemos notar “uma alegoria do fracasso das tentativas de erguer impérios seculares na Europa do primeiro século dos Descobrimentos e uma demonstração das rivalidades que resultam destas tentativas” (Ferreira 2010, 125). Trata-se de uma reflexão acerca da história europeia – mas com um olhar definitivamente voltado ao contexto português – vinculada aos desejos de constituição de um império universal. Non, ou a vã glória de mandar parte de um panorama histórico geral, apontando para diversos 32

episódios em que Portugal fracassou no intuito de consolidar-se como império mundial, passando por um dos mais traumáticos (a batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, dando origem ao mito do sebastianismo) até chegar à Revolução dos Cravos, em 1974 (marcando o fim da ditadura salazarista/marcelista), pontuando a convocação para um novo começo, livre das amarras de uma expectativa que deposita todas as suas esperanças na vinda de um salvador da pátria. Viagem ao princípio do mundo situa Portugal num contexto contemporâneo, relembrando os conflitos europeus do início da década de 1990, para, depois de passear por suas próprias memórias (dele, Oliveira), alertar sua nação acerca dos aspectos problemáticos de um povo amarrado às tradições e isolado das questões que permeiam o mundo na contemporaneidade. Seu discurso retorna ao século XVII, em Palavra e utopia, para relatar a vida e a obra de Padre António Vieira, entre suas idas e vindas de Portugal ao Brasil (lutando pelos direitos de índios e negros, escravos naquele contexto), confrontando a Inquisição, deixando um legado de sabedoria, enfrentando a solidão e a cegueira. Trata-se da alegoria de uma nação ora calada, ora sofrida, ora isolada, ora sábia, mas permanentemente viva e combatente, seja enfrentando os poderes da Igreja Católica (por meio da figura de Vieira), seja encarando um sistema europeu que tenta calar a voz de Portugal. Com Um filme falado, o percurso discursivo parte do princípio da civilização ocidental para marcar a posição de sua nação em um passado mitificado como glorioso, até chegar ao esquecimento e isolamento na configuração geopolítica globalizada do mundo atual. Por fim, ele relembra os feitos e legados portugueses ao debater a nacionalidade de Cristovão Colombo em relação com o descobrimento da América; com isso, contrapondo o poderio contemporâneo ao poderio do passado: Estados Unidos e Portugal – Cristóvão Colombo – o enigma. De fato, poderíamos notar certa rota no discurso elaborado pelo realizador. Ela parte dos feitos mais distantes de Portugal, livra-se do incômodo maior – a crença e dependência do sebastianismo, decorrente, em grande medida, do jugo imposto pelos espanhóis –, convoca o espectador a uma reflexão, ao instigá-lo a seguir adiante com suas próprias forças após a Revolução de 1974; volta a salientar os perigos de uma tradição distanciada dos avanços e relacionamentos contemporâneos, sobretudo aqueles diretamente ligados à Europa; convoca a palavra como ferramenta fundamental na luta contra o isolamento que parece condenar Portugal – mas não a palavra solta, vazia, e sim aquela carregada de esperança, de utopia; relembra que Ocidente e Oriente são percepções pautadas também por interesses políticos e ideológicos (sejam do passado, sejam do presente), para denunciar a complexa relação de Portugal com a Europa hoje; e, por fim, sublinha que grandes feitos de sua nação estão no passado, na imagem sacralizada dos tempos imperiais, mas que não devem, por isso, ser desdenhados – pelo contrário, podem ser evocados como reflexões críticas acerca do seu contexto atual.

Capítulo I – Cinema – Cinema

Neste âmbito, ganha destaque a figura da viagem que, na narrativa dos filmes, ocorre nos eixos EuropaAmérica-África (O sapato de cetim), Portugal-África (Non, ou a vã glória de mandar), França-EspanhaPortugal (Viagem ao princípio do mundo), BrasilPortugal, Portugal-Brasil e Portugal-Europa (Palavra e utopia), Ocidente-Oriente (Um filme falado), PortugalEUA (Cristóvão Colombo – o enigma). Há, além disso, o fato de seus protagonistas, ao partirem de Portugal para destinos diversos, constituírem menções aos feitos alcançados por Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães, Cristovão Colombo e Fernão Mendes Pinto entre os séculos XV e XVI. A relevância de tal rota/discurso consiste no fato de implicar a compreensão da obra oliveiriana num sentido amplificado. Ou seja, a importância de seu percurso discursivo revela-se por não tratar de análises isoladas e específicas a cada título, mas da investigação de um todo divido em partes. Desta forma, podemos verificar como o trabalho de Oliveira é capaz de se relacionar com questões imediatamente ligadas aos contextos político, histórico e social do mundo hoje, sem desprezar aspectos mais pontuais como, por exemplo, o da língua portuguesa no âmbito contemporâneo. Pois, os filmes de viagem também problematizam outro aspecto relevante no âmbito dos contatos contínuos e descontínuos entre tempos e lugares tão distintos, o qual diz respeito à tradução das línguas: suas relações e submissões como símbolos de identidades coletivas, como delimitadoras de diferenças nacionais e culturais ou inferindo sobre escalas de poder – vale lembrar que o idioma, nesses casos, está diretamente associado à noção de identidade nacional dos protagonistas. Em O Sapato de cetim, por exemplo, filme falado em francês, mas cuja narrativa da história está situada em um contexto de guerras espanholas, num momento de predomínio da Espanha sobre a Península Ibérica, sotaques e expressões, muitas vezes, servem para confirmar ou desautorizar pertencimentos a países, regiões ou estratos sociais. Com Non, ou a vã glória de mandar, o realizador lança mão de cantos, gírias e poemas lusitanos como forma de afirmação identitária tanto dos soldados portugueses – que, no tempo presente da história, estão em guerra colonial em África – como de seus antepassados – no caso, rememorados por meio do uso de flashbacks a partir de seu protagonista, o alferes Cabrita. Viagem ao princípio do mundo, ao colocar frente a frente o sobrinho francês e sua tia portuguesa (moradora do “princípio do mundo”), personagens que têm sua comunicação dificultada por um não entender a língua do outro, problematiza a questão da descendência portuguesa tanto pela lógica da senhora (pois “ele não fala a nossa fala”, como diz ela), como pela lógica do sobrinho, que afirma seu vínculo de parentesco mesmo falando outro idioma. Palavra e utopia faz menção a várias línguas, desde as indígenas (por serem diversos os dialetos aprendidos por António Vieira junto a comunidades de nativos brasileiros), passando pelo italiano, até o português arcaico. No caso deste título, seria possível afirmarmos que o

padre, que viveu entre Portugal e Brasil ao longo de toda a sua vida, encontra sua identidade com o uso e expressão do idioma português como forma de catequização e expansão dos propósitos cristãos. Por sua vez, a presença de línguas diversas é fundamental para a compreensão do sentido alegórico proposto por Oliveira em Um filme falado. Nesse âmbito, ganham relevância as sequências relacionadas aos jantares que ocorrem no navio do cruzeiro por onde viajam os protagonistas: no primeiro deles há a presença de uma grega, uma italiana, uma francesa e um estadunidense. Na ocasião, todos falam em seu idioma materno e há, contudo, um perfeito entendimento. Porém, no segundo jantar, quando as portuguesas são convidadas para se reunirem ao grupo, a situação se modifica: a conversa precisa ocorrer por meio de um idioma que seja falado e compreendido por todos, no caso, o inglês. Em Cristóvão Colombo – o enigma, Oliveira lança mão do português e do inglês como idiomas para a comunicação de seus personagens. Dentro de um contexto em que o objetivo último de seus protagonistas é comprovar que o navegador do século XV, Cristovão Colombo, teria nascido em Portugal, a presença dessas duas línguas servem para contrapor feitos, legados e identidades nacionais do passado e do presente – serve para contrastar Portugal e Estados Unidos.

Conclusão Manoel de Oliveira, de fato, é um realizador claramente interessado pelas questões políticas, sociais, históricas e culturais da contemporaneidade. Como lembra Carolin Overhoff Ferreira (2010, 118), a “discussão explícita da história portuguesa relacionada com o desejo de expansão, colonização e formação de um império universal inicia, no entanto, apenas com Le Soulier de satin [O sapato de cetim] (1985)”. Suas questões recorrentemente estão atreladas às concepções das nações em contextos internacionais, como comprovam alguns episódios que constituem a história de Portugal, que se fazem presentes nos filmes-objeto em questão: O sapato de cetim: a dedicação ao primeiro século de expansão após os Descobrimentos (século XVI), surgindo uma década após o fim do império português (1974), mas apenas um ano antes de Portugal entrar na Comunidade Europeia (1986); a identidade portuguesa, no contexto de submissão à Espanha (e à Europa), tal como representada no filme, não corresponde mais à imagem sacralizada dos tempos imperiais; nesse filme, Portugal é retratado como uma nação subjugada que não participa das aspirações mundanas e imperialistas dos outros países europeus. Non, ou a vã glória de mandar: os motivos das guerras coloniais em África colocados em xeque pelos soldados que seguem viagem no filme; os legados deixados por Portugal à humanidade a partir de suas grandes navegações, como a chegada ao chamado Novo Mundo; a morte da personificação de uma memória voltada à sacralização da nação portuguesa no passado (o protagonista do filme, alferes Cabrita); 33

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a associação da batalha de Álcacer-Quibir (1578) e a Revolução dos Cravos (1974) como eixos que sugerem, respectivamente, a submissão e a redenção do país perante seus fracassos. Viagem ao princípio do mundo: a travessia do país em direção ao “princípio do mundo”, colocando Portugal como o início de uma ideia de Europa, mas também como país que, hoje, agoniza perante o continente; a contraposição entre tradição e modernidade como modos de superar as guerras que ameaçam o continente europeu; a visita às memórias de um de seus protagonistas (o cineasta Manoel no filme) sugerindo que, tal como a juventude, as glórias passadas de seu país não podem ser mais alcançadas. Palavra e utopia: a vida e a obra de António Vieira como exemplos de resistência a um contexto de mundo globalizado, de injustiças, e sacrificador dos mais fracos, que tenta calar a voz de seu país; o uso da palavra carregada de utopia, por meio dos sermões do padre, sugerindo um legado de lutas humanitárias perante uma Europa indiferente a Portugal. Um filme falado: a complicada entrada de Portugal na União Europeia – podemos atentar para a sequência que se desenrola à mesa de jantar no navio, quando mãe e filha são convidadas e todos, obrigatoriamente, passam a conversar em inglês; a ideia de um controle mundial exercido pelos Estados Unidos, como indica a figura do navio conduzido por um Comandante estadunidense sem nome; as tensões entre o Ocidente e o Oriente, decorrentes de interesses econômicos associados a divergências religiosas, como indicam as sequências do filme envolvidas com o debate sobre a produção de petróleo, além da cena do ataque terrorista. Cristóvão Colombo – o enigma: o objetivo último de seus protagonistas (comprovar que Cristovão Colombo era português) indicando o desejo de reafirmar Portugal como o “descobridor” de todos os continentes do mundo; a figura de Colombo como fundador da América do Norte conotando as implicações da nação portuguesa como precursora do princípio de um poderio contemporâneo – os Estados Unidos. Nos filmes de viagem de Manoel de Oliveira estão em xeque tanto a perspectiva de uma teleologia histórica, como a noção de progresso como resposta às contradições entre desenvolvidos e subdesenvolvidos em um mesmo planeta e, num recorte mais restrito, no próprio continente europeu. Afinal, a alegoria histórica, nesse corpus, remete a um passado imperial de Portugal e chega a um contexto atual de incertezas quanto aos rumos de uma nação que se constituiu, miticamente em grande parte, como bem expressa Os Lusíadas, de Camões (obra pela primeira vez publicada em 1572), a partir das viagens, das conquistas marítimas. Se na passagem da Idade Média para a Modernidade, Portugal, com o Tratado de Tordesilhas (1494), chega a dividir com a Espanha o chamado Novo Mundo, hoje, em um contexto de globalização, mais precisamente no âmbito da criação e posterior crise da União Europeia, seu papel passa a ser outro, constituindo-se a nação portuguesa enquanto uma “comunidade imaginada” (Anderson 34

1989) a partir de parâmetros bem distintos daqueles do seu passado imperialista e colonialista. Assim, o discurso oliveiriano parece alinhar-se com as palavras de Eduardo Lourenço: Saído de ilusões da mesma ordem, povo missionário de um planeta que se missiona sozinho, confinado no modesto canto de onde saímos para ver e saber que há um só mundo, Portugal está agora em situação de se aceitar tal como foi e é, apenas um povo entre os povos. Que deu a volta ao mundo para tomar a medida da sua maravilhosa imperfeição (Lourenço 1999, 83).

Por fim, defendemos que a filmografia oliveiriana, por meio dos filmes de viagem, pode ser aproveitada em debates sociais, políticos, econômicos e culturais naquilo que diz respeito a Portugal e a nações que, além de afinidades históricas, mantém, ainda hoje, um vínculo político e cultural de solidariedade com os portugueses. Além disso, sob a perspectiva de análise aqui adotada, a obra de Manoel de Oliveira poderia servir como referência em reflexões voltadas às problemáticas enfrentadas por seu país e pela Europa no contexto de crise atual.

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Capítulo I – Cinema – Cinema

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Notas finais 1 Entre 1981 e 2014, Manoel de Oliveira não produziu filmes apenas nos anos de 1984, 1989, 2011 e 2013. Neste período, ou seja, em 33 anos, foram 39 filmes realizados (sendo 27 longas-metragens). Ainda em tempo, no ano de 1982, o cineasta realizou Visita ou Memórias e confissões, que, por sua ordem expressa, só poderá ser exibido após a sua morte. 2 Este último plano listado pela autora surge da definição apresentada pelo próprio Oliveira aquando da finalização da série composta por O passado e o presente (1971), Benilde ou a virgem mãe (1975), Amor de Perdição (1978) e Francisca (1981). 3 A Comunidade Econômica Europeia tornou-se União Europeia em 1992. 4 Em torno do conceito de alegoria, exploramos mais extensamente o trabalho desses três autores no artigo A presença da invisibilidade em Alice, de Marco Martins (PIANCO, 2013). 5 Reflexões sobre os conceitos e a crise acerca das ideias de “Nação” e “Estado-nação” podem ser acompanhadas em Benedict Anderson (1989, 2008), Eric Hobsbawm (1995) e Milton Santos (1994, 2004, 2006), entre outros.

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